Buscar

Contribuições da psicanálise à odontopediatria

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

pu
ls
io
na
l >
 re
vi
st
a 
de
 ps
ica
ná
lis
e >
>50
an
o X
V,
 n.
 16
4, 
de
z./
20
02
 - a
no
 XV
I, n
. 16
5, 
ja
n.
/2
00
3
Fátima Cristina Monteiro de Oliveira
Contribuições da psicanálise à odontopediatria
É sempre natural pensarmos na odontopediatria como útil na prevenção de cáries ou de
problemas ortodônticos, e ela tem eficazmente contribuído muito neste sentido. Neste
artigo no entanto, pretendo desenvolver um assunto sobre o qual pouquíssimo se tem
escrito, que seria o quanto o profissional de saúde pode, através de um olhar
psicanalítico, atender a criança de modo a estar contribuindo profilaticamente para a
saúde psíquica desta e do adulto a devir. Esta correlação está embasada em um estudo
da psicanálise e clínica psicanalítica, bem como na clínica com pacientes
odontopediátricos e adultos com dificuldade de atendimento.
>Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave: Odontopediatria, psicologia, psicanálise, clínica
It is natural to regard pediatric dentistry as useful for preventing tooth decay and
treating other dental problems, and the field has certainly contributed much to
children’s health. In this article, however, the author discusses a subject on which very
little has been written, to wit, how dentists could contribute prophylactically to
children’s and adults’ psychological health through a psychoanalytic approach. Such
correlation is based on a study in psychoanalysis and on clinical psychoanalytic
practice, and is also backed up by many years of clinic practice with both pediatric
and adult patients with special difficulties in being treated.
>Key wordsKey wordsKey wordsKey wordsKey words: Pediatric dentistry, psychology, psychoanalysis, clinic
Introdução
Podemos encontrar na literatura alguns
trabalhos relacionando a psicologia à
odontopediatria. E eles são importantes,
pois nos orientam quanto à fase de desen-
volvimento da criança, e enquanto ciên-
cia que descreve as condutas esperadas
da criança em cada uma destas fases.
Porém, são o estudo e vivência da psica-
nálise que poderão nos orientar em como
conduzir as crianças sob nossos cuidados,
cada uma em sua individualidade, para
que no final do percurso tenhamos uma
criança segura e confiante, brincando
prazerosamente, apoderando-se da expe-
riência que viveu conosco.
Acredito que é na interface entre duas
ciências que muitas vezes encontramos o
crescimento – nosso e delas.
O propósito deste artigo é comunicar-lhes
o quão próximo de nosso trabalho estão
os textos psicanalíticos, e o quanto o seu
ar
tig
os
> 
p. 
50
-5
4
pu
ls
io
na
l >
 re
vi
st
a 
de
 ps
ica
ná
lis
e >
>51
an
o X
V,
 n.
 16
4, 
de
z./
20
02
 - a
no
 XV
I, n
. 16
5, 
jan
./2
00
3
estudo retornará a nós na nossa eficácia
clínica.
A partir da leitura da obra de Winnicott
(2000), médico pediatra inglês, que da
pediatria passou a dedicar-se à psicanáli-
se e estudar o desenvolvimento infantil,
obtive uma nova visão da consulta odon-
topediátrica, que a psicologia não havia
alcançado me dar. Neste artigo procuro
primordialmente estabelecer a correlação
tão próxima entre o trabalho deste autor
e as consultas odontopediátricas, e por-
tanto fica-nos enriquecedor sabermos como
conduzi-las de modo a estarmos contribuin-
do também para o desenvolvimento de
um ser humano seguro frente a interven-
ções médicas ou odontológicas. Este tra-
balho baseia-se no fato de que sabemos
o quão importantes são os primeiros es-
tágios do desenvolvimento da criança.
Precisamos definir no início deste traba-
lho o conceito de Winnicott (1975) de
“mãe suficientemente boa”, que seria
aquela mãe devotada ao seu bebê, na fase
de sua dependência absoluta, e “ambien-
te suficientemente bom”, que seria aque-
le ambiente que, por estar bem adequa-
do, adaptando-se a todas as necessidades
físicas e emocionais do bebê, propicia-lhe
o desenvolvimento de todo seu potencial,
herdado no sentido de se tornar um ser
humano com toda sua riqueza individual,
criatividade e saúde mental.
