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Os Mundos de Habermas e a Ação Comunicativa

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FAMAT 
 
 
 
 
Porto Alegre, nº. 5, p. 49-56, dez. 2004 
 
 
Sobre os mundos de Habermas e sua ação comunicativa 
 
 
CARLOS EDUARDO DA CUNHA PINENT1 
 
 
RESUMO: Quando um indivíduo fala, numa iniciativa comunicativa com outros 
indivíduos ou consigo mesmo, duas suposições a respeito do que diz podem ser 
pensadas: sobre o que está falando e qual sua intenção ao falar. A partir dessas po-
sições, podemos buscar uma leitura para os mundos de Habermas e um entendi-
mento para sua ação comunicativa. 
 
Introdução1 
Habermas redirecionou a função da 
filosofia, que, para ele, precisa deixar de ser 
subjetiva, uma filosofia da consciência que 
leva ao autoconhecimento, com acesso in-
tuitivo e que privilegia o sujeito, com a 
razão fundamentada na análise do conhe-
cimento e da ação unicamente na busca de 
relações entre o sujeito e o objeto. Como 
alternativa, propõe uma filosofia intersub-
jetiva, não exclusivamente intuitiva, com 
acesso público e que privilegia interlocuto-
res, com a razão fundamentada na análise 
da linguagem, sendo, neste sentido, uma 
filosofia da linguagem. Porém, linguagem 
enquanto forma de comunicação. Haber-
mas critica o semanticismo, que não leva 
em consideração o uso pragmático da lin-
guagem na relação que se estabelece entre 
ouvintes quando se referem ao mundo. 
____________ 
1 Professor da PUCRS e da UCS, doutor em Educação
O modo original da linguagem, para ele, é 
o seu uso comunicativo: 
 
O entendimento parece ser imanente como 
telos à linguagem humana. Se esta suspeita se 
confirma, teremos que postular para a ação 
comunicativa uma conexão estreita entre fala 
e ação e, então, pelo menos como fins heu-
rísticos, as manifestações explicitamente lin-
güísticas haverão de primar sobre as não-
lingüísticas (Habermas, 1988, p. 454). 
 
O MUNDO E OS TRÊS MUNDOS DE 
HABERMAS 
Um novo paradigma, então, é pro-
posto, com fundamento nessa visão inter-
subjetiva; as ações comunicativas são tema-
tizadas, em que os atos de fala pretendem 
transmitir o sentido do que é dito, com 
propósitos explicativos, na intenção de se 
dizer algo sobre o mundo.Habermas chama 
 
 
Revista 
da ADPPUCRS 
... comunicativas às interações nas quais as 
pessoas envolvidas se põem de acordo para 
coordenar seu plano de ação, o acordo al-
cançado em cada caso medindo-se pelo reco-
nhecimento intersubjetivo das pretensões de 
validez (Habermas, 1989, p. 79). 
O mundo, em Habermas, vem a ser a 
totalidade de entidades sobre as quais afir-
mações verdadeiras são possíveis. Esse 
mundo, evidentemente assim admitido, 
tem status realista, ontológico. É um mun-
do objetivo. Entretanto, com a relação in-
tersubjetiva propiciada pela linguagem é o 
fundamento desse novo redirecionamento 
filosófico, surge a seguinte questão: a lin-
guagem não é usada para a construção de 
frases assertivas correspondentes a um 
mundo ontológico, a um mundo objetivo das 
coisas, mas também para o uso de senten-
ças com outras finalidades, como solicita-
ções dirigidas a terceiros e descrições de 
experiências pessoais. Dessa forma, além de 
um mundo objetivo das coisas, é razoável se 
pensar em outros dois mundos, que não 
gozam de estatuto ontológico e que Ha-
bermas chama de mundo social das normas e 
mundo subjetivo dos afetos: 
A ação comunicativa baseia-se em um pro-
cessamento cooperativo de interpretação em 
que os participantes se referem a algo no 
mundo objetivo, no mundo social e no 
mundo subjetivo mesmo quando em sua 
manifestação só sublinhem tematicamente 
um destes três componentes (Habermas, 
1987b, p. 171). 
Esses três mundos formam o palco 
no qual a intersubjetividade humana opera: 
Em suas operações interpretativas os mem-
bros de uma comunidade de comunicação 
deslindam o mundo objetivo e o mundo so-
cial que intersubjetivamente compartilham, 
frente ao mundo subjetivo de cada um e 
frente a outros coletivos (Habermas, 1987a, 
p. 104). 
A linguagem é o elemento aglutina-
dor: 
Apoiando-se no uso ordinário da linguagem, 
no qual utilizamos conceitos simétricos de 
mundo interno e mundo externo, falo de 
mundo subjetivo em contraposição com o 
mundo objetivo e o mundo social (ibid, p. 
81). 
Vista por este aspecto, podemos dizer 
que a linguagem permite ao falante não 
apenas emitir sentenças assertóricas (ou 
representativas) objetivamente a respeito de 
um estado das coisas, mas também senten-
ças apelativas, que objetivam emitir solici-
tações a outras pessoas, e sentenças expres-
sivas, que visam tornar conhecidas as expe-
riências pessoais. As assertóricas se referem 
a um mundo objetivo, que tem estatuto 
ontológico, as apelativas se referem a mun-
do social, de características normativas, e as 
expressivas se referem a um mundo subjeti-
vo, com status afetivo. 
Porém, se o mundo para Habermas é, 
como vimos, a totalidade de entidades pas-
síveis de afirmações com pretensões de ver-
dade, então se torna necessário estabelecer 
pretensões de validade e de relações com 
esses três mundos. Assim, para as assertóri-
cas são pretensões de verdade sobre um 
estado das coisas, na crença de um mundo 
objetivo; para as apelativas, podem ser, ou 
de validade normativa, numa função regu-
lativa, na concepção de um mundo social 
comum, ou de poder, numa função impe-
rativa, numa relação com o mundo objeti-
vo, no desejo do falante de que um estado 
das coisas se realize; e para as expressivas, 
são de tornar conhecidas as experiências 
pessoais do falante, referidas a um mundo 
subjetivo. 
 
