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O COGNITIVISMO E O DESAFIO (1)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
 CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
 INSTITUTO DE PSICOLOGIA 
 PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA 
 CURSO DE DOUTORADO 
 
 
 
 
 
O COGNITIVISMO E O DESAFIO 
DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA 
 
TESE DE DOUTORADO 
 
 
 
 
 
 
 
GUSTAVO ARJA CASTAÑON 
 
ORIENTADOR: UED MARTINS MANJUD MALUF 
 
JANEIRO DE 2006 
 1
 
GUSTAVO ARJA CASTAÑON 
 
 
 
 
 
 
 
 
O COGNITIVISMO E O DESAFIO 
DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA 
 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do 
título de Doutor em Psicologia. 
 
 
 
 
 
ORIENTADOR: UED MARTINS MANJUD MALUF 
 
RIO DE JANEIRO 
 
JANEIRO DE 2006 
 II
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
Dedico esta tese aos meus Pais, que me ensinaram as duas únicas coisas 
realmente fundamentais para qualquer psicólogo e ser humano: 
 o amor incondicional e o respeito à verdade. 
 III
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
À minha amada esposa Nathalie, por seu amor, paciência, 
apoio, ajuda, opiniões, pelos longos debates e pelas várias férias 
perdidas; 
 
Ao meu querido orientador Ued Maluf, pela extrema 
generosidade pessoal e intelectual, sem a qual meu curso e esta 
tese não teriam sido possíveis; 
 
Ao meu querido e eterno mestre Helmuth Krüger, pela 
constante orientação e por ter sido o maior responsável por 
minha formação intelectual e acadêmica; 
 
Ao professor Antônio Gomes Penna, exemplo de Filósofo da 
Psicologia no Brasil, que com generosidade me honrou 
extremamente com sua participação na avaliação desta tese; 
 
Ao professor Franco Lo Presti Seminério, in memoriam, pela 
solicitude em debater comigo os temas desta tese, e que 
infelizmente, não pode conhecer seu resultado final. 
 
Aos professores Bernard Range e Alberto Oliva, que se 
dispuseram a avaliar este extenso trabalho, e que também muito 
me honram com sua participação nesta banca. 
 IV
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Castañon, Gustavo Arja 
O Cognitivismo e o Desafio da Psicologia Científica/ 
Gustavo Arja Castañon. Rio de Janeiro: UFRJ/IP, 2006. 
xi, 485f.:il.; 31cm. 
Orientador: Ued Maluf 
Tese (doutorado) – UFRJ / Instituto de Psicologia/ 
Programa de Pós-graduação em Psicologia, 2006. 
Referências Bibliográficas: f. 463-485. 
1. Cognitivismo. 2. Epistemologia. 3. Psicologia 
Cognitiva. 4. Racionalismo Crítico. I. Maluf, Ued. II. 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de 
Psicologia, Programa de Pós-graduação em Psicologia. III. 
O Cognitivismo e o Desafio da Psicologia Científica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 V
 SUMÁRIO 
 
 
RESUMO VI 
 
ABSTRACT VII 
 
1–INTRODUÇÃO 1 
 
2–CRISE EPISTEMOLÓGICA 7 
 
2.1 A Ciência Moderna: surgimento, pressupostos e significados 7 
2.1.1 A nova síntese epistemológica 9 
2.1.2 O conceito de Ciência Moderna 11 
2.1.3 Pressupostos filosóficos da Ciência Moderna 13 
2.1.3.1 Realismo Ontológico 13 
2.1.3.2 Regularidade do Objeto 14 
2.1.3.3 Otimismo Epistemológico 14 
2.1.3.4 Pressupostos Lógicos 15 
2.1.3.5 Representacionismo 16 
 
2.2 Desenvolvimento Positivista do modelo de Ciência 16 
2.2.1 Características gerais do espírito positivista 17 
2.2.2 Auguste Comte e o Positivismo francês 18 
2.2.3 Jonh Stuart Mill e o Positivismo utilitarista inglês 19 
2.2.4 O Positivismo Lógico e o esgotamento do empirismo 20 
 
2.3 O Racionalismo Crítico e a nova concepção de Ciência 25 
2.3.1 O surgimento do Racionalismo Crítico e a ligação de Popper com a Psicologia 26 
2.3.2 A crítica de Popper à indução 27 
2.3.3 O novo inatismo e a rejeição da “tabula rasa” 28 
2.3.4 O critério de cientificidade: a falsificabilidade 30 
2.3.5 Verdade e Verossimilhança 33 
2.3.6 Progresso na ciência: o conhecimento científico como auto-corrigível 34 
2.3.7 A defesa da unidade fundamental do método científico 35 
2.3.8 As críticas ao Racionalismo Crítico 37 
2.4.9 Imre Lakatos: o Racionalismo Crítico além de Popper 41 
 
2.4 Pós-modernismo e Crise Epistemológica 45 
2.4.1 Pós-modernismo enquanto fenômeno cultural 45 
2.4.2 Lyotard e a “Ciência Pós-moderna” 48 
2.4.3 Thomas Kuhn e virada irracionalista da Filosofia da Ciência 51 
2.4.4 Paul Feyerabend e Richard Rorty: avançando na dissolução da racionalidade 53 
2.4.5 A virada pós-moderna da Sociologia do Conhecimento 56 
 
2.5 Resultados recentes das Ciências: o contexto da crise 59 
2.5.1 O Contexto da Crise Epistemológica 59 
2.5.2 A Teoria do Caos 60 
2.5.3 O Teorema de Gödel 62 
2.5.4 A Física Quântica 66 
2.5.5 Onde está a crise da ciência? 71 
 
 VI
2.6 O projeto da Ciência Moderna ainda está vivo? 74 
2.6.1 Crítica à tese da ciência como vivência acrítica de um paradigma 74 
2.6.2 Crítica ao princípio da incomensurabilidade dos paradigmas 75 
2.6.3 Defesa da distinção entre contexto de justificação e contexto de descoberta 76 
2.6.4 Crítica ao anti-representacionismo 78 
2.6.5 Crítica à tese forte da Sociologia da Ciência 81 
2.6.6 A Ciência Moderna sobrevive ao pós-modernismo e à nova física? 82 
 
 
3–PSICOLOGIA MODERNA E IMPASSE ENDÊMICO 88 
 
3.1 Psicologia e Ontologia 88 
3.1.1 A questão da essência do conhecimento 90 
3.1.1.1 Realismo 90 
3.1.1.2 Idealismo 93 
3.1.2 Pressupostos ontológicos básicos da ciência moderna 95 
3.1.3 O Objeto da Psicologia Moderna 98 
3.1.4 O Reducionismo Ontológico na Psicologia e a relação mente-corpo 100 
3.1.4.1 Reducionismo behaviorista 103 
3.1.4.2 Reducionismo fisiológico 104 
3.1.4.3 Reducionismo psicanalítico 105 
3.1.4.4 Reducionismo sociológico 107 
3.1.4.5 Abordagens psicológicas não-reducionistas e o problema mente-corpo 109 
 
3.2 Psicologia e Epistemologia 111 
3.2.1 Conhecimento, verdade e ciência moderna 111 
3.2.2 A Possibilidade do conhecimento 112 
3.2.3 Explicação e Compreensão 113 
3.2.4.1 Abordagem explicativa da Psicologia 115 
3.2.4.2 Abordagem compreensiva da Psicologia 117 
3.2.4.3 Ciência e Filosofia 119 
3.2.4 Problemas metodológicos especiais da Psicologia 120 
3.2.4.1 Subjetividade do objeto 121 
3.2.4.2 Limitação dos controles 122 
3.2.4.3 Dificuldade de Quantificação 122 
3.2.4.4 Complexidade 123 
 
3.3 A Psicologia à espera da Ciência 124 
3.3.1 Os vetos filosóficos à Psicologia científica 124 
3.3.2 Antes do Behaviorismo: breve notícia de uma protociência 127 
3.3.3 O caso especial da Psicanálise 128 
 
3.4 Behaviorismo: enfim a ciência moderna 132 
3.4.1 Definição de Behaviorismo 132 
3.4.2 Contextualização histórica: antecedentes 135 
3.4.3 Contextualização histórica: fundação 137 
3.3.4 Behaviorismo e Ontologia 139 
3.4.5 Behaviorismo e Epistemologia 141 
 
3.5 A Revolta Humanista na Modernidade 143 
3.5.1 A Fenomenologia e a denúncia do Psicologismo 143 
 VII
3.5.1.1 O método fenomenológico como método da verdadeira Psicologia 146 
3.5.1.2 A crise das ciências e da humanidade européia como crítica do Positivismo 148 
3.5.1.3 A crítica ao psicologismoe à Psicologia Experimental 150 
3.5.2 A Psicologia Humanista e suas Críticas 155 
3.5.1.1 Crítica Humanista a abordagem mecanicista do objeto da Psicologia 157 
 
3.6 O projeto da Psicologia Moderna ainda está vivo? 161 
3.6.1 Os vetos filosóficos à Psicologia Moderna 162 
3.6.2 Os problemas dos pressupostos da Psicologia 163 
3.6.3 Os problemas metodológicos da Psicologia Moderna 164 
 
 
4–COGNITIVISMO: O NOVO PROJETO DE PSICOLOGIA MODERNA 165 
 
4.1 Ciências Cognitivas: A Psicologia forçada a progredir 165 
4.1.1 Antecedentes psicológicos do Cognitivsmo 167 
4.1.2 Psicologia Cognitiva e o contexto de seu surgimento 171 
4.1.2.1 A paralisia psicológica que propiciou a invasão 171 
4.1.2.2 O Surgimento do Racionalismo Crítico e sua influência na Revolução Cog. 172 
4.1.3 Avanços teóricos que propiciaram a Psicologia Cognitiva: o anúncio da invasão 176 
4.1.3.1 O Advento do Computador 176 
4.1.3.2 A Teoria da Informação e a Cibernética 178 
4.1.3.3 As Novas Teorias da Neurociência e da Neuropsicologia 182 
4.1.3.4 A Gramática Transformacional de Noam Chomsky 183 
4.1.4 Ciência Cognitiva hoje 187 
 
