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(Des) C A M I N H O S no A M O R PARENTAL: 
ESTUDO m CASO SOBRE OS PROCESSOS 
DE RESSIGNIFICAÇÃO DO CONFLITO 
NO CONTEXTO JUDICIAL 
Luciana de Paula Gonçalves Barbosa Marijara 
da Conceição Mendes Nascimento 
Dentre os desafios que perpassam o trabalho daqueles que atuam em 
Varas de Família nas diferentes áreas técnicas, vê-se cotidiana- mente o de 
lidar com a expectativa de resolução de questões afetivas que extrapolaram o 
âmbito privado, e nas quais os seus protagonistas acreditam que terão, no 
âmbito público, e no das diretrizes racionais e retas da lei, uma resposta justa 
e continente. As idiossincrasias e histórias de vida desses protagonistas, e o 
vasto arcabouço de valores familiares distintos que eles trazem, ampliam a 
complexidade desse trabalho, remetendo o magistrado a um lugar 
impossível: o de ser justo e continente com ambos, sem se esquivar da 
aplicação da lei e da proteção primordial aos direitos das crianças 
envolvidas. As equipes psicossociais surgem como um suporte para o 
magistrado nesse sentido, tendo o seu trabalho também revestido pelas 
mesmas expectativas e por outras que se somam, como, por exemplo, a de 
modificar o ânimo bélico estabelecido entre esses protagonistas (SUANNES, 
2008). 
Segundo COSTA, PENSO, LEGNANI e SUDBRACK (2009), o estudo 
psicossocial pode, além de oferecer o assessoramento ao magistrado, trazer 
uma dimensão interventiva ao momento da família na Justiça, na medida em 
que cria contextos que incluem dimensões re- parativas e emancipatórias. Já 
DIAS (2006), ao analisar o trabalho do psicólogo perito no Judiciário, 
introduz a reflexão de que a atuação do profissional no estudo psicossocial 
será de partícipe do processo de ressignificação e recriação dos dilemas 
vividos na família, enquanto auxilia o juiz em sua sentença. 
No trabalho de assessoramento aos magistrados desenvolvido pela 
equipe interdisciplinar do Serviço de Assessoramento a Varas Cíveis e de 
Família da Secretaria Psicossocial Judiciária do TJDFT - 
SERAF/SEPSI/TJDFT, é recorrente os profissionais se depararem com 
situações nas quais questões conjugais e afetivas se misturam às questões 
relativas ao exercício individual do papel parental e à capacidade dos 
genitores em estabelecer uma coparentalidade (RIBEIRO, 2009). O espaço do 
Judiciário, em situações dessa natureza, parece ganhar características 
paradoxais para os protagonistas do litígio e, muitas vezes, até mesmo para 
os operadores da lei: se por um lado é um lugar para a resolução dos 
conflitos ainda vigentes e para a preservação do bem-estar dos filhos, por 
outro é utilizado para a conservação de vínculos e relações findas ou 
adoecidas e para a potencialização de uma disputa de poder previamente 
estabelecida. 
A análise dos autos de processos judiciais com elevado grau de 
beligerância e disputa de poder entre as partes evidencia claramente 
o estabelecimento de dicotomias - ganhar X perder, verdades X mentiras; certo 
X errado - que reduzem a percepção acerca da complexidade das relações 
familiares e minam a mobilização das competências de cada um dos 
genitores, bem como a soma dessas competências em prol do filho em 
comum. O foco de investimento primordial do par parental protagonista 
desse tipo de litígio parece se distanciar do que seria mais importante para a 
atenção ampla às necessidades do filho, para se centralizar na 
retroalimentação das referidas dicotomias. Assim, trocas de acusações se 
tornam a linguagem de referência na comunicação parental, feita 
essencialmente por meio do trâmite judicial. Capacidades e qualidades 
anteriormente reconhecidas no outro e em seu ambiente familiar ficam 
obscurecidas; situações cotidianas são amplificadas e problematizadas; 
acusar passa a ser tanto um meio de demonstrar superioridade no exercício 
parental, como de se defender de acusações possíveis ou já efetivadas. 
Nesse mesmo sentido, RAMOS e SHINE (1994, p.12), ao falar do par 
parental que disputa guarda de filhos, discorrem: 
Os dois trocam acusações graves de incompetência no 
cumprimento das funções paterna e materna, baseando-se em fatos 
que, em outro contexto, seriam irrelevantes. Os detalhes do 
cotidiano de qualquer família (como a falta do corte de unhas ou o 
esquecimento do material escolar) são pinçados e magnificados sob 
uma lente de aumento. 
Denúncias de tom grave às competências parentais podem ser incluídas 
na tentativa de desqualificar o outro genitor (como maus-tratos, negligência 
e abuso sexual). Conceitos e teorizações sem embasamento teórico e 
científico estruturado e aprofundado - alienação parental e bullying, por 
exemplo - são incorporados levianamente (ou erroneamente) ao cardápio de 
acusações, patologizando e engessando ainda mais os sujeitos e as famílias 
(BARBOSA e JURAS, 2009; SOUSA, 2010). 
Quando há o prolongamento do litígio, e quando a contenda se torna a 
única forma de relação possível, o grau de beligerância também se acentua 
por meio do agravamento na troca de acusações. Para SANTOS (2009), o 
litígio no contexto judicial se prolonga quando existem rixas intensas e 
disputa de poder entre ex-cônjuges, o que, por seu turno, dilata o tempo de 
permanência dos autos processuais na Justiça. 
Contudo, a mesma autora e pesquisadora discorre sobre as diferentes 
dimensões do tempo - o cronos, aquele que pode ser medido e é linear; o 
kairós, ou tempo cíclico, aquele que é vivido, representado por significados e 
pela percepção histórica dos fatos, que é subjetivo - e sobre as 
especificidades de cada um nos litígios judiciais. Considerando essas 
especificidades, o tempo legal de tramitação do processo, com suas etapas e 
recursos, se diferencia do tempo cíclico das famílias, que inclui as reflexões, 
as ressignificações e as elaborações emocionais de seus membros a partir de 
cada evento experimentado no transcorrer do tempo cronológico, sejam eles 
pessoais ou oriundos do contexto da Justiça. 
Acredita-se, portanto, que a atuação profissional daqueles que 
participam do processo judicial (em especial, da equipe psicossocial) deve 
considerar esses aspectos para que seja possível oferecer às famílias 
litigantes, em algum tempo, elementos e contextos que as auxiliem na 
construção de novos significados para questões emocionais, subjetivas e 
transgeracionais cristalizadas. Só assim será possível a retomada do foco 
parental nos interesses do filho comum, bem como . 1 definição de uma 
relação/interação entre eles que seja voltada primordialmente para esse fim. 
Na tentativa de ilustrar as temáticas apresentadas até aqui e in- 
i rementar as reflexões propostas, o presente artigo exemplifica o caminho 
que um par parental pode traçar no judiciário, com suas diferentes escolhas 
o nuiliurocN a cada novo tempo, por meio do relato do caso <i si'm1 11
1 Ressalta-se que, para preservar o sigilo, os dados de identificação foram alterados. 
1 90 I Luciana de Paula Gonçalves Barbosa;Marijara da Conceição Mendes Nascimento 
 