Minha hipótese aqui é que o profissional
de saúde, por estabelecer as primeiras
relações da criança fora do ambiente do lar,
terá muito mais chance de alcançar o que
é bom, natural e verdadeiro nesta crian-
ça se lhe propiciar uma maternagem, e
um ambiente suficientemente bom em
seu consultório. Citarei um texto do au-
tor acima, que tão bem se adapta ao nos-
so trabalho com crianças, e mesmo com
o paciente adulto: “O medo não é o instru-
mento mais adequado para estimular a
colaboração. É sempre um relacionamen-
to vivo entre duas pessoas que abre espa-
ço ao crescimento.”
O objetivo deste estudo é poder trabalhar
com a criança de modo a permitir-lhe vi-
venciar a segurança e confiança na rela-
ção com o profissional.
O profissional de saúde, seja ele pediatra
ou odontopediatra, por estabelecer com
a criança uma das primeiras relações fora
do ambiente do lar deve, à semelhança da
mãe, exercer uma função maternante.
Como não há duas crianças idênticas,
aquele que se propõe a cuidar delas deve
ter com as mesmas uma relação viva e in-
dividual para o que não basta a aplicação
de conhecimentos teóricos e técnicos.
Neste trabalho eu procuro demonstrar
que o odontólogo que trata de bebês e
crianças deverá assumir uma função
muito semelhante à função materna que
Winnicott (1975) chamou de função da
mãe suficientemente boa. Ele resume es-
tas funções em:
. Holding (segurar o bebê no sentido fí-
sico e emocional).
. Integração psique-soma, por meio do
bom cuidado físico.
. Apresentação de objetos, tornando
real os impulsos criativos da criança.
A partir da definição de cada uma destas
funções mostrarei o quão próximas se
encontram de nosso método de trabalho
com a criança, que resulta para ela em
segurança e confiabilidade.
HoldingHoldingHoldingHoldingHolding
Constitui-se na identificação viva com a
criança que, por algum tempo, permane-
ar
tig
os
pu
ls
io
na
l >
 re
vi
st
a 
de
 ps
ica
ná
lis
e >
>52
an
o X
V,
 n.
 16
4, 
de
z./
20
02
 - a
no
 XV
I, n
. 16
5, 
ja
n.
/2
00
3
ce dependente em grau extremo. Pelo
holding, estaremos apoiando e contendo
a criança com suas ansiedades e adaptan-
do-nos às suas necessidades tanto emo-
cionais quanto fisiológicas. Por exemplo:
uma mãe quando vai pegar uma criança,
apóia instintivamente sua cabecinha e as-
sim a criança não tem a sensação de es-
tar caindo. A mãe está atenta à sensibili-
dade cutânea da criança (calor, frio). Ela
é capaz de se identificar com o bebê, de
apoiá-lo no que for necessário, de perce-
ber o que ele está sentindo. O holding
adequado permite a integração da crian-
ça, que podemos traduzir por sentir-se
inteiro, permitindo uma relação forte en-
tre psique e soma.
Não é difícil percebermos que ao agirmos
assim com nosso pacientezinho, estare-
mos dando-lhe condições de desenvolver
uma relação segura conosco. Precisamos
estar sempre atentos às necessidades da
criança, identificados com ela, com seus
medos, cuidadosos com sua sensibilidade
ao manipularmos sua cavidade oral, bus-
cando técnicas que não lhe causem dor.
Cito Winnicott:
Existe uma coisa que necessita especialmente
ser recuperada na prática médica. Ocorre que
o “cuidar-curar” é uma extensão do conceito
de segurar. Em termos da doença social “cui-
dar-curar” pode ser mais importante para o
mundo do que a cura do tratamento e do que
todo diagnóstico e prevenção que acompa-
nham aquilo que geralmente se denomina abor-
dagem científica. Será pedir muito ao clínico
que ele pratique o cuidar-curar? Sugiro que
encontremos no aspecto “cuidar-curar” de nos-
so trabalho profissional umcontexto para apli-
car os princípios que aprendemos no início de
nossa vidas, quando éramos pessoas imaturas
e nos foi dado um “cuidar-curar” satisfatório e
cura, por assim dizer, antecipada (o melhor da
medicina preventiva) por nossas mães satisfa-
tórias e por nossos pais.