4.2 Psicologia Cognitiva e Ontologia 189 
4.2.1 Pressupostos Ontológicos da Psicologia Cognitiva 189 
4.2.1.1 Cognitivismo e Realismo 189 
4.2.1.2 Cognitivismo e Determinismo 190 
4.2.2 O Objeto da Psicologia Cognitiva 192 
4.2.2.1 O que é cognição? O problema da representação mental 193 
4.2.2.2 A Psicologia estuda indivíduos: o solipsismo metodológico 196 
4.2.2.3 Outras características especiais do objeto de estudo da Psicologia Cognitiva 200 
4.2.2.4 Áreas de estudo da Psicologia Cognitiva 201 
4.2.3 A Imagem de Ser Humano no Cognitivismo 202 
4.2.3.1 O Ser Humano é dotado de consciência 202 
4.2.3.2 O Ser Humano é ativo 203 
4.2.3.3 O Ser Humano é movido por causas e razões 203 
4.2.3.4 O Ser Humano é orientado a metas 203 
4.2.3.5 O Ser Humano é um processador de informação 204 
4.2.3.6 O Ser Humano tem seus processos cognitivos governados por regras 204 
4.2.3.7 O Ser Humano possui um inconsciente cognitivo 204 
4.2.3.8 O Ser Humano constrói as regras que coordenam sua cognição 205 
4.2.3.9 O Ser Humano possui tendências inatas para desenvolver certas estruturas 206 
4.2.3.10 O Ser Humano reage a significados atribuídos 207 
4.2.3.11 O Ser Humano tem emoções que atuam através de cognições 208 
4.2.3.12 O Ser Humano é também epistemicamente motivado 209 
4.2.4 A Psicologia Cognitiva e o Problema Mente-corpo 210 
 
 
 VIII
4.3 Psicologia Cognitiva e Epistemologia 217 
4.3.1 Pressupostos Epistemológicos da Psicologia Cognitiva 218 
4.3.1.1 O Construtivismo como nova posição acerca da origem do conhecimento 219 
4.3.1.2 Racionalismo, Construtivismo e Inatismo 224 
4.3.2 Cognitivismo e Racionalismo Crítico 228 
4.3.2.1 Racionalismo Crítico e a questão Inatismo-Construtivismo 228 
4.3.2.2 O Racionalismo Crítico implícito do Cognitivismo 230 
4.3.2.3 Racionalismo Crítico e o método geral de investigação cognitiva 232 
4.3.3 A explicação psicológica no Cognitivismo 233 
4.3.4 A circularidade da investigação científica cognitiva 240 
 
4.4 Psicologia Cognitiva e Metodologia 245 
4.4.1 A Natureza Integrativa da Pesquisa em Psicologia Cognitiva 245 
4.4.2 O Processo Geral de Pesquisa Científica da Psicologia Cognitiva 246 
4.4.3 Métodos Descritivos e Psicologia Cognitiva 248 
4.4.3.1 Estudo de Casos e Psicologia Cognitiva 249 
4.4.3.2 Auto-relatos e Psicologia Cognitiva 254 
4.4.4 Métodos Construtivos e Psicologia Cognitiva 256 
4.4.4.1 Simulação Computadorizada e Psicologia Cognitiva 257 
4.4.5 Métodos Experimentais e Psicologia Cognitiva 260 
 
 
5–AVALIAÇÃO CRÍTICA DO COGNITIVISMO 265 
 
5.1 Críticas ao modelo cognitivista de Psicologia 265 
5.5.1 As críticas behavioristas 266 
5.5.2 As críticas materialistas 272 
5.5.3 As críticas pós-modernas 277 
5.5.4 As críticas humanistas 285 
5.5.5 As críticas cognitivistas 305 
 
5.2 O Cognitivismo e os Limites da Psicologia Científica 311 
5.2.1 O Cognitivismo e os vetos filosóficos à Psicologia Moderna 311 
5.2.2 O Cognitivismo e o problema dos pressupostos filosóficos gerais da Ciência 319 
5.2.3 O Cognitivismo e os problemas metodológicos da Psicologia Moderna 323 
5.2.4 A Explicação Condicional em Psicologia 325 
5.2.5 Complementares e insubstituíveis: Psicologia Científica e Psicologia Filosófica 333 
5.2.6 Por uma nova metáfora computacional 340 
 
 
6–CONCLUSÃO 347 
 
BIBLIOGRAFIA 352 
 IX
 
RESUMO 
 
Este é um estudo filosófico sobre os fundamentos ontológicos, epistemológicos e 
metodológicos do Cognitivismo. Ele situa este movimento no contexto mais amplo da crise de 
cientificidade endêmica da Psicologia, e esta, no debate epistemológico atual. Primeiro, aponta o 
Racionalismo Crítico como a posição epistemológica que define o que é ciência moderna hoje. 
Segundo, inventaria os principais problemas filosóficos e metodológicos que foram levantados 
contra a pretensão de cientificidade da Psicologia ao longo dos últimos duzentos anos. Então, em 
face destes problemas, analisa as possibilidades e limites de desenvolvimento de uma Psicologia 
científica como a concebe o Cognitivismo. Os pressupostos ontológicos desta abordagem são 
estabelecidos, concluindo-se por sua adesão ao realismo em relação ao problema da representação 
mental e da consciência, além da adesão predominante à solução interacionista ao problema mente-
corpo. Em relação aos seus pressupostos epistemológicos, conclui-se pela estrita aderência aos 
cânones de cientificidade do Racionalismo Crítico, assim como por seu comprometimento com um 
construtivismo moderado. Em relação a seus aspectos metodológicos, apontam-se suas inovações, 
como o desenvolvimento da técnica de protocolo verbal, estudo de casos com dissociação dupla, 
simulação computadorizada e experimentos com PET. Conclui este trabalho que apesar de ter 
superado ou contornado a grande maioria dos obstáculos tradicionais ao estabelecimento de uma 
Psicologia estritamente científica, o Cognitivismo não ofereceu solução adequada para o problema 
da criatividade e da escolha humana, e aumentou exponencialmente o número de variáveis 
envolvidas na explicação dedutivo-nomológica psicológica. Desta forma, esta última tornou-se uma 
impossibilidade prática, no mínimo, e no caso de aceitação das características humanas acima 
citadas, também ontológica. Para resolver este problema, propõe-se a adoção da explicação 
condicional em Psicologia, além da divisão da disciplina entre um campo científico e um campo 
filosófico. Isto é necessário para que esta não continue sofrendo a amputação de muitos de seus 
problemas mais importantes, inabordáveis cientificamente, como as questões relativas à 
consciência, ao significado e sentido da experiência, aos valores, à criatividade e à pró-atividade 
humanas. A adoção da explicação condicional e da divisão de campos intrínseca a disciplina, pode 
oferecer o caminho para a tão distante e sonhada unificação da Psicologia, que se daria no entanto 
unicamente no campo científico, com o conjunto das leis condicionais universalmente reconhecidas. 
 
Palavras-chave: Cognitivismo, Epistemologia, Psicologia Cognitiva, Racionalismo Crítico. 
 X
 
ABSTRACT 
 
This is a philosophical study on the ontological, epistemological and methodological 
foundations of Cognitivism. He places this movement in the widest context of the endemic scientificcrisis of Psychology, and this, in the current epistemological debate. First, it points the Critical 
Rationalism as the epistemological position that defines what is modern science today. Second, it 
would invent the main philosophical and methodological problems that were lifted up against the 
scientific pretensions of Psychology along the last two hundred years. Then, in face of these 
problems, it analyzes the possibilities and limits of development of a scientific Psychology as 
conceived by Cognitivism. The ontological presuppositions of this approach are established, being 
concluded by its adhesion to realism in relation to the problem of mental representation and 
consciousness, besides the predominant adhesion to the interationist solution a to the problem mind-
body. In relation to their epistemological presuppositions, it concluded by the strict adherence to the 
scientific canons of Critical Rationalism and moderate constructivism. In relation to their 
methodological aspects, their innovations are appeared, as the development of the verbal protocol 
technique, case study with double dissociation, computational simulation and experiments with PET. 
Concluded this work that in spite of having overcome or outlined the great majority of the traditional 
obstacles to the establishment of a strictly scientific Psychology, Cognitivism didn't offer appropriate 
solution for the problem of creativity and human agency, and it exponentially increased the number 
of variables involved in the psychological deductive-nomological explanation. This way, this last one 
became a practical impossibility, at least, and in the case of acceptance of the human characteristics 
above mentioned, ontological also. To solve this problem, it intends the adoption of the conditional 
explanation in Psychology, besides the discipline division between a scientific field and a 
philosophical field. That is necessary so that this doesn't continue to suffering the amputation of 
many of their more important problems, scientifically unapproachable, as the relative subjects to the 
consciousness, meaning and sense of the experience, values, creativity and human agency. The 
adoption of the conditional explanation and of the intrinsic division of fields in discipline can offer 
the road for the so distant and dreamed unification of Psychology, which would feel however only in 
the scientific field, with the group of the conditional laws universally recognized. 
 
Key-words: Cognitivism, Epistemology, Cognitive Psychology, Critical Rationalism. 
 