AS INTENÇÕES DA FALA: MUNDO DO 
SISTEMA E MUNDO DE VIDA 
As ações ou atos de fala constituem, 
pela linguagem, as relações que os falantes 
estabelecem entre si quando se referem a 
alguma coisa no mundo, em qualquer de 
suas três concepções. Esses atos de fala, em 
sua intencionalidade, podem ter dois pro-
pósitos distintos: propósitos perlocucioná-
rios, quando os objetivos do falante e os 
fins a que se propõe não derivam de conte-
údo manifesto no ato de fala, ou propósitos 
ilocucionários, quando as pretensões do 
falante em sua ação de fala são chegar a 
algum acordo sobre o próprio sentido do 
que diz. O “modo original” da linguagem é 
seu uso em atos de fala ilocucionários, em 
ações voltadas para alcançar o entendimento 
(Habermas, 1990c, p. 65ss). 
 
Habermas diz que 
Através das ações de fala são levantadas pre-
tensões de validez criticáveis, as quais apon-
tam para um reconhecimento intersubjetivo 
(Habermas, 1990b, p. 72). 
Portanto, concomitantemente à divi-
são em três mundos, objetivo das coisas, 
social das normas e subjetivo dos afetos, há 
uma outra relacionada com a intenção do 
falante: uma ação imperativa, em que ocor-
rem atos perlocucionários, em que o falan-
te causa, de alguma forma estratégica, um 
efeito (teleológico) sobre o ouvinte e uma 
ação regulativa, em que prevalecem atos 
ilocucionários, em que o falante realiza 
uma função (comunicativa) enquanto diz 
algo; essa divisão é o que Habermas deno-
mina de “mundo de sistema”, associada a 
um mundo objetivo, e “mundo de vida” 
(Lebenswelt), associada a um mundo social. 
Completando as relações entre intenções 
do falante e os três mundos, há a ação 
dramatúrgica, na qual o falante pode ex-
pressar ante o público suas experiências 
privilegiadas pessoais (Habermas, 1989, p. 
489ss), associada a um mundo subjetivo. 
Ficam caracterizadas, assim, por um 
lado, as ações teleológicas, nas quais os atos 
de fala são instrumentalizados, com propó-
sitos estratégicos/instrumentais, que repre-
sentam a intenção do agente falante, em 
ações orientadas para o sucesso e, por ou-
tro, as ações comunicativas, nas quais os 
atos de fala têm a intenção de argumentar 
sobre o sentido do que é dito, com propósi-
tos comunicativos. As ações comunicativas, 
que têm suas raízesnos atos de fala (Ha-
bermas, 1987b, p. 91ss), são o interesse e o 
telos do trabalho habermasiano. 
 
