Buscar

A falta de cuidado estigma do nosso tempo Leonardo Boff

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A FALTA DE CUIDADO: ESTIGMA DE NOSSO TEMPO
Leonardo Boff
Este livro vem escrito a partir de uma perspectiva de urgência. Por toda parte apontam sintomas que sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade. O projeto de crescimento material ilimitado, mundialmente integrado, sacrifica 2/3 da humanidade, extenua recursos da Terra e compromete o futuro das gerações vindouras. Encontramo-nos no limiar de bifurcações fenomenais. Qual é o limite de suportabilidade do super-organismo Terra? Estamos rumando na direção de uma civilização do caos? 
A Terra em sua biografia conheceu cataclismos inimagináveis, mas sempre sobreviveu. Sempre salvaguardou o princípio da vida e de sua diversidade. 
Estimamos que agora não será diferente. Há chance de salvamento. Mas para isso devemos percorrer um longo caminho de conversão de nossos hábitos cotidianos e políticos, privados e públicos, culturais e espirituais. A degradação crescente de nossa casa comum, a Terra, denuncia nossa crise de adolescência. Importa que entremos na idade madura e mostremos sinais de sabedoria. Sem isso não garantiremos 
um futuro promissor. 
Formalizando a questão, podemos dizer: mais que o fim do mundo estamos assistindo ao fim de um tipo de mundo. Enfrentamos uma crise civilizacional generalizada. Precisamos de um novo paradigma de convivência que funde uma relação mais benfazeja para com a Terra e inaugure um novo pacto social entre os povos no sentido de respeito e de preservação de tudo o que existe e vive. Só a partir desta mutação faz sentido pensarmos em alternativas que representem uma nova esperança. 
1. Sintomas da crise civilizacional 
O sintoma mais doloroso, já constatado há décadas por sérios analistas e pensadores contemporâneos, é um difuso mal-estar da civilização. Aparece sob o fenômeno do descuido, do descaso e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado. Há um descuido e um descaso pela vida inocente de crianças usadas como combustível na produção para o mercado mundial. Os dados da Organização Mundial da Infância de 1998 são aterradores: 250 milhões de crianças trabalham. Na América Latina 3 em cada 5 crianças trabalham. Na África, uma em cada 3. E na Ásia uma em cada duas. São pequenos escravos a quem se nega a infância, a inocência e o sonho. Não causa admiração se são assassinadas por esquadrões de extermínio nas grandes metrópoles da América Latina e da Ásia. 
Há um descuido e um descaso manifesto pelo destino dos pobres e marginalizados da humanidade, flagelados pela fome crônica, mal sobrevivendo da tribulação de mil doenças, outrora erradicadas e atualmente retornando com redobrada virulência. 
Há um descuido e um descaso imenso pela sorte dos desempregados e aposentados, sobretudo dos milhões e milhões de excluídos do processo de produção, tidos como descartáveis e zeros econômicos. Esses nem sequer ingressam no exército de reserva do capital. Perderam o privilégio de serem explorados a preço de um salário mínimo e de alguma seguridade social. 
Há um descuido e um abandono dos sonhos de generosidade, agravados pela hegemonia do neoliberalismo com o individualismo e a exaltação da propriedade privada que comporta. Menospreza-se a tradição de solidariedade. Faz-se pouco dos ideais de liberdade e de dignidade para todos os seres humanos. Essa situação se aprofundou com a queda do socialismo real e a implosão do bloco soviético. Não obstante suas contradições, essas realidades mantinham sempre ativa a retórica do social, acesa a consciência da cooperação e do internacionalismo. 
Há um descuido e um abandono crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos habitantes sente-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente. Predomina a sociedade do espetáculo, do simulacro e do entretenimento. 
Há descuido e descaso pela dimensão espiritual do ser humano, pelo esprit de finesse nesse (espírito de gentileza) que cultiva a lógica do coração e do enternecimento por tudo o que existe e vive. Não há cuidado pela inteligência emocional, pelo imaginário e pelos anjos e demônios que o habitam. Todo tipo de violência e de excesso é mostrado pelos meios de comunicação com ausência de qualquer pudor ou escrúpulo. 