 XI
 
ASSINATURAS 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO DE PSICOLOGIA 
PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA 
CURSO DE DOUTORADO 
 
 
A Tese “O COGNITIVISMO E O DESAFIO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA”, 
elaborada por GUSTAVO ARJA CASTAÑON, foi aprovada pelos membros da banca 
examinadora: 
 
Professor UED MALUF 
______________________________________ 
 
Professor ALBERTO OLIVA 
______________________________________ 
 
Professor ANTÔNIO GOMES PENNA 
______________________________________ 
 
Professor BERNARD RANGÉ 
______________________________________ 
 
Professor HELMUTH KRÜGER 
______________________________________ 
 
 XII
 
 
 
 
MAGNUM MIRACULUM EST HOMO 
 
 
 XIII
 
1 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
O tema investigado nesta pesquisa é o da crise de cientificidade endêmica da 
Psicologia, que a acompanha desde seu nascimento como projeto de ciência moderna. Nas 
últimas décadas essa crise ganhou novos contornos, com as críticas efetuadas tanto pela 
Psicologia Humanista como pela filosofia pós-moderna, e principalmente com a emergência 
das Ciências Cognitivas. 
O problema específico objeto desta pesquisa teórica dentro do tema escolhido é o da 
possibilidade e limites de desenvolvimento de uma Psicologia científica nos parâmetros 
oferecidos pelo Cognitivismo, em face das dificuldades ontológicas e epistemológicas 
próprias da Psicologia e das novas questões impostas tanto por seu próprio desenvolvimento, 
quanto pela crise epistemológica trazida pelos desenvolvimentos recentes da Ciência e 
surgimento da filosofia pós-moderna. 
Pode-se sintetizá-lo com a seguinte pergunta: Quais são as possibilidades e quais são 
os limites da Psicologia Cognitiva como disciplina científica moderna? A análise desse 
problema passa por três questões intermediárias fundamentais: 
Primeiro, o que é uma pesquisa de caráter científico para o projeto da modernidade? O 
que a modernidade entende como Ciência? Esta concepção resiste aos próprios resultados da 
ciência moderna e questionamentos pós-modernos? 
Segundo, é possível conceber a Psicologia como uma disciplina estritamente aderida 
aos cânones de cientificidade modernos? O projeto modernista de Ciência Psicológica 
sobrevive às críticas ontológicas e epistemológicas efetuadas pelos humanistas e pelos 
teóricos pós-modernos? 
 1
Terceiro, a Psicologia Cognitiva é compatível com a atividade científica conforme 
entendida pela modernidade? O Cognitivismo soluciona os impasses colocados ao projeto 
modernista de ciência psicológica? 
Assim, chega-se à possibilidade de oferecer uma resposta e elaborar algumas 
propostas de abordagens novas para estes problemas. Discute-se aqui portanto a questão do 
projeto cognitivista de Psicologia moderna, analisando-o do ponto de vista ontológico, 
epistemológico e metodológico. A tese é portanto um esforço de delimitar o estado atual da 
questão, tendo um caráter de estudo filosófico, onde não coube conduzir qualquer tipo de 
pesquisa empírica. 
 
1.1 Hipóteses 
A principal hipótese sustentada por este trabalho é a de que a pesquisa psicológica 
científica só pode ser realizada sobre os padrões de comportamento e de processamento 
cognitivo humano. Os limites para a possibilidade de pesquisa psicológica científica são as 
questões da consciência, do significado e sentido da experiência, da qualia, dos valores, da 
liberdade e da criatividade humanas, cabendo diante destas à ciência somente a tarefa de 
trabalhar sobre suas manifestações secundárias, sendo em sua investigação mera coadjuvante 
da Filosofia, além de buscar a determinação das condições necessárias para a emergência de 
alguns destes processos psicológicos. 
Portanto, através do enorme esforço e parcial sucesso do Cognitivismo em superar 
algumas das dificuldades históricas da Psicologia em se constituir enquanto legítima ciência 
psicológica, demonstra-se que ficaram mais evidentes alguns limites da atividade científica 
em Psicologia e a necessidade de se reconhecer esta disciplina como um campo científico e 
filosófico de investigação. Os impasses ontológicos e epistemológicos colocados por 
psicólogos humanistas à possibilidade da pesquisa científica psicológica conduzida com base 
em pressupostos modernos, apesar de em grande parte terem sido superados pelo 
Cognitivismo, explicitaram limites intransponíveis à investigação científica nomotética. 
Desta forma, sustenta-se neste estudo a hipótese de que o domínio da ciência é o 
campo das causas formais e eficientes. O campo das causas finais, da teleologia, é domínio da 
Filosofia, assim como o campo do individual. A distinção de Dilthey entre ciências naturais e 
ciências humanas (Naturwissenschaften e Geisteswissenschaften), o contraste metodológico 
de Max Weber entre explicação e compreensão, entre causas e razões, separa não o campo 
entre dois tipos de ciência, mas sim o campo onde a ciência pode atuar do campo que é 
domínio exclusivo da Filosofia. 
 2
Assim, conclui-se pela verdadeira complementaridade e irredutibilidade que deve 
existir entre as abordagens explicativa (científica)e compreensiva (filosófica) na Psicologia. 
Esta tese procura demonstrar que esta disciplina deve se dividir entre um campo científico 
(explicativo e falsificável) e um campo filosófico (compreensivo e explicativo infalsificável), 
oferecendo uma nova proposta de explicação em Psicologia, a explicação condicional, em 
substituição à dedutivo-nomotética e à probabilística. Só dessa forma poderá se superar o 
falso dilema da Psicologia de escolher entre destruir o conceito de ciência para salvar a ima-
gem de Homem, ou destruir a imagem de Homem para manter o conceito de ciência moderna. 
 
1.2 Relevância 
O status epistemológico das reivindicações de teorias psicológicas é, na verdade, a 
mais básica questão da Psicologia. É dispensável a defesa da relevância de tal questão que, 
por definição, é fundamental. Análises clássicas anteriores deste problema revelam-se 
atualmente defasadas, (Robinson, 1985, Koch, 1985, Giorgi, 1978), pois referentes a períodos 
em que a Revolução Cognitiva era nascente e o Behaviorismo ainda era predominante na cena 
psicológica. Atualmente, com a emergência do cognitivismo, a sedimentação de uma tradição 
humanista e a disseminação do relativismo e ceticismo gnosiológico de pensadores pós-
modernos, o status da questão da cientificidade da Psicologia e seus questionamentos 
demandam um novo esforço de análise. 
Este esforço deve levar em conta as dificuldades e limites que os pressupostos 
epistemológicos modernistas e pós-modernistas trazem em si, assim como o problema da 
influência dessas correntes contemporâneas na questão dos pressupostos ontológicos, 
epistemológicos e até axiológicos da Psicologia. A realização deste trabalho serve a uma 
melhor clarificação dos pressupostos subjacentes ao Cognitivismo, evidenciando sua 
integração ou não ao projeto da ciência moderna, além de ter um caráter de contribuição 
original, na medida em que, além disto, apresentará algumas novas propostas de abordagem 
para o problema da Ciência Psicológica e seus limites. Por fim, poderá a presente tese cumprir 
um papel de auxílio didático considerável para aqueles que se interessam por Psicologia 
Filosófica e Epistemologia da Psicologia. 
 
1.3 Metodologia 
Considerando que esta tese é um estudo filosófico, é evidente que o único tipo de 
pesquisa efetuado é a bibliográfica. No entanto, deve-se explicitar: 1) que tipo de dados 
teóricos se procurou e 2) a forma de coleta desses dados teóricos. Diante do problema 
 3
específico objeto da pesquisa teórica, os dados utilizados nesta pesquisa foram os textos onde 
autores e cientistas que tratem da questão dos fundamentos epistemológicos e ontológicos da 
Psicologia Cognitiva e da abordagem Cognitivista explicitam os fundamentos ontológicos e 
epistemológicos de suas respectivas abordagens. É a partir da análise do conteúdo teórico 
destes textos que se efetua a crítica epistemológica que é o objetivo desta tese. 
Assim estabelecem-se as fontes primárias e secundárias desta tese: 
A) Fontes primárias: Textos originais onde os mais representativos autores 
cognitivistas que tratam da questão dos fundamentos epistemológicos e ontológicos do 
Cognitivismo e da Psicologia Cognitiva explicitam os fundamentos de sua abordagem. 
B) Fontes secundárias: Literatura crítica sobre as posições epistemológicas dos mais 
representativos autores cognitivistas que tratam da questão dos fundamentos epistemológicos 
e ontológicos do Cognitivismo e da Psicologia Cognitiva. 
 A pesquisa do material para uma tese filosófica é eminentemente uma pesquisa 
bibliográfica. Esse tipo de pesquisa, onde se deve levantar toda a produção acadêmica sobre 
determinado tema, seguiu um método pessoal, com etapas assim definidas: 1o) Indicações de 
especialistas, 2o) Busca em bases de dados computadorizados, 3o) Elaboração do Arquivo 
Bibliográfico provisório com as fichas indexadas eletrônicas, 4o) Busca nos acervos das 
bibliotecas e no portal de periódicos da CAPES, 5o) Aquisição nas livrarias virtuais dos títulos 
ausentes das bibliotecas brasileiras, 6o) Leitura do primeiro arquivo, 7o) Elaboração de 
arquivo bibliográfico definitivo com as fichas eletrônicas dos livros e artigos indicados pelas 
obras do primeiro arquivo, 8o) Leitura dos segundos textos, 9o) Execução da tese e 10o) 
Leitura do terceiro e último grupo de textos, paralela à acréscimos à tese. 
No presente trabalho, a base de dados principal foi o Psycinfo, com consultas paralelas 
ao Philosophical Index. Os artigos foram obtidos na base de periódicos da CAPES e na 
biblioteca da USP. Quanto aos livros não conseguidos na referida biblioteca, foram 
importados através das livrarias virtuais Abebooks e Alibris. 
 
