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TEXTO I (Bobbio)

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CONCEITUAÇÃO DA CIÊNCIA POLÍTICA 
Norberto Bobbio 
 
A expressão Ciência política pode ser usada em sentido amplo e não técnico para indicar qualquer estudo dos fenômenos e 
das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com 
argumentos racionais. Nesta acepção, o termo “ciência” é utilizado dentro do significado tradicional como oposto “a opinião”. Assim, 
“ocupar-se cientificamente de política” significa não se abandonar a opiniões e crenças do vulgo, não formular juízos com base em dados 
imprecisos, mas apoiar-se nas provas dos fatos. Neste sentido, a expressão não é nova, mas usada largamente no século passado, 
especialmente na Alemanha; não é supérfluo recordar que os célebres Lineamenti di filosofia del diritto de Hegel (1821), cujo subtítulo é 
Scienza dello stato (Staatswissenchaft) in compendio. Na Alemanha, na primeira metade do século passado, desenvolveu-se uma 
importante tradição de ciência do Estado, através de cientistas dedicados aos estudos da organização estatal (da administração pública), 
como Roberto von Mohl e Lorenz von Stein. Na França e na Itália teve maior aceitação à expressão Ciência política, como mostra a célebre 
coleção de obras italianas e estrangeiras, intitulada Biblioteca discienze politiche, dirigida por Attilio Brunialti, que antepôs um ensaio de sua 
autoria sobre Lescienze politiche nello stato moderno (vol. I, 1884, p. 9-74). 
Em sentido mais limitado e mais técnico, abrangendo uma área muito bem delimitada de estudos especializados e em parte 
institucionalizados, com cultores ligados entre si que se identificam coo “cientistas políticos”, a expressão Ciência política indica uma 
orientação de estudos que se propõe aplicar à análise do fenômeno político, nos limites do possível, isto é, na medida em que a matéria o 
permite, mas sempre com maior rigor, a metodologia das ciências empíricas (sobretudo na elaboração e na codificação derivada da filosofia 
neopositivista). Em resumo, Ciência política, em sentido estrito e técnico, corresponde à “ciência empírica da política” ou à “ciência da 
política”, tratada com base na metodologia das ciências empíricas mais desenvolvidas, como a física, a biologia etc. 
Quando hoje se fala do desenvolvimento da Ciência política nos referimos às tentativas que vêm sendo feitas com maior ou 
menor sucesso, mas tendo em vista uma gradual acumulação de resultados e a promoção do estudo da política como ciência empírica 
rigorosamente compreendida. Neste sentido mais específico de “ciência”, a Ciência política vem cada vez mais se distinguindo da pesquisa, 
voltada não mais para a descrição daquilo “que deve ser”, pesquisa esta à qual convém mais propriamente dar o nome de “filosofia 
política”, usado comumente. Aceitando-se esta distinção, as obras dos clássicos do pensamento político são, em sua maior parte, obras 
nas quais mal se distingue aquilo que pertence à filosofia, enquanto os “cientistas políticos” contemporâneos tendem a caracterizar as 
próprias obras como “científicas”, para acentuar aquilo que as distingue da filosofia. Embora não seja o caso de deter-se sobre o conceito 
de “filosofia política”, enquanto diferente da Ciência política, é conveniente, pelo menos, advertir que voltam a fazer parte da noção de 
filosofia política como estudo orientado deontologicamente1, tanto as construções racionais da ótima república, que deram vida ao filão das 
“utopias”, quanto às idealizações ou racionalizações de um tipo de regime possível ou já existente, características das obras dos clássicos 
do pensamento político moderno (como Hobbes, Locke, Rousseau, Kant, Hegel). 
