Buscar

Rosa Luxemburgo: da liberdade de critica

Prévia do material em texto

Da liberdade de crítica 
Rosa Luxemburgo 
No conflito com o oportunismo - aí está a própria existência da social-democracia. "Uma tática (a do 
oportunismo)", dizia Bebel em Erfurt, "significaria, para nosso partido, exatamente a mesma coisa que se 
quebrassem a espinha dorsal de um organismo vivo, pedindo-lhe para realizar o mesmo esforço que 
antes. Não tolerarei que quebrem a coluna vertebral da social-democracia, que substituam seu princípio: 
a luta de classes contra as classes proprietárias e contra o poder do estado, por uma tática aleijada e pela 
perseguição exclusiva de objetivos chamados práticos". 
Nada deveria parecer mais justificado do que esta resistência e este contra-ataque em resposta às 
pretensões do oportunismo. Entrentanto, nos últimos tempos, tentaram, de diferentes maneiras, contestar 
ao partido o direito de recorrer a esta legítima defesa e quiseram mesmo apresentar como incoveniente 
todo acerto de contas com o oportunismo. E isto, antes de tudo, em nome da liberdade da crítica. 
Quiseram persuadir-nos sobre a necessidade de conceder a cada um a liberdade de críticar o programa e a 
tática de nosso partido; deveríamos, mesmo, agradecer aqueles que, devido sua crítica, trazem um sopro 
de renovação ao partido. 
Tal cantilena, com a qual se esforçam agora em defender Bernstein, já a escutamos há nove anos. 
"Onde está, portanto, a liberdade de opinião da qual tanto gostam de falar?", gritava George Vollmar, no 
congresso de Erfurt, vendo-se combatido por Bebel. "A independência do pensamento é para nós da mais 
alta importância. Ora, ela só será possível se, pondo de parte toda a calúnia, toda mentira, toda injúria, 
acolhemos com gratidão e sem distinção de tendência, as opiniões exprimidas por pessoas que podem 
enganar-se, mas que apenas têm em vista a saúde de nosso partido. Não falo por mim, e sim de uma 
maneira geral: é com alegria que se deveriam acolher idéias novas, já que refrescam um pouco o 
repertório antiquado, rotineiro de nossa propaganda". 
Sem dúvida, não existe outro partido para o qual a crítica livre e incansável de seus próprios defeitos 
seja, tanto quanto para a social-democracia, uma condicão de existência. Como devemos progredir na 
medida da evolução social, a contínua modificação de nossos métodos de luta e, por conseguinte, a 
crítica incessante de nosso patrimônio teórico, representam as condições de nossa existência. Pertence, 
entretanto, à sua natureza, que a auto-crítica em nosso partido não atinja seu objetivo de servir ao 
progresso, e só poderíamos nos felicitar muito se ela se move na direção de nossa luta... Qualquer crítica 
que contribua para tornar mais vigorosa e consciente nossa luta de classe para a realização de nosso 
objetivo final merece nosso agradecimento. Mas uma crítica procurando retroceder nosso movimento, 
fazê-lo abandonar a luta de classe e o objetivo final - uma tal crítica, longe de ser um fator de progresso, 
só seria um fermento de decomposição. 
Que diríamos se nos propusessem "refrescar nosso repertório envelhecido" por um pedacinho de agitação 
anti-semita? Não é com expressões de reconhecimento, mas com alguns "oh!" indignados que nossos 
camaradas acolheriam semelhante "variação". O militarismo preconizado por Schippel1 está em 
contradição menos flagrante com nosso programa que o anti-semitismo? 
Se aceitássemos com igual benevolência toda "crítica", tanto a que nos faz avançar para o nosso objetivo, 
como a que dele nos afasta, não seríamos um partido de combate, mas uma associação de tagarelas que, 
após haverem embarcado com muito estrondo para uma marcha grandiosa, descobririam que ela não 
possui itinerário preciso e que, no fundo, poderia atracar em qualquer lugar e mesmo ceder ao sábio 
"conselho" de renunciar à aventura. 
Eis do que se trata. Tão grande quanto seja nossa necessidade de auto-crítica e tão largos quanto sejam os 
limites que lhe traçamos. Deve existir, entretanto, um mínimo de princípios constituíndo nossa essência e 
nossa própria existência, o fundamento de nossa cooperação enquanto membros de um partido. Em 
nossas próprias fileiras, a "liberdade de crítica" não pode aplicar-se a tais princípios, pouco numerosos e 
muito gerais, justamente porque formam eles a condição prévia de toda atividade no partido e, por 
conseguinte, também de toda crítica exercida acerca desta atividade. Não temos de tapar os ouvidos 