1.4 Estrutura da Tese 
 Além da presente introdução, que se encerra com esta descrição de sua estrutura, esta 
tese tem mais cinco capítulos. O próximo deles, tem o título “Crise Epistemológica” e procura 
explanar o problema do debate epistemológico contemporâneo, cumprindo o objetivo de 
situar a crise de cientificidade endêmica da Psicologia no contexto mais amplo da crise 
epistemológica atual. Começa pela definição de ciência aceita pela modernidade e pelo 
significado que a Ciência Moderna assume desde a Revolução Científica. Depois relembra as 
 4
características principais do pensamento positivista e de sua forma final em filosofia da 
ciência, o Positivismo Lógico, que ofereceu a posição epistemológica hegemônica até a 
segunda guerra mundial. No terceiro item, apresenta-se aquela que se estabeleceu, não sem 
dificuldades, como a nova posição dominante na filosofia da ciência, o Racionalismo Crítico 
fundado por Karl Popper. Em seguida, esse breve panorama histórico lança os olhos sobre 
autores pós-modernos – Jean-François Lyotard, Richard Rorty e os “pós-popperianos” 
Thomas Kuhn e Paul Feyerabend – e em suas tentativas de dissolução da posição 
epistemológica padrão. Concluindo essa contextualização, são sumariamente inventariadas 
recentes conquistas da ciência moderna que lançaram perplexidade sobre a comunidade 
científica e filosófica, para finalmente responder, de forma fundamentada, à pergunta sobre a 
sobrevivência de seu projeto. 
No terceiro capítulo, que tem o título de “Psicologia moderna e impasse endêmico”, 
esta tese cumpre o objetivo de descrever os problemas particulares da Psicologia na sua busca 
pelo estatuto de ciência moderna, para que depois estes possam ser avaliados sob a ótica das 
tentativas de solução cognitivistas. Primeiro analisa a relação entre Psicologia e Ontologia, 
centrada na questão do objeto de estudo da ciência psicológica. Depois analisa as relações 
especiais da Psicologia com a Epistemologia, discutindo a questão da explicação e da 
compreensão, assim como as dificuldades metodológicas de investigação do objeto 
psicológico. No terceiro item, faz-se uma resumida recapitulação da história de fracassos da 
Psicologia em suas tentativas de se constituir como ciência moderna, desde sua fundação 
como ciência empírica com o Estruturalismo até a Psicanálise. A seguir, são investigadas as 
posições ontológicas e epistemológicas do Behaviorismo, abordagem da Psicologia que foi a 
pioneira na constituição de uma Psicologia legitimamente integrada aos preceitos da ciência 
moderna. No quinto e sexto item, são analisadas as violentas reações ao Behaviorismo vindas 
da Psicologia Humanista e da Fenomenologia, que levantaram graves questões à possibilidade 
de a Psicologia vir a se constituir enquanto disciplina científica. Por fim, no último subitem, 
procura o terceiro capítulo substanciar as condições de resposta à segunda pergunta básica 
desta tese, que é se pode a Psicologia se constituir enquanto ciência moderna. 
No seu quarto capítulo, estatese entra na questão do “Cognitivismo: O novo projeto de 
psicologia moderna”. O capítulo começa por uma contextualização histórica do surgimento 
desta abordagem, concebida como um atropelamento sofrido pela Psicologia do meio do 
século por outras disciplinas científicas que, sem renunciarem ao método científico, 
ultrapassaram as fronteiras da Psicologia obrigando-a a uma reação. Estabelece-se com base 
em textos de alguns de seus autores mais representativos seus pressupostos e posições 
 5
ontológicas, com particular destaque a imagem de homem defendida pelo Cognitivismo; suas 
posições epistemológicas, com destaque para a compatibilidade com o Racionalismo Crítico e 
as relações entre Construtivismo e Inatismo; e por fim, suas inovações metodológicas; como o 
protocolo verbal, os experimentos com PET e a simulação computadorizada. 
No seu quinto capítulo, esta tese apresenta uma “Avaliação crítica do Cognitivismo”, 
com a apresentação e avaliação das críticas efetuadas por autores behavioristas, materialistas, 
pós-modernos, humanistas e mesmo cognitivistas a este programa de pesquisa, para enfim 
julgar se os problemas levantados no terceiro capítulo foram devidamente superados por esta 
nova concepção de ciência psicológica, oferecendo então a resposta deste estudo à sua 
questão central. Por fim, são apresentadas as propostas centrais desta tese, de adoção da 
explicação condicional em Psicologia, divisão do campo entre uma abordagem científica e 
filosófica, e finalmente, de uma nova metáfora computacional. 
 Em sua conclusão, além da breve recapitulação dos resultados do estudo, defende esta 
tese que apesar de a Psicologia Cognitiva merecer o título de ciência psicológica, este 
privilégio não constitui livre acesso do método científico a todos os domínios da Psicologia, o 
que leva conjuntamente à conclusão que a Psicologia é uma disciplina não-unificável, que 
para não ser amputada de domínios significativos de seus problemas, tem que estabelecer uma 
relação de complementaridade entre Psicologia científica e filosófica, relação essa necessária 
em virtude da irredutibilidade de uma série de fenômenos psicológicos a explicações causais 
eficientes ou formais. Portanto, esta conclusão defende a tese da irredutibilidade ontológica 
do objeto de estudo da Psicologia, ainda defendendo a complexidade profunda – com níveis 
de indeterminação – inerente à condição humana: a mais complexa forma de existência 
conhecida no universo. 
 6
 
2 
 
CRISE EPISTEMOLÓGICA 
 
 
 
 
 Este capítulo procura explanar o problema do debate epistemológico contemporâneo, 
cumprindo o objetivo de situar a crise de cientificidade endêmica da Psicologia no contexto 
mais amplo da crise epistemológica atual. Começa pela definição e significado que a Ciência 
Moderna assume desde a Revolução Científica. Depois relembra as características principais 
do pensamento positivista e de sua forma final em filosofia da ciência, o Positivismo Lógico, 
que estabeleceu a posição hegemônica em Filosofia da Ciência até a segunda guerra mundial. 
Na terceira seção, apresenta-se aquela que se estabeleceu, não sem dificuldades, como a nova 
posição dominante na filosofia da ciência, o Racionalismo Crítico fundado por Karl Popper. 
Em seguida, esse breve panorama histórico lançará os olhos sobre autores pós-modernos – 
Jean-François Lyotard, Richard Rorty e os “pós-popperianos” Thomas Kuhn e Paul 
Feyerabend – e suas tentativas de dissolução da posição epistemológica padrão. Concluindo 
essa contextualização, são sumariamente inventariadas recentes conquistas da ciência 
moderna que lançaram perplexidade sobre a comunidade científica e filosófica, para 
finalmente perguntar no último item se, depois de tudo isso, ainda podemos afirmar que o 
projeto da ciência moderna – no espírito concebido pela revolução científica – continua vivo. 
 
 
 
2.1 Ciência Moderna: surgimento, significados e pressupostos 
 
 Quando surge a Revolução Científica, o modelo existente de universo apresentava 
todas as coisas ocupando lugares imutáveis, determinados pela qualidade de sua essência. A 
Terra ocupava o centro desse Cosmos, onde o homem não dominava e não podia dominar a 
 7
natureza. O modelo cosmológico era o ptolomeico-aristotélico, dividindo o Cosmos 
basicamente entre o mundo sublunar – o mundo da imperfeição, da mudança constante e da 
corrupção de tudo – e o mundo celestial supralunar, perfeito e incorruptível. O mundo 
sublunar era submetido ao determinismo físico e ontológico da esfera celeste, de onde os 
valores “desciam” para a Terra. Esse Cosmos era um todo finito e bem ordenado, no qual a 
estrutura espacial refletia também uma estrutura ontológica e axiológica, ou seja, a posição no 
espaço revelava também uma hierarquia de perfeição: abaixo, a Terra pesada e opaca, centro 
da região sublunar onde reinam a mudança e a corrupção; acima, as esferas celestes dos astros 
imponderáveis, incorruptíveis e luminosos. O espaço aristotélico é portanto um conjunto 
diferenciado de lugares que possuem naturezas diversas. 
A Revolução Científica operou, no decorrer de cerca de um século e meio (de 1543 - 
data da publicação do De Revolutionibus de Copérnico - a 1687 - quando foi publicado 
Princípios Matemáticos de Filosofia Natural) provavelmente a maior revolução intelectual e 
cultural da história da humanidade. Não se trata somente da imagem de mundo que se 
transforma durante esse período, mas das idéias sobre a ciência, o homem, as relações entre 
ciência e sociedade, ciência e filosofia e ciência e fé. A Terra deixa de ocupar para a ciência o 
centro do universo para se tornar nada mais que um planeta entre outros planetas. Do universo 
fechado onde residia o homem, surge um universo infinito, cuja concepção nasce da 
incorporação do modelo de espaço oferecido pela geometria euclidiana à representação do 
universo real. Na Revolução Científica triunfam temas neo-platônicos e neo-pitagóricos que 
estiveram há muito sufocados pela escolástica aristotélica. A mística do Sol, presente em 
Copérnico e Kepler; o Deus Geômetra, que cria o mundo nele imprimindo uma ordem 
geométrica e matemática; são exemplos típicos dessa influência. 
Mas é em relação à ciência que obviamente se dão as principais e mais características 
transformações do período. É o surgimento da Ciência Moderna, na verdade, o grande 
resultado da revolução científica. Daqui por diante, “ciência” não será mais resultado da 
intuição privilegiada de um mago ou do comentário a um filósofo de autoridade incontestável. 
A ciência qualifica-se enquanto tal, ou seja, enquanto “saber”, porque obtém suas proposições 
através de experimentos e demonstrações. A ciência é superior epistemicamente porque é 
experimental: teorias rigidamente testadas através dos experimentos, publicamente 
controláveis, e sempre aprimoráveis por novos e mais precisos instrumentos de medidas. O 
método experimental torna a ciência autônoma, separando-a da filosofia e da teologia. 
A filosofia aristotélica é uma filosofia essencialista, ocupada em definir a essência das 
coisas, em responder à pergunta sobre “o quê” elas são. A ciência moderna, originalmente 
 8
denominada filosofia natural, não está mais voltada para a essência ou a substância das coisas 
e dos fenômenos, e sim para responder o “como” eles se desenvolvem, busca as funções 
matemáticas que os regem. O conhecimento passa a ter, até mesmo por seu caráter público e 
experimental, um objetivo prático, em oposição a seu sentido anterior, meramente 
contemplativo. A Ciência deve servir para aprimorar as técnicas dos artesãos e aumentar a 
produtividade do trabalho humano. O saber dos intelectuais, desta forma, aproxima-se dosaber dos técnicos e artesãos. Fica somente a dúvida levantada por Koyré (1979), sobre a 
verdadeira origem deste saber de caráter público e cooperativo: ele nasceu de filósofos e 
cientistas como Copérnico e Galileu; ou emergiu dos artesãos superiores (navegantes, 
engenheiros de fortificações, técnicos de artilharia, agrimensores, arquitetos, etc.) ? 
 
