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Problemas sociais L. A. Costa Pinto

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Problemas Sociais
(Excerto do livro: Sociologia e desenvolvimento, de L. A. Costa Pinto. 7ed. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1978. p. 131-140).
No mundo inflacionado de problemas em que vivemos – especialmente neste país, em que sua multiplicidade oferece exemplares de quase todas as idades históricas conhecidas... – ouvir falar de problemas sociais é coisa que acontece durante as vinte e quatro horas do dia. Em toda parte, a qualquer hora, qualquer troca de idéias, qualquer conversa entre amigos, qualquer leitura de jornal, nos mantêm em contato com carradas de problemas sociais, que todos discutem, procuram solucionar, entender, ou explicar. Fatos e circunstâncias, de natureza díspar, de caracterização múltipla, encontram entre si, dentro da pluralidade de fatores que os condicionam, um traço comum: é o de serem problemas sociais. 
Mas, então, se assim acontece, que é um problema social? – eis a pergunta que logicamente se impõe. 
Com certa humildade e consciência de culpa, todos “nós” que opinamos, discutimos, doutrinamos, solucionamos e, não raro, agravamos problemas sociais, devemos confessar que a pergunta ainda não nos ocorreu à mente. Ora, um problema social é... um problema social!
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A verdade irrecorrível, entretanto, é que, de certo ponto de vista, o processo de desenvolvimento é uma série continua de problemas sociais, colocados por uma sociedade em seu próprio caminho, à medida em que se afasta de certos padrões anteriores, tradicionalmente vigentes, e marcha para se organizar de acordo com novos padrões. 
De fato, historicamente, o processo de desenvolvimento consiste na substituição de certas formas de organização econômica e social e na inauguração e expansão de outras que vão substituí-las. Noutras palavras, isto significa que, numa sociedade em mudanças, necessária e incoercivelmente algumas coisas se desorganizam para que outras sejam organizadas. 
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Para o prof. Emory Bogardus, problemas sociais são aquelas situações sociais de que o grupo toma conhecimento e procura resolver como condição de equilíbrio e continuidade da organização social. Para tornar clara sua conceituação, estabelece a seguinte comparação com o organismo biológico: assim como no corpo humano existem funções desempenhadas por diversos órgãos, sem que pense sobre cada uma delas e delibere antes de cada uma se exercer, também no corpo social muitos aspectos básicos e institucionais da sociedade funcionam, natural e normalmente, sem que resultem, necessariamente, de um esforço consciente e deliberado dos indivíduos envolvidos nessas situações sociais. Um indivíduo, normalmente; não pensa e delibera antes de cada inspiração ou expiração, e quando acaso a respiração deixa de ser feita naturalmente, demandando um esforço e tornando consciente e deliberada a função de respirar, defrontamos uma situação patológica – um problema – exigindo tratamento e cura. 
Do mesmo modo, segundo Bogardus, na sociedade e dentro de cada padrão de organização social, as diversas esferas sociais se entrosam e funcionam em harmonia, como modo de ser da sociedade, sem que o grupo a cada momento seja obrigado a tomar consciência dos processos que, dentro dele, se desenrolam. Quando isso acontece, algo deixa de funcionar e as situações sociais se transformam em problemas, passando a exigir, também, tratamento e cura. 
Analisada de um ponto de vista formal, a opinião de Bogardus, que joga com os conceitos de situação e problema, chama a nossa atenção para o fato de que os problemas sociais, sociologicamente encarados, não devem ser desligados de seu contexto estrutural, não devem ser entendidos como castigo, ou como algo que cai do céu por descuido: são as próprias situações, em seu processus, que se transformam em problemas, a partir de um ponto, dizemos nós, a ser determinado por meio da análise histórica e funcional de todos os fatores envolventes e envolvidos em cada situação concreta. 
Nesse sentido, os problemas sociais resultam de situações normais que, em seu processo de desenvolvimento, obrigam a sociedade a pensar em si mesma, voltando sua atenção para as causas dos problemas e procurado resolvê-los. 
Além disso, em estruturas complexas, como a da sociedade contemporânea, antes de todos os membros do grupo começarem a pensar nos problemas que lhes afetam, já uma parte dele há muito tempo vem tomando consciência de que o problema existe. Referir a conceituação de problema social a fatores desse tipo, meramente ideais, como faz Bogardus, afigura-se, portanto, ponto de vista excessivamente flutuante, que se pode prestar, inclusive, ao mascaramento de alguns dos grandes problemas sociais contemporâneos, dos quais muitos grupos podem estar interessados em não tomar consciência, indo, não raro, ao ponto de negar que existem. 