Há um descuido e um descaso pela coisa pública. Organizam-se políticas pobres para os pobres; os investimentos sociais em seguridade alimentar, em saúde, em educação e em moradia são, em geral, insuficientes. Há um descuido vergonhoso pelo nível moral da vida pública marcada pela corrupção e pelo jogo explícito de poder de grupos, chafurdados no pantanal de interesses corporativos. 
Há um abandono da reverência, indispensável para cuidar da vida e de sua fragilidade. A continuar esse processo, até meados do século XXI terão desaparecido definitivamente, mais da metade das espécies animais e vegetais atualmente existentes. É o que nos informa o conceituado e recente relatório sobre 6 estados da Terra (The State of Environnent Atlas) dos Estados Unidos. Com eles desaparece uma biblioteca de conhecimentos acumulados pelo universo no curso de 15 bilhões de anos de penoso trabalho evolutivo. 
Há um descuido e um descaso na salvaguarda de nossa casa comum, o planeta Terra. Solos são envenenados, ares são contaminados, águas são poluídas, florestas são dizimadas, espécies de seres vivos são exterminadas; um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da humanidade. Um princípio de autodestruição está em ação, capaz de liquidar o sutil equilíbrio físico-químico e ecológico do planeta e devastar a biosfera, pondo assim em risco a continuidade do experimento da espécie homo sapiens e demens. 
Há descuido e descaso generalizado na forma de se organizar a habitação, pensada para famílias minúsculas, obrigadas a viver em cômodos insalubres. Milhões e milhões são condenados a viver em favelas sem qualquer qualidade de vida, sob a permanente ameaça de deslizamentos, fazendo a cada ano milhares de vítimas. As formas de vestir de estratos importantes da juventude revelam decadência dos gostos e dos costumes. Recorre-se freqüentemente à violência para resolver conflitos interpessoais e institucionais, normalmente superáveis mediante o diálogo e a mútua compreensão. Atulhados de aparatos tecnológicos vivemos tempos de impiedade e de insensatez. Sob certos aspectos regredimos à barbárie mais atroz. 
2. Remédios insuficientes
Face a esta situação de falta de cuidado, muitos se rebelam. Fazem de sua prática e de sua fala permanente contestação. Mas sozinhos sentem-se impotentes para apresentar uma saída libertadora. Perderam a esperança. 
Outros perderam a própria fé na capacidade de regeneração do ser humano e de projeção de um futuro melhor. Vêem no ser humano mais a dimensão de demência do que de sapiência. Resignaram-se na amargura. Depois da vida há coisa pior do que perder o brilho da vida? 
Outros têm fé e esperança. Mas propõem remédios inadequados aos sintomas de uma doença coletiva. Não vão à causa real das mazelas. Tratam apenas dos sinais. 
Assim, por exemplo, muitos estimam que o mal-estar generalizado resulta do abandono da religião. Esquecendo-se Deus, afirmam, tudo é possível. Com efeito, o ser humano da modernidade entrou num aceleradíssimo processo de secularização. Não precisa de Deus para legitimar e justificar os pactos sociais. A religião persiste, mas não consegue ser fonte de sentido transcendente para o conjunto da sociedade. 
O ser humano moderno criou um "complexo de Deus". Comportou-se como se fora Deus. Através do projeto da tecnociência pensou que tudo podia, que não haveria limites à sua pretensão de tudo conhecer, de tudo dominar e de tudo projetar. Essa pretensão colocou exigências exorbitantes a si mesmo. Ele não agüenta mais tanto desenvolvimento que já mostra seu componente destrutivo ao ameaçar o destino comum da Terra e de seus habitantes. Irrompeu nele "o complexo de Deus" que o acabrunha. 
Entretanto, cabe perguntar: a religião por si só conseguecorrigir esse desvio? Basta tornar as pessoas mais piedosas? Ela pode seguramente revitalizar uma dimensão da existência, o espaço institucional do sagrado e reforçar o seu poder histórico-social. Mas não necessariamente gesta um modo de ser mais solidário e compassivo. Nem ipso facto origina uma espiritualidade capaz de tudo religar e de tudo fundar na Fonte originária. 
O decisivo não são as religiões, mas a espiritualidade subjacente a elas. É a espiritualidade que une, liga e re-liga e integra. Ela e não a religião ajuda a compor as alternativas de um novo paradigma civilizatório. 
Ao "complexo de Deus" devemos propor "o nascimento de Deus" dentro de cada pessoa e da história da humanidade, e sua epifânia no universo. 