2.1.1 A nova síntese epistemológica 
 A Revolução Científica substituiu a física qualitativa de Aristóteles por uma física 
quantitativa, onde o princípio identificando o real objetivo à percepção sensível fica 
definitivamente rejeitado: as qualidades são relativas a nossos sentidos e a matéria é 
quantitativa. Assim, como afirma Japiassú (1997), entre a ciência grega e a ciência moderna, a 
diferença se pode sintetizar nos conceitos de experimentação e matematização. A “ciência” 
grega nada mais é do que metafísica. Ela permaneceu confinada nos domínios da teoria, sem 
nenhuma preocupação com qualquer tipo de validação experimental ou utilidade prática. Esse 
descompromisso com a aplicação das teorias tomou dois caminhos distintos no pensamento 
epistemológico grego. O primeiro foi o aristotélico, que acreditava na experiência como a 
única fonte do conhecimento. Este caminho construiu uma ciência sistemática, rica de 
observações, mas puramente qualitativa. Aqui a quantificação não cumpria qualquer papel, o 
interesse era essencialista: o objetivo das observações sistemáticas era captar a essência das 
coisas e dos fenômenos. 
 O segundo, platônico-pitagórico, foi o da veneração dos números e das idealidades 
matemáticas, sem qualquer compromisso com sua aplicação no mundo material. A 
matemática e a geometria se tornam um meio de purificação para a alma que se distancia do 
mundo sensível, corruptível. Ao contemplar essas idealidades, o ser humano consegue 
compreender a real essência do conhecimento. Segundo a teoria platônica das idéias, uma vez 
que o verdadeiro conhecimento deve ter necessidade lógica e validade universal, ele não pode 
vir do mundo físico, do mundo da experiência, pois este se encontra em permanente alteração 
e mudança. Desta forma, o conteúdo estável e as idéias perfeitas que temos sobre os objetos 
geométricos ideais não podem proceder do mundo físico, tendo que justificar sua origem num 
 9
outro plano, que Platão denomina mundo das idéias. Esse mundo das Idéias não é um lugar 
físico, mas sim um reino das essências ideais das coisas, porém, mais real do que o mundo 
fenomênico, pois imutável. O interesse da filosofia platônica do conhecimento é portanto as 
idéias, e com isso ele praticamente se divorcia do mundo físico. 
 Como defende Japiassú (1997), a nova síntese epistemológica que nos traz a 
Revolução Científica é a realizada entre as matemáticas e a experiência. Essa síntese tem 
nome, e esse nome é experimentação. Podemos atribuir a Galileu Galilei o aparecimento 
dessa síntese revolucionária. Sua tarefa foi a de elaborar um conceito de experiência e de 
teoria fundado no recurso inédito à matemática, modelo sem precedentes na história do saber 
racional. Ele consegue o que ninguém ainda havia conseguido: formula uma descrição 
matemática dos movimentos dos corpos. A unidade entre a experiência e da matemática pode 
acontecer na epistemologia galileana porque ele admite o pressuposto que a natureza se 
organiza de forma matemática. Assim, a matemática deve definir, na natureza, os sistemas 
acessíveis de fenômenos observáveis. 
 Galileu possui uma crença profunda que as formas matemáticas estão realizadas no 
mundo. Para ele, a natureza fala a linguagem da matemática, e portanto só pode ser conhecida 
através dessa linguagem, ou seja, de questões que lhe são colocadas através de linguagem 
matemática. As respostas vêm, quando as questões são corretamente colocadas através da 
experimentação, da aplicação à experiência das leis da medida e interpretação matemática. 
 Como nos mostra Koyré (1979), ao destruir a imagem aristotélica de Cosmos, Galileu 
a substitui pelo esquema de um universo infinito e unitário, submetido à disciplina rigorosa da 
física matemática. Ele geometriza o universo, o identificando o espaço físico com o espaço da 
geometria euclidiana. Uma nova imagem do universo, quantitativa, atômica e infinitamente 
extensa (ou seja, mecanicista) vem substituir a velha imagem qualitativa, contínua, limitada e 
religiosa herdada de Aristóteles. Daqui para frente, o universo será concebido como um 
contínuo físico de extensão infinita, no interior do qual os fatos físicos se condicionam entre 
si em virtude de necessidades materiais e matematicamente calculáveis. 
 Assim, uma das conseqüências da Revolução Científica foi o divórcio entre o mundo 
dos valores (do sentido, das causas finais) e o mundo dos fatos (causas materiais e eficientes). 
O pensamento científico não pode mais aceitar as noções de valor, perfeição, harmonia, 
sentido, finalidade. A Revolução portanto cinde o mundo em dois. Pascal (1975), profetizaria 
diante do universo surgido da Revolução Científica que o homem se encontraria doravante 
sob um espaço vazio, onde nenhum valor teria mais lugar: “O silêncio eterno desses espaços 
vazios me apavora...” . 
 10
 
2.1.2 O conceito de Ciência Moderna 
Apesar das demandas pós-modernas por pluralidade semântica e de suas alegações de 
uma multiplicidade de “saberes”, se passarmos os olhos superficialmente por enciclopédias 
filosóficas e dicionários de Filosofia, encontraremos alguns consensos significativos sobre a 
definição de ciência. Ferrater Mora (1994), indica que a palavra ciência é derivada do 
vocábulo scientia, substantivo que procede do verbo scire, que significa saber. 
Etimologicamente, ciência equivale a "o saber". Deste sentido básico, originário, podem 
derivar interpretações errôneas do termo (como as dos pós-modernos), o que leva a borrar 
seus limites precisos. Porque há “saberes” que não pertencem à ciência, como o conhecimento 
de fatos cotidianos vulgares ou de experiências subjetivas, no entanto, isto não significa que 
estes “saberes” não se constituam em formas de conhecimento legítimas. Porém, legítimas em 
esferas de legitimidade epistemologicamente distintas. 
 Para Abbagnano (2000) ciência é o conhecimento que inclua, em qualquer forma ou 
medida, uma garantia da própria validade. Segundo a versão clássica deste conceito, essa 
garantia seria absoluta, mas com o advento da Ciência Moderna, que não tem pretensões de 
saber absoluto, essa definição foi flexibilizada. Segundo Mora (1994), a definição atualmente 
mais aceita de ciência (empírica) é aquela que afirma ser ela um modo de conhecimento que 
aspira a formular, mediante linguagens rigorosas e apropriadas (e sempre que possível 
matemáticas), leis por meio dos quais se regem os fenômenos. 
Estas leis, ainda segundo Mora, devem possuir, para ser consideradas sentenças 
científicas, várias características em comum. São elas as características Descritiva, 
Experimental e Preditiva. A primeira se refere à capacidade para expressar lingüisticamente 
de forma precisa séries de fenômenos; a segunda à propriedade de serem comprováveis por 
meio da observação sistemática e matematizada dos fatos (de experimentação); a terceira à 
capacidade de serem capazes de determinar, seja mediante predição exata ou estatística, o 
desenrolar de acontecimentos futuros relativos aos fenômenos sobre os quais versa. 
Uma das definições mais aceitas de Ciência Moderna ainda hoje é a elaborada por 
Ernest Nagel em “The Structure of Science”, de 1961. Em resumo, define a ciência como 
sendo uma atividade com seis características básicas. A primeira é a forma sistêmica da 
organização que deve ter o edifício teórico e o conjunto de leis. A segundaé a definição de 
métodos de investigação, que também estabeleçam o objeto de estudo e os fatos relevantes 
para estudá-lo. A terceira é a redução, a ciência sempre procura reduzir fenômenos a seu nível 
mais profundo de fundamentação. A quarta é a objetividade, no sentido de ser controlável, 
 11
reproduzível e intersubjetivamente observável. A quinta é a claridade das leis e teorias 
científicas, estabelecidas em linguagem clara, formalmente impecável e semanticamente 
unívoca. Por fim, a sexta característica principal seria a incompletude e falibilidade, o 
conhecimento científico está sempre aberto a revisões, nunca é definitivo. 
 É sempre importante lembrar que estas definições se referem portanto à atividade que 
surge da Revolução Científica e suas pretensões. Não se refere a nenhuma tentativa de 
fechamento de questão em torno do que é a ciência, mas sim do que ela é para a modernidade. 
Esta tese não está preocupada em definir o que deve ser a ciência, e sim, em responder se a 
Psicologia é compatível com a definição de ciência que dá a ciência moderna. A questão do 
significado do termo e da atividade na atualidade requer muita reflexão, que sucintamente 
será esboçada neste capítulo, mas que longe ficará de ser esgotada, pois foge aos nossos 
objetivos aqui. Por hora, basta estabelecer um significado coerente com alguns consensos 
básicos sobre o que é ciência para a modernidade. Depois, a partir desta definição, é possível 
a realização da atividade crítica deste capítulo, assim como rastrear suas origens. 
 Portanto, essa forma de conhecimento a que a modernidade chama ciência – e aqui 
fica claro que não estou me referindo às ciências formais, somente à empírica – fica definida 
como a que permite ao menos uma aproximação do conhecimento universalmente válido e 
empiricamente comprovável. Ciência é aquele modo de obtenção de conhecimento que aspira 
a formular teorias gerais e leis universais que expliquem, de forma cada vez mais acurada, 
ainda que probabilisticamente, fenômenos da realidade objetiva. 
Desde o Teeteto de Platão estabeleceu-se a visão, considerada válida na Filosofia por 
mais de dois milênios, de que conhecimento é crença verdadeira justificada. Como afirma 
Oliva (2003), a partir da filosofia moderna os discursos sobre a ciência tendem a estabelecer 
que uma proposição, para aspirar à condição de científica, deve ser passível de validação 
como verdadeira ou ao menos como provável. Assim, verdadeira é a proposição que 
estabeleça correspondência com o estado de coisas ao qual se reporta, e que possa ser 
justificada por critérios epistemológicos rigorosamente estabelecidos. O que está em jogo na 
ciência é a forma de justificação de crenças verdadeiras. 
Podemos observar hoje as tentativas pós-modernas de desconstrução do termo ciência, 
através da tentativa de dissolução de seu significado. No entanto isto é irrelevante para nossos 
objetivos, uma vez que nesta tese estamos nos referindo ao conceito de conhecimento da 
espécie descrita acima, não aos sentidos que os desconstrucionistas, pós-modernos e 
adversários da ciência moderna querem dar ou tirar do termo. E são os pressupostos 
filosóficos nos quais se baseia a definição acima de ciência que são abordados adiante. 
 12
 