 
A AÇÃO COMUNICATIVA 
Uma ação comunicativa é, assim, 
uma forma de ação social, em que os parti-
cipantes se envolvem em igualdade de con-
dições para expressar ou para produzir opi-
niões pessoais, sem qualquer coerção, e 
decidir, pelo princípio do melhor argumen-
to, ações que visam determinar a sua vida 
social. 
A ação comunicativa se distingue das intera-
ções de tipo estratégico porque todos os par-
ticipantes perseguem sem reservas fins ilocu-
cionários com o propósito de chegar a um 
acordo que sirva de base a uma coordenação 
concentrada nos planos de ação individuais 
(Habermas, 1987a, p. 379). 
Uma ação comunicativa pode ser es-
quematizada da seguinte forma (Pinent, 
1996): 
 
 
 
 
 
 
 
 
comunicações cotidianas
questionamento
discurso
situação ideal de fala
consenso
comunicações cotidianas
 
Um grupo de indivíduos socialmente 
organizados troca informações e idéias ba-
seadas em princípios não problemáticos e 
que são de alguma forma entendidos como 
verdadeiros; são as comunicações cotidianas, 
compostas de pretensões de validade impli-
citamente aceitas pelo grupo. Surge, en-
tretanto, um questionamento, uma situação 
em que algum fundamento pretensamente 
válido é posto em xeque, ou seja, quando 
pelo menos um dos envolvidos levanta uma 
dúvida a, no mínimo, uma afirmação até 
então aceita implícita ou explicitamente. 
Essa situação de impasse resulta na possibi-
lidade de entrada no discurso, no qual os 
envolvidos vão discutir soluções com ar-
gumentos em que deverá vencer aquele que 
apresentar maior solidez, numa situação 
ideal de fala, isto é, num ambiente em que 
todos têm a mesma chance de falar, de ou-
vir e de contestar, livres de qualquer tipo 
de influência ou repressão, quer externa, 
quer interna. Pela força do melhor argu-
mento, a única força admissível, o grupo 
procura chegar a um consenso, um tipo de 
acordo intersubjetivo que resulta no retor-
no à situação de comunicações cotidianas, 
agora em novas bases e com novas preten-
sões de validez. 
O resultado de um processo continu-
ado como esse conduz a um processo de 
emancipação dos envolvidos. Emancipação 
significa autonomia do sujeito: 
Emancipação tem a ver com libertação em 
relação a parcialidades que... derivam, de cer-
ta forma, de nossa responsabilidade. ... A 
emancipação é um tipo especial de auto-
experiência porque nela os processos de au-
to-entendiemento se entrecuzam com um 
ganho de autonomia (Habermas, 1993, p. 
99). 
E emancipação tem a ver com inter-
subjetividade: 
Portanto, a expressão “emancipação” tem o 
seu lugar no âmbito do intercâmbio dos su-
jeitos consigo mesmos, ou seja, ele se refere a 
transformações descontínuas na autocom-
preensão prática das pessoas (ibid. p. 100). 
Por outro lado, o processo que vai 
desde a discordância se desenvolve pelo 
discurso e termina por um consen-
so/acordo provisoriamente estabelecido é o 
que resulta, enfim, na produção de conhe-
cimento. E sendo processo, a “roda” não 
pára. 
 