Mais do que distinguindo entre projeção utópica ou idealizante a análise empírica, Sartori individualiza a diferença entre 
filosofia política e Ciência política, na falta de operatividade ou aplicabilidade da primeira, pois “a filosofia não é... um pensar para aplicar, 
um pensar em função da possibilidade de traduzir a idéia no fato”, enquanto ciência “é a teoria que reenvia à pesquisa, tradução da teoria 
em prática”, afinal um “projetar para intervir” (La scienza política, p. 691). “Poderia objetar-se que, em relação à operatividade, não significa 
que os ideais tenham sido na história das mudanças políticas menos “operativos” do que os conselhos dos engenheiros” sociais. Embora a 
constituição da Ciência política em ciência empírica como empreendimento coletivo e cumulativo seja relativamente recente, podem ser 
consideradas obras de Ciência política, ao menos em parte, e na sua inspiração fundamental, também no sentido limitado e técnico da 
palavra, algumas obras clássicas, como as de Aristóteles, Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville, enquanto elas tendem à formulação de 
tipologias, de generalizações, de teorias gerais, de leis, relativas aos fenômenos políticos, fundamentadas, porém, no estudo da história, ou 
seja, apoiando-se na análise dos fatos. É verdade, todavia, que a Ciência política, como disciplina e como instituição, nasceu na metade do 
século passado; ela representa um momento e uma determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais, que caracterizou 
justamente o progresso científico do século XIX e teve suas expressões mais relevantes e influentes no positivismo de Saint-Simon e 
Comte, no marxismo e no darwinismo social. Enquanto momento e determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais, o 
nascimento da Ciência política moderna se processa através do distanciamento dos estudos políticos da matriz tradicional do direito 
(particularmente do direito público). 
Não devemos esquecer que a filosofia política moderna, a partir de Hobbes até Kant, apresenta-se como parte, não mais do 
que uma parte, do desenvolvimento do direito natural, no qual o Estado aparece como uma entidade jurídica, criada através de um ato 
jurídico (como o contrato ou os contratos, que constituem o fundamento de sua legitimidade), e criador ele mesmo, uma vez instituído de 
direito (o direito positivo). Este distanciamento da matriz jurídica é evidente e declarado nos dois autores, que mais do que quaisquer 
outros, podem ser considerados, a meu ver, como iniciadores da Ciência política moderna: Ludwig Gumplowicz, cuja obra Die soziologische 
Staatsidee é de 1892 e Gaetano Mosca, que publicou a primeira edição dos Elementi di scienza politica, em 1896. No nosso século, o 
desenvolvimento da Ciência política acompanha de perto a sorte das ciências sociais e sofre influência, seja no que se refere ao modo de 
aproximar-se da análise do fenômeno político (approach), seja no que se refere ao uso de certas técnicas de pesquisa. 
 
1 Referente a Deontologia que é uma filosofia que faz parte da filosofia moral contemporânea e sua origem significa, em grego, ciência do 
dever e da obrigação. Deontologia é uma teoria sobre as escolhas dos indivíduos, quais são moralmente necessárias e serve para nortear o que 
realmente deve ser feito. 
 
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O país no qual a Ciência política como ciência empírica foi mais cultivada, os Estados Unidos, foi justamente aquele no qual 
as ciências sociais tiveram, nos últimos cinquenta anos, o maior desenvolvimento. Com referência ao approach, que surgiu com particular 
intensidade nos últimos vinte anos (embora o seu início remonte ao artigo de Charles E. Merriam, The present state of the study of politics, 
de 1921), a passagem do ponto de vista institucional, dominado ainda pela matriz jurídica tradicional dos estudos políticos, para o ponto de 
vista “comportamental”, segundo o qual o elemento simples, que deve iniciar o estudo político com pretensões ao uso, legítimo e fecundo, 
da metodologia das ciências empíricas, é o comportamento do indivíduo e dos grupos que têm ação política. Para exemplificá-lo, bastará 
lembrar o voto, a participação na vida de um partido,a busca de uma clientela eleitoral, a formação do processo de decisão nos mais 
diversos níveis. 
