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PROSA EM FAMÍLIA BIP A família leitora: o exemplo vale mais www.sejaetico.com.br Por José Ruy A leitura é um momento privilegia- do de conhecimento, de informação e de compreensão de mundo; ao mesmo tempo, pode ser uma fonte de prazer in- substituível. O desenvolvimento do hábito de ler passa necessariamente pela pro- dução de um imponderável gosto pelos livros, revelador de descobertas e senti- dos que não se oferecem gratuitamente. Muitas famílias preocupam-se com a ausência da leitura no cotidiano de seus filhos. Com o predomínio de uma cultura marcada pela presença hegemô- nica dos meios audiovisuais de comuni- cação, o papel dos livros encontra-se, no mínimo, deslocado no mundo dos mais jovens. Crianças e adolescentes mantêm uma relação próxima com signos visuais e sonoros e não se afastam dos equi- pamentos eletrônicos que os oferecem: celulares, Ipods, computadores pessoais –– diversos aparelhos de som e imagem povoam o universo juvenil. Os significa- dos que se constituem por meio deles revelam um conjunto de discursos frag- mentários, curtos e frágeis. Teriam os livros perdido seu papel na sociedade contemporânea? Não. Leituras consistentes e de maior fôlego continuam indispensáveis, se desejamos adquirir uma visão de mundo mais ampla; se queremos ter uma capacidade de concentração maior do que poucos minutos; se buscamos formas alternativas ou minimamente diferenciadas de inserção na realidade social, em vez de aceitá-la passivamente. Mesmo pensando de modo utilitarista, é possível verificar que os jovens mais bem-sucedidos, tanto na universidade quanto no mercado de trabalho, são, hoje e cada vez mais, aqueles que articulam maior repertório cultural e capacidade de abstração e concentração, habilidades desenvolvidas pela regularidade da atividade leitora. Daí a angústia de todos nós, edu- cadores –– pais e professores –– no sentido de constatar o distanciamento entre nossas crianças e os livros. A re- versão desse quadro deve contar com o comprometimento consciente das famí- lias, num processo em que os modelos de comportamento têm papel crucial. Pode-se afirmar que à escola é delegada essa tarefa, afinal ler é a competência básica de todo saber acadêmico. A experiência em sala de aula, como professores ou como alunos que um dia fomos, porém, indica que crianças e adolescentes, com ou sem razão, são um tanto refratários à sen- sibilização que o discurso institucional escolar procura construir. Nesse senti- do, a sintonia entre pais e professores quanto à importância da leitura é de suma importância. No que diz respeito ao papel da família, fundamentalmente, há de se olhar para o ambiente em torno da re- lação entre pais e filhos: o lar e a vida cotidiana que o envolve. Se no dia a dia a criança não tem oportunidade de ver um livro, se este ob- jeto não se encontra acessível dentro de casa, então dificilmente qualquer oportu- nidade de contato com ele poderá ser criada. Afinal, a curiosidade e o inte- resse de crianças e jovens, sempre pre- sentes –– e em abundância ––, estão direcionados àquilo de que dispõem. Não estariam os familiares, por vezes zelosos em dar a seus filhos as últimas novidades eletrônicas, descuidando de ofertar o objeto livro, por meio do qual a descoberta do mundo letrado começa? Devemos lembrar que o interesse pelo livro é, a princípio, uma expe- riência tátil e visual. Títulos, capas, figuras: tudo isso desperta para o mistério e o encantamento. Um título como A ilha do tesouro, o desenho da baleia e do navio na capa de Moby Dick, as ilustrações de Gustave Doré para a Divina comédia: iscas, chama- rizes, emblemas de um universo novo pronto a se descortinar. Além da presença física dos li- vros em casa, deve-se, acima de tudo, ressaltar a importância da atitude dos familiares. Pais e mães que leem mos- tram aos filhos, na prática, a valoriza- ção da leitura. Revelam que, para os mais velhos, o ato de ler é efetivamente relevante, dado que faz parte de suas atividades diárias. Afinal, como sustentar o discurso da importância da leitura se, em casa, os mais próximos não leem? Não há outra possibilidade senão dar o exem- plo. Não se convence ninguém pela fé, mas sim pela ação! Caso desejemos que nossas crian- ças desenvolvam apego à cultura escri- ta, devemos nós mesmos desenvolvê-lo ou demonstrá-lo; ou seja, afirmar de que maneira alguns livros foram e são significativos em nossa vida. Comen- tar aquela obra que nos foi essencial, que marcou nossa época, que orientou nossa consciência em momentos decisi- vos da existência gera potencialmente o desejo de conhecê-la, ou mesmo de adquirir uma experiência semelhante. Mais do que racionalmente con- vencidos de que a leitura é importante, os jovens devem ser seduzidos por ela e por suas possibilidades. Nessa em- preitada, a mobilização subjetiva tem se mostrado mais eficaz que a cons- cientização objetiva e fria. A Antiguidade nos legou saberes e muitos deles se referem à educação. Para os antigos, o conhecimento se construía pela imitação de modelos preexistentes. De forma análoga, é o que propomos aqui: os adultos con- tinuam sendo referência e modelo de comportamento para as crianças, por mais que existam conflitos e hiatos em seu relacionamento. Nem sempre a in- fluência de pais sobre filhos é explícita ou declarada; muitas vezes, a relação entre eles pode indicar até o oposto; mas o fato é que ela existe e tem força. Que os pais assumam, mais uma vez e também nesse aspecto educativo, seu papel modelar e exemplar em rela- ção a seus filhos. Mais do que ra- cionalmente conven- cidos de que a leitu- ra é importante, os jovens devem ser se- duzidos por ela e por suas possibilidades Licenciado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade de São Paulo
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