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FAA – FACULDADE DE ADMINSTRAÇÃO DE ALAGOAS IESA – INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DE ALAGOAS Angelina Mara Amorim Melo DANO A MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: Aplicabilidade da Lei 13.104 de 2015 – “Lei do Feminicídio” Maceió-AL 2017 Angelina Mara Amorim Melo DANO A MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: Aplicabilidade da Lei 13.104 de 2015 – “Lei do Feminicídio” Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado a Faculdade de Administração de Alagoas como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharela em Direito. Orientador: Prof. Rodrigo Colombelli Maceió-AL 2017 Angelina Mara Amorim Melo DANO A MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: Aplicabilidade da Lei 13.104 de 2015 – “Lei do Feminicídio” Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado a Faculdade de Administração de Alagoas como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharela em Direito. Aprovado em: ____ de _______ de _____. BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Professor Rodrigo Colombelli Orientador __________________________________________ Membro 1 __________________________________________ Membro 2 AGRADECIMENTOS Minha eterna gratidão aquela que acreditou no meu sonho, que me apoiou desde o início, que esteve ao meu lado em cada momento de fraqueza, a representação do amor verdadeiro, aquela que me deu a vida, por todo amor e dedicação ao qual me ofertaste em toda minha vida, muito obrigada por tudo, Mãe. RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar a necessidade e aplicabilidade da lei 13.104 de 2015, a lei do Feminicídio, inserida ao Código Penal Brasileiro como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, sendo considerada uma das mais importantes medidas criadas para coibir e prevenir a violência doméstica e principalmente punir efetivamente de forma mais rígida os assassinatos de mulheres em razão de gênero, buscou-se conceituar o Feminicídio e de que forma ele se apresenta na sociedade contemporânea, Palavras-chave: Feminicídio, Violência, Gênero ABSTRACT Versão do resumo em inglês. Espaçamento entrelinhas simples, sem recuo de parágrafo. Keywords: LISTA DE ANEXOS ANEXO A .......................................................................................................44 ANEXO B .......................................................................................................45 ANEXO C .......................................................................................................46 LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A.......................................................................................................................47 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .....................................................................................................................10 1. CAPÍTULO I -FEMINICÍDIO: CONCEITO E EVOLUÇÃO DO TEMA........................12 1.1. Conceito de Feminicídio ............................................................................................12 1.1.1. Tipos de Feminicídio .................................................................................................14 1.1.2. Feminicídio e o Princípio da Igualdade .....................................................................16 1.2. Influências da Sociedade Patriarcal...........................................................................18 1.2.1. Feminismo X Machismo.............................................................................................20 1.2.2. Culpabilização das Vítimas ........................................................................................22 1.3. Feminicídio No Mundo ...............................................................................................22 1.4. Feminicídio No Brasil .................................................................................................23 2. CAPÍTULO II - ANALISE DA LEI Nº 11.340/2006 – LEI MARIA DA PENHA.............25 2.1. Conceito de violência doméstica segundo a Lei Maria da Penha..............................27 2.2. Mudanças com a implantação da lei .........................................................................28 2.3. Intercorrências jurídicas entre a Lei Maria Da Penha e o Feminicídio ......................30 3. CAPÍTULO III - LEI 13.104/2015 – IMPLANTAÇÃO DO FEMINICIDIO NO CODIGO PENAL BRASILEIRO.............................................................................................................31 3.1. Tipificação Penal do Feminicídio ...............................................................................31 3.2. Casos que ocorreram após a vigência da Lei do Feminicídio ...................................33 3.2.1. Isamara Filier: A chacina de Campinas .....................................................................33 3.2.2. Mirella Sena: O assassino morando ao lado .............................................................34 3.3. Aplicabilidade da Lei de Feminicídio No Brasil ..........................................................36 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 10 INTRODUÇÃO O tema além de muito recente é também extremamente controvertido, tanto para doutrinadores, quanto para a jurisprudência e operadores do Direito de modo geral. A Lei nº 13.104, sancionada em 9 de março de 2015, a chamada “Lei do Feminicídio”, veio com a finalidade de tornar o homicídio de mulheres, em razão de gênero, uma qualificadora no Código Penal Brasileiro, aumentando a pena nesses casos. O que muitos questionam é se a lei é necessária, se é eficaz, se ela será capaz de mudar o quadro da violência contra as mulheres no Brasil. Só no país, estima-se que a cada quatro minutos uma mulher dá entrada no SUS vítima de violência, ato este que quando é levado ao extremo também coloca o Brasil em um ranking ainda mais alarmante, além do que é o 5º país que mais mata mulheres no mundo, segundo o Mapa da Violência de 2015. O que demonstra que as mulheres brasileiras ainda, são obrigadas a conviverem com o machismo pautado na cultura patriarcal que ainda domina. O trabalho busca inicialmente conceituar o Feminicídio e sua evolução, bem como fazer uma análise do que o sistema patriarcal e a cultura do machismo ainda influenciam para o aumento da violência contra a mulher. Vale ressaltar que o machismo está espalhado de modo geral, permeado através de pensamentos e comportamentos que se inserem na sociedade, onde até mesmo mulheres tem comportamentos machistas. Busca-se também abordar as mais relevantes teorias feministas e sua contribuição para a criação da lei, além de tratar da violência de gênero e das formas pelas quais ela se apresenta. Ainda no primeiro capítulo, far-se-á um comparativo do Feminicídio no mundo e no Brasil, demonstrando dados estatísticos de como essa violência se apresenta, isso porque a violência contra o mundo feminino, infelizmente, ainda é universal, pode-se encontrá-la de variados modos, com uma incidência maior em alguns lugares, comoé o caso em tela, entretanto ainda não é uma ausência no mundo. No segundo capitulo, atentaremos à Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, a qual prevê medidas protetivas à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e que significou um grande avanço em relação à preocupação e à tentativa do Estado em combater esse tipo de violência, que anteriormente não 11 previa nenhum tipo de punição eficaz, o que causava uma sensação de impunidade, isso acabava por amedrontar mulheres agredidas por seus cônjuges ou pessoas do seu convívio, a tomarem a decisão de denunciar a violência sofrida. De que forma a lei influenciou para a criação da lei de Feminicídio. Por fim, haverá uma explanação a respeito da implantação da lei de feminicídio ao Código penal, tentando vislumbrar a efetividade das medidas punitivas no combate a esse tipo de conduta e consequentemente prevenir a violência e o assassinato de mulheres por questões de gênero, ainda tão latentes na sociedade contemporânea, das quais visam a dominação da mulher como ser inferior a superioridade masculina, herança da sociedade patriarcal e da cultura do machismo. O que se percebe é de que ainda há muita resistência à aplicabilidade da Lei de Feminicídio, a mesma resistência sofrida pela Lei Maria da Penha, talvez sofrida até os dias atuais, não somente pela sociedade de modo geral, como também pelo próprio judiciário, nota-se que há falhas absurdas durante os inquéritos policiais o que contribui para a obscuridade e consequentemente à impunidade na prática do Feminicídio. O objetivo central do trabalho está em explorar as consequências da tipificação do feminicídio proposta pelo Senado Federal, através de sua inclusão no Código Penal Brasileiro como forma de homicídio qualificado, adentrando também para o rol de crimes hediondos. Visando discutir e refletir sobre a aplicabilidade da lei 13.104/2015, a “Lei do Feminicídio” e sua eficácia no combate a violência de gênero. 