Outros grupos opinam: para resolver a crise atual, deve-se reforçar a rl10ral e a contenção dos costumes. Em nome dessa proposta mobilizam-se milhões de pessoas em defesa da vida inocente, contra o aborto, pela paz contra a guerra, por uma nova tecnologia mais benevolente para com o meio ambiente. A moral é importante. Mas se não nascer de uma nova redefinição do ser humano e de sua missão no universo, no contexto de uma nova aliança de paz e de sinergia para com a Terra e com os povos que nela habitam, ela pode decair num moralismo enfadonho e farisaico e transformar-se num pesadelo das consciências. Uma ética nova pressupõe uma ótica nova. Cumpre investir nessa nova ótica, como tentaremos ao largo e ao longo de nossas reflexões. Outros pensam: precisamos de mais educação, de mais formação e de mais informação. Obviamente, importa socializar os conhecimentos, aumentar a massa crítica da humanidade e democratizar os processos de empoderamento dos cidadãos. Certamente o saber é imprescindível. Sem ele não debelamos os figadais inimigos da humanidade como a fome, a doença e a incomunicação. O saber nos confere poder. O saber e o poder nos levaram à Lua e já para fora do sistema solar. Mas a serviço de que projeto de ser humano, de sociedade e de mundo utilizamos o poder da ciência e da técnica? A resposta a essa questão pede mais que ciência e técnica. Exige uma filosofia do ser e uma reflexão espiritual que nos fale do Sentido de todos os sentidos e que saiba organizar a convivência humana sob a inspiração da lei mais fundamental do universo: a sinergia, a cooperação de todos com todos e a solidariedade cósmica. Mais importante que saber é nunca perder a capacidade de sempre mais aprender. Mais do que poder necessitamos de sabedoria, pois só esta manterá o poder em seu caráter instrumental, fazendo-o meio de potenciação da vida e de salvaguarda do planeta. 
Todas estas propostas, por sugestivas que sejam não vão à raiz da questão essencial. Se notarmos, por exemplo, uma rachadura na parede, seria enganoso e irresponsável tomar cimento e cal e simplesmente tapá-Ia. Não seria imperativo analisar os fundamentos que tudo sustentam, geralmente invisíveis e detectar aí a causa da rachadura e saná-Ia pela raiz? Não seria essa a atitude mais racional e mais sábia? Se um filho começa a mostrar problemas nos estudos, a entregar-se à droga, a voltar de madrugada, de pouco vale culpá-Io e mantê-Io em rédeas curtas. Talvez o problema não esteja nele e sim na incapacidade de trabalhar criativamente as relações familiares destruídas, a contínua tensão entre pai e mãe e a crise financeira do pai que frustra os sonhos do filho e compromete o futuro de toda a família. 
3. Insuficiências do realismo materialista 
Analisando com mais profundidade, descobrimos por detrás do edifício da modernidade científico-técnica o funcionamento de uma determinada filosofia: o realismo materialista. 
Chama-se de realismo a esta filosofia porque imagina que as realidades existem como objetos independentes do sujeito que as observa. Elas, na verdade, não são independentes. Não há objeto sem sujeito e sujeito sem objeto. Há a unidade sagrada da realidade que, como num jogo, sempre inclui a todos como participantes e jamais como meros espectadores. Este realismo é pouco realista porque reduz o âmbito da realidade, ao não incluir nela o fenômeno da subjetividade, da consciência, da vida e da espiritualidade. 
Desde tempos imemoriais, todos os povos e culturas se enchiam de veneração face à realidade do Divino que impregna todo o universo; vivenciavam o significado sagrado de todas as coisas e cultivavam a espiritualidade como aquela visão interior que unia tudo à sua Fonte divina. Somente nos últimos quatro séculos surgiu um tipo de humanidade cega a estas dimensões e, por isso, profundamente empobrecida em sua realização no mundo. Ela encurtou a realidade ao tamanho dos cinco sentidos, organizados pela razão analítica. 
Esta filosofia se entende materialista, no sentido antigo, porque pressupõe que a matéria (átomos, partículas elementares, vácuo quântico, etc.) constitui a única realidade consistente; os demais fenômenos são derivações secundárias dela. Não assimilou ainda o fato de que a matéria não é simplesmente material mas é energia estabilizada, cheia de interações complexas. A matéria, como a filologia da palavra sugere, é mãe de todas as coisas, até da vida que é a autoorganização da matéria. Ainda não se criou a consciência de que o visível é parte do invisível. 