A BATALHA INICIAL - RESUMO DO CASO 
A ação judicial que configurou o litígio parental ora apresentado 
possuía por objeto a regulamentação de visitas do pai ao filho, sendo 
ajuizada pelo genitor da criança quando esta tinha 3 anos. Durante o 
transcurso do conflito judicial, foram realizados dois estudos psicoH sociais 
no SERAF: um em agosto de 2009 e o outro em maio de 2010, ambos inscritos 
ao primeiro ano de trâmite da ação. 
O genitor mobilizou a Justiça sob o argumento de que a mãe d.i criança 
passou a cercear seus contatos com o filho logo após ele ter interrompido 
definitivamente a relação afetiva com ela e explicitado que não mais aceitaria 
sua presença durante os contatos paterno-filiais, o quesempre ocorreu até 
então. No pedido, ele solicitava que as visitas fossem regulamentadas com 
periodicidade quinzenal, aos finais de semana, e que incluíssem pernoite. 
A mãe da criança, por sua vez, contra-argumentava afirmando que o 
genitor do filho fazia uso abusivo de bebida alcoólica, pondo em risco a 
segurança da criança. Acrescentava, também, que a moradia dele era 
inadequada, visto que não possuía a estrutura necessária para acolher o 
filho, o que invibializava o pernoite da criança (falta de rede de proteção nas 
janelas e ausência de objetos de uso pessoal e de mobiliário adequados à 
faixa etária do filho em comum). Por essas razões, a genitora justificava que 
sua supervisão era necessária durante a ocorrência das visitas entre pai e 
filho. 
O magistrado encaminhou os autos ao SERAF logo após as argu-
mentações iniciais de cada genitor, solicitando a elaboração de estudo 
psicossocial com parecer conclusivo quanto à capacidade do pai da criança 
de exercer seu direito de visitas nos moldes propostos na petição inicial. 
Provisoriamente, os contatos entre pai e filho foram regulamentados nos fins 
de semana, porém sem pernoite. 
r __ 
A FAMÍLIA - COMPOSIÇÃO E INFORMAÇÕES 
RELEVANTES' 
• Genitor: Sr. Paulo, 47 anos; 
• Genitora: Sra. Kátia, 43 anos; 
• Criança em questão: Pedro, 4 anos à época do segundo estudo 
psicossocial. 
(Des) Caminhos tio Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processos I 91 I 
de Ressignificação do Conflito no Contexto judicial 
 
Informações do grupo paterno: 
O Sr. Paulo foi casado por dois anos na década de 90 e teve um Iilho 
fruto dessa união, Sr. Felipe, 22 anos na época dos estudos psicossociais. 
Além do Sr.Felipe, o Sr. Paulo teve apenas mais um filho, IVdro, criança em 
questão na querela parental. 
O Sr. Paulo residia sozinho e estava em um relacionamento afetivo 
estável com a Sra. Sara há dois anos. 
Os pais do Sr. Paulo se separaram quando os filhos ficaram adultos. Sua 
mãe também morava em Brasília, assim como seus irmãos e muitos tios 
maternos, sendo regular a família se reunir aos finais de semana em eventos 
de lazer. Seu pai era falecido. 
Sr. Felipe, o filho primogênito do Sr. Paulo, sempre teve contatos 
regulares com o pai e residiu com ele por um ano, na adolescência. Durante 
a faculdade, residiu com a avó paterna e, na época dos estudos psicossociais, 
morava sozinho e estava iniciando sua vida profissional. 
Informações do grupo materno: 
A Sra. Kátia nunca se casou ou teve convivência marital. Pedro era seu 
único filho. Antes da gestação de Pedro, a Sra. Kátia engravidou outras duas 
vezes do Sr. Paulo, mas sofreu abortos espotâneos devido a quadro crônico 
de saúde que dificutava o término das gestações. 
Residia com sua mãe, Sra. Tereza, 67 anos, e com o filho. Seu pai era 
falecido e foi alcoolista. Ela tinha três irmãos que viviam em Brasília, mas 
sua convivência familiar se baseava no contato com uma de suas irmãs e os 
sobrinhos, sendo que duas sobrinhas já haviam residido em sua companhia 
e a consideravam referência materna - uma delas, a Sra. Carla, é madrinha 
de Pedro.
Inicialmente, cada membro do par parental participou de atividade de 
intervenção psicossocial desenvolvida em grupo, coordenada pelas 
supervisoras do Serviço. Essa atividade tinha por finalidade esclarecer a 
metodologia de trabalho do SERAF e compartilhar, com os genitores 
participantes, conhecimentos científicos que envolvem questões relacionadas 
a famílias em situação de crise, buscando sensibilizar o grupo para os 
prejuízos que o conflito parental podia implicar aos filhos. Essa atividade foi 
desenvolvida antes do início dos atendimentos concernentes ao estudo 
psicossocial. 
O primeiro estudo psicossocial foi conduzido por equipe interdis- 
 