12 CAPÍTULO I – FEMINICÍDIO: CONCEITO E EVOLUÇÃO DO TEMA Inicialmente, cumpre frisar a referência direta que o feminicídio tem ao combate à violência praticada contra as mulheres. Em decorrência dessa violência, temos o homicídio de mulheres como objetivo principal ou final dessa conduta, o que leva ao entendimento de que a mulher é tida como sujeito inferior ao poder masculino, o que faz com que o homem munido do sentimento de posse da mulher se torne seu principal algoz. Sabe-se que a violência de gênero, principalmente no tocante ao feminino, está alicerçada no patriarcado, que parte da premissa da inferioridade da mulher perante a figura masculina, onde o poder familiar se encontra nas mãos do homem, na dominação do pai, e na dominação do marido nas relações familiares. A classe feminina começa então a clamar por igualdade, com isso surgem os movimentos feministas, os quais vêm a lutar por seus direitos e principalmente visando proteger a mulher através da criação de dispositivos legais que coíbam a violência em razão do gênero e por fim o extermínio de mulheres. O capítulo trata sobre o conceito desse importante instituto e de que forma é apresentado o presente tema. 1.1 . Conceito de Feminicídio É de suma importância esclarecer o que vem a ser feminicídio, vale ressaltar que muito se confunde com a terminologia Femicídio, vejamos, o Femicídio quer dizer: matar um indivíduo do sexo feminino, diferentemente do Feminicídio que é matar uma mulher em razão do gênero, que tem um contexto de desrespeito à condição da mulher. O feminicídio é na verdade uma qualificadora do crime de homicídio onde a principal motivação do crime seria o ódio contra as mulheres, demonstrando um menosprezo a sua condição feminina. O crime de feminicídio é a expressão máxima final de um ciclo de violência sofrida de diversas formas que atingem mulheres em uma sociedade marcada pela desigualdade de gênero. 13 Nesse sentindo, segue as palavras de Patrícia Galvão (2017, p. 9): O assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero recebeu uma designação própria: feminicídio. No Brasil, é também um crime hediondo desde 2015. Nomear e definir o problema é um passo importante, mas para coibir os assassinatos femininos é fundamental conhecer suas características e, assim, implementar ações efetivas de prevenção. Outro conceito importante para esse tema é o que está contido no relatório final da CPMI sobre Violência contra a Mulher de 2013, a qual teve expressiva influência para a criação do projeto de Lei nº 292/2013, aprovado pelo Senado Federal: O Feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante. Luiza Eluf, advogada criminalista, a qual lutou pela criação da lei que tipificasse o feminicídio no Código Penal Brasileiro, junto a Reforma Penal em 2011, conceitua: “A conduta é matar alguém, porém, se este alguém for mulher e, se essa mulher morrer devido às condições do sexo feminino no Brasil, ou seja, devido a subalternidade ou ao entendimento por parte do assassino, de que aquela mulher tem menos direito que ele e que aquela mulher lhe deve obediência total e ele tem o direito de vida ou morte sobre ela. Então, ele mata por esse motivo, ele estará cometendo um feminicídio”. Explicitadas as conceituações a respeito da nomenclatura do tema, observa-se que tudo está no emprego de papeis de gêneros pré-estabelecidos pela sociedade, onde obrigações e deveres são implícitos a classe feminina, dando início a um ciclo de violência contra elas que pode resultar em suas mortes. 14 1.1.1. Tipos de Feminicídio na sociedade contemporânea O Feminicídio se apresenta de diversas formas em se tratando de razão de gênero na pratica do homicídio de mulheres, como veremos a seguir. De forma íntima, que é apresentada como o homicídio de uma mulher cometida por uma pessoa com quem a vítima tinha, ou tenha tido, uma relação ou vínculo íntimo, ou seja, marido, ex-marido, companheiro, namorado, ex-namorado ou amante, pessoa com quem tem filho. Inclui-se a hipótese do amigo que assassina uma mulher – amiga ou conhecida – que se negou a ter uma relação íntima com ele, seja sentimental ou sexual. De maneira não íntima, estabelecida pela morte de uma mulher cometida por um homem desconhecido, com quem a vítima não tinha nenhum tipo de relação, como uma agressão sexual que culmina no assassinato de uma mulher por um estranho. Considera-se, também, o caso do vizinho que mata sua vizinha sem que existisse, entre ambos, algum tipo de relação ou vínculo. Outro tipo que o feminicídio tem expressão é o infantil, qual se estabelece pela morte de uma menina com menos de 14 anos de idade cometida por um homem no âmbito de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder conferido pela sua condição de adulto sobre a menoridade da menina, diferentemente do feminicídio familiar, que é determinado pela morte de uma mulher no âmbito de uma relação de parentesco entre a vítima e agressor. O parentesco pode ser por consanguinidade, afinidade ou adoção. Já o feminicídio por conexão sejustifica pela morte de uma mulher que está ‘na linha de fogo’, no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. Pode se tratar de uma amiga ou parente da vítima, ou também de uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima. O feminicídio sexual sistêmico resulta na morte de mulheres que são previamente sequestradas, torturadas e/ou estupradas. Há duas modalidades: o sexual sistêmico desorganizado, quando a morte das mulheres está acompanhada de sequestro, tortura e/ou estupro. Presume-se que os sujeitos ativos matam a vítima num período de tempo determinado e o sexual sistêmico organizado, quando se presume que os sujeitos ativos atuam como uma rede organizada de feminicidas 15 sexuais, com um método consciente e planejado por um longo e indeterminado período de tempo. O feminicídio por prostituição ou ocupações estigmatizadas se dar pela morte de uma mulher que exerce prostituição e/ou outra ocupação – strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas – cometida por um ou vários homens. Inclui os casos nos quais o agressor assassina a mulher motivado pelo ódio e misoginia que a condição de prostituta da vítima desperta nele. Esta modalidade evidencia o peso da estigmatização social e justificação da ação criminosa por parte dos sujeitos: ‘ela merecia’; ‘ela fez por onde’; ‘era uma mulher má’; ‘a vida dela não valia nada’. O feminicídio por tráfico de pessoas é estabelecido pela morte de mulheres produzida em situação de tráfico de pessoas. Por ‘tráfico’, entende-se o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, valendo-se de ameaças ou uso da força ou outras formas de coação, quer seja rapto, fraude, engano, abuso de poder, ou concessão ou recepção de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento da pessoa, com fins de exploração. Esta exploração inclui, no mínimo, a prostituição alheia ou outras formas de exploração sexual, os trabalhos ou serviços forçados, a escravidão ou práticas análogas à escravidão, a servidão ou a extração de órgãos. Por fim temos o feminicídio por contrabando de pessoas, qual se identifica pela morte de mulheres produzida em situação de contrabando de migrantes. Por ‘contrabando’, entende-se a facilitação da entrada ilegal de uma pessoa em um Estado do qual a mesma não seja cidadã ou residente permanente, no intuito de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício de ordem material, o transfóbico - Morte de uma mulher transgênero ou transexual na qual o agressor a mata por sua condição ou identidade de gênero transexual, por ódio ou rejeição, lesbofóbico - Morte de uma mulher lésbica na qual o agressor a mata por sua orientação sexual, por ódio ou rejeição, racista - Morte de uma mulher por ódio ou rejeição de sua origem étnica, racial ou de seus traços fenotípicos e o feminicídio por mutilação genital feminina - Morte de uma menina ou mulher resultante da prática de mutilação genital. 16 1.1.2. Feminicídio e o Princípio da Igualdade Estudiosos do tema em análise muito se questionam se a introdução da qualificadora do feminicídio ao ordenamento penal brasileiro não estaria violando o princípio da igualdade. O artigo 5º, inciso I, da CRFB/88 aduz que: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; Nesse entendimento, demonstra que homens e mulheres estão em condições igualitárias na questão da isonomia, o que denota se o dispositivo da qualificadora seria tido como inconstitucional. Tudo que é novo causa discussão e controvérsia, esse na verdade é o verdadeiro intuito da criação de novas leis, principalmente as que têm um viés social como é o caso do feminicídio, exemplo disso é a Lei Maria da Penha quando editada em 2006, pois algumas decisões reconheceram a inconstitucionalidade dos processos, mas em 2012 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade de todo o texto ao julgar a ADC 19 e ADI 4424, in verbis: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 19 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO REQTE.