Integração psique-somaIntegração psique-somaIntegração psique-somaIntegração psique-somaIntegração psique-soma
Winnicott (1997) nos afirma que os cui-
dados físicos com a criança, dar-lhe ba-
nho, alimentá-la, propiciam “a obtenção
pela criança de um psique-soma que viva
e trabalhe em harmonia consigo mesmo”.
Ou seja, a criança pode apropriar-se da
experiência do funcionamento de seu
corpo.
O profissional de saúde que cuida da crian-
ça, em especial o odontopediatra que
atua na sua cavidade oral, deve estar aten-
to ao que representa a boca para a crian-
ça. Portanto, é importantíssimo que este
cuidado seja extremamente delicado, no
sentido de estarmos ligados à sensibilida-
de da criança, preocupados intensa e
verdadeiramente com o seu bem-estar.
Os cuidados que a criança pequena pre-
cisa preenchem necessidades psicológicas
e emocionais, por mais que pareçam re-
lacionar-se com necessidades físicas.
Neste atendimento cuidadoso o odontólo-
go estará permitindo a boa integração da
cavidade oral com a psique infantil, de
vários modos:
. ao dedicar-se de modo cuidadoso a
esta parte do corpo;
. ao valorizá-la, cuidar para que os den-
tes permaneçam íntegros, inteiros. (Ve-
jam que estamos falando em integrida-
de, integração, sentir-se inteiro!);
. ao fazer a prevenção, impedindo que a
criança venha a ter dor na cavidade
oral, que na falta de prevenção pode
acometer até crianças bem pequenas.
ar
tig
os
pu
ls
io
na
l >
 re
vi
st
a 
de
 ps
ica
ná
lis
e >
>53
an
o X
V,
 n.
 16
4, 
de
z./
20
02
 - a
no
 XV
I, n
. 16
5, 
jan
./2
00
3
Apresentação de objetosApresentação de objetosApresentação de objetosApresentação de objetosApresentação de objetos
Assim definida por Winnicott (1999):
A apresentação de objetos ou realizações
(isto é, tornar real o impulso criativo da crian-
ça) dá início à capacidade do bebê de se rela-
cionar com objetos. As falhas nesse cuidado
bloqueiam ainda mais o desenvolvimento da
capacidade da criança de sentir-se real em sua
relação com o mundo dos objetos dos fenô-
menos.
Inicialmente é a mãe quem apresenta o
mundo à criança, mundo feito de objetos,
e de acontecimentos.
Assim propiciam-se os primeiros relacio-
namentos objetais e, conseqüentemente,
os primeiros movimentos criativos da
criança na sua relação com o mundo.
Certamente que esta é também uma fun-
ção exercida pelo profissional de saúde
quando uma criança adentra em um con-
sultório pela primeira vez.
Quando um bebê ou uma criança entram
em nosso consultório, sendo este seu pri-
meiro contato conosco, tudo lhe é desco-
nhecido. Estabelecemos assim relações de
confiança, e ao sentir a nossa confiabilida-
de é que a criança pode desenvolver a
confiança em si própria e nos objetos ex-
ternos.
Esse relacionamento objetal se torna gra-
dualmente uma questão de relação inter-
pessoal, mas para que este processo de
crescimento ocorra, a criança precisa de
um ambiente facilitador e ele é tanto mais
importante quanto menor for a idade da
criança, ou seja, maior a sua dependência.
E, ao meu ver, não há técnica ou ciência
que promovam este ambiente, que de-
pende de uma capacidade para estar em
contato: depende de uma qualidade hu-
mana.
Transportando este pensamento para o
nosso consultório, não é ele um micro-
ambiente facilitador?
Somos nós portanto que construiremos a
confiança da criança no ambiente.
Winnicott (2000) nos diz que:
Normalmente toda criança gosta de sentir-se
responsável por alguma coisa por certo perío-
do de tempo. O melhor é quando a idéia parte
da própria criança e não de nós. Mas, pouco a
pouco, as crianças tornam-se capazes de iden-
tificar-se conosco e aceitar nossas imposições
razoáveis sem sofrer grande perda de seu sen-
tido do self e dos direitos do self. Durante a
nossa consulta artificialmente damos ao bebê
o direito de fazer uma experiência com o valor
de uma aula sobre o objeto.