Nada mais característico, no processo de desenvolvimento, do que a existência de certos grupos sociais que vivem e sobrevivem precisamente às custas da irresolução de alguns problemas. Os problemas desse tipo – e são muitos – não estariam também adequadamente incluídos naquele conceito. 
Procurando estabelecer o conceito de desorganização social, mais amplo que o de problema social, pois resulta do agravamento; multiplicação e irresolução deste, alguns a definem como “aquela situação em que uma sociedade, diante de seus problemas, perde a capacidade de restabelecer o comportamento anterior”. 
Toda sociedade, por definição, gera, dentro de sua estrutura, uma certa ordem social, que se exprime em valores sociais, que determinam e sancionam o comportamento dos indivíduos membros da sociedade. Daí se conclui que os padrões de comportamento que se impõem aos membros de uma sociedade são sempre resultantes de um tipo determinado e estabelecido de estrutura e organização social e fazem parte do sistema de valores dessa sociedade. Nesse sistema de valores está expresso o que a sociedade considera útil e desejável, o justo e o injusto, o bom e o mau, o certo e o errado, o conveniente e o inconveniente, para o tipo de organização social a que o sistema de valores se refere. 
Se assim é, somente à custa de flagrante violação do espírito científico poderíamos estabelecer que é fenômeno patológico, sintoma de ‘desorganização da sociedade, tudo aquilo que significar alteração do padrão de comportamento dominante em determinado época, pois dessa forma estaríamos arbitrariamente decretando que as normas e sanções vigorantes em certa sociedade, em determinada época, são modelos perfeitos e válidos indefinidamente, e imperfeito tudo o que alterar aquele paradigma ou dele se afastar. 
Desse ponto de vista, esse conceito apresenta, portanto, uma lacuna. Além disso, considerando problema social aquela situação em face da qual o grupo perde a capacidade de restabelecer os padrões anteriores de comportamento, a opinião exposta tem, implícita, a noção de que as formas anteriores de comportamento devem conservar sempre o poder de solucionar os problemas, que, entretanto, muitos deles podem resultar, precisamente, da incapacidade demonstrada por essas pautas de comportamento e sistemas de valores, de regular a conduta individual diante de novas situações sociais, inexistentes ao tempo em que elas foram engendradas pela sociedade para atender a necessidades sociais de tipo diverso. Em tais circunstâncias, todo esforço insistentemente feito pelas situações estabelecidas e dominantes para restabelecer as formas anteriores, como solução para os problemas sociais, só costuma resultar num agravamento da desorganização social que pretende solucionar. Para novos e grandes males, só novos e grandes remédios, e não os anteriores, como ali se pretendeinsinuar. 
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Dessa crítica quer fazemos aos conceitos acadêmicos acima expostos, podemos extrair três conclusões fundamentais: a) os problemas sociais devem ser encarados de modo que fique destacada sua natureza estrutural, sua dependência em relação às formas históricas da organização econômica e social, pois são estas que se desorganizam, gerando, em todas as esferas da sociedade, inclusive nos padrões de comportamento dos indivíduos, efeitos e repercussões de diversa gravidade; b) o estudo científico dos problemas de desorganização social deve se esforçar por estabelecer as bases de uma interpretação orgânica e operativa sobre seu processus geral, sobre cujo fundo possam ser destacadas, sem confusões nem subterfúgios, as particularidades das situações concretas e as manifestações específicas e relativas dos casos singulares; c) os problemas sociais surgem dentro e de dentro das estruturas sociais, por elas engendradas em seu processo de transformação. Isto significa que é nos quadros da organização social que encontraremos ponto de partida objetivo para a compreensão dos problemas de desorganização social, não compreendendo, atomisticamente, cada problema como um mundo em si mesmo. Isto significa, por outro lado, que na análise e determinação de um conceito de problema social, bem como nos esforços organizados para sua solução, a heterogeneidade de fatores que neles intervêm, para que não pareça uma miscelânea confusa de variáveis, de causas, razões e motivos, precisa ser entendida dentro de um quadro geral de interpretação, capaz de salientar o que existe de comum entre os diversos problemas sociais, como condição indispensável à compreensão do que existe de específico em cada um deles, sabendo discernir, desse modo, o que é fundamental do que é acessório.
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