(S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) :CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL ADV.(A/S) :MAURÍCIO GENTIL MONTEIRO INTDO.(A/S) :THEMIS - ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO INTDO.(A/S) :IPÊ - INSTITUTO PARA A PROMOÇÃO DA EQUIDADE INTDO.(A/S) :INSTITUTO ANTÍGONA ADV.(A/S) :RÚBIA ABS DA CRUZ INTDO.(A/S) :INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMILIA - IBDFAM ADV.(A/S) :RODRIGO DA CUNHA PEREIRA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – GÊNEROS MASCULINO E FEMININO – TRATAMENTO DIFERENCIADO. O artigo 1º da Lei nº 11.340/06 surge, sob o ângulo do tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem –, harmônica com a Constituição Federal, no que necessária a proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira. COMPETÊNCIA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. O artigo 33 da Lei nº 11.340/06, no que revela a conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não implica usurpação da competência 17 normativa dos estados quanto à própria organização judiciária. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – REGÊNCIA – LEI Nº 9.099/95 – AFASTAMENTO. O artigo 41 da Lei nº 11.340/06, a afastar, nos crimes de violência doméstica contra a mulher, a Lei nº 9.099/95, mostra-se em consonância com o disposto no § 8º do artigo 226 da Carta da República, a prever a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação declaratória para declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha –, nos termos do voto do relator e por unanimidade, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas. Brasília, 9 de fevereiro de 2012. MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR. Nos votos, houve destaque para posição da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha que introduziu: O princípio jurídico da igualdade refaz-se na sociedade e rebaliza conceitos, reelabora-se ativamente, para igualar iguais desigualados por ato ou com a permissão da lei. O que se pretende, então, é que a 'igualdade perante a lei' signifique 'igualdade por meio da lei', vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas. (…) O que se pretende, pois, é que a lei desiguale iguais, assim tidos sob um enfoque que, todavia, traz consequências desigualadoras mais fundas e perversas. Enquanto antes buscava-se que a lei não criasse ou permitisse desigualdades, agora pretende-se que a lei cumpra a função de promover igualações onde seja possível e com os instrumentos de que ela disponha, inclusive desigualando em alguns aspectos para que o resultado seja o equilíbrio justo e a igualdade material e não meramente formal. (…)”. “Ao comportamento negativo do Estado, passa-se, então, a reivindicar um comportamento positivo. O Estado não pode criar legalidades discriminatórias e desigualadoras, nem pode deixarde criar situações de igualação para depurar as desigualdades que se estabeleceram na realidade social em detrimento das condições iguais de dignidade humana que impeçam o exercício livre e igual das oportunidades, as quais, se não existirem legalmente, deverão ser criadas pelo Direito. Somente então se terá a efetividade do princípio jurídico da igualdade materialmente assegurado. De fato, a Constituição prega a igualdade entre homens e mulheres, porém é necessário salientar que o feminicídio está pautado sob a ótica da igualdade substancial ou material que é aquela que tem o propósito de igualar os indivíduos conforme as suas desigualdades e não tão somente a igualdade puramente formal, 18 visando à equidade pela lei, limitando-se apenas ao plano jurídico-formal, portanto não há que se falar que homens e mulheres são iguais porque são diferentes considerando toda a construção cultural e social em que ambos vivem, pois é preciso tratar de forma desigual os desiguais para que haja um equilíbrio. Deste modo, a inserção da qualificadora não viola o princípio da igualdade, nem torna o Feminicídio inconstitucional. 1.2. Influências da Sociedade Patriarcal Tem-se como ideia central da sociedade patriarcal, a família, onde seu pilar se concentra na figura do pai, o homem da casa, como o próprio nome diz, o “patriarca”, aquele que detinha todo o poder e domínio daquela família. No Brasil, esse modelo surgiu com a colonização portuguesa, no século XVI com a chegada dos portugueses, onde herdamos sua cultura, suas raízes ligadas ao passado medieval europeu e também ao patriarcado mulçumano o qual os portugueses absorveram muitas características. A cultura patriarcal ditou padrões inerentes a cada integrante das famílias por longos anos enquanto perdurou essa configuração, mas que ainda nos deixou resquícios negativos que necessariamente ainda precisam ser combatidos na sociedade moderna, o principal deles diz respeito a condição da mulher nesse contexto familiar, se nele quem comandava era o homem, a mulher era vista como “coisa”, “objeto” ou “propriedade”, onde seus direitos eram completamente limitados e condicionados a aprovação do “patriarca” da família, isto é, a supremacia masculina perante a desvalorização feminina. Nesse entendimento, segue as palavras de Scott (1995, p. 75): O patriarcado é uma forma de organização social onde suas relações são regidas por dois princípios basilares: as mulheres são hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens estão subordinados hierarquicamente aos homens mais velhos, patriarcas da comunidade. Assim, cumpre demonstrar que o homem era o centro e a mulher assumia um papel secundário no núcleo familiar, qual objetivo principal era o da procriação. Dessa 19 forma, as mulheres não poderiam assumir papéis que eram tidos como próprios aos homens. Destarte que as meninas desde a infância já eram educadas com o direcionamento para servirem aos ideais masculinos. Segue entendimento da pesquisadora e antropóloga da Universidade de Brasília, Débora Diniz: O patriarcado nos antecede e nos acompanha: sua principal atualização é isso que chamamos de pedagogias do gênero. As pedagogias do gênero garantem a reprodução do poder patriarcal. As instituições o oficializam como regra de governo. As leis são o registro de sua legalidade e de sua potência para o uso da força perante as insubordinadas. Não sei dizer se o patriarcado é universal nem mesmo se desde sempre existiu: não sou capaz de falar em absolutos, mas de nós e do agora. Nesta conversa, o nós será sempre biografado – ele terá o nome do corpo ou da lei. Destarte que, muito se avançou em se tratando de sistema patriarcal na família tradicional, da forma como a mulher era vista e tratada ao longo dos anos, e é notório que a mulher vem conquistando seu espaço, mas conforme o quadro alarmante da violência ainda persistente sofrida pelas mulheres, muito se justifica pela influência do patriarcado e pela visão deturpada de que cada gênero tem papeis distintos a exercerem dentro de uma configuração familiar e perante a sociedade, com isso gerando uma sensação latente de desigualdade, o que faz surgir também os movimentos feministas em detrimento do machismo, considerado um tanto quanto mascarado ainda dentro da sociedade. Com as constantemente mudanças e importantes impactos do sistema patriarcal, seja com o avanço tecnológico como também a própria evolução humana como ser social, o sistema supracitado ainda sobrevive, alterando apenas alguns aspectos. Pode-se dizer que o mesmo evoluiu, entretanto, mantem em sua essência as mesmas bases de superioridade e subordinação em detrimento da figura feminina. Tal mudança originou o chamado “patriarcado contemporâneo”. Neste contexto, a relação homem versus mulher, continua herdando muitas características desiguais, mas estas agora se encontram em menor evidência, ainda assim presentes tanto em meio social, quanto profissional e familiar, influenciando o modelo ideal feminino contemporâneo. 