Com referência às técnicas de pesquisa, aconteceu uma mudança igualmente decisiva a partir do uso exclusivo baseado na 
coleta de dados da documentação histórica, da qual se valeram estudiosos políticos do passado, desde Aristóteles até Maquiavel, de 
Montesquieu até Mosca, do emprego sempre mais frequente da observação direta ou da pesquisa de campo, através de técnicas tiradas da 
sociologia, da investigação por sondagem ou por entrevista. Isto foi possível em consequência da aproximação comportamental. Esta 
transformação teve como resultado um enorme aumento de dados à disposição do pesquisador, que exigiu por sua vez, para a sua 
padronização, e, portanto, para uma utilização mais profícua, o uso sempre crescente de métodos quantitativos. 
A aplicação cada vez mais extensiva dos métodos quantitativos nas ciências sociais, repercutindo-se na Ciência política, 
embora por vezes depreciada e na prática nem sempre proveitosa, aparece inevitavelmente pela transformação acontecida no objeto da 
pesquisa; isto, porém, não significa que seja, ou que chegue a ser exclusiva e exaustiva. Em comparação aos estudos políticos do 
passado, o estado presente da Ciência política caracteriza-se pela disponibilidade de um número de dados incomparavelmente maior do 
que aquele de que poderiam dispor os estudiosos do passado. 
Além da mudança da aproximação e da introdução de novas técnicas de invenção, o crescente número de dados depende 
também da gradual extensão dos interesses políticos fora da área das nações européias ou de influência européia, seja no tempo 
(civilização primitiva, mundo oriental, civilizações pré-colombianas), seja no espaço (referentes às chamadas nações do Terceiro Mundo). 
Já Mosca, analisando as instituições do México, da Índia e da China, destacou a pouca credibilidade da análise de Maquiavel, que tirou 
seus dados unicamente da história romana e de algumas nações de seu tempo. 
A ampliação dos horizontes culturais dos cientistas políticos de hoje, além dos tradicionais limites da ciência européia atual, 
poderia permitir dirigir a Mosca a mesma crítica que ele fez a Maquiavel. Karl Deutsch enumera nove espécies de dados desenvolvidos nos 
últimos anos pelos cientistas políticos, ou postos à sua disposição: elites, opiniões de massa, comportamento de voto dos eleitores e dos 
membros do Parlamento, os chamados dados agregados colhidos nas estatísticas e relevantes para o estudo dos fenômenos políticos, 
dados históricos, dados fornecidos por outras ciências sociais sobre as condições e os efeitos da comunicação, dados secundários, 
derivados de novos processos analíticos, matemáticos e estatísticos e de programa de computadores. Para ter-se idéia da real importância 
dos novos dados dos quais pode dispor hoje o cientista político, ocorre acrescentar que cada uma das nove espécies de dados torna-se, 
pouco a pouco, acessível a um número cada vez maior de países. Em outras palavras, a expansão intensiva dos dados caminha tanto 
quanto a expansão extensiva dos mesmos. 
O rápido aumento extensivo de dados tornou possível uma ampliação cada vez maior da comparação entre os regimes dos 
diversos países, estimulando os estudos de política comparada, a ponto de induzir alguns a identificar sic et simpliciter a Ciência política 
contemporânea na especificação, ou seja, na diferença que a distingue das disciplinas afins e dos estudos políticos do passado com a 
política comparada. Na realidade, a política comparada não é uma novidade: o estudo dos fatos do fenômeno político, que tem origem em 
Aristóteles, teve início com a comparação entre diversas constituições gregas. L'esprit dês lois, de Montesquieu, nasceu de uma grandiosa 
tentativa de “comparar” entre si o maior número possível de regimes de todas as partes do mundo. 
Como dizíamos aquilo que é novo é a quantidade de dados à disposição, mas trata-se de uma diferença quantitativa e não 
qualitativa. É provável que o particular relevo dado à política comparada por alguns dos mais, prestigiados cientistas políticos dos últimos 
anos dependa também de terem erroneamente isolado, entre outros, métodos dos quais se serviria a Ciência política, tais como o método 
experimental, o método histórico e o método estatístico, um pressuposto “método comparativo”, do qual teria o monopólio exatamente à 
política comparada. De fato, um método comparativo não existe: a comparação é um dos procedimentos elementares e necessários a toda 
a pesquisa que pretenda tornar-se científica. 