ciplinar composta por uma assistente social e uma psicóloga. Seu objetivo foi 
compreender a dinâmica relacional existente entre o par parental e verificar 
se havia situações de risco para a criança durante as visitas ao pai. A história 
afetiva dos genitores, o contexto do nascimento da criança e o tipo de 
organização parental adotada até então foram analisados. Nesse estudo, 
realizaram-se os seguintes procedimentos: 
• Atendimento ao par parental; 
• Atendimento ao par parental e à criança; 
• Atendimento individual com criança; 
• Atendimento de encerramento devolutivo com os genitores. 
Os procedimentos adotados permitiram a compreensão de que os 
genitores tiveram relacionamento amoroso intermitente ao longo de 
10 anos, com percepções diferentes acerca da natureza e da solidez do 
vínculo estabelecido entre eles. Para o genitor, a relação tinha status casual e 
cunho sexual. Para a genitora, havia uma relação afetiva estabelecida, sendo 
que a recorrência dos encontros ocorridos entre eles ao longo dos anos, o fato 
de se apoiarem emocionalmente em situações da vida pessoal de cada um e 
também de eventualmente freqüentarem círculos sociais e familiares juntos 
indicavam a ela inclusive a possibilidade de convivência marital futura, 
expectativa que se acentuou após 
o nascimento do filho comum. 
A equipe profissional avaliou que essas diferenças de percepções e 
expectativas acerca da relação afetiva marcaram n dinâmica relacional 
constituída por eles e permearam os comportamenlou o os papéis assumidos 
por cada um na vida do outro, na relação parental e na vida de Pedro. Tais 
divergências incitaram também o contexto conflituoso estabelecido no 
âmbito da parentalidade e ecoaram nas demandas que 
i .ida um tinha com relação à decisão judicial: um de ruptura e outro de 
continuidade da interação regular entre eles. Presos à urgência subje- liva 
dessas metas pessoais, os genitores se desfocavam de algumas necessidades 
emocionais e práticas do filho, sobretudo no que concerne tio trânsito e à 
liberdade emocional deste em circular entre pai e mãe. 
Entendeu-se, ademais, que o genitor da criança era adequado na 
Interação e nos cuidados com o filho durante os contatos entre eles; 
reunindo, portanto, as condições necessárias para que as visitas ocorressem 
com pernoite e sem necessidade da presença materna. 
O PRIMEIRO MOMENTO DA FAMÍLIA NO SERAF 
 
 
Reflexões acerca dessas percepções técnicas foram realizadas junlo ao 
par parental. Contudo, como as argumentações deles nos ,iu los e nos 
atendimentos versavam quase exclusivamente acerca de problemas práticos 
durante as visitas paterno-filiais, além de a solicitação do magistrado ter sido 
na mesma direção, o principal inves- II mento da dupla profissional nas 
devoluções foram quanto às ques- lòos que geravam insegurança na genitora 
quando o filho estava na companhia paterna, abordando quais ações e 
ajustes poderiam ser implementados por ambos os genitores para minimizar 
essas inseguranças e garantir a proteção de Pedro. 
t) PROSSEGUIMENTO DO CONTEXTO LITIGANTE 
Após a realização do primeiro estudo, o magistrado tentou compor um 
acordo de visitas paterno-filiais nos moldes sugeridos na conclusão do 
trabalho psicossocial, realizando duas audiências. Entre- liinlo, houve um 
explícito recrudecimento do conflito parental, com ampliação do leque de 
desqualificações mútuas entre os genitores no exercício da parentalidade e 
com interposição de novos pedidos ao juiz. A Sra. Kátia insistia no pleito de 
visitas supervisionadas, ale- C.aiulo desta vez que o filho havia sofrido 
maus-tratos físicos e emocionais porpetrados pela namorada do Sr. Paulo, e 
permitidos por ele, o i|iie caracterizaria também contexto de negligência. 
Reforçava, ainda, o 
i oiiNiimo abusivo de álcool por parte do genitor. O Sr. Paulo afirmava 
1 1 1 1 1 ' a genitora sofria de transtornos mentaise denegria a imagem dele 
para o filho, além de dificultar seu acesso a Pedro, passando n pleitear,
assim, a reversão de guarda. Ambos os genitores acusavam um ao ou tro de 
alienação parental, enfatizando a manipulação do filho conlra si e contra 
membros de seu grupo familiar, com linguagem atípica para . 1 sua faixa 
etária. Diferentes documentos e materiais que tentavam pro var as acusações 
trocadas entre as partes foram adicionados aos autON do processo - como 
fotos, cópia da agenda escolar da criança e receitas médicas desta, boletins de 
ocorrência policial e relatórios do Conselho Tutelar. Os dois genitores 
afirmavam ainda que o filho se queixava dos cuidados recebidos na 
companhia do outro. 
Diante desse quadro, mesmo tendo transcorrido apenas seis meses 
desde a passagem da família pelo SERAF, novo estudo psicossocial foi 
solicitado, com prazo estipulado para sua finalização em virtude de 
audiência prevista para dois meses depois. O despacho judicial demandava, 
(Des) Caminhos tio Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processos I 95 I 
de Ressignificação do Conflito no Contexto judicial 
 