20 1.2.1. Feminismo versus Machismo Durante meus estudos para o desenvolvimento do tema aqui discutido, um questionamento surgiu, considerando o alto índice de violência contra as mulheres e ainda da posição em que o Brasil se encontra no mapa da violência de 2015, sendo o 5º país que mais assassina mulheres no mundo em razão de gênero, demonstrando com isso um menosprezo a condição de ser mulher. Segundo o filósofo Mario Sérgio Cortella, - “nós somos ainda um país machista, mas não deveríamos ser e não seremos”. Por que isso não é uma ofensa somente a mulheres, é uma ofensa a nós humanos, homens e mulheres, independentemente daquilo que é na origem biológica nosso sexo, ou nosso gênero construído, acima de qualquer coisa o machismo é uma ofensa a própria dignidade humana. Ainda sobre esse raciocínio Cortella diz: “Machismo significa a concepção de que mulheres são subordinadas aos homens. O feminismo, por sua vez, não é o contrário de machismo. O feminismo não supõe que homens são subordinados às mulheres, mas que homens e mulheres são iguais”. Quando se fala do machismo é importante salientar que o machismo está em todos nós de uma forma ou de outra, permeado através de pensamentos e comportamentos que se inserem na sociedade, onde até mesmo mulheres tem comportamentos machistas, diante de situações as quais foram educadas para acreditarem que há uma função inerente a cada gênero, onde foram criadas com a ideia do respeito a superioridade masculina, tanto no seio familiar, quanto em todos os setores da sociedade, restando a elas o papel de esposa submissa, dona de casa e mãe, o que culmina no repúdio aquela mulher que ousa fugir desses padrões. O machismo muitas vezes é representado pela sensação de que o homem é de alguma forma o dono, proprietário da sua companheira, isso traz uma diferença hierárquica nessas relações que muitas vezes em conflitos irão resultar num continuo de violência dentro do próprio ambiente doméstico, familiar, que começa com pequenos atos de controle e de domínio, muitas vezes representados pelos ciúmes que muito embora sejam considerados atos de expressão de amor é na verdade tão somente uma tentativa de controle. 21 Em razão da disseminação da cultura machista no Brasil, anteriormente se justificavam os crimes no contexto familiar e principalmente nas relações conjugais como sendo crimes passionais, onde o sujeito ativo cometia o crime tomado pela paixão e em “legitima defesa da sua honra”, muito se utilizou essa expressão nos tribunais como mecanismode defesa, levando a absolvição do criminoso, expressões do tipo “matei por amor” eram propagadas como justificativa para tais crimes, onde o principal motivo era o cometimento de adultério por parte da vítima, culminando na sua morte com isso demonstrando a dominação masculina em desfavor da mulher, uma vez que a mulher é tida como propriedade daquele homem ela deve seguir suas regras. Existem milhares de conceitos do que foi o surgimento ou da criação do movimento feminista e por isso de forma genérica, feminismo é: “Movimento social, filosófico e político, que tem como objetivos direitos iguais, entre os gêneros, empoderamento feminino e liberação de padrões opressores, baseados em normas sociais construídas pelo poder vigente”. O movimento vem a buscar igualdade de direitos, onde ser feminista quer dizer, “ não queremos ser iguais aos homens, queremos apenas os mesmos direitos”. Podemos dividir a história do movimento feminista em “três ondas”, sejam elas: a) Sufrágio feminino – luta pelo direito ao voto; b) Ideias e ações associadas as lutas de liberação feminina (1960); c) Ampliação dos movimentos pela igualdade social para as mulheres (1990). No Brasil o movimento feminista surge no século XIX, onde as primeiras manifestações desafiaram propriamente o patriarcado colonialista (poder do pai no âmbito familiar), a ordem conservadora a qual determinava qual era o papel da mulher em sociedade e claro tudo isso dentro da dominação masculina, onde o homem está acima, a mulher abaixo, que homem manda a mulher obedece. Diante do exposto, observamos então uma verdadeira batalha travada entre machismo e feminismo, vale frisar que o machismo busca manter os padrões de dominação e superioridade perante a mulher, enquanto que o feminismo luta por direitos igualitários. Essa batalha reflete diretamente para o aumento da violência sofrida pela classe feminina. 22 1.2.2. Culpabilização das vítimas Ainda sob a perspectiva do sistema patriarcal e do machismo, é comum ouvirmos várias especulações quanto ao comportamento da vítima, como se a mesma deu causa aquela situação, o passado da vítima passa a ser investigado, sua vida completamente exposta, seu caráter é posto em dúvida, a mesma passa a sofrer um verdadeiro linchamento moral e social, passando, então, de vítima a culpada. “Grande parte dos homens autores de violências contra suas parceiras dizem: ‘eu bati nela porque ela me tirou do sério, me irritou, a culpa é dela’. Quando a gente começa a analisar isso junto com eles e questionar – ‘por que você acha que tem direito de controlar a maneira como ela se veste? Por que você acha que ela deve cozinhar para você?’ – é quase impossível separar o que eles entendem como ‘ser homem’ e os direitos que isso lhes dá, da maneira que eles se comportam e de suas atitudes’.” Marai Larasi, diretora executiva da Imkaan, organização não governamental feminista negra, e da End Violence Against Women Coalition (Coalizão de Combate à Violência contra Mulheres) sediadas no Reino Unido. “É muito comum o uso de termos como genes, hormônios ou hereditariedade para explicar ou desculpar o comportamento humano. Enquanto pensarmos que comportamentos masculinos como agressividade ou apetite sexual são biológicos, perderemos o foco das questões sociais e culturais, que são as que precisam ser resolvidas. Não podemos aceitar o mau comportamento masculino.” Matthew Gutmann, antropólogo especialista em masculinidade da Universidade Brown (EUA) O culpado passa a ter uma razão para ter cometido tal ato de violência, se valendo da sua condição de superioridade, a qual acredita possuir, com base na cultura do patriarcado para justificar o crime cometido. 1.3. Feminicídio no mundo Há uma incidência maior na América Latina, onde quase todos os países criminalizam o Feminicídio, porém isso não acontece nas sociedades europeias, 23 porque na Europa já existe uma cultura de igualdade e não é necessário esse tipo de punição diferenciada, mas nos países latinos se faz necessário uma construção de igualdade, dentre outras coisas. Isso corresponde ao fato de que países colonizados foram moldados com a ideia de dominação, a começar da dominação do homem branco para com as tribos indígenas, com isso persistia a ideia de dominação masculina, que nós vimos lá no sistema patriarcal, a mulher tinha como funções exclusivas a elas, dentre as quais ser esposa, mãe, dona de casa, tendo que até mesmo que pedir autorização do marido, pai, irmão ou filho mais velho para sair de casa. Vejamos abaixo uma importante tabela que vem a demonstrar os índices de Feminicídios no mundo, segundo o Mapa da Violência 2015 (Anexo A) Segundo a ONU, cerca de 60 mil mulheres e meninas são mortas anualmente, vítimas de violência doméstica. Esses assassinatos sistemáticos de mulheres são chamados de "feminicídio". É um problema global que parece estar acontecendo em todos os lugares onde não há proteção suficiente para as vítimas e a impunidade prevalece. A violência contra o mundo feminino ainda é, infelizmente universal, nós a encontramos de modos variados, com uma incidência maior em países da América Latina, como é o caso do Brasil, mas ainda não é uma ausência no mundo. 1.4. Feminicídio no Brasil Como vimos no quadro anterior e segundo o Mapa da Violência de 2015, o Brasil ocupa a quinta posição em um ranking de 83 nações do mundo, contando com 4,8 homicídios em 100 mil mulheres, isso corresponde na grande maioria a homicídios de mulheres em razão da sua condição feminina. Essa grande incidência de Feminicídios praticados no Brasil se caracteriza como desfecho de um ciclo de violência sofrido pela vítima, que na sua grande maioria ocorre dentro do ambiente familiar, essa violência doméstica é praticada por conta de todo um contexto patriarcalista, machista e de desigualdade de gênero que o Brasil 24 ainda enfrenta, e que muito vem sendo combatido através dos movimentos feministas principalmente na busca por políticas públicas e ações mais efetivas que venham a diminuir esse percentual, evitando que mais mulheres padeçam desse mal e tenham suas vidas ceifadas. Através da tabela em anexo, observaremos as taxas de homicídios de mulheres por UF e Região no Brasil de 2003 à 2013, conforme o Mapa da Violência de 2015 (Anexo B). Segundo o mapa da violência dentre essas mortes, no Brasil, se identifica um elevado número de mulheres negras assassinadas, esse número de mortes violentas aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013, enquanto que o homicídio de mulheres brancas diminuiu 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013 (pag.30). Vejamos o gráfico que evidencia essa disparidade, entre os anos de 2003 à 2013 (Anexo C). Segundo a feminista, Djamila Ribeiro, mestre