Mesmo quem estuda o sistema político italiano serve-se habitualmente da comparação para analisar as diferenças, digamos, 
entre o Parlamento de hoje e aquele de ontem. O uso linguístico de denominar política comparada o estudo que compara instituições de 
diversos países não invalida o fato do procedimento usado ser idêntico àquele que vem sendo empregado por quem se propõe a notar as 
semelhanças e as diferenças entre duas instituições do mesmo país numa dimensão histórica. 
Este faz comparação, mesmo quando aquilo que faz não se pode chamar (por causa de um certo uso linguístico consolidado) 
exatamente política comparada. Por outro lado, o estudioso de política comparada não se limita somente a utilizar o processo de 
comparação com a finalidade de comparar regimes dos diferentes países, mas faz largo uso também dos métodos histórico e estatístico. 
Em outras palavras, a política comparada não tem apenas a exclusividade da comparação (no sentido que os politólogos comparatistas 
façam somente comparação). A crescente acumulação de dados permite à Ciência política contemporânea proceder com maior rigor na 
execução das operações e na obtenção dos resultados que são próprios da ciência empírica: classificação, formulação de generalizações e 
consequente formação de conceitos gerais, determinação de leis, pelo menos de leis estatísticas e prováveis, de leis de tendência, de 
regularidade ou uniformidade, elaboração (ou proposta) de teorias. 
Como exemplo de classificação, podemos citar as várias tentativas recentes de aperfeiçoar a tipologia dos regimes políticos 
que por séculos ficou presa à classificação aristotélica das três formas puras e das três correspondentes formas impuras de Governo. Um 
exemplo já aceito de classificação é a tripartição weberiana das formas de poder legítimo (tradicional, legal e carismático), que ainda hoje é 
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usada, mesmo se suscetível de ser muito mais articulada. Procedimento típico de generalização é aquele que conduziu a formulação do 
conceito de poder, frequentemente considerado, como o conceito unificador de todos os fenômenos que caem no âmbito da política (no 
sentido de considerar-se como fenômeno político aquele no qual se encontra um elemento reconduzível ao conceito de poder). 
Pode-se considerar um exemplo bastante fecundo de hipóteses, mesmo que bem longe de ser verificado, aquele que presidiu 
à recente proliferação dos estudos sobre “desenvolvimento político”: a hipótese é que a uma dada fase de desenvolvimento econômico-
social corresponde sempre uma determinada fase do desenvolvimento político, de onde deriva a consequência (prescritiva) sobre a 
impossibilidade ou a inoportunidade de acelerar o desenvolvimento político, se este não vem acompanhado de uma correspondente 
aceleração do desenvolvimento econômico. Uma das regularidades ou uniformidades às quais a Ciência política, até hoje, parece disposta 
a dar maior crédito é aquela que deu origem à teoria da classe política ou das elites, segundo a qual em cada regime, seja qual for sua 
“fórmula política”, é sempre uma minoria organizada ou um número muito restrito de minorias, em luta entre elas, que governam o país. 
Esta regularidade foi considerada por Roberto Michels, no seu estudo a respeito dos partidos, como verdadeira lei (chamada 
“lei férrea da oligarquia”).Formularam-se leis de tendência por Marx e Engels, retomadas depois por Lenin, focalizando a gradual extinção 
do Estado no assim chamado “Estado de transição”, partindo da hipótese que o aparelho estatal seja necessário até que dure a divisão da 
sociedade em classes antagônicas. Se por “teoria” se entende, num dos seus muitos significados, um conjunto de proposições com relação 
entre si (mas não tendo necessariamente o status de proposições empíricas), de modo a formar uma rede coerente de conceitos que 
sirvam de orientação para a explicação (e a previsão) num campo bastante vasto, hoje uma das teorias mais aceitas, ou pelo menos 
bastante discutidas entre os cientistas políticos, é a “sistêmica” (general system theory), proposta por David Easton, segundo a qual a vida 
política no seu conjunto é considerada como um processo de inputs (perguntas) que nos chegam do ambiente externo (econômico; 
religioso, natural, etc.) e que se transformam em outputs (respostas), que seriam as decisões políticas em todos os níveis, que, por sua vez, 
retroagem sobre o ambiente circunstante provocando, assim, sempre novas perguntas. 