 
dessa vez, que houvesse a inclusão das famílias extensas e possíveis 
namorados de ambos os genitores, e que fosse avaliada a existência de maus-
tratos e/ou alienação parental praticados por qualquer um dos pais. Cópias 
dos autos foram remetidas ao SERAF. 
Segundo Momento da Família no SERAF 
O novo estudo psicossocial foi conduzido por dupla profissional 
diferente daquela que realizou o primeiro estudo, sendo mais uma vez 
composta por uma assistente social e uma psicóloga (as autoras deste 
capítulo). Ao se deparar com o escopo de informações do caso, chamou a 
atenção da nova equipe profissional o recrudescimento do conflito em curto 
espaço de tempo, além do teor das acusações trocadas entre os genitores, 
mesmo existindo uma análise psicossocial prévia indicando que pai e mãe 
tinham competência parental individual, embora não conseguissem alcançar 
uma coparentalidade efetiva e produtiva em prol do filho. 
Analisou-se cuidadosamente os autos e o momento anterior do par 
parental no SERAF, inferindo-se que 0 tempo cronológico da família na 
justiça ainda era pequeno à época do primeiro estudo, já que o ajuiza- mento 
da ação ocorreu pouco tempo depois do evento que exigiu a reorganização 
da relação até então conhecida pelo par parental, sendo este: a briga na qual 
o Sr. Paulo proibiu definitivamente o acesso da Sra. Kátia à sua casa e ao seu 
universo familiar e pessoal, estabelecendo que apenas 
o filho poderia participar de sua vida. Assim sendo, o tempo cíclico da 
Inmília lambém ainda era incipiente para mudanças que permitissem éios 
genitores a construção e a aceitação emocional de uma relação inter- 
I »fssoal exclusivamente voltada para a atuação parental. Poucos eventos 
Mgnificativos, assim como contextos subjetivos emancipatórios, haviam 
ocorrido até então, sobretudo quando comparado ao tempo cronológico c 
cíclico no qual se estabeleceu o padrão relacional anterior. 
Ademais, o foco escolhido pelos genitores na batalha judicial inicial 
voltava a contenda entre eles para problemáticas de ordem prática na ad-
ministração das situações familiares, mascarando as questões emocionais 
latentes, especialmente aquelas relacionadas à conjugalidade não concre- 
lizada. Mensagens dúbias acerca dessa conjugalidade permeavam o pa- 
I I rão comunicacional estruturado ao longo de toda a história em comum, 
oferecendo vivências subjetivas distintas para os mesmos fatos. 
Como essas questões precisavam ser elaboradas e ressignifica- das não 
apenas pelo par parental, mas também pelos membros da rede social e 
familiar deles, as tratativas no sentido de tentar organizar apenas os aspectos 
I 96 I Luciana de Paula Gonçalves Barbosa;Marijara da ConceiçBo Mendes Nascimento 
 
práticos dos contatos paterno-filiais não tiveram caráter continente, 
precipitando a necessidade de conflitos mais intensos, agora 
determinantemente voltados para o universo afetivo e relacional. De acordo 
com reflexão proposta por SHINE (2003), em processos judiciais litigiosos em 
varas de família, muitas vezes uma resolução jurídica não promove a 
resolução emocional dos conflitos existentes entre os indivíduos. 
Considerou-se que, possivelmente, a rigidez das dinâmicas constituídas 
e das emoções vigentes impediu o grupo familiar de passar pelas mudanças 
daquele momento de vida sem a exposição a situações graves. Tais situações 
constituíam um meio de expor as falhas da organização familiar, mas 
estavam pautadas nas mesmas estratégias e regras de ação já conhecidas 
pelo sistema, que, por sua vez, alimentam o conflito, o desequilíbrio parental 
e o ciclo vicioso estabelecido nesses dois âmbitos. 
Identificou-se, ainda, acomodação na simplicidade que as dicotomias 
existentes na linguagem judicial oferecem: ao se partir da premissa que eu 
estou certo e o outro errado, cabe a este último toda e qualquer sanção, perda 
ou esforço. Como o primeiro contexto interventivo e avaliativo não 
confirmou o erro do outro, alegações mais contundentes precisavam ser 
feitas, assim como defesas mais enfáticas. A definição de um padrão 
relacional simétrico, baseado na igualdade de ações e na busca por refletir o 
comportamento do outro, parecia ter se instalado, com tendência a uma 
escalada dessa simetria, caracterizada por exacerbação da competitividade e 
da rejeição ao outro (JURAS, 2001)). 
A despeito do cenário encontrado, a equipe psicossocial acreditou que 
podia haver algo de positivo nesse novo momento da família, pois ele, por si 
só, já trazia a inauguração de outra fase no ciclo de vida fa miliar pós-
separação e, por conseguinte, indicava movimento no tempo cíclico. 
NICHOLS e SCHWARTZ (2007), ao discorrer sobre os conceitos e métodos 
da Terapia Familiar, relembra que as famílias e as relaçõoH possuem regras 
silenciosas que governam os comportamentos de seus membros. Quando 
uma regra promove uma solução rígida, não é somente um comportamento 
que precisa mudar, mas também as regras do funcionamento das relações. 
Como as famílias possuem a tendência do se acomodar em suas regras 
(homeostase), situações que promovam a intensa mobilização emocional de 
diferentes membros do grupo podem significar o desejo de mudança para 
padrões relacionais mais saudáveis. 
Todos os fatores acima relatados delinearam a condução do segundo 
estudo psicossocial realizado no SERAF. Além deles, e das determinações 
específicas do juiz, a equipe profissional manteve presente a preocupação em 
investigar as denúncias apresentadas por cada um dos genitores, 
contextualizando suas motivações e averiguando se Pedro estava sujeito a 
(Des) Caminhos tio Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processos I 97 I 
de Ressignificação do Conflito no Contexto judicial 
 
 
alguma situação de risco. Verificou-se a necessidade de se realizar uma 
análise transgeracional aprofundada com membros dos dois grupos 
familiares (materno e paterno), a fim de se explorar a forma como 
determinados temas, comportamentos e valores eram compreendidos e 
vivenciados por eles, e como esses legados transgeracionais estavam 
embasando a dinâmica beligerante, os cuidados oferecidos a Pedro e o 
julgamento da competência e do espaço parental do outro. Dentre os temas a 
serem abordados nessa análise, elegeu-se: afetividade, conjugalidade e ideais 
românticos; figuras parentais e lugar e atribuições de pai e mãe na vida dos 
filhos; educação de filhos; papéis e lealdades familiares; questões de gênero; 
capacidade de proteção; doenças físicas e emocionais; adições; sofrimento, 
conflitos e rupturas na família.Não obstante, hipotetizou-se que seria um desafio recorrente ao longo 
de todo o curso do estudo buscar recursos que ajudassem o par parental a 
romper com a postura e a linguagem dicotômicas. Considerou-se relevante, 
assim, extrapolar o subsistema parental e incluir, nas reflexões propostas, 
familiares que atuavam como aliados de cada um dos genitores no drama 
judicial e em suas vidas se- 
 