em Filosofia Política: É necessário racializar as políticas de gênero. A mulher negra vem sendo violentada desde o período colonial, estupros foram cometidos sob a égide da miscigenação. Criaram-se os estereótipos da mulher negra como a “boa de cama”, “quente”. Essas violências, que também são confinadores sociais, desumanizam essa mulher. Ainda sobre esse raciocínio, Djamila diz: Os dados evidenciam que as políticas públicas de combate à violência contra a mulher não estão atingindo as mulheres negras, ou seja, não se está pensando na realidade dessas mulheres, que são maioria no Brasil, na hora de criar [essas políticas]. Isso aponta para o que as feministas negras vem dizendo há décadas: não se pode universalizar a categoria mulher, mulheres são diversas,e as mulheres negras, por conta do machismo e racismo, acabam ficando num lugar de maior vulnerabilidade social. Um outro problema é que o próprio movimento feminista parece ainda não ter entendido que as questões das mulheres negras não podem mais ser tratadas como apêndices, precisam ser centrais. É preciso romper com essa tentação de universalidade que exclui. Outro indicativo que se destaca nesse contexto de homicídio feminino, é a idade das vítimas, assim como as mulheres negras, as jovens são mais vulneráveis, 25 as maiores taxas se encontram na faixa etária de 18 a 30 anos. Conforme o Mapa da Violência há uma incidência baixa até os 10 anos de idade, um crescimento dos 12 aos 30 e em seguida uma diminuição até a velhice. CAPÍTULO II – ANÁLISE DA LEI Nº 11.340/2006 – LEI MARIA DA PENHA Em 2016 a Lei 11.340, sancionada em 07 de agosto de 2006, a chamada Lei Maria da Penha, completou 11 anos, a mesma é considerada o marco na busca por leis que venham a combater a violência contra as mulheres. Para entender a razão da criação da Lei, é necessário primeiramente ressaltar que a Lei leva o nome da primeira vítima de violência doméstica no Brasil que ganhou destaque internacionalmente, isso porque, seu caso, assim como outros tantos que ocorreram anteriormente a criação da Lei, seguiam impunemente no Brasil, Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, em 1983 sofreu várias agressões por seu marido, o professor universitário colombiano Marco Antônio Heredia Viveros, uma delas a deixou tetraplégica, com um tiro de espingarda, enquanto dormia, após 4 meses no hospital ao retornar pra casa sofreu nova tentativa de homicídio onde o mesmo tentou eletrocuta-la enquanto tomava banho. Graças a uma ordem judicial Maria conseguiu sair de casa. O crime aconteceu quando ainda nem existia delegacia especializada para casos de violência contra mulher, a primeira Delegacia da Mulher foi criada em 1985, dois anos após as agressões sofridas por Maria da Penha. Maria enfrentou uma verdadeira batalha judicial para condenar o seu agressor, 8 anos após o crime, em 1991, ocorreu o primeiro julgamento de Heredia, que o condenou, mas seus advogados alegaram irregularidades no procedimento obtendo com isso a anulação do julgamento. O caso foi julgado novamente em 1996, com nova condenação. Novamente a defesa alegou irregularidades e o processo continuou em aberto por mais alguns anos. Enquanto isso, Heredia continuou em liberdade. O caso tomou notoriedade internacionalmente, Maria lançou um livro em 1994 relatando as agressões sofridas, foi quando os comitês internacionais - Centro pela 26 Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) – ajudaram a levar seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1998, onde a mesma foi questionada se ela queria denunciar o Brasil por se tratar de um caso típico de impunidade, de como o Brasil se portava frente a casos de violência contra a mulher, ela aceitou e depois de 4 anos a OEA enviou ofícios ao Brasil para que o mesmo se manifestasse, o que não ocorreu, o Brasil não se manifestou, então 2001, o Estado Brasileiro foi condenado internacionalmente por negligência, omissão e tolerância a violência doméstica contra as mulheres, sendo obrigado a mudar as leis do país. O Seminário de Capacitação dispõe relatos do ocorrido, inclusive da própria Maria da Penha, como vemos a seguir: Para mim foi muitíssimo importante denunciar a agressão, porque ficou registrado internacionalmente, através do meu caso, que eram inúmeras as vítimas do machismo e da falta de compromisso do Estado para acabar com a impunidade”, afirma Maria da Penha. “Me senti recompensada por todos os momentos nos quais, mesmo morrendo de vergonha, expunha minha indignação e pedia justiça para meu caso não ser esquecido”, acrescenta. Com 60 anos de idade, completados em fevereiro de 2005, Maria da Penha é atualmente uma das coordenadoras da Associação dos Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (Apavv), com sede em Fortaleza. Passar da condição de vítima para a de protagonista no combate à violência foi para Maria da Penha, ao longo de 23 anos, “uma luta muito difícil”. “Em 1994, publiquei o livro Sobrevivi... Posso Contar, que considero a minha carta de alforria, pois foi através dele que o meu caso passou a ser algo concreto, palpável, em relação aos casos de violência doméstica, conta. Entre os anos de 1999 a 2002 alguns Projetos de Lei foram votados, onde objetivo central era criar medidas que viessem a combater a violência doméstica, porém sem sucesso, vejamos de que se tratava esses projetos (Apêndice A). Em 07 de agosto de 2006 a Lei Maria da Penha, nº 11.340, foi aprovada e com a nova legislação foram criados mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica. O ponto central da lei no momento em que foi editada e que entrou em vigor era a finalidade de coibir a violência doméstica no ceio familiar contra a mulher e essa é uma finalidade estabelecida e expressa na lei. 27 2.1 - Conceito de violência doméstica segundo a Lei Maria da Penha A lei Maria da Penha apresenta uma definição de violência doméstica ou familiar seguido de uma explanação das principais formas em que essa violência se manifesta inspirada nos princípios dispostos na Convenção de Belém do Pará de 1994, a qual tratou da violência contra a mulher. O conceito está descrito no Título II da Lei, no primeiro Capítulo trazendo a definição e o segundo as formas em que ela se apresenta, como exposto abaixo os capítulos: TÍTULO II - DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. CAPÍTULO II - DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER “Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método 28 contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. ” Como vimos acima a violência doméstica se manifesta das mais variadas formas, o que implica dizer que não se pode medir a violência sofrida apenas de forma física, existem outras formas não menos devastadoras. “Existe esse ‘vício’ de só enxergar gravidade e importância na violência física, e os outros tipos de violência não importam tanto quando há essa visão viciada. E foi com isso que a Lei Maria da Penha quis muito claramente romper quando explicou todas as formas de violência e todo o conceito de violência doméstica em seus primeiros artigos. É preciso entender que a violência física é só mais um traço de um contexto muito mais global de violência, que inclui a violência moral, humilhações, a violência psicológica, a restrição da autodeterminação da mulher.” Juliana Belloque, Defensora pública do Estado de São Paulo 2.2 - Mudanças com a implantação da Lei Considerada um grande avanço na luta das mulheres pela punição nos casos de violência doméstica, a Lei trouxe mudanças significativas 1) Competência para julgar crimes de violência doméstica Antes: crimes eram julgados por juizados especiais criminais, conforme a Lei 9.099/95, onde são julgados crimes de menor potencial ofensivo. Depois: com a nova lei, essa competência foi deslocada para os novos juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher. Esses juizados também são mais abrangentes em sua atuação, cuidando também de questões cíveis (divórcio, pensão, guarda dos filhos, etc). Antes da Maria da Penha, essas questões deveriam ser tratadas em separado na Vara da Família. 29 2) Detenção do suspeito de agressão Antes: não havia previsão de decretação de prisão preventiva ou flagrante do agressor. Depois: com a alteração do parágrafo 9o do artigo 129 do Código Penal, passa a existir essa possibilidade, de acordo com os riscos que a mulher corre. 3) Agravante de pena Antes: violência doméstica não era agravante de pena. Depois: o Código Penal passa a prever esse tipo de violência como agravante. 4) Desistência da denúncia Antes: a mulher podia desistir da denúncia ainda na delegacia. Depois: a mulher só pode desistir da denúncia perante o juiz. 5) Penas Antes: agressores podiam ser punidos com penas como multas e doação de cestas básicas. Depois: essas penas passaram a ser proibidas no caso de violência doméstica. 