Através desta série de operações, que vai da classificação à formulação de generalizações, de uniformidade, de leis de 
tendência e de teorias – operações estas que o acúmulo crescente de dados torna sempre mais fecundas, mas, ao mesmo tempo, sempre 
mais difíceis –, a Ciência política persegue a finalidade, que é própria de cada pesquisa que ambicione ao reconhecimento do status de 
ciência (empírica), de explicar os fenômenos objeto de seu interesse, e não apenas limitar-se a sua descrição. O enorme número de dados 
dos quais o estudioso de fatos políticos pode dispor, juntamente com o uso de métodos quantitativos que permitem, não apenas sua 
padronização, mas também a sua cada vez mais rápida utilização, pôs em crise o tipo de explicação que, até aqui, prevaleceu nas ciências 
sociais tradicionais e artesanais, explicação esta fundada na pesquisa apenas de um ou de poucos “fatores”, e, ao mesmo tempo, 
incentivou os pesquisadores a considerarem uma notável pluralidade de variáveis significativas, cuja análise de suas inter-relações é 
sempre confiada ao cálculo estatístico. 
O estágio presente da Ciência política, caracterizado pela difusão da técnica da análise de muitas variáveis (multivariate 
analysis), representa, em relação ao objetivo principal de cada pesquisa que se queira apresentar como ciência, ou seja, com referência à 
explicação, de preferência um momento crítico ou, no máximo, reconstrutivo, mas não representa ainda o tão esperado momento 
construtivo e inovador. Têm sido recusadas as explicações tradicionais consideradas simplistas, enquanto não reconhecem a multiplicidade 
dos fatores que agem entre si, mas exatamente em consequência desta constatada multiplicidade, o processo de explicação torna-se 
sempre mais complexo e seus resultados aparecem, pelo menos até agora, cada vez mais incertos. Sempre que aumenta o número de 
correlações, a sua interpretação, da qual depende a validade de uma explicação, fica cada vez mais complexa. 
Ao processo de explicação está estritamente conexo o de previsão, mesmo quando seja possível uma explicação, que não 
permita uma previsão, e uma previsão não baseada numa explicação, porque geralmente explica-se para prever. A previsão é a principal 
finalidade prática da ciência assim como a explicação é a principal finalidade teórica). 
Infelizmente, quando o processo de explicação se apresenta incompleto, não se pode falar de previsão científica, mas, no 
máximo, de conjetura ou, na pior das hipóteses, de profecia. Além disso, nas ciências sociais que têm como objetivo comportamentos 
humanos, ou seja, de um ser que é capaz de reações emotivas e de escolhas racionais, verifica-se o conhecido duplo fenômeno da 
previsão, que, por sua vez, se autodestrói (profecia verdadeira que não se realiza), ou então que se auto-realiza (profecia falsa, mas que de 
fato se realiza). A Ciência política, na atual fase de seu desenvolvimento, está bem longe de poder formular previsões científicas. Isto, 
porém, não impede que não haja estudiosos de coisas políticas que não procurem emitir alguma previsão, mesmo de modesto alcance, 
baseados nas conclusões conseguidas por etapas. 