Gostaria de acrescentar ainda que é esta
confiabilidade humana que a criança ex-
perimentará conosco, no ambiente de
consultório, que permeará sua relação
com o tratamento odontológico pelo
resto de sua vida. Se o contato for bom,
estaremos formando crianças e adultos
que acreditam em serem cuidados.
Ter com a criança o que Bion (1972) des-
creveu como uma comunicação primitiva
entre mãe e criança, comunicação na
qual a mãe metaboliza os elementos exter-
nos, de modo a apresentá-los à criança já
digeridos e suavizados. A esta capacidade
materna Bion chamou rêverie, conceito
que muito se aproxima do holding descri-
to no início do nosso texto.
Esta tranqüilidade, esta crença que a crian-
ça desenvolverá no bom cuidado, pode-
rá estender-se aos demais cuidados médi-
cos deste adulto que virá. Winnicott
(1999) afirmou que o profissional que cui-
da, representa a própria figura parental,
como constatamos abaixo:
ar
tig
os
pu
ls
io
na
l >
 re
vi
st
a 
de
 ps
ica
ná
lis
e >
>54
an
o X
V,
 n.
 16
4, 
de
z./
20
02
 - a
no
 XV
I, n
. 16
5, 
ja
n.
/2
00
3
O padrão de tratamento tem que depender de
como se mantém viva a imagem da figura pa-
rental. Quando alguém está realizando algo
profissionalmente confiável, não pode evitar de
tornar-se uma figura parental.
Conclusão
A principal questão que gostaria de levan-
tar com este trabalho é que, a meu ver, as
especialidades médicas teriam muito a
enriquecer-se se tivessem algum embasa-
mento psicanalítico no atendimento a
seus pacientes, a exemplo da aproximação
que aqui faço entre a odontopediatria e
a psicanálise de D. W. Winnicott.
Auxiliado pela psicanálise, o profissional
de saúde tem condições de atender cada
criança adaptando-se às suas individuali-
dades e não apenas enxergando o sujei-
to por partes, o que temos visto como
conseqüência da enorme especialização
da medicina atual, que muitas vezes es-
quece que o doente tem um psiquismo.
Assim, possibilitamos que a criança cres-
ça introjetando um bom contato com o
tratamento e com os cuidados médicos,
sem desenvolver os medos e fobias com
que tantas vezes nos chegam os adultos
em nossos consultórios. E, para além dis-
so, o profissional terá com cada criança
a experiência de uma relação viva e pes-
soal.
Referências
BION, W.R. Volviendo a pensar. Trad. D. R.
Wagner. Buenos Aires: Hormé, 1972.
OLIVEIRA, F.C.M. Psicanálise aplicada à
odontologia e odontopediatria. Pulsional
Revista de Psicanálise, ano XIV, n. 143, p.
42-8, mar./2001.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Trad.
José Octávio de Aguiar Abreu e Vanede
Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p.
59-77.
_____ A família e o desenvolvimento
individual. Trad. Marcelo Brandão Cipolla.
São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 8-45.
_____ Tudo começa em casa. Trad. Paulo
Sandler. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
p. 12-142.
_____ Os bebês e suas mães. Trad. Jefferson
Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1999. p. 14-53.
_____ Da pediatria à psicanálise. Trad. Davy
Bogomoletz. Rio de Janeiro: Imago, 2000,
p. 112-232.
ar
tig
os
Além de seu estoque habitual
 nas áreas de psicanálise,
psicologia, filosofia
e psiquiatria, a
Livraria Pulsional
conta com um acervo de
300.000 títulos abrangendo
todas as áreas.
Faça sua consulta.
Rua Dr. Homem de Mello, 446
05007-001 São Paulo, SP
Fonefax: (11) 3672-8345 zzzzz 3675-1190 zzzzz
3865-8950
e-mail: pulsional@uol.com.br
Artigo recebido em julho/2002
Aprovado para publicação emnovembro/2002

Outros materiais