1 1 1 Inres. Foram evitadas durante os atendimentos denominações que 
poderiam enrijecer o sistema familiar nas regras de funcionamento i|iio 
sustentavam o conflito e que incentivavam a postura dicotômica, romo o uso 
do termo alienação parental. 
Atendimentos que possibilitassem à nova equipe psicossocial conhecer 
a criança e ver sua interação com cada um dos genitores nesse novo 
momento da vida familiar também foram considerados essenciais para a 
análise do caso. 
Por fim, o objetivo de adentrar o máximo possível nas questões que 
retroalimentam o conflito foi uma das diretrizes do trabalho realizado, vez 
que a equipe temia que o litígio se estendesse ao longo do desenvolvimento 
da criança, bem como ansiava pelo resgate da autonomia da família na 
resolução de suas demandas. 
O ESTUDO PSICOSSOCIAL - 
PROCEDIMENTOS E ANÁLISES 
Em virtude de todos os desafios que esse novo estudo trazia, optou- -se 
por um número maior de procedimentos técnicos, sendo estes distribuídos 
ao longo de quatro dias e organizados da seguinte maneira: 
• Atendimento com membros da família materna. A eleição de quais 
pessoas compareceriam coube à Sra. Kátia. Participaram do 
atendimento esta genitora, sua mãe e duas de suas sobrinhas, uma 
delas, madrinha de Pedro. Construiu-se o genograma familiar com a 
colaboração dos presentes, e diferentes temas foram abordados ao 
longo do atendimento, tanto relativos apenas ao grupo familiar 
materno, como relativos ao grupo paterno e à relação afetiva entre os 
genitores da criança. 
• Atendimento com membros do núcleo paterno. Demandou-se a 
presença da namorada do Sr. Paulo e de seu filho mais velho, 
cabendo ao genitor a escolha dos demais participantes. Com-
pareceram o Sr. Paulo, sua genitora, dois tios maternos dele, sua 
namorada (Sra. Sara) e seu filho primogênito (Sr. Felipe). Esse 
atendimento seguiu os mesmo moldes do atendimento familiar ao 
grupo materno. 
• Atendimento individual ao Sr. Felipe, para explorar a atuação do pai 
em sua vida e na vida do irmão caçula, seu próprio papel rui vida de 
Pedro, como ele desempenhava esse papel e quais eram suas 
(Des) Caminhos tio Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processos I 99 I 
de Ressignificação do Conflito no Contexto judicial 
 
 
pontencialidades para minimização do contexto litigante; 
• Atendimento ao genitor, para esclarecimento de informações acerca 
de sua casa, de sua rotina e da rotina do seu grupo familiar durante 
as visitas de Pedro; 
• Atendimento ao par parental e à criança, para observação da 
interação entre eles; 
• Atendimento ao genitor e à criança, para observação da interação 
entre eles; 
• Atendimento individual com a criança, no qual recursos lúdicos 
foram utilizados para conhecer sua realidade psicossocial e seu nível 
de envolvimento na querela parental; 
• Atendimento com a genitora e a criança, para observação da 
interação entre eles; 
• Atendimento familiar com a presença do par parental, do filho 
primogênito do Sr. Paulo e da sobrinha da Sra. Kátia que é madrinha 
de Pedro. Esse atendimento incluiu um momento devolutivo e 
encerrou o estudo. 
Pôde-se avaliar, com base nos procedimentos acima descritos, que 
0 pai desempenhava satisfatoriamente os cuidados e na atenção às ne-
cessidades do filho durante as visitas, disposição essa valorizada na cadeia 
de valores transgeracionais de sua família. Não se identificou contexto de 
risco para Pedro na sua interação com ele ou com os demais membros do 
núcleo paterno, inclusive com a Sra. Sara. O genitor realizou as mudanças na 
sua casa que foram solicitadas pela genitora no estudo anterior e vinha 
tentando se aproximar cada vez mais do universo relativo à faixa etária de 
seu filho, com o intuito de criar contexto de maior interesse para Pedro 
enquanto estivessem juntos. Seu consumo de bebida era regular, porém não 
caracterizava dependência e estava circunscrito a situações sociais. 
Foi possível esclarecer que as fotos anexadas pela Sra. Kátia nos autos 
para sustentar a denúncia de maus-tratos físicos perpetrados pelo pai e pela 
namorada deste contra Pedro diziam respeito a situa- 
1 98 I Luciana de Paula Gonçalves Barbosa;Marijara da Conceição Mendes Nascimento (,'õcs nas quais a 
Sra. Sara não estava presente, e que não caracterizavam contexto de 
negligência. Esclarecimentos acerca dos contextos nos i|tiais ocorreram as 
escorriações retratadas foram feitos pela própria genitora e seus familiares 
durante o estudo. 
Pedro demonstrou depositar no Sr. Paulo e na Sra. Kátia suas refe-
rências paterna e materna, e vivenciar com cada um deles projeções e 
 