2.1.3 Pressupostos filosóficos da Ciência Moderna 
Quais são as crenças fundamentais, os pressupostos filosóficos, que estão na base da 
empreitada científica moderna caracterizada acima? Estabelecem-se aqui cinco, que para o 
tipo de busca delimitado acima, são irredutíveis e necessárias. À exceção dos pressupostos 
lógicos, todas elas serão trabalhadas extensivamente neste e no próximo capítulo, quando 
buscaremos os principais termos do debate sobre estas posições. No entanto, estão listadas 
aqui a titulo de explicitação de pressupostos teóricos necessários ao conceito acima adotado. 
A primeira é a crença de que o objeto existe independentemente da mente do observador, a 
isto chamaremos Realismo Ontológico; a segunda é a crença na estabilidade, pelo menos em 
alguns de seus aspectos, do objeto que se estuda, a isto chamaremos Regularidade do Objeto; 
a terceira é a crença de que através do método adequado, podemos vir a conhecer algo sobre o 
objeto, a isto chamaremos Otimismo Epistemológico; a quarta é a assunção das leis básicas da 
lógica clássica na formulação de argumentos válidos, os Pressupostos Lógicos, e, por último e 
não menos importante, a crença de que podemos representar adequada e estavelmente o 
mundo através da linguagem, a isto chamaremos aqui, Representacionismo. 
 
2.1.3.1 Realismo Ontológico 
Se tivéssemos que indicar a mais básica das crenças que sustentam a atividade 
científica, a escolha talvez recaísse sobre a crença de que há algo a ser pesquisado. Esse é o 
pressuposto ontológico do realismo, ou seja, a atividade de pesquisa pressupõe antes de 
qualquer coisa a existência do objeto que está sendo pesquisado. Essa existência é objetiva, ou 
seja, existe num campo do real que tem algum nível de independência em relação ao 
observador humano; o objeto não é meramente uma criação da mente humana, antes, 
independe, ao menos em algum de seus aspectos, da mesma. 
É claro que, depois de Kant, a única posição realista que permanece defensável 
filosoficamente é o realismo crítico. Esta posição defende que as representações mentais não 
são idênticas aos objetos que visam, mas são influenciadas por estes uma vez que as 
expectativas que temos sobre como os objetos se comportarão são muitas vezes frustradas 
(falsificadas) por eles. Assim, para o realismo crítico nossas representações sofrem a 
influência tanto das impressões provocadas por objetos externos como das expectativas e 
crenças do observador, condicionadas ambas ainda, pelos limites e possibilidades de nosso 
aparato fisiológico. Não podemos evidentemente, sustentar uma crença oposta a alguma 
espécie de realismo como compatível com a atividade científica. Não há como imaginar um 
 13
ser humano dedicado à investigação científica e ao mesmo tempo descrente quanto à 
existência do próprio objeto do esforço de sua investigação. 
 
2.1.3.2 Regularidade do Objeto 
 Portanto, admite-se que o objeto tem que existir na realidade objetiva. Mas sua 
existência não basta para que ele possa ser estudado cientificamente. Uma vez que admitamos 
como explicações científicas formulações de hipóteses causais, precisamos necessariamente 
assumir que o objeto que está sendo contemplado com estas hipóteses, em ao menos algum de 
seus aspectos, esteja submetido a leis. A atividade científica se caracteriza, em suma, pela 
busca racional da descoberta das leis que governam um objeto particular. 
 A crença na regularidade do objeto está vinculada por sua vez ao determinismo e ao 
naturalismo, que estão na base da ciência moderna desde Galileu Galilei. O naturalismo é a 
crença num universo governado por leis intemporais, fora do jugo da magia, dos deuses, do 
acaso ou do caos. Veja como Galileu (1973) descreve essa crença em passagem clássica: 
 
“A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante 
nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua 
e os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática..” (p. 119) 
 
 Ou seja, Galileu possui uma crença profunda de que as formas matemáticas governam 
o mundo, de que a natureza é estável e governada por leis matemáticas, e portanto, passíveis 
de descoberta. Para ele, a natureza fala a linguagem da matemática, e portanto só pode ser 
conhecida através dessa linguagem, ou seja, de questões que lhe são colocadas corretamente 
colocadas através de um novo método: a experimentação,a aplicação à experiência das leis da 
medida e da interpretação matemática. 
 
2.1.3.3 Otimismo Epistemológico 
A crença de que podemos conhecer algo é uma crença de tal forma generalizada no ser 
humano que sua posição oposta, o ceticismo radical, é inaceitável tanto ao senso comum 
quanto ao senso filosófico. Não faz nenhum sentido imaginar o enorme empenho de conhecer, 
admitindo-se previamente que não é possível se chegar a algum conhecimento. 
 Uma vez que assumimos o pressuposto da possibilidade de se obter conhecimento 
válido, imediatamente somos chamados a nos decidir em relação à forma pela qual ele é 
adquirido. Ou seja, de que forma obtemos conhecimento? Qual é a sua origem? E a outra 
 14
decisão conseqüente é: de que forma validamos este conhecimento? Estas são as principais 
questões da epistemologia, e as diferentes respostas a estas perguntas, particularmente em 
relação à espécie particular de conhecimento chamado de conhecimento científico, é o que 
avaliaremos no decorrer deste capítulo. 
 
2.1.3.4 Pressupostos Lógicos 
 Existem regras básicas de pensamento nas quais está assentado todo o pensamento 
humano, e estas são as regras que possibilitam a obtenção de argumentos válidos. As teorias 
científicas, uma vez que são produtos do pensamento, apresentam uma estrutura que aplica 
estas regras. Estas regras específicas são o que está se chamando aqui de Lógica, das quais 
são exemplos os três princípios básicos da contradição, de identidade e o do terceiro excluí-
do. Estes princípios foram explicitados pela primeira vez em Aristóteles, mas encontram-se 
presentes no pensamento ocidental desde o surgimento do pensamento de Parmênides. 
 O princípio da contradição é um princípio negativo, ou seja, ele afirma a impos-
sibilidade de aceitação por parte do pensamento racional da idéia de que um atributo possa 
estar presente e deixar de estar presente no mesmo objeto, ao mesmo tempo e sob o mesmo 
aspecto. Este princípio pode ser formulado portanto da seguinte forma: duas proposições 
contraditórias não podem ser simultaneamente verdadeiras. O princípio da identidade 
enuncia-se da seguinte forma: Toda proposição é idêntica a si mesma. O princípio do terceiro 
excluído se enuncia: apenas uma de duas proposições contraditórias pode ser verdadeira. 
Mais ainda do que no pensamento cotidiano, na formulação de teorias científicas não 
se pode aceitar dois postulados ou sentenças que se contradigam. Embora a Ciência Moderna, 
conforme descrita por Abbagnano (2000), tenha renunciado à pretensão clássica de 
construção de um sistema de mundo ou até de um pensamento sistemático, permanece a 
exigência de que as proposições que constituem o corpo lingüístico de uma ciência sejam 
compatíveis entre si, isto é, sejam não-contraditórios. 
 O pós-modernismo pretende conferir a estes princípios lógicos fundamentais tão 
somente uma importância prescritiva, ou seja, um status de mais uma das criações da mente 
humana cuja importância particular procede de alguma autoridade intelectual. No entanto, não 
cabe questionamento para a afirmação de que a ciência moderna é construída sobre estes 
princípios, e compartilha da crença neste conjunto básico de princípios de Lógica Clássica. 
Portanto, por não ser o debate da lógica contemporânea um dos objetivos desta tese, cabe 
somente definir estas crenças como fundamentais para a delimitação do tipo de atividade que 
estamos definindo aqui como ciência moderna. 
 15
 