A FORÇA DO MELHOR ARGUMENTO 
Para entender a ação comunicativa, é 
preciso sempre lembrar que Habermas re-
formulou o conceito de racionalidade, no 
sentido de fundamentar as bases de um agir 
comunicativo. Partindo da idéia conclusiva 
de que “o conhecimento é um ato lingüís-
tico” (Ingram, 1993, p. 247), uma ação é 
racional se estiver intimamente ligada a 
uma argumentação. O agir é racional 
quando se propõe a resolver conflitos po-
tenciais por meio de argumentações desti-
nadas a outras pessoas na expectativa da 
busca de algum consenso possível. Portan-
to, a ação racional, base de um agir comu-
nicativo, exige pelo menos duas pessoas se 
comunicando. Em conseqüência, os indi-
víduos envolvidos em uma ação comunica-
tiva têm de estar dispostos a persuadir ou a 
se deixar persuadir. Isso exige algumas co-
municações básicas, a primeira das quais é 
que um acordo seja alcançado apenas pela 
força do melhor argumento. 
O agir comunicativo distingue-se, pois, do es-
tratégico, uma vez que a coordenação bem 
sucedida da ação não está apoiada na racio-
nalidade teleológica dos planos individuais 
de ação, mas na força racionalmente motiva-
dora de atos de entendimento, portanto, 
numa racionalidade que se manifesta nas 
condições requeridas para um acordo obtido 
comunicativamente (Habermas, 1990b, p. 
72). 
A partir dessa premissa (da força do 
melhor argumento), as ações passam a ter 
pretensões à verdade, que acompanham 
argumentações. Porém, as argumentações 
dizem respeito a crenças factuais. As cren-
ças normativas, expressivas e avaliativas 
exigem, para que a ação seja racional, since-
ridade, autenticidade e propriedade, para 
que, neste caso, tenham pretensões à corre-
ção. Além disso, em qualquer caso, para 
que seja plenamente racional, uma ação 
“precisa ser moral e legalmente certa, preci-
sa eximir sinceramente os sentimentos e 
desejos autênticos do agente e orientar-se 
pelos valores compartilhados da comuni-
dade” (Ingram, 1993, p. 40). 
Essa distinção entre crenças factuais, 
por um lado, que têm pretensões à verdade, 
e crenças normativas, expressivas ou avalia-
tivas, por outro, que têm pretensões à cor-
reção, implica que as condições de argu-
mentação dependem do tipo de validade 
proposta. No primeiro caso, a expectativa é 
somente de apresentar argumentos que 
sejam convincentes aos demais de sua ver-
dade. Já no segundo caso, a pretensão à 
correção envolve problemas de ordem mo-
ral e/ou ética. Só pode ser racional se a 
ação apresentada por um indivíduo pressu-
ponha aceitação implícita da mesma por 
parte dos outros indivíduos com relação a 
ele. Além disso, precisa haver coerência 
entre a palavra e a ação do indivíduo. In-
gram acredita que “Neste ponto, Habermas 
acompanha Kant, sustentando que a força 
deontológica da obrigação moral proíbe as 
exceções; estamos sempre obrigados a afas-
tar nossos interesses egoístas quando eles 
entram em conflito com o interesse univer-
sal” (ibid, p. 41). 
 
CONSENSO E SITUAÇÃO IDEAL DE FALA 
O significado de consenso poderia me-
recer uma tematização à parte, pois não se 
trata do conceito comum do termo, mas o 
que emerge da teia das ações do mundo da 
vida, lançando aos poucos... “um novo 
conceito de consenso, distinto do consenso 
deformado de hoje...”. (Medeiros, 1993, p. 
239). No momento, deve-se ter em mente 
que consenso é caminho para um enten-
dimento provisório. Destaque-se, também, 
que a impossibilidade de se chegar a um 
consenso numa determinada situação pode 
ser entendida como um consenso, ou seja, 
um acordo de que não foi possível atingir 
um consenso naquele específico instante. 
O conceito de entendimento (Verstän-digung) 
remete a um acordo racionalmente motivado 
alcançado entre os participantes, que se me-
de por pretensões de validez suscetíveis de 
crítica. (Habermas, 1987a, p.110) 
Logo, o entendimento precisa ser 
percebido como um processo, e não como 
uma meta final, obtido a cada momento 
por um consenso, que também nunca será 
tido como um objetivo final. O entendi-
mento e o consenso não têm credenciais de 
absolutos, mas são conquistados em cada 
contexto; como o contexto é dinâmico, 
também o são o entendimento e o consen-
so. 
Mas como obter um consenso num 
processo comunicativo? Através de uma 
situação ideal de fala, uma situação que, co-
mo expressa Siebeneichler (1994), “pode 
ser tomada como critério da argumentação 
discursiva porque implica uma distribuição 
simétrica de chances de escolha e de reali-
zação de atos de fala. Supomos que nela 
não existe nenhum elemento de coação a 
não ser a coação do melhor argumento” (p. 
105). 
Ingram lembra “a divisão triádicada 
argumentação proposta por Aristóteles, a 
lógica, a retórica e a dialética” (1993, p. 
42), afirmando que Habermas segue essa 
divisão; na lógica, a argumentação deve 
apresentar as qualidades de consistência 
interna e externa; na retórica deve ocorrer a 
situação ideal de fala, caracterizada por 
condições formais de justiça processual, 
que implica ausência de coação interna e 
externa na apresentação da argumentação 
racionalmente fundamentada dos envolvi-
dos, com igual possibilidade para todos de 
argumentar e rebater argumentos, na ex-
pectativa do acordo; na dialética manifesta-
se a interação entre os falantes, com liber-
dade de crítica e “independente das pres-
sões quotidianas que buscam o êxito” (ibid, 
p. 43), dentro da qual é possível o mútuo 
reconhecimento de sinceridade e responsa-
bilidade racional nas reivindicações de va-
lidade. 
 