identificações importantes para sua segurança emocional e seu desen-
volvimento. Ele explicitou vínculo afetivo intenso por ambos os geni- lores e 
por membros das duas famílias, com especial relevância pelo irmão, no 
grupo paterno, e pela madrinha, no grupo materno. 
A relação materno-filial revelou peculiaridades especiais. A ma- 
lernagem era desempenhada pela Sra. Kátia com muita afetividade, 
adequação nos cuidados básicos e na proteção ao filho. Contudo, alguns 
aspectos precisavam ser trabalhados pela genitora a fim de evitar prejuízos 
no processo de individuação de Pedro, quais sejam: o fato de ela depositar 
no filho muitas expectativas emocionais e demandas pessoais, além de 
demonstrar, em determinadas ocasiões, dificuldade para diferenciar suas 
emoções das emoções de Pedro. Mesmo assim, do ponto de vista 
psicossocial, as características dessa relação não determinavam as 
desavenças parentais, constituíndo-se apenas em mais um elemento dentro 
de uma trama complexa de sistemas ampliados. A reversão da guarda não 
foi percebida como algo necessário e adequado para Pedro; ao contrário, 
poderia trazer impactos negativos para a criança e para a qualidade das 
relações familiares. 
Os atendimentos realizados permitiram a confirmação das hipóteses 
levantadas durante o seu planejamento, avaliando-se que a relação parental 
ainda se encontrava calcada nos mesmos conflitos e dinâmicas relacionais 
apontados no estudo psicossocial anterior. As novas acusações espelhavam a 
natureza desse padrão relacional, tendo promovido a intensificação dos 
ressentimentos mútuos. O discurso dos genitores recorrentemente 
evidenciava a rigidez de ambos em suas próprias emoções e na maneira de 
interpretar as atitudes do outro desde a época da relação afetiva ocorrida 
entre eles, o que comprometia sobremaneira a capacidade de 
compartilharem o exercício da função parental. Questões transgeracionais 
relativas às motivações para escolha e idealização do parceiro afetivo e para 
manejo da vida afetiva evidenciavam caráter complementar entre os 
genitores, justificando ainda diversas amarras emocionais que se 
perpetuavam entre eles. 
Observou-se que outro elemento motivador para o acirramento do 
conflito parental foi a inclusão da Sra. Sara em alguns cuidados a Pedro 
durante as visitas paternas e, em especial, nos momentos em que o genitor 
pegava e levava o filho para a companhia materna. Sua presença passou a 
representar a personificação da ruptura do vínculo afetivo entre os genitores, 
o que contribuiu para a sua inclusão no conflito parental e nos vínculos de 
lealdade vigentes, levando à triangulação do conflito.No que tange especificamente a Pedro, sua resistência à figura dessa 
(Des) Caminhos tio Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processos I 101 I 
de Ressignificação do Conflito no Contexto judicial 
 
 
senhora demonstrou estar associada a conteúdos de lealdade ao discurso 
materno, a ciúmes do pai com sua namorada e à percepção de que a Sra. Sara 
era responsável pela frustração de seu maior desejo: de que pai e mãe 
compusessem um único núcleo familiar. 
Notou-se que Pedro tendia a fazer relatos negativos para membros da 
família materna acerca da Sra. Sara e de situações experimentadas durante as 
visitas ao pai nas quais se sentia feliz e muito próximo do Sr. Paulo e de 
membros do grupo paterno, como se tentasse compensar a genitora por uma 
possível "traição" ao seu afeto e à dedicação a ela. Ademais, não possuía 
vinculação afetiva significativa com a namorada do pai, nem a percebia 
como membro familiar, o que pode repercutir, para ele, em duas 
possibilidades: menor disposição de pre- servá-la quando esta o contrariava 
em alguma orientação educativa ou a eleição desta como figura-alvo de 
críticas, as quais ele acreditava satisfazer a expectativa materna. 
Dentre os descompassos na parentalidade, percebeu-se como fator 
nodal das indisposições entre os núcleos materno e paterno o fato de 
0 Sr. Paulo e de a Sra. Kátia não conseguirem, por amarras emocionais e 
ressentimentos acumulativos, estabelecer um canal de comunicação direto e 
efetivo entre eles. A falta de tal canal criava a necessidade do uso de 
intermediários para a comunicação parental, ocorrendo distorções nas 
mensagens oferecidas e interpretações errôneas a respeito da realidade do 
outro. Pedro era o principal intermediário dessa comunicação, a única 
interseção entre os universos materno e paterno, o que fazia os genitores 
reféns de suas falas e emoções, estas circunscritas a como ele sentia, percebia 
e lidava com o mundo a partir dos recursos e características de sua faixa 
etária. 
Avaliou-se que a dinâmica relacional parental tinha orientado a criança 
para uma posição pouco saudável, triangulada entre seus pais, com a missão 
constante de reduzir o nível de conflito na interação direta entre eles, 
levando-o a uma espécie de pêndulo emocional: agra- 
1 100 I Luciana de Paula Gonçalves Barbosa;Marijara da Conceição Mendes Nascimento 
(Dcs) Caminhos do Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processou I 1(11 
de Ressignificação do Conflito no Contexto /lldliin 
 
dar a um reprtwnlav >t i U-m.ij-.i adai o outro; portanto, açòes compensa 
lórias recorrente*, por pai |e ila ri lança na lntoração com cada um dos pais, 
eram necesNárlas l ssas ações pareciam mais efetivas, do ponlo de vista 
emocional da crlançn, quando estavam voltadas para . 1 depie ciação de 
algum aspecto do grupo familiar rival. Foi delegado « 1 IV dro um lugar que 
não lhe cabia, caracterizado por responsabilidades, demandas e poder 
excessivos (BRITO, 2007). Os fatos que motivaram as denúncias mútuas do 
par parental quanto à ocorrência de nliciiityh) parental foram interpretados 
sob esse enfoque. 
Outro aspecto interessante que se revelou nesse segundo estudo diz 
respeito à lealdade dos membros das respectivas famílias esteiisas do Sr. 
Paulo e da Sra. Kátia às percepções de cada um dos genitores do seu grupo 
familiar: a família paterna julgava como verdade ineon lesta vel as 
informações que lhe eram repassadas pelo Sr. Paulo, enquanto a família 
materna mantinha a mesma atitude em relação às informações veiculadas 
pela da Sra. Kátia. Era a partir desse viés que cada núcleo tendia a 
interpretar o comportamento do outro genitor e da lamlli-a daquele, assim 
como os comportamentos de Pedro que lhes causavam estranhamentos ou 
que consideravam inadequados. 
Faz-se necessário esclarecer que, muitas vezes, os comporlamen tos da 
criança que um dos núcleos julgava como inadequado ou esl 1 , 1 nho estavam 
relacionados a características da própria personalidade e repertório 
comportamental da faixa etária da criança, ou a situações e emoções 
circunscritas ao próprio contexto do núcleo que suscitas a 
o julgamento da questão. O fato de percepções supostamente iiullvi duais 
serem compartilhadas com outros membros do mesmo grupo delegava a 
essas percepções um valor e uma força ainda maior Para Boszormenyi-Nagy 
e Spark (1983), os compromissos de lealdade sao "compromissos 
internalizados", que os membros de uma família coirs troem entre si e nem 
sempre são explícitos em comportamentos oh serváveis. Os mesmos autores 
ressaltam que o não-cumprimento das obrigações de lealdade provoca 
sentimentos de culpabilidade existi u ciai, que constituem um sistema de 
forças reguladoras secundárias e intervenientes na homeostase do sistema 
familiar. 
No grupo paterno, as queixas durante o estudo enfatizavam n es cassez 
dos contatos de Pedro com o pai e com os demais familiares daquele grupo, 
já que a disposição das visitas vigentes oferecia pouco tempo hábil para que 
a criança pudesse compartilhar dos programas familiares e vivenciar uma 
relação com o Sr. Paulo que englobasse mais 
I 102 I Luciana de Paula Gonçalves Barbosa;Marijara da ConceiçBo Mendes Nascimento 
 