6) Medidas de urgência Antes: como não havia instrumentos para afastar imediatamente a vítima do convívio do agressor, muitas mulheres que denunciavam seus companheiros por agressões ficavam à mercê de novas ameaças e agressões de seus maridos, que não raro dissuadiam as vítimas de continuar o processo. Depois: o juiz pode obrigar o suspeito de agressão a se afastar da casa da vítima, além de ser proibido de manter contato com a vítima e seus familiares, se julgar que isso seja necessário. 7) Medidas de assistência Antes: muitas mulheres vítimas de violência doméstica são dependentes de seus companheiros. Não havia previsão de assistência de mulheres nessa situação. Depois: o juiz pode determinar a inclusão de mulheres dependentes de seus agressores em programas de assistência governamentais, tais como o Bolsa Família, além de obrigar o agressor à prestação de alimentos da vítima. 8) Outras determinações da Lei 11.340 Além das mudanças citadas acima, podem ser citadas outras medidas importantes: a) a mulher vítima de violência doméstica tem direito a serviços de contracepção de emergência, além de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST’s); b) a vítima deve ser informada do andamento do processo e do ingresso e saída da prisão do agressor; c) o agressor pode ser obrigado a comparecer a programas de recuperação e reeducação. 30 A Lei sofreu grandes críticas e ainda sofre, porém é notório, por todo histórico de violência doméstica sofrida pelas mulheres, que a Lei é de extrema importância, como demonstra o comparativo acima, anteriormente a impunidade era uma constante, leis como essa são criadas no intuito de conscientizar e educar a sociedade, principalmente a classe machista, que tem grande influência nesse contexto. 2.3 . Intercorrências jurídicas entre a Lei Maria da Penha e o Feminicídio Como vimos anteriormente, a Lei Maria da Penha percorreu um longo caminho até a sua efetividade, sofrendo resistência não só pela sociedade como também pelo próprio judiciário e autoridades policiais, a exemplo disso, muitas mulheres ao buscar socorro são instruídas ou convencidas a não irem a diante, com isso demonstrando uma grande dificuldade da aplicação da lei. Alice Bianchini, em um de seus artigos ratifica o que foi essa resistência sofrida pela Lei Maria da Penha: O Brasil, apesar de possuir uma lei considerada uma das 3 mais avançadas do mundo (UNIFEM), demorou para editá-la (foi o 18º país na América Latina a ter uma lei de proteção integral à mulher). Além disso, ao entrar em vigor (2006), a Lei Maria da Penha sofreu intensas resistências, inclusive por parte do judiciário, tendo sido considerada inconstitucional em vários processos judiciais. Somente no ano de 2012, com o julgamento em conjunto da ADI 4424 e da ADC 19 pelo STF, declarando sua constitucionalidade, é que as resistências começaram a ser minadas, não tendo, entretanto, sido esvaziadas até hoje. A lei veio a trazer uma série de instrumentos, mas ainda assim precisa de uma estruturação do Estado, como também de uma mudança cultural jurídica para a aplicação efetiva desses institutos. Nove anos após a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, foi então estabelecido o Feminicídio e em seu próprio texto através do § 2º-A, do artigo 121, inserido ao Código Penal Brasileiro em 2015, pela lei 13.104, traz à figura do Feminicídio comparativamente a Lei Maria da Penha de forma mais abrangente do que até o próprio objeto desta, in verbis: 31 § 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O Feminicídio envolve a condição de sexo feminino, o que pode englobar questões que envolvam pura e simplesmente menosprezo e discriminação, portanto não necessariamente é preciso ter uma violência doméstica, ou seja, vai além da Lei Maria da Penha. A lei trouxe um instrumento mais eficaz no sentido de trazer uma punição mais severa a esses crimes, não esquecendo que a lei penal tem, ainda hoje, uma função preventiva, logo, ao estabelecer uma qualificadora a qual designa uma punição mais severa, terá como finalidade central coibir essa conduta que ainda hoje acontece com muita frequência. CAPÍTULO III - LEI 13.104 - IMPLANTAÇÃO DO FEMINICÍDIO AO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO 3.1. Tipificação penal do feminicídioA lei 13.104 entrou em vigor em 09 de março de 2017, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff, a chamada Lei do Feminicídio, a lei adicionou ao texto do Artigo 121 do Código Penal Brasileiro, mais uma qualificadora para os crimes de homicídio, praticados contra a mulher em razão da condição de sexo feminino. O crime entrou também para o rol dos crimes hediondos, previstos na lei 8.072/90. Criou ainda uma causa de aumento de pena, a qual possui alguns requisitos, quer sejam eles: durante a gestação; nos três meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de quatorze anos; contra pessoa maior de sessenta anos; contra pessoa deficiência; na presença de descendente da vítima; na presença de ascendente da vítima. 32 O texto do art. 121 do Código Penal Brasileiro passou a ter a seguinte redação, in verbis: Homicídio simples Art. 121. Matar alguém Homicídio qualificado § 2o Se o homicídio é cometido: Feminicídio VI - Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Aumento de pena § 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - Durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - Contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - Na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Essa modalidade qualificada de homicídio veio a ser inserida ao rol de crimes hediondos dispostos na lei 8.072 de 25 de julho de1990, passando a vigorar com a seguinte redação, in verbis: “Art. 1o ......................................................................... I - Homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI); Muito embora a Lei Maria da Penha tenha sido o grande marco da luta das mulheres por respeito, contribuindo muito para uma nova visão da sociedade brasileira em relação a violência doméstica, os índices ainda eram gritantes, não somente por conta da violência, como também pelo extremo dela, a qual nomeamos Feminicídio. Daí a necessidade da tipificação da Lei do Feminicídio ao Código Penal Brasileiro, assim como a Lei Maria da Penha, com o objetivo de prevenir e coibir atos de violência, e mais ainda, prevenir e punir o assassinato de mulheres por razão de 33 gênero. O Brasil, assim como outros países da América Latina, principalmente, apresenta uma certa resistência na aceitação da lei, o que dificulta que condutas como essa sejam exterminadas da sociedade, por esse motivo, que se torna relevante a criação de medidas públicas e leis que são consideradas pedagógicas nesse sentido, demonstrando de forma educativa que crimes com tamanha torpeza venham a ser efetivamente punidos. 3.2. Casos ocorridos após a vigência da Lei de Feminicídio 3.2.1. Isamara Filier: A chacina de Campinas Em Campinas, faltando poucos minutos para a virada do ano de 2017, no dia 31 de dezembro, Isamara, 41 anos, o filho João Vitor de 8 anos e mais 10 pessoas da mesma família foram assassinadas enquanto aguardavam a comemoravam a chegada do ano novo, na residência de uma das vítimas, o assassino Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, ex-marido de Isamara e pai de João Vitor, entrou na residência armada e munido de explosivos, procurando por Isamara e com o intuito de matar o máximo de mulheres da família que encontrasse, o assassino deixou áudios e cartas declarando ódio a ex-mulher e a classe feminina de modo geral, as quais chama de “Vadias”, nas cartas ele demonstra a sua premeditação em cometer os crimes após ter matado 12 pessoas da mesma família, Sidnei cometeu suicídio com um tiro na cabeça. Inconformado com a separação, alegando querer vingança por ter perdido a guarda do filho, após a denúncia feita por Isamara de que o mesmo teria abusado sexualmente de João Vitor, premeditou o crime, sua intenção era de matar a ex e o máximo de mulheres de sua família, como cita o próprio assassino em suas cartas, vejamos trechos das cartas: Sei que me achava um frouxo em não dar uns tapas na cara dela, más eu não podia te dizer as minhas pretensões em acabar com ela! Tinha que ser no momento certo. Quero pegar o máximo de vadias da família juntas” 34 [...] “Filho te amo muito e agora vou vingar o mal que ela nos fez! Principalmente a você! Sei o quanto ela te fez chorar em não deixar você ficar comigo quando eu ia te visitar. Saiba que sempre te amarei! Toda mulher tem medo de morrer nova, ela irá por minhas mãos! Amigos e familiares contam que Isamara e Sidnei se relacionaram por um curto período, as brigas e as ameaças de Sidnei eram constantes, por conta disso Isamara fez vários Boletins de ocorrência, num deles ela denunciou o ex-marido por abuso sexual praticado contra o filho Vitor, o que por determinação judicial ficou temporariamente proibido de ver a criança, depois ficou estabelecido visitas supervisionadas pela mãe. Nas mensagens que Sidnei deixou, escancarou sua misoginia referindo-se as mulheres como “vadias”, em outro trecho chama a Lei Maria da Penha de “Lei Vadia da Penha”. Temos um caso explícito de ódio e menosprezo a mulher, das 12 vítimas, 9 eram mulheres, uma tragédia anunciada considerando as várias ameaças as quais o assassino fez a vítima por anos, a maioria registradas através de boletins de ocorrência, causando uma sensação de impunidade ou de que ainda há muito a se fazer no combate a esse tipo de crime. 