Hoje os sinos dobram sobre o realismo materialista. A física quântica demonstrou a profunda interconexão de tudo com tudo e a ligação indestrutível entre realidade e observador; não há realidade em si, desconectada da mente que a pensa; ambas são dimensões de uma mesma realidade complexa. O universo é consciente. A moderna cosmologia* demonstrou que este universo é matematicamente inconsistente sem a existência de um Espírito Sagrado e uma Mente infinitamente ordenadora. 
A nova filosofia apresenta-se holística*, ecológica e espiritual. Ela funda uma alternativa ao realismo materialista, com capacidade de devolver ao ser humano o sentimento de pertença à família humana, à Terra, ao universo e ao propósito divino. 
Assim se supera o dado mais grave que se esconde por detrás da falta de cuidado: a perda da conexão com o Todo; o vazio da consciência que não mais se percebe parte e parcela do universo; a dissolução do sentimento do Sagrado face ao cosmos e a cada um dos seres; e a ausência da percepção da unidade de todas as coisas, ancoradas no mistério do Supremo Criador e Provedor de tudo. 
Sobre o conjunto destas questões devemos refletir com atenção até construirmos um novo estado de consciência. É a pré-condição para gestarmos uma atitude de maturidade e de sabedoria que nos ajudará a buscar outros caminhos, diferentes dos já trilhados até agora. Após séculos de cultura material, buscamos hoje ansiosamente uma espiritualidade simples e sólida, baseada na percepção do mistério do universo e do ser humano, na ética da responsabilidade, da solidariedade e da compaixão, fundada no cuidado, no valor intrínseco de cada coisa, no trabalho bem feito, na competência, na honestidade e na transparência das intenções. 
4. Indicações para o caminho certo 
Importam buscar respostas, inspiradas em outras fontes e em outras visões de futuro para o planeta e para a humanidade. 
Estas respostas não se encontram prontas em algum recanto privilegiado da Terra. Nem em algum livro ancestral. Nem em mestres e gurus com novas ou antigas técnicas de espiritualização. Nem em alguma profecia escondida. Nem em iniciações rituais e mágicas. Nem simplesmente em caminhos terapêuticos à base de produtos naturais. Devemos aprender de todas estas propostas, mas cavar mais fundo, ir mais longe e evitar soluções calcadas sobre uma única razão. Importa inserir outras dimensões para enriquecer nossa visão. 
Neste sentido as respostas vêm sendo formuladas concretamente pelo conjunto das pessoas que ensaiam práticas significativas em todos os lugares e em todas as situações do mundo atual. Portanto, não há um sujeito histórico único. Muitos são os sujeitos destas mudanças. Elas se orientam por um novosentido de viver e de atuar. Por uma nova percepção da realidade e por uma nova experiência do Ser. Elas emergem de um caminho coletivo que se faz caminhando. 
Com efeito, cresce seminalmente um novo paradigma* de re-ligação, de re-encantamento pela natureza e de compaixão pelos que sofrem; inaugura-se uma nova ternura para com a vida e um sentimento autêntico de pertença amorosa à Mãe-Terra. Essa viragem se mostra pelo crescimento dos grupos que cultivam a ecologia, a meditação e a espiritualidade; cresce o número dos que acompanham com atenção o impacto ambiental dos projetos realizados pelas empresas privadas ou pelo estado; muitos são os que, em todas as questões abordadas, incorporam a perspectiva da Terra como um todo vivo e orgânico. Mais e mais pessoas procuram alimentar-se com produtos naturais e mantêm sob severo controle o nível de contaminação e quimicalização dos produtos. Aumenta a consciência da corresponsabilidade pelo único planeta que temos, por sua imensa biodiversidade e por cada ser ameaçado de extinção. Aumenta o senso de solidariedade para com populações dizimadas pela fome ou por alguma catástrofe natural. Mobilizam-se grupos e a opinião pública em defesa dos direitos dos animais e dos direitos humanos sociais e culturais; há um notável esforço de superação do patriarcalismo e pelo fortalecimento da dimensão da anima* no homem e na mulher, pelo apoio às mulheres, às minorias socialmente discriminadas que podem representar milhões e milhões de pessoas como os negros, os povos originários, os portadores de alguma deficiência ou doença, etc. A espiritualidade cósmica volta a animar espíritos sensíveis à mensagem que emana do universo e da natureza. Tradições religiosas e espirituais se revitalizam em contacto com os desafios do nosso tempo. 