aspectos da função de cuidador. Já o núcleo materno enfatizou a inse 
gumnça sentida por seus membros em função de não ter um acesso que 
considerem seguro e confiável acerca do que ocorria com Pedro na 
companhia paterna, temendo que o Sr. Paulo expusesse a criança a situações 
ou a valores que divergissem do que era aceito por eles. 
Notou-se, ademais, que o recrudescimento da lide judicial estendeu 
aspectos da dinâmica relacional parental para os respectivos grupos 
familiares de cada um. Havia a patente necessidade de ambos os grupos 
defenderem a imagem do seu membro e de denegrirem a do outro, 
dificultando o julgamento crítico das atitudes adotadas por pai ou mãe na 
interação com o filho. Tais posturas individuais e dos grupos mostravam-se 
prejudiciais a Pedro, pois restringiam a capacidade dos genitores de 
perceberem suas falhas no desempenho do papel parental e de se 
aprimorarem no favorecimento do bem-estar do filho, bem como reduziam a 
possibilidade de membros familiares atuarem como contraponto nesse 
sentido. 
A cada atendimento realizado, nuances dessas percepções se reve- 
l.ivam e, continuamente, a equipe profissional que conduziu o estudo 
investia na discussão e análise da situação familiar. O resultado dessas 
discussões orientou o planejamento e a atuação profissional nos aten-
dimentos seguintes. Da mesma forma, em cada atendimento, reflexões e 
devoluções que visavam o reenquadramento das relações, em benefício do 
bem-estar de Pedro, eram efetivadas junto aos membros do grupo familiar, 
além de se buscar introduzir discussões e interações que fomentassem 
contextos reparativos e continentes para as demandas emocionais expostas. 
O reenquadre consiste em mudar a interpretação dos membros do sistema 
acerca de seus comportamentos por meio de reflexões que invertam a lógica 
das idéias estagnadas. O objetivo é reorientar a família para nova maneira de 
ver suas interações, incentivando-a a encontrar outros recursos para lidar 
com os seus problemas (MIERMONT e Col., 1994) 
Com isso, foi possível apreender que em cada um dos grupos familiares 
havia um membro mais liberado do cenário acima exposto, que demonstrava 
maior aceitação ao genitor da outra família e conseguia tecer críticas com 
relação a ações e situações relativas ao seu grupo familiar. No núcleo 
materno, esse membro era a Sra. Carla; no núcleo paterno, o Sr. Felipe. 
Inferiu-se que contribuíam para isso: as características individuais de cada 
um, a história de vida perpassadapor situações que os aproximam da 
história de Pedro e as posições e papéis na estrutura transgeracional que 
tinham em suas respectivas famílias. 
Dianle da compreensão de que o Sr. Paulo e a Sra. Kátia ainda pre- 
l isam de mediadores para avançar em questões referentes à relação parental, 
(Dcs) Cmilill/ios i/i) Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processosl 103 I 
de Rcssignificação do Conflito no Contexto Judicial 
 
 
objetivou-se mobilizar esses dois familiares para que eles pudessem atuar 
como interlucutores do bem-estar de Pedro. A crença de que mudanças na 
família podem ser alcançadas quando o profissional, ao submergir nos 
sistemas familiares, consegue identificar áreas de flexibilidade para a 
ativação de alternativas estruturais dormentes (NICHOLS e SCHWARTZ, 
2007) embasou essa decisão da equipe profissional. 
Além das razões já expostas, a escolha do Sr. Felipe e da Sra. Carla para 
desempenharem esse papel mediador ocorreu em virtude deles serem 
figuras de confiança e apoio para cada um dos genitores, de possuírem 
vinculação afetiva intensa com Pedro e de se perceberem como detentores de 
uma parcela da responsabilidade pela felicidade e bem-estar dele, focando-se 
com maior facilidade nisso por não estarem tão impregnados pelas emoções 
e ressentimentos oriundos da conjugalidade. 
Assim, eles foram convidados a participar do atendimento de 
encerramento do estudo, sendo esclarecido junto a eles o objetivo do 
atendimento, o porquê da inclusão deles nesse momento, o motivo da 
escolha e o fato de que o par parental também estaria presente. Tanto o Sr. 
Felipe como a Sra. Carla se mostraram disponíveis e comprometidos com a 
proposta, evidenciando que o lugar de destaque e responsabilidade 
oferecido a eles condizia com a expectativa que tinham de si no universo 
familiar. Percebeu-se que esse empoderamento poderia ser relevante à 
família, na medida em que privilegiava as competências e recursos de seus 
membros para a resolução do conflito, e não mais de contextos externos, 
como a Justiça. 
Após as devoluções e o debate familiar, sempre intermediado pela 
equipe profissional e pelas intervenções de caráter coterapêutico efetivadas 
pelo Sr. Felipe e pela Sra. Carla, os genitores convergiram em quatro pontos: 
(a) na ampliação do tempo de contato da criança com o pai por meio de um 
novo arranjo que propiciasse aos dois genitores vi- venciarem momentos de 
lazer e de rotina com o filho; (b) que o contato direto entre o par parental 
deveria ser evitado, utilizando-se agenda ou apenas as figuras do Sr. Felipe e 
da Sra. Carla para troca de informações relativas ao filho; (c) que a presença 
da Sra. Sara nos momentos das visitas de Pedro ao pai seria evitada, uma vez 
que os contatos desta senhora com a criança promoviam reverberações 
emocionais nos membros familiares do núcleo materno; (d) que se as visitas 
da criança ao pai coincidissem com eventos festivos nos quais o Sr. Paulo 
desejasse consumir bebida alcoólica, seria designada pessoa de confiança do 
par parental para acompanhar Pedro, a saber: o irmão; uma das duas tias 
palernivi ou babá "folguista", contratada especificamente para esse fim. 
 