OS ATOS DE FALA 
Todo esse caminho percorrido leva 
Habermas a desenvolver uma proposta de 
pragmática universal, que vem a ser o des-
velo dos universos do diálogo do indivíduo, 
universos esses cujas conquistas são neces-
sárias para sua participação em situações 
que envolvam a fala. Habermas analisa as 
assertivas em que aparecem verbos executi-
vos, verbos que propõem algum compro-
misso social, ao contrário dos verbos não-
executivos, que apenas facilitam a transmis-
são das informações. Os verbos executivos 
constituem os atos de fala. Os atos de fala, 
para Habermas, contêm não apenas conte-
údos expressivos, proposicionais, mas cons-
tituem uma categoria de significado plena e 
autêntica. O ato de fala é o momento em 
que a pessoa exprime suas intenções: 
Qualquer ato de fala, através do qual um fa-
lante se entende com um outro sobre algo, 
localiza a expressão lingüística em três refe-
rências com o mundo: em referência com o 
falante, com o ouvinte e com o mundo. 
(Habermas, 1990b, p. 95) 
Os atos de fala que se manifestam na 
comunicação ordinária passam a constituir 
uma teoria que está imersa e se funde com 
a própria teoria da ação comunicativa de 
Habermas. Nesta, o processo comunicativo 
está sempre voltado para o entendimento; 
neste caminho vai-se construindo uma no-
va razão com pretensões de universalidade, 
a razão comunicativa, que proporciona 
condições para a emancipação dos indiví-
duos. 
Siebeneichler (1994) explora a pre-
tensão de pragmática universal como di-
mensão subjacente ao trabalho habermasi-
ano para explicar o processo emancipatório 
inerente à ação comunicativa de Habermas, 
a partir da sustentação de que “a compe-
tência específica da espécie humana de 
poder falar uma linguagem constitui a con-
dição necessária e suficiente para que os 
homens cheguem à maioridade” (p. 88). 
Destaca, para isso, dentre os vários concei-
tos tematizados por Habermas, em sucessi-
vos níveis de abordagens, dois que lhe pa-
recem mais importantes: o “agir voltado ao 
entendimento” e a “razão não-reduzida”. 
A teoria da ação comunicativa se propõe a-
demais como tarefa investigar a “razão inscri-
ta na própria prática comunicativa e cotidia-
na” e reconstruir a partir da base de validez 
da fala um conceito não-reduzido de razão. (Ha-
bermas, 1989, p. 506) 
A reciprocidade concomitante desses 
dois conceitos, ao serem tratados mutua-
mente, desemboca no conceito de razão 
comunicativa que, por sua vez, vai funda-
mentar a teoria do agir comunicativo e/ou 
a teoria da competência comunicativa. 
 