Sente-se a urgência de um novo ethos civilizacional que nos permitirá dar um salto de qualidade na direção de formas mais cooperativas de convivência, de uma renovada veneração pelo Mistério que perpassa e que sustenta o processo evolutivo. 
Por toda parte se formulam ânsias por uma nova aliança de paz perene com as demais espécies e com a Terra. Esse novo contrato social se assenta na participação respeitosa do maior número possível, na valorização das diferenças, na acolhida das complementaridades e na convergência construída a partir da diversidade de culturas, de modos de produção, de tradições e de sentidos de vida. 
5. Uma nova ética a partir de uma nova ótica 
Em momentos críticos como os que vivemos revisitamos a sabedoria ancestral dos povos e nos colocamos na escola de uns e outros. Todos nos fazemos aprendizes e aprendentes. Importa construir um novo ethos que permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da comunidade biótica, planetária e cósmica; que propicie um novo encantamento face à majestade do universo e à complexidade das relações que sustentam todos e cada um dos seres. 
Ethos em seu sentido originário grego significa a toca do animal ou casa humana, vale dizer, aquela porção do mundo que reservamos para organizar, cuidar e fazer o nosso habitat. Temos que reconstruir a casa humana comum -a Terra -para que nela todos possam caber. Urge modelá-Ia de tal forma que tenha sustentabilidade para alimentar um novo sonho civilizacional. A casa humana hoje não é mais o estado-nação, mas a Terra como pátria/mátria comum da humanidade. Esta se encontrava no exílio, dividida em estados-nações, insulada em culturas regionais, limitada pelas infindáveis línguas e linguagens. Agora, lentamente, está regressando de seu longo exílio. Está se reencontrando num mesmo lugar: no planeta Terra unificado. Nele fará uma única história, a história da espécie lzonzo, numa única e colorida sociedade mundial, na consciência de um mesmo destino e de uma igual origem. 
Esse ethos (modelação da casa humana) ganhará corpo em morais concretas (valores, atitudes e comportamentos práticos) consoante às várias tradições culturais e espirituais. Embora diversas todas as propostas morais alimentarão o mesmo propósito: salvaguardar o planeta e assegurar as condições de desenvolvimento e de co-evolução do ser humano rumo a formas cada vez mais coletivas, mais interiorizadas e espiritualizadas de realização da essência humana. 
De onde vamos derivar esse novo ethos civilizacional? Ele deve emergir da natureza mais profunda do humano. De dimensões que sejam por um lado fundamentais e por outro compreensíveis para todos. Se não nascer do cerne essencial do ser humano, não terá seiva suficiente para dar sustentabilidade a uma nova florada humana com frutos sadios para a posteridade. 
Devemos todos beber da própria fonte. Auscultar nossa natureza essencial. Consultar nosso coração verdadeiro. Essa dimensão frontal deverá suplantar a desesperança imobilizadora e a resignação amarga. Deverá, outrossim, complementar os caminhos insuficientes referidos acima. Quer dizer, essa dimensão frontal será a base para um novo sentimento religioso. Criará um novo sentido ético e moral. Propiciará uma nova razão, instrumental, emocional e espiritual que transformará a ciência, a tecnologia e a crítica em medicinas para a Terra e para a humanidade. Uma nova ética nascerá de uma nova ótica. 
Qual será essa ótica? Qual será essa dimensão seminal do humano, capaz de sustentar uma nova aventura histórica? De que ethos precisamos? Daquele que se opõe à falta de cuidado, ao descuido, ao descaso e ao abandono? 
Bibliografia para aprofundamento 
Antunes, C., Uma aldeia em perigo. Os grandes problemas geográficos do século XX, Petrópolis, Vozes 1986. 
Araújo de Oliveira, M., Ética epráxis histórica, S. Paulo, Ática 1995. 
Arrighi, G., O longo século XX, Rio de Janeiro, Contraponto 1996. 
Arrighi, G.,A ilusão do desenvolvimento, Petrópolis, Vozes 1997. 