2.1.3.5 Representacionismo 
 O representacionismo é a crença de que podemos representar adequadamente e 
estavelmente o mundo através da linguagem. Existe uma implicação necessária entre o 
realismo ontológico e o representacionismo. O coração da questão, é que o realismo 
ontológico é assumido por nossa linguagem, sendo na verdade sua própria essência. É 
absolutamente irrelevante o caráter arbitrário da relação entre significante e significado. Não 
interessa se nós chamamos a caneta de “caneta”, ou mesmo a ciência de “ciência”. O que 
interessa é o conceito abstrato de caneta e o conceito abstrato de ciência. O realismo 
ontológico que sustenta a atividade científica, filosófica e mesmo meramente representacional 
é baseado na crença na existência dos conceitos abstratos. Sem este pressuposto, nem mesmo 
o entendimento de minhas palavras nesta tese seria possível. 
Como observa Matthews (1998), cada declaração sincera é uma tentativa de dar uma 
explicação verdadeira sobre algo assumido como real, essa é a essência da ciência. Não é 
possível conceber a ciência sem o pressuposto de que a linguagem na qual estão expressas 
suas leis é capaz de representar, pelo menos em parte, o mundo a que ela procura se referir. 
 Assim, estamos admitindo com o representacionismo uma outra crença, que é sobre o 
conceito de verdade. Para o representacionismo, verdade é a correspondência entre estruturas 
sintáticas e conteúdos semânticos de uma declaração e o estado de coisas do mundo por ela 
referido. Ou seja, conhecimento verdadeiro consiste na concordância do conteúdo do 
pensamento com o objeto. 
 
 
 
2.2 Desenvolvimento positivista do modelo de Ciência 
 
Aqui se buscará repassar, além das origens de alguns preconceitos e de alguns 
equívocos, as características principais do pensamento positivista e seu estabelecimento de 
um modelo hegemônico de método científico e ciência moderna. Seguirá este item com o 
desenvolvimento histórico desta maneira de interpretar a atividade científica, expondo 
sucintamente o ambicioso projeto do Positivismo Lógico e oferecendo argumentos que 
sustentam que o fracasso desse projeto levou ao esgotamento histórico do empirismo e a 
Filosofia como um todo ao grande impasse em que se encontra hoje. 
 16
 
2.2.1 Características gerais do espírito positivista 
Os representantes mais importantes do Positivismo clássico são Auguste Comte (1798-
1857) e Claude Bernard (1813-1878) na França, e John Stuart Mill (1806-1873) na Inglaterra. 
O Positivismo, portanto, insere-se em duas tradições culturais diferentes, a francesa, 
racionalista, que vai de Descartes ao Iluminismo, e a inglesa, empirista, que vai de Bacon ao 
Utilitarismo. Teve enorme influência na vida cultural de outros países, como a Alemanha, 
onde assumiu a forma de cientificismo materialista, mas principalmente na Itália e no Brasil, 
onde foi hegemônico na vida política e cultural. Vamos, no entanto, neste pequeno sub-item, 
nos concentrar em suas posições epistemológicas. 
Apesar destas ramificações, o pensamento positivista apresenta traços comuns que nos 
permitem a sua identificação como movimento. Entre eles, talvez a principal seja o da 
reivindicação do primado da ciência: nós conhecemos somente aquilo que a ciência nos dá a 
conhecer, pois o único método de obtenção de conhecimento seria o das ciências naturais, 
onde se identificam as leis que regem as regularidades nas sucessões dos fenômenos. A 
ciência preconizada pelo Positivismo deve ser experimental e indutiva. Ela deve ser aplicada 
não só ao estudo da natureza, mas também ao estudo do homem e da sociedade. Essa posição 
leva a uma postura ideológica conhecida como cientificismo, que é a exaltação ideológica da 
ciência como o único meio para resolver, ao longo do tempo, todos os problemas humanos 
que até então escravizavam a humanidade, sejam eles naturais ou sociais. A ciência nos 
guiaria rumo à construção final de uma sociedade pacífica e solidária. O otimismo 
característico do pensamento positivista é o otimismo científico: a crença (acrítica na maioria 
das vezes) no progresso contínuo e irrefreável, sem obstáculos, do conhecimento científico. 
O Positivismo, embora represente tradição de pensamento autônoma,preservou temas 
e crenças fundamentais do Iluminismo: A tendência a considerar os fatos empíricos como 
única base do conhecimento, a fé na racionalidade científica como solução dos problemas da 
humanidade e a concepção leiga da cultura em contraposição aos pressupostos e teorias 
teológicas. A “positividade” da ciência e o clima da filosofia pós-kantiana levam a 
mentalidade positivista a condenar a metafísica e “suas doutrinas” como o idealismo e o 
espiritualismo. Mais tarde, com a deificação do “fato” e posições materialistas, os positivistas 
acabaram mergulhando em metafísicas igualmente dogmáticas, no que Reale & Antisieri 
(1991) denominaram “metafísica da ciência”. 
 
 17
2.2.2 Auguste Comte e o Positivismo francês 
 Comte descreve desta maneira o estágio de desenvolvimento histórico que estaria se 
inaugurando com o pensamento positivista, o estágio positivo (científico experimental): 
 
“...o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, 
renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos 
fenômenos, para preocupar-se somente em descobrir, graças ao uso bem combinado do 
raciocínio e da observação, as suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de 
sucessão e de similitude”. (1973, Curso de Filosofia Positiva, p.10) 
 
 Esta passagem de Comte é uma das melhores sínteses do Positivismo enquanto 
posição epistemológica. Diz Comte e os positivistas, que o verdadeiro espírito positivo se 
atém à observação dos fatos, limitando-se a raciocinar sobre eles somente para procurar as 
relações invariáveis entre os fenômenos, as leis que os regem. Na esteira de Kant, Comte 
rejeita as pretensões metafísicas da razão e condena a metafísica ao reino da fantasia. Isto 
também está expresso nesta significativa passagem da mesma obra: 
 
“...o caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos à 
leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível 
constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente 
inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam 
primeiras, sejam finais.” (1973, p.13) 
 
 Como herdeiro do Empirismo, o Positivismo considera que a única base verdadeira 
para o conhecimento é a observação, a experiência. Devemos sistematizá-la, submetê-la a 
regras experimentais, trabalhá-las com o raciocínio; porém, é a experiência a fonte primeira 
do conhecimento. É Mill quem vai sistematizar de forma clara a lógica da ciência positivista. 
 Não devemos no entanto acreditar que os Positivistas, notadamente os franceses 
Comte e Bernard, eram empiristas ingênuos. Comte, também influenciado pelo Racionalismo, 
compreende que o Empirismo puro nada mais é do que uma “estéril acumulação de fatos”. 
Para ele, assim como para Claude Bernard, genial cientista francês criador da medicina 
experimental, o objetivo da ciência é buscar a formulação de leis, através da razão, que sejam 
capazes de prever o funcionamento dos fenômenos, “segundo o dogma geral da 
invariabilidade das leis naturais”. Para Bernard a Ciência Moderna é ciência experimental, em 
contraposição à ciência de observação característica do Empirismo, que raciocina sobre fatos 
 18
da observação natural. A ciência moderna, ou ciência experimental, raciocinará sobre os fatos 
obtidos das condições que o investigador planejou e controlou. Mas se não há experimento 
sem hipótese prévia, diz Bernard, também não há hipótese sem observação prévia. Assim, 
embora num posicionamento (do Positivismo Francês) mais elaborado do que o do 
Empirismo Britânico, o Positivismo, em matéria do problema filosófico da origem do 
conhecimento, se alinha com a solução empirista. 
 Comte propôs um sistema de classificação das ciências que as organizava a partir dos 
critérios de ordem cronológica de surgimento e de complexidade crescente de cada uma. 
Afirma ele que esses dois métodos se complementam, em virtude da ordem implícita da 
história. Essa ordem classificatória teria a seguinte seqüência cronológica e da ciência menos 
para a mais complexa: Astronomia, Física, Química, Fisiologia e por último a Sociologia, a 
mais complexa das ciências, criada por ele e por ele chamada de “física social”. A Psicologia, 
para Comte, é metafísica: jamais poderá se constituir como ciência positiva, porque a 
consciência não é observável. Ele a dilui entre a Fisiologia e a Sociologia. A Teologia e a 
Metafísica, por razões óbvias, mas também a Filosofia, estão excluídas do quadro geral das 
Ciências. Para Comte e para o Positivismo como um todo, à Filosofia só cabe o papel de cri-
tica e organizadora das ciências: a Metafísica deve ser abandonada, a Teologia, ridicularizada, 
a Ética deve se tornar positiva, emergindo dos resultados da Sociologia. A Filosofia deve se 
tornar exclusivamente Epistemologia, mais especificamente, Metodologia das Ciências. 
 