RACIONALIDADE COMUNICATIVA 
A teoria da racionalidade de Haber-
mas pretende explicar todas as manifesta-
ções racionais do indivíduo, quer sejam 
diretas ou simbólicas. Segundo Aragão 
(1992), “Qualquer asserção ou razão poderá 
ser tida como racional, desde que suscetível 
de criticismo e fundamentação, isto é, que 
possa fornecer razões e fundamentos” (p. 
33). Isso é o que Habermas chama de racio-
nalidade comunicativa. Nas ações, diretas ou 
simbólicas, o sujeito será racional, se, pos-
suidor de conhecimento falível, souber e se 
propuser a defender as pretensões de vali-
dade ou verdade contra a crítica dos inter-
locutores: “Asserções e ações dirigidas a 
metas são tanto mais racionais quanto mais 
a exigência (de verdade proposicional ou de 
eficiência) que é conectada com elas possa 
ser defendida contra as possíveis críticas”, 
acrescenta (ibid, p. 34). Dessa forma, as 
asserções só serão racionais se dirigidas a 
metas ilocucionárias, satisfazendo suas 
condições. Ou seja, os sucessos ilocucioná-
rios não podem ir além de o compreender 
e o aceitar ações de fala; os fins e efeitos, 
quaisquer que sejam, que vão além disso 
devem ser chamados de sucessos perlocu-
cionários. 
A racionalidade assim caracterizada 
passa a fundamentar um novo paradigma 
lingüístico, diferenciado do velho que se 
apegava apenas a uma análise proposicional 
dos conteúdos dos proferimentos. Essa 
nova proposição pragmática exige uma prá-
tica argumentativa com vistas a um consen-
so, cuja obtenção não pode ser conseguida 
pelas práticas comunicativas rotineiras. “A 
argumentação é aquele tipo de discurso em 
que os participantes tematizam exigências 
de validade contestadas e que tentam resga-
ta-las ou criticá-las através dos argumentos” 
(ibid, p. 36). Nesse ambiente de atos de fala 
só é admissível o uso da força argumentati-
va, que será medida pela solidez dos argu-
mentos e por quanto eles são capazes de 
convencer os participantes do discurso. 
No agir comunicativo, pressupõe-se a base de 
validade do discurso. As pretensões de vali-
dade universal (verdade, justeza, veridicida-
de), que pelo menos implicitamente são co-
locadas e reciprocamente reconhecidas pelos 
interessados, tornam possível o consenso que 
serve de base para o agir comum. (Habermas, 
1990a, p. 33) 
O entendimento do sentido de dis-
curso em Habermas está intimamente rela-
cionado com o entendimento dos funda-
mentos de sua teoria da ação comunicativa: 
Utilizo a expressão “ação comunicativa” para 
aquelas manifestações simbólicas (lingüísticas 
e não-lingüísticas) com os sujeitos capazes de 
linguagem e ação estabelecem relações com a 
intenção de se entenderem sobre algo e co-
ordenar assim suas atividades. (Habermas, 
1988, p. 453) 
Destaque-se, além disso, que 
Habermas assume um compromisso tácito 
com a teoria: “Desde o início de sua carrei-
ra intelectual Habermas não se limita a 
insistir na existência de uma possível ou 
enigmática ligação entre teoria e praxis, 
entre saber teórico e atividade humana. Sua 
pretensão vai mais longe: delinear os con-
tornos de uma teoria sistemática desta me-
diação.”, afirma Siebeneichler (1994, p. 
69). Depreende-se daí que num discurso 
habermasiano haverá sempre, implícita ou 
explicitamente, uma teoria subjacente. Em 
Bobbio e outros (1986), essa questão está 
muito clara: “Habermas diz que a teoria é 
tomada de consciência da Práxis... A Práxis 
é, pois, tanto objeto da teoria como sua 
referência imanente”. (p. 991) 
 
CONCLUSÃO 
Como vimos, a razão comunicativa se 
manifesta na intenção dialógica social de 
pelo menos dois indivíduos. A interação 
pode se dar de forma espontânea, em um 
diálogo cotidiano, ou pela forma do que 
Habermas denomina discurso, uma forma 
comunicativa característica, em que um 
ator propõe validade para uma referência 
sua a um fato, uma norma ou uma vivên-
cia, racionalmente fundamentado, na ex-
pectativa de que seja contestado com algum 
contra-argumento igualmente fundamenta-
do. Isso leva à conclusão de que não há pré-
condições, quer seja no diálogo cotidiano, 
quer no discurso, “todas as verdades ante-
riormente consideradas válidas e inabalá-
veis podem ser questionadas; todas as nor-
mas e valores vigentes têm de ser justifica-
dos; todas as relações sociais são considera-
das resultado de uma negociação na qual se 
busca o consenso e se respeitaa reciproci-
dade, fundados no melhor argumento” 
(Freitag, 1993, p. 60). Esta razão comunica-
tiva ou dialógica é o fundamento da teoria 
da ação comunicativa. 
A teoria da ação comunicativa abre 
caminhos na busca de soluções para o nos-
so mundo, desde questões teóricas até téc-
nicas e sociais: 
Este giro desde a teoria do conhecimento até 
a teoria da comunicação me permitiu dar 
respostas substanciais a questões que desde 
uma perspectiva metateórica só podiam ilu-
minar-se como questões e aclarar-se em seus 
pressupostos: para a questão da base norma-
tiva de uma teoria crítica da sociedade, para 
a questão da objetividade da compreensão e 
da unidade no pluralismo das formas de vida 
e jogos de linguagem, para a questão da pos-
sibilidade de um “funcionalismo de orienta-
ção histórica” e para a questão de como cabe 
superar a competência do paradigma entre a 
teoria de sistemas e a teoria da ação. (Ha-
bermas, 1988, p. 16) 
 
REFERÊNCIAS 
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