Arruda, M., Globalização e sociedade civil. Repensa ndo o cooperativismo no contexto da cidadania ativa, Rio de Janeiro, Publicações PACS 1997. 
Assmann, H., Metáforas novas para reencantar a educação, Piracicaba, Editora UNlMEP 1996. 
Assmann, H., Reencantar a educafão. Rumo à sociedade aprendente, Petrópolis, Vozes 1998. 
BarreTe, M., Terra) patrimônio comum. S. Paulo, Nobel1995. 
Berry, Th., O sonho da Terra, Petrópolis, Vozes 1991. 
Bloom, H., O cânone ocidental, Rio de Janeiro, Objetiva 1995. 
Boff, L., Nova era: a civílizafão planetária, S. Paulo, Ática 1995. 
Boff, L., Ecologia: grito da Terra) grito dos pobres, S. Paulo, Ática 1995. 
Boff, L.-Frei Betto, Mística e Espiritualidade, Rio deJaneiro, Rocco 1995. 
Boff, L., O despertar da águia. O dia-bólico e o sim-bólico na construfão da realidade, Petrópolis, Vozes 1928. 
Capra, F.,A teia da vida. Uma nova compreensão cientifica dos sistemas vivos, S. Paulo, Cultrix 1997. 
Demo, P., Conhecimento moderno. Sobre ética e intervenfão do conhecimento, 
Petrópolis, Vozes 1997. 
Featherstone, M., Cultura Global, Petrópolis, Vozes 1994. 
Ferguson, M., A conspirafão aquariana, Rio de Janeiro, Record 1995. 
Ferry, L.,A nova ordem ecológica. 4Árvore) oAnimal) o Homem, S. Paulo, Ensaio 1994. 
Fiori, J.L., OS moedeiros falsos, Petrópolis, Vozes 1997. 
Freud, S., O mal-estar na civilizafão. Obras completas XXI, Rio de Janeiro, Imago 1974. 
Guitton,J., Deus e a ciência, Rio de Janeiro, Nova Fronteira 1992. 
Heisenberg, W, Aparte e o todo, Rio de Janeiro, Contraponto 1996. 
Hirst, P e Thompson, G., Globalizafão em questão, Petrópolis, Vozes 1998. 
Ianni, O., A era do globalismo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1996. 
Johnson, G., Fogo na mente. Ciência) Fé e a busca da Ordem, Rio de Janeiro, Campus 1997. 
Ladriere, J., Os desafios da racionalidade, Petrópolis, Vozes 1990. 
Latouche, S., A ocidentalização do mundo. Ensaio sobre a significação) o alcance e os limites da uniformização planetária, Petrópolis, Vozes 1994. 
LemkoVl, A.F., O prjncípio de TOtalidade. A dinâl1Úca da unidade na religião) ciência e sociedade, S. Paulo,Aquariana 1992. 
Lovelock, J., As eras de Caia. A biografia da I!OSSaTerra viva, S. Paulo, Campus 1991. May, PH.-Motta, R.S. da, Ullorando a natureza. Análise econômica para desenvolvimento sustentável, S. Paulo, Campus 1994. 
Matellart, A., Comunicação-mundo, Petrópolis, Vozes 1994. 
McKibben, B., Ofim da natureza, Rio de Janeiro, Nova Fronteira 1990. 
Meslin, M., A experiência humana do divino, Petrópolis, Vozes 1992. 
Müller, R., O nascimento de uma civilização global, S. Paulo, Aquariana 1993. 
Ramonet, Ig., Ceopolítica do caos, Petrópolis, Vozes 1998. 
Sagan, C., O mundo assombrado pelos demônios. A ciência vista como uma vela no escuro, S. Paulo, Companhia das Letras 1997. 
Sagan, C., Pálido ponto azul. Uma visão dofuturo da humanidade no espaço, S. Paulo, Companhia das Letras 1996. 
Schwarz, W -D., Ecologia: alternativa defuturo, S. Paulo, Paz e Terra. 1990. 
Serres, M., O contrato natural, Rio de Janeiro, Nova Fronteira 1991. 
Vieira, L., Cidadania eglobalização, Rio de Janeiro, Record 1997. 
Sklair, L., Sociologia do sistema global, Petrópolis, Vozes 1995. 
Vos, H.-Vervier, J., Utopia cristã e lógica econômica, Petrópolis, Vozes

Outros materiais