2.2.3 Jonh Stuart Mill e o Positivismo utilitarista inglês 
 Na Inglaterra, o Positivismo se desenvolveu na esteira da tradição empirista britânica. 
Seu representante máximo é John Stuart Mill. Mill ganhou seu lugar na história da Filosofia 
principalmente em virtude de suas refinadas análises sobre a lógica da ciência, deixando claro 
o caráter empirista intrínseco ao Positivismo, assim como seus pressupostos metafísicos. 
Examinando a questão do silogismo, Mill (1959) demonstra sua esterilidade como 
método de obtenção do conhecimento, pois se o método de dedução que ele carrega é 
universal, o conteúdo de suas proposições é sempre derivado da experiência. Se dizemos que 
1) todos os homens são mortais, e que 2) Sócrates é homem, portanto 3) Sócrates é mortal; 
temos uma conclusão válida para tais premissas. Mas a validade das premissas em si é dada 
porque eu já vi a morte de Paulo, João, Maria; e me contaram da morte de muitos outros seres 
humanos. Portanto, é da experiência de casos singulares que extraio as proposições gerais que 
estão na base dos silogismos científicos. E a única justificação para crer que as proposições se 
 19
darão tais quais eu as estou emitindo, é por que elas se deram assim até agora. O método da 
ciência portanto é o método da indução, e é este que precisamos investigar em sua validade. 
Aqui temos uma formulação radical empirista: para Mill, todos os nossos 
conhecimentos e verdades são de natureza empírica, inclusive as proposições das ciências 
dedutivas, como a geometria. Segundo ele, a geometria é a ciência “daquelas linhas, daqueles 
ângulos e daquelas figuras que realmente existem”. Afirma que mesmo as proposições da 
geometria são verdades experimentais, generalizações da observação 
Por indução, Mill (1959) entende aquele processo mental por meio do qual inferimos 
que aquilo que através da experiência sabemos que é verdadeiro em alguns casos isolados, 
será verdadeiro em todos os casos que se assemelhem aos primeiros por determinados 
aspectos. Em outras palavras, indução é o processo em que afirmamos que algo que é 
verdadeiro para o indivíduo de uma classe é verdadeiro para todos os indivíduos desta 
determinada classe. Mill define sumariamente a indução como generalização da experiência. 
Mais que isso, Mill explicita claramente a crença ontológica (e portanto metafísica) em 
que está baseada a indução. A garantia de que nossas inferências a partir da experiência 
venham a descobrir leis que prevejam o curso da natureza é a crença na uniformidade da 
natureza em que o universo se estrutura por leis universais e imutáveis. É o determinismo que 
está na base de toda a ciência moderna, mesmo a “positiva”. 
 
2.2.4 O Positivismo Lógico e o esgotamento do empirismoA tradição positivista continuou a se desenvolver mesmo com o arrefecimento do 
impulso cultural do Positivismo primevo. O espírito do apego aos “fatos” objetivos, conside-
rados como a base de todo conhecimento, à ciência, considerada o único método seguro de 
obtenção de conhecimento, e à epistemologia, como sendo o único papel cabível à atividade 
filosófica, encontrou sua máxima e mais elaborada expressão no Positivismo Lógico. 
Positivismo Lógico é a denominação que recebeu a produção de uma série de 
pensadores, a maioria de origem vienense, entre os quais se destacam Moritz Schlick, Rudolf 
Carnap e Otto Neurath, que também é referida às vezes por Círculo de Viena, às vezes por 
neo-positivismo. Esse pensamento se caracteriza pelo aprofundamento da atitude caracterís-
ticamente antimetafísica do Positivismo, uma preocupação central com o uso da linguagem na 
atividade científica e uma produção intelectual quase que absolutamente voltada para a 
análise da estrutura e dos métodos das ciências naturais. Podemos resumir o Positivismo 
Lógico como sendo a doutrina epistemológica que sustenta que a ciência consiste em 
proposições descrevendo fatos objetivos positivos, mais as relações lógicas entre elas. 
 20
 O princípio mais importante para a compreensão do Positivismo Lógico – e para a 
compreensão da crise epistemológica contemporânea de que trata este capítulo – é o princípio 
da verificação. Este consiste na afirmação de que só tem sentido as proposições que podem 
ser verificadas empiricamente. A verificabilidade de uma sentença era o critério que para o 
Positivismo Lógico separava, não só uma sentença metafísica de uma sentença científica, mas 
uma sentença desprovida de significado de uma sentença plenamente significativa. 
 Além desse princípio central, verdadeiro critério de demarcação, podemos descrever 
as linhas programáticas centrais do Positivismo Lógico segundo o manifesto original do 
grupo, publicado em 1929 por Neurath, Carnap e Hans Hahn, intitulado “A Concepção 
Científica do Mundo”. Segundo Reale & Antisieri (1991), estas diretrizes eram: a unificação 
da ciência e de todos os seus ramos, incluindo a Psicologia; e o uso da lógica moderna 
aplicada ao material das ciências empíricas para a eliminação da metafísica e clarificação dos 
conceitos e teorias científicas. A segunda diretriz era nada mais que o meio através do qual 
eles pretendiam atingir o objetivo primeiro. 
 Ainda neste mesmo manifesto, eram classificados os antecessores do grupo, entre os 
quais se destacam, como representantes do empirismo e do Positivismo clássico dos quais eles 
se julgavam herdeiros, David Hume, Auguste Comte, John Stuart Mill, Richard Avenarius e 
Ernst Mach. Ainda neste, em relação ao segundo pé em que se sustenta o Positivismo Lógico, 
ou seja, a lógica moderna, são citados os nomes de José Peano, Gottlob Frege, Bertrand 
Russell, Alfred Whitehead e Ludwig Wittgenstein. 
 Cabe aqui ainda uma explicação mais pormenorizada da diretriz fundamental do 
Wiener Kreis . Como unificar a ciência? O primeiro passo é a demarcação clara do campo da 
ciência para o campo da não-ciência. Como dito acima, para o Kreis essa demarcação era 
dada pelo princípio da verificação. Mais do que isso, este princípio era verdadeiro critério de 
significância, que distinguiria proposições insensatas de proposições sensatas. E as 
proposições sensatas, as proposições plenamente dotadas de sentido, seriam aquelas passíveis 
de verificação empírica ou factual, vale dizer, as afirmações das ciências empíricas. Diz 
Schlick sobre a questão do sentido das proposições científicas em “Positivismo e Realismo”: 
 
“Entretanto, quando é que compreendo uma proposição? Quando conheço a significação 
das palavras que nelas ocorrem? Esta pode ser conhecida por definições. Entretanto, nas 
definições ocorrem novos termos, cujo significado por sua vez também é necessário 
conhecer. Ora, o processo de definição não pode prolongar-se ao infinito. Portanto, ao 
final chegamos a palavras cuja significação não pode ser novamente descrita por uma 
 21
proposição; esta significação deve aparecer de maneira imediata; a significação da 
palavra deve, em última análise, ser mostrada, deve existir como um dado.” (1975, p.50) 
 
Assim, o critério que o Positivismo Lógico estipula para averiguar a verdade ou a 
falsidade de uma proposição é que sob determinadas condições, que são indicadas nas 
definições, devem ocorrer determinadas coisas. Constatadas estas determinadas coisas, 
averiguado está tudo aquilo de que se fala na proposição, ou seja, posso afirmar que conheço 
o sentido da proposição. O significado portanto das sentenças reside naquilo que Carnap 
chamou de “conteúdo factual”, ou seja, o quanto ele expressa um estado de coisas que pode 
objetivamente (neste caso, com o sentido de empiricamente) existir. Essa passagem de Carnap 
em “Pseudoproblemas na Filosofia” ilustra bem este conceito: 
 
“O significado de um enunciado reside no fato de que ele expressa estado de coisas 
(concebível, não necessariamente existente). Se um enunciado (ostensivo) não expressa 
um estado de coisas (concebível), então não tem nenhum significado; só aparentemente é 
um enunciado. Se o enunciado expressa um estado de coisas, então é significativo para 
todos os eventos; é verdadeiro se esse estado de coisas existe, falso se ele não existe. 
Podemos saber se um enunciado é significativo mesmo antes de saber se ele é verdadeiro 
ou falso.” (1975, p.162, 163) 
 
Para o Positivismo Lógico, a matemática e a lógica são incapazes de dizer algo sobre o 
mundo, mas elas tem um papel fundamental a cumprir, seu papel é o de auxiliar a purificar a 
linguagem científica. O trabalho que cabe a filosofia, que no Positivismo era definido pela 
epistemologia, aqui se estreita mais: sua função é somente a de analisar a semântica (relação 
entre a linguagem e a realidade referente) do discurso científico e a sintática (relação lógica 
dos sinais de uma linguagem entre si) deste mesmo discurso. Portanto, o papel da filosofia é a 
de ser uma atividade clarificadora da linguagem, uma filosofia da linguagem (ou da 
linguagem científica), nada mais. Metafísica, Ética, Religião e outros campos do pensamento 
humano são um aglomerado de afirmações inverificáveis e, portanto, para o Positivismo 
Lógico, desprovidas de sentido. 
 Aqui nos aproximamos da segunda característica principal do Positivismo Lógico, que 
é o fisicalismo. O princípio da verificação, como observaria mais tarde Popper (1975), entre 
outros, é contraditório. Os membros do Kreis estavam conscientes desta contradição, que 
consiste no seguinte: o próprio princípio de verificação, deve ser uma assertiva factual para ter 
 22
sentido. Mas se for, perde o caráter de norma absoluta, de critério de delimitação das 
assertivas significantes. Por outro lado, se nós assumimos esse princípio como norma, de 
acordo com ele próprio, a norma seria desprovida de sentido. Aqui vemos o mesmo tipo de 
circularidade que tem condenado toda a reflexão filosófica empirista, desde Locke, passando 
por Hume, Comte, Schlick e finalmente Carnap, à ruína filosófica: o “dado” empírico é por 
essência subjetivo, e o fundamento da “objetividade” positiva deve vir de uma reflexão sem 
fundamento no empírico. 
Carnap tentou escapar às conseqüências desta aporia com a chamada orientação 
sintática do Positivismo Lógico, que em verdade lhe forneceu seu formato diferencial e final. 
Levando o princípio da verificação à suas últimas conseqüências, chegamos à conclusão que a 
linguagem física deve ser a linguagem básica de toda a ciência, da ciência unificada, porque a 
cadeia de reduções de definições até conceitos não-redutíveis, deverá encontrar

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