A tendência de fazer previsões é tão irresistível que um grupo de estudiosos de política, sob a direção de Bertrand de 
Jouvenel, está elaborando, há alguns anos, um programa de pesquisas sobre os chamados “futuríveis”. A diferença entre a utopia de ontem 
o “futurível” de hoje é que o projeto utópico é construído de maneira totalmente independente das linhas de tendência do desenvolvimento 
social e, portanto, da sua maior ou menor possibilidade de realização, enquanto o chamado "futurível" representa o conjunto daquilo que 
pode acontecer sempre que se realizem determinadas condições; não é o futuro impossível (e tampouco o futuro necessário), mas é o 
futuro possível. O “futurível” é o produto típico da atitude científica em relação ao mundo, especialmente ao mundo histórico, enquanto a 
utopia é o produto típico dá imaginação filosófica. Tudo quanto já se disse até agora a respeito das tentativas que se vêm desenvolvendo 
para aproximar os estudos políticos do modelo das ciências empíricas não deve esconder as enormes dificuldades, muito peculiares, que 
se interpõem ao alcance do objetivo desejado. 
Agora, em relação à classificação tradicional das ciências, com base na sua crescente complexidade, a Ciência política ocupa 
um dos últimos lugares; enquanto o sistema político é um subsistema em relação ao sistema social geral, a Ciência política pressupõe a 
ciência geral da sociedade (um partido político antes de ser uma associação política é uma associação); enquanto o subsistema político 
tem a função primordial de permitir a estabilização e o desenvolvimento de um determinado subsistema econômico e a coexistência ou a 
integração do subsistema econômico com determinados subsistemas culturais (dos quais o principal é a Igreja ou as Igrejas). 
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A Ciência política não pode prescindir da ciência econômica, enquanto a ciência econômica pode dispensar a Ciência política 
(seria a mesma relação que ocorre entre a física e a biologia); a Ciência política não pode prescindir também do estudo dos subsistemas 
culturais (considerando a importância, por exemplo, do problema dos “intelectuais” e das ideologias para o estudo da política). 
A Ciência política, além disso, é uma disciplina histórica, ou seja, uma forma de saber cujo objeto se desenvolve no tempo, 
sofrendo contínua transformação, o que torna impossível, de fato, um dos procedimentos fundamentais que permite aos físicos e aos 
biólogos a verificação ou a falsificação das próprias hipóteses, isto é, a experimentação. Não se pode reproduzir uma revolta de 
camponeses em laboratório por óbvias razões, entre outras, aquela que uma revolta reproduzida não seria mais uma revolta (note-se a 
relação entre uma ação cênica, que se pode repetir indefinidamente e a realidade representada pelos acontecimentos: o Hamlet, de 
Shakespeare, não é o príncipe da Dinamarca que realmente viveu). 
Finalmente, a Ciência política, enquanto ciência do homem e do comportamento humano tem em comum, com todas as 
outras ciências humanísticas dificuldades específicas que derivam de algumas características da maneira de agir do homem. Destas, três 
são particularmente relevantes: 
a) O homem é um animal teleológico, que cumpre ações e se serve de coisas úteis para obter seus objetivos, nem sempre declarados e, 
muitas vezes, inconscientes. Podemos designar um significado à ação humana somente quando se consegue conhecer os fins desta ação; 
por isso, a importância que tem no estudo da ação humana o conhecimento das motivações, porque cada ciência social, e, portanto, 
também a Ciência política, não pode prescindir da presença da psicologia.b) O homem é um animal simbólico, que se comunica com seus semelhantes através de símbolos (dos quais o mais importante é a 
linguagem): o conhecimento da ação humana exige a decifração e a interpretação destes símbolos, cuja significação é quase sempre 
incerta, às vezes desconhecida, e apenas passível de ser reconstruída por conjeturas (línguas mortas ou primitivas). 
c) O homem é um animal ideológico, que utiliza valores vigentes no sistema cultural no qual está inserido, a fim de racionalizar seu 
comportamento, alegando motivações diferentes das reais, com o fim de justificar-se ou de obter o consenso dos demais; por isso, a 
importância que assume na pesquisa social e política a revelação daquilo que está escondido, assim como a análise e a crítica das 
ideologias. Uma forma de saber se aproxima do ideal limite do científico, quanto mais consegue eliminar a intrusão de juízos de valores, ou 
seja, a chamada avaliação. 