3.2.2. Mirella Sena: O assassino morando ao lado Edvan Luiz da Silva, 32 anos, comerciante, casado, visto como bom moço, tranquilo, nunca antes havia demonstrado agressividade com mulheres, no dia 05 de abril deste ano, demonstrou um perfil bem diferente do que seus familiares e amigos estavam acostumados a ver. Tassia Mirella Sena de Araújo, 28 anos, fisioterapeuta, morava sozinha em um flat localizado em Boa viajem, zona sul de Recife, a vítima morava em frente ao apartamento do acusado, o qual não tinha nenhum contato íntimo, apenas cruzado duas vezes nos corredores do prédio, segundo o próprio acusado ao ser interrogado pela polícia. Mirella estava em seu flat, no dia 05 de abril de 2017, por volta das 19hs, quando fora surpreendida por seu assassino, a mesma lutou com todas as forças para 35 sobreviver, segundo o delegado Francisco Océlio, responsável pelas investigações iniciais do caso, o cenário ao qual o corpo foi encontrado era de violência sexual e feminicídio, a vítima teve suas vestes arrancadas pelo assassino, o que indica a tentativa de estupro, o mesmo usou uma faca para esgotejar Mirella, quase a degolando. Após o crime Edvan seguiu para o seu flat, deixando marcas dos seus pés no chão e um rastro de gotas de sangue, que levaram os policiais até uma mancha de sangue na maçaneta da porta da frente, flat de Edvan, levantando suspeitas de que ali se encontraria o assassino, os policiais bateram na porta por muito tempo sem obter resposta, foi então que um chaveiro conseguiu abrir a porta, a equipe policial ao adentrar no flat se depara com o acusado fingindo estar dormindo, mesmo com toda movimentação feita em seu flat, o delegado notou arranhões no corpo do suspeito e uma pequena mancha de sangue na perna, o mesmo alegou ter entrado em luta corporal com um flanelinha na noite do crime. Materialgenético e fios de cabelo do acusado foram encontrados nas unhas da vítima, todos os indícios só levavam a Edvan como principal suspeito do crime, o mesmo negou a autoria mantendo a versão de que estava em seu flat dormindo e não escutou barulho algum na noite do crime, ele mantém essa versão até hoje e se diz inocente. O acusado será julgado por júri popular, o processo corre na 3ª Vara do Tribunal do Júri da Capital de Pernambuco, sem data ainda definida, a denúncia se baseia no emprego de meio cruel, traição, emboscada ou meio que dificulte a defesa da vítima, ocultação e Feminicídio, como descrito no recebimento da denúncia abaixo: PROCESSO Nº 7703-38.2017.8.17.0001 Acusado: EDVAN LUIZ DA SILVA Vítima: TASSIA MIRELLA DE SENA ARAÚJO DESPACHO/DECISÃO I - DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA O Ministério Público do Estado de Pernambuco ofereceu denúncia contra EDVAN LUIZ DA SILVA, qualificado nos autos, como incurso nas penas do artigo 121, § 2º, III, IV, V e VI c/c art.69, e art.213, todos do Código Penal Brasileiro, imputando-lhe, em tese, a autoria de homicídio qualificado conexo com delito de estupro, fatos ocorridos no dia 05 de abril de 2017, no interior do apartamento nº 1206, do edifício Golden Shopping, localizado na rua Ribeiro de Brito, 950, Boa Viagem, nesta cidade, tendo como vítima Tassia Mirella de Sena Araújo. Os fatos noticiados na denúncia constituem crime doloso contra a vida conexo com delito contra a liberdade sexual, sendo, portanto, de acordo com art.5º, inciso XXXVIII, alínea da "d" da CF c/c art.74 e 78, inciso I do CPP, este juízo 36 competente para o processamento do feito. Estão preenchidos os pressupostos processuais e condições da ação, pelo que, e conforme o lastro probatório mínimo constante nos autos, há justa causa para instauração do processo. Desta feita, a inicial acusatória contém todos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não se verificando, também, quaisquer das hipóteses elencadas no art. 395 do mesmo diploma legal. 1. Isto posto, recebo a denúncia contra EDVAN LUIZ DA SILVA, e determino a sua citação para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, podendo arrolar até oito testemunhas (art. 406, do CPP). 2. Caso o réu seja citado e não ofereça resposta no prazo legal, nomeio, desde logo, a Defensora Pública desta Vara para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe, para tanto, vista dos autos. 3. Certifique-se quanto aos antecedentes criminais do denunciado, de acordo com a Secretaria de Defesa Social, bem como sobre a existência de outros processos tramitando contra o réu. 4. Certifique-se acerca da existência de bens apreendidos nos autos do inquérito policial, com a indicação de onde se encontram depositados, devendo a secretaria intimar as partes para manifestação sobre eventual interesse em tais bens, nos termos dos arts. 118 e seguintes do Código de Processo Penal, bem como da Resolução nº 134, de 21 de junho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça. 5. Deverá acompanhar o mandado de citação uma via da denúncia. 6. Oficie-se à Polícia Federal, a fim de que remetam os antecedentes criminais do acusado. 7. Requisite-se à administração do Condomínio Golden Shopping, local aonde ocorreram os fatos, filmagem da câmera de segurança, que registra o momento em que o réu sobe no elevador para o 12º andar. 8. Oficie-se à autoridade policial, para que remeta a este juízo os demais laudos periciais. Quanto à manutenção da prisão preventiva do imputado, comungando do parecer ministerial, mantenho-a pelos fundamentos da decisão exarada em sede audiência de custódia. Recife, 25 de abril de 2017. Pedro Odilon de Alencar Luz Juiz de Direito PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE PERNAMBUCO JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA CAPITAL. Fórum Thomaz de Aquino Cyrillo Wanderley - Av. Martins de Barros, 593, Santo Antônio - CEP 50010-230. Esse é o tipo de Feminicídio em que a vítima e acusado não tinha nem um tipo de relação, inclusive não se sabe ao certo quantas vezes eles cruzaram pelos corredores do prédio em que residiam. 3.3. Aplicabilidade da lei de Feminicídio no Brasil A inclusão da qualificadora que tipifica o Feminicídio no Código Penal Brasileiro como agravante de pena, é considerada um grande avanço no combate a violência 37 doméstica e familiar e na prevenção dos homicídios de mulheres em razão da condição de gênero, porém, assim como a Lei Maria da Penha sofreu resistência por parte da sociedade e pelo próprio ordenamento jurídico, não tem sido diferente com o Feminicídio. Vimos que a cultura machista, alicerçada pela sociedade patriarcal, está espalhada por todos os âmbitos do nosso cotidiano, fazendo com que a mulher ainda tenha que conviver com esse tipo de segregação, em razão disso leis como essa são criadas, na intenção de romper com esses padrões impostos pela sociedade que limitam o que uma mulher deve ou não fazer o que resulta em uma guerra silenciosa travada diariamente entre homens e mulheres, gerando mais violência, de um lado homens lutando por manter uma “dominação” e “poder” sobre as vidas das mulheres, de outro lado mulheres lutando por direitos iguais e que esses direitos sejam respeitados, porque não basta criar leis e medidas coercitivas se elas não serão efetivas. Um artigo cientifico sobre o tema, das autoras Claudia Albuquerque Gomes e Mirela Fernandes Batista, traz um importante aspecto a respeito: É preciso construir novos paradigmas para o trabalho diário do operador do direito. O conceito da Lei Maria da Penha deverá ser utilizado em nossa opinião no ambiente acadêmico com impacto na luta contra a impunidade, cada poder seja Legislativo, Executivo e Judiciário, possuem responsabilidades especificas para garantir que as mulheres tenham acesso à justiça. E se já ouve o homicídio dessa mulher que seja ouvida pela última vez, tendo pelo Ministério Público voz a fim de que garantam o direito que elas possuem, e em vida não fora cumprida, fazendo a justiça plena, aplicando uma norma mais severa e justa de acordo com o crime cometido, sendo então qualificado como feminicida. O Ministério Público tem o papel de oferecer a denúncia, garantindo