O DESFECHO 
O segundo estudo psicossocial foi encerrado conforme acima descrito, 
havendo também a sugestão de engajamento da Sra. Kátia em 
acompanhamento terapêutico, para que ela encontrasse mais recursos para 
lidar com a individualidade de Pedro e oferecesse a ele o espaço emocional 
necessário para seu desenvolvimento e amadurecimento. Parecer técnico 
com as considerações e informações aqui apresentadas foi enviado ao 
magistrado da vara de origem da ação judicial. 
Na audiência realizada logo em seguida, no mês de agosto do mesmo 
ano, o par parental estabeleceu um acordo no qual a guarda de Pedro 
permaneceria com a genitora e o genitor teria o filho em sua companhia em 
fins de semana alternados, de sexta à segunda, buscando e devolvendo a 
criança diretamente na escola. Além disso, todas as quintas a criança 
pernoitaria na casa paterna. Férias escolares, feriados e datas comemorativas 
ficaram divididos nos mesmos termos entre os genitores. O juiz acatou o 
acordo, determinou a extinção do processo judicial nesse mesmo dia e os 
autos processuais permaneciam arquivados quando o presente capítulo foi 
escrito. 
REFLEXÕES FINAIS 
O acompanhamento longitudinal da história de litigância dessa família 
permitiu observar com clareza as diferentes etapas do conflito judicial e 
parental. A cronificação do drama familiar se entrelaçou com 
0 recrudescimento das argumentações legais. Na jornada engendrada pelo 
par parental se evidenciou gradativo envolvimento emocional dos membros 
das famílias estendidas, bem como a perda da subjetividade da criança em 
meio à preocupação primordial com a culpabilização do outro e com a defesa 
própria. Os paradoxos no espaço do judiciário foram revelados: ora ele se 
mostra repleto de elementos que fomentam a disputa e dicotomizam de 
maneira maniqueísta as competências parentais, ora disponibiliza 
instrumentos capazes de auxiliar as partes na elaboração de questões 
emocionais e transgeracionais cristalizadas. 
1 104 I Luciana de Paula Gonçalves Barbosa;Marijara da Conceição Mendes Nascimento
(Dcs) Camilllios do Amor Parental: Estudo de Caso sobre os Processosl 105 I 
de Ressignificação do Conflito no Contexto judicial 
 
 
O percurso pessoal e afetivo experimentado por cada uma das partes no 
caminho trilhado com o processo judicial, e com as intervenções 
psicossociais advindas nesse caminho, permitiu a mudança de •danificados 
construídos antes e durante a disputa parental e possibilitou a retomada do 
foco nos interesses do filho. Mesmo que a coparen- l.ilidade ainda não fosse 
algo passível de ser alcançado, a criança teve seu trânsito entre os pais 
resguardado e intensificado com base em arranjo efetivado por eles. Antigos 
aliados dos opositores tornaram-se coterapeutas e parceiros nesse difícil e 
contínuo desafio, assim como rótulos foram minimizados ou esquecidos em 
prol da corresponsabi- 
I idade parental pelo bem-estar do filho As dores do amor conjugal foram 
apaziguadas, mesmo que não esquecidas, prevalecendo a força do amor 
parental e suas diversas implicações. 
Vê-se a importância de disponibilizar para a família espaços produtivos 
para a elaboração de suas demandas emocionais, respeitando as etapas e 
recursos do tempo cíclico dessa vivência, coadunando-o com os processos 
relativos ao tempo cronológico e alcançando toda a complexidade das 
relações que a compõe. 
Enfatiza-se a inadequação de se adotar conceitos fechados e dicotô-
micos ao se pensar na família e no sofrimento de todos os seus membros e 
sistemas, destacando-se o risco de, ao fazê-lo, engessá-la nas regras que 
fomentam o conflito e as estagnam em suas conhecidas mazelas. 
Como apontam autores da Terapia Familiar Sistêmica (AHRONS, 1995; 
AUSLOOS, 1996; CASTILHOS, 2008; COSTA, L. F., PENSO, M. A., 
LEGNANI, V. N. e SUDBRACK, M. F. O, 2009; FÉRES-CARNEIRO, 2007; 
WALLERSTEIN e KELLY, 1998), o trabalho psicossocial e as intervenções 
profissionais devem se basear nas dimensões das competências e sinais de 
saúde da família, permitindo aos seus membros vislumbrarem, a partir de si 
próprios, saídas e soluções para os seus dramas. A capacidade das crianças 
em lidar com as mudanças de status na relação de seus pais e com as crises 
deflagradas por elas depende, como afirma FÉRES-CARNEIRO (1998, p.385): 
“da relação que se estabelece entre os pais e da capacidade destes de 
distinguir, com clareza, a função conjugal da função parental, podendo 
assim transmitir aos filhos a certeza de que as funçõesparentais de amor e 
de cuidado serão sempre mantidas". 
Quando tal capacidade parental fica temporariamente comprometida, 
será a partir do resgate dessas competências que a criança terá suas emoções 
e sua subjetividade novamente priorizadas e respeitadas. 
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