A Ciência política é certamente, entre as outras ciências, aquela na qual a avaliação é mais dificilmente alcançável. Quando 
se fala de avaliação não nos referimos, nem às avaliações que presidem a escolha do assunto em estudo (escolha esta que pode depender 
também de uma preferência política), nem às avaliações às quais o pesquisador pode chegar, conforme os resultados da pesquisa, com o 
fim de reforçar ou enfraquecer um determinado programa político (e nisto consiste a função crítica e prescritiva à qual a Ciência política não 
pode renunciar). 
Aqui nos referimos à suspensão dos próprios juízos de valor durante a pesquisa, que poderia ser influenciada, perdendo, 
assim, sua objetividade. Ocorre atentar para a distinção entre a ciência como operação humana e social, que como tal é assumida e 
utilizada para finalidades sociais, e os procedimentos prescritos para o melhor remate dessa operação, entre os quais ocupa um lugar 
importante à abstenção dos juízos de valor. 
A avaliação, que é garantia de objetividade (somente o caráter da objetividade assegura à ciência a sua característica função 
social), é perfeitamente compatível com o compromisso ético e político em relação ao argumento escolhido ou aos resultados da pesquisa, 
que garante a relevância do empreendimento científico. O perigo de que numa pesquisa falte objetividade, porque o pesquisador esteja 
nela demasiadamente envolvido, não é menos grave do perigo inverso, ou seja, que a uma pesquisa perfeitamente objetiva falte, porém 
relevância (como poderia ser, por exemplo, uma pesquisa sobre a cor das meias dos deputados italianos da terceira legislatura). É 
deplorável a confusão, muitas vezes verificada, entre objetividade e indiferença: a objetividade é um requisito essencial da ciência, 
enquanto a indiferença é uma atitude não benéfica à boa pesquisa científica – do pesquisador. A avaliação, como cânone (um dos 
cânones) da pesquisa que pretenda ser objetiva, não exclui, como dissemos a função prática (ou prescritiva) da própria pesquisa, através 
da utilização dos resultados conseguidos. 
Pelo contrário, a Ciência política, tanto mais cumpre sua função prática, quanto mais ela é objetiva: o desenvolvimento das 
ciências sociais em geral (a começar pela economia e terminando na Ciência política) é estritamente conexo com a certeza de que o 
conhecimento científico do sistema social geral e dos subsistemas que o compõem, assim como das suas relações, exatamente porque 
objetiva, presta um serviço utilíssimo à ação política e contribui para a realização de uma sociedade “mais justa”. 
Citamos aqui a função prática que foi paulatinamente assumindo, há mais de um século, o socialismo científico e a conexão 
entre a sua função prática e o seu proclamado caráter científico. O desenvolvimento real da Ciência política é guiado, mais ou menos 
conscientemente, pelo ideal de uma política científica, ou seja, de uma ação política fundada no conhecimento, tanto quanto possível 
rigoroso, das leis objetivas do desenvolvimento da sociedade, e que não fica, portanto abandonada ao acaso ou à intuição dos operadores 
políticos. 
Na luta contra qualquer contrafacção ideológica das reais motivações da ação humana, na sua geral concepção “realística” da 
ação humana, a Ciência política nasce, ela mesma, num contexto social e ideológico bem individualizado, onde vai abrindo caminho o ideal 
da política como ciência, ou seja, uma política sem interferência de ideologias. Por consequência, a tarefa mais urgente e, ao mesmo 
tempo, mais incisiva que cabe nesta fase da Ciência política é a de submeter às análises e, eventualmente, de colocar em questão a 
mesma ideologia da política científica, examinando seus significados histórico e atual, salientando seus limites e suas condições de 
atualidade, assim como indicando suas eventuais linhas de desenvolvimento. 
 
REFERENCIAS 
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Unb, 1998.

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