a mulher o cumprimento da lei que irá resguarda-la de seus direitos, para que possa ser protegida de seu agressor nos casos de violência doméstica, e a efetiva punição do delito cometido, e nos casos extremos onde sua vida infelizmente é ceifada por conta de um contexto em razão de gênero feminino, configurando o feminicídio. A juíza Teresa Cristina Cabral, do TJ-SP, chefe da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica, lida constantemente com situações de violência 38 contra a mulher e Feminicídio, na sua opinião ela alega que o feminicídio ainda esbarra com o machismo e para mudar esse quadro, diz que: É preciso formar profissionais com a perspectiva de gênero para eles entenderem o feminicídio, darem a tipificação penal dele e compreenderem o que é o assassinato de mulheres porque são mulheres", explicou, para completar "Quem afirma que não há uma nomenclatura específica para os assassinatos de homens desconhece a realidade de mortes violentas de mulheres, que têm um diferencial: as mulheres que morrem porque são mulheres padecem de uma coisificação, uma objetificação e um pertencimento que criam uma vulnerabilidade que exige essa diferenciação. A magistrada diz ter ela mesma sofrido preconceito ao longo da sua carreira jurídica, o que demonstra que esse preconceito pautado pela cultura machista afeta diretamente até mesmo o funcionamento adequado do Poder Judiciário, ela admite que há uma falha na coleta de dados o que dificulta a tipificaçãodos crimes em Feminicídio. Um dos objetivos mais relevantes e talvez o maior deles em se criar leis e medidas a fim de extinguir a violência doméstica e por consequência o homicídio de mulheres por sua condição de gênero, é desconstruir estereótipos que nos diferenciam, é trazer ao conhecimento da sociedade que condutas como essa deverão ser abolidas do nosso cotidiano. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pretendido, o trabalho buscou analisar a inserção do Feminicídio ao Código Penal Brasileiro através da lei 13.104 de 2015, como conduta qualificadora do crime de homicídio, apontando as razões que levaram a criação da lei, bem como tentando compreender a sua necessidade e aplicabilidade. Inicialmente o primeiro capítulo trouxe o conceito de Feminicídio e toda sua evolução dentro do contexto histórico da luta da classe feminina por punições mais gravosas para crimes bárbaros praticados contra as mulheres, inclusive esclarecendo a dicotomia existente em relação a terminologia Femicídio, que diz respeito ao ato de matar uma mulher sem que para isso haja uma motivação em razão de gênero, ao 39 passo que no Feminicídio o agente demonstra ódio e menosprezo a mulher por sua condição de gênero feminino, apresentando as mais diversas formas da prática desse tipo de conduta. Vimos que o sistema patriarcal ainda influencia indiretamente na sociedade contemporânea, contribuindo para a permanência das desigualdades entre homens e mulheres, ditando padrões principalmente às mulheres, subordinando-as a autoridade masculina, em razão disso causando uma luta de classes, onde temos machismo e feminismo em lados opostos, onde quem perde com isso na maioria das vezes são as mulheres por conta da sua vulnerabilidade. Dentro desse contexto, e por conta do machismo ainda tão enraizado na nossa cultura, as vítimas ainda esbarram na chamada culpabilização ou vitimização, onde as vidas das vítimas passam a ser investigadas na busca de se encontrar o motivo ou razão para que tenham sido assassinadas, isso ocorre principalmente nas situações em que são mortas por seus companheiros ou pessoas do seu convívio. Foi demonstrado de que forma o Feminicídio se apresenta no mundo e no Brasil, verificando que há uma incidência maior de casos nos países da América Latina, onde o Brasil se encontra na 5º posição como país que mais mata mulheres em razão de gênero, sendo as mulheres negras as que mais sofrem nessa estatística. No segundo capítulo, estudou-se a Lei 11.340 de 2006, a chamada lei Maria da Penha, como grande marco na busca por justiça aos casos de violência doméstica contra as mulheres, que até então os agressores não sofriam nenhum tipo de punição, a lei trouxe visibilidade para o problema, mulheres que antes viviam na obscuridade da violência doméstica começam a lentamente se fortalecer com o advento da lei para denunciar seus agressores, porém a lei sofreu e ainda sofre resistência na sua aplicabilidade, sendo considerada diversas vezes inconstitucional, até ter declarada a sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em 2012. A lei Maria da Penha em seu texto tratou de conceituar as diversas formas de violência doméstica, a exemplo disso, o conceito de agressão dentro do contexto de violência doméstica tem um sentido amplo, onde não somente se considera agressão a violência física, como também a violência psicológica. Mudanças significativas surgiram com a implantação da lei 11.340, considerada um grande avanço, inicialmente atingindo níveis mais baixos de violência, no entanto, 40 a lei possuía falhas capazes de contribuírem para a impunidade nos casos de violência doméstica, em razão disso algum tempo depois os índices voltaram a subir, demonstrando que muito ainda precisava ser feito, daí a influência direta para a criação da lei de Feminicídio. O terceiro e último capítulo, buscou demonstrar a implantação da lei 13.104 de 2015 ao ordenamento jurídico penal, de que forma está tipificado, quais os requisitos necessários que deveram estar presentes para que se comprove a tipificação do crime em feminicídio, expondo dois casos que repercutiram em razão da brutalidade ao qual foram cometidos ambos por questão de gênero, o primeiro caso exposto foi o de Isamara Filier, morta por seu ex-marido, onde ela, o filho do casal e mais 10 pessoas da mesma família foram mortas na virada do ano de 2017, sendo que das 12 vítimas, 9 eram mulheres, o próprio assassino deixa cartas e mensagens de áudio declarando o seu ódio as mulheres. O segundo caso demonstra que nem sempre o feminicídio se expressa dentro do meio familiar, Edvan, 32 anos, era vizinho da vítima, não se sabe desde quando o mesmo a observava, os dois não tinham nenhum tipo de relação, no dia 05 de abril do corrente ano, Edvan invade o apartamento da fisioterapeuta Mirella Sena de 28 anos, na ânsia de estupra-la, Mirella luta para se defender do agressor, e em meio a luta corporal, Edvan utiliza uma faca para cortar o pescoço de Mirella ceifando sua vida, a luta deixou marcas visíveis no corpo do acusado, o que contribuiu para que se comprovasse a autoria do crime. Por fim, fez-se uma análise da aplicabilidade do feminicídio no Brasil após a sua implantação, de que forma a lei ainda encontra resistência por parte do judiciário, e até doutrinadores que se opõem a lei, alegando inconstitucionalidade, todavia a inserção do feminicídio no rol das qualificadoras tem o papel fundamental de mudar a concepção moralista, machista e retrograda de argumentos em sentenças do nosso judiciário, que muitas das vezes colocam a vítima como culpada de sua morte. Contudo, falar sobre a violência de gênero e feminicídio ainda é necessário e urgente, dado ao número alarmante de casos registrados tipificados nesse crime. Destarte, considera-se que a finalidade principal do trabalho foi atingida, visto que a intenção é chamar atenção para um assunto ainda pouco discutido no Brasil, levando em conta que a lei entrou em vigor a pouco mais de dois anos, mas não menos relevante para o alcance de uma sociedade igualitária livre de opressões. 41 Diante de uma sociedade preconceituosa quando se trata da figura feminina nos crimes ocorridos com grave violência ou até mesmo a lesão ao bem jurídico de maior relevância como a vida, foi imprescindível a necessidade da tipificação do feminicídio no rol dos crimes contra a vida. 42 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988. BRASIL. Senado. Projeto de Lei nº 292, de 2013. Com a finalidade de alterar o Código Penal para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio. Disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133307&tp=1. Acesso em 20 junho. 2017. DINIZ, Débora. Perspectivas e articulações de uma pesquisa feminista. In: Estudos feministas e de gênero: articulações e perspectivas. p. 12. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wpcontent/uploads/2014/02/1_8_tensoes- atuais.pdf. Acesso em 24 de agosto de 2017. SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1995. BIANCHINI, Alice. 10 anos da Lei Maria da Penha: somos tolerantes com a violência de gênero? Disponível em: https://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/369825063/10-anos-da-lei-maria-da- penha-somos-tolerantes-com-a-violencia-de-genero. Acesso
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