quando tais princípios são criticados por qualquer um que se ache fora do nosso partido. Mas também, 
por mais tempo que o consideremos como o fundamento de nossa existência enquanto partido, a eles 
devemos permanecer ligados e não deixá-los abalar por nossos membros. A este respeito, só podemos 
conceder uma liberdade: a de pertencer ou de não pertencer a nosso partido. 
Não coagimos ninguém a marchar em nossas fileiras, mas se alguém o faz voluntariamente, somos 
forçados a supor que aceitou nossos princípios. 
De outro modo, se a cada dia recolocamos em questão os fundamentos de nosso programa e de nossa 
tática, não verão porque os anarquistas, os "nacionais-sociais" (do pastor Naumann), os partidários da 
"reforma moral", não seriam admitidos no partido em nome da "livre crítica", já que, então, nada haverá 
de sólido, de intangível, de delimitado em nossa constituição. É verdade que, então, deixaríamos de ser 
um partido político distinto dos outros partidos por princípios determinados. 
Desta forma, a liberdade da crítica encontra seus limites práticos em nossa própria essência enquanto 
partido político. O que constitui o mais próprio de nós mesmos: a luta de classe, não poderá ser objeto de 
uma "livre crítica" no partido. Não podemos nos suicidar em nome da "liberdade da crítica". Mas o 
oportunismo, como justamente disse Bebel, tende a quebrar nossa espinha dorsal; portanto, a nos destruir 
enquanto partido da luta de classe. 
Enfim, a suprema manobra dos partidários de Bernstein consiste em apresentar os problemas submetidos 
à discussão como tão "científicos", complicados e difíceis, que se o comum dos camaradas pensasse em 
julgá-los, até resolvê-los, daria prova de uma presunção inaudita. Mas os desígnios que se ocultam sob a 
especiosa evocação da "pobreza de espírito" mostram-se de tal forma transparentes que não é necessário 
ser "sábio" para descobrir-lhe a trama. 
Um congresso socialista não tem que deliberar sobre problemas de ciência e de teoria puras, mas sobre 
uma série de questões puramente práticas, referentes aos princípios e à tática do partido. 
O próximo congresso deverá abordar a questão do militarismo e da milícia!2 Seria realmente necessária 
uma forte dose de imprudência para dizer aos operários que, na discussão desta questão, tratam-se de 
"pesquisas científicas" do camarada Schippel sobre o militarismo. 
Se se encontrassem ingênuos no partido, para aceitar tal maneira de encarar as coisas, só poderíamos 
dizer: pobre Stegmuller! (deputado social-democrata na Dieta de Bade, Stegmuller votara fundos para a 
construção de igrejas e foi condenado pelo partido). Ele estaria, portanto, ainda entre nós, tranquilo e 
honrado, se houvesse tido a idéia de apoiar seu comportamento com um sábio artigo nos Sozialistische 
Monatshefte? Pois quem ousaria fazer sombra a uma "dissertação científica sobre a utilidade da 
arquitetura religiosa"? 
Com efeito, a campanha de Schippel contra nossa reivindicação da milícia não pode ser mais tratada de 
um ponto de vista científico do que os votos de Stegmulller. Em seu artigo (sobre "Friedrich Engels e o 
Sistema da Milícia", no Neue Zeit, ano 1898-99, n. 19-20), Schippel tentou simplesmente demonstrar­
nos que a milícia popular, cuja instituição sempre tem sido um dos pontos mais importante de nosso 
programa político, é irrealizável do ponto de vista técnico, indesejável por razões políticas, onerosa 
economicamente, enquanto o militarismo atual mostra-se tão indispensável quantosalutar ao bem-estar 
da nação. Trata-se de uma condenação brutal de toda a ação parlamentar e mesmo de toda agitação do 
partido, que, até o presente, concentrou-se na luta contra o militarismo. Se, sob o pretexto da liberdade da 
ciência, contestassem ao partido o direito de se pronunciar sobre um tal ataque contra seus princípios 
fundamentais, isto seria o abuso mais desavergonhado que jamais fizeram do nome da "ciência" para 
"vender gato por lebre". 
Da mesma forma práticas, e não científicas, são as questões que figuram no ponto 5 da ordem do dia do 
próximo congresso que se referem à tática do partido. 
Cumpre esperar que não se apresente como uma questão científica, inacessível ao julgamento dos 
delegados, a tática praticada no decorrer das eleições à Dieta da Baviera. Ainda na obra de Bernstein, 
existem duas partes: uma, teórica, onde Berstein expõe sua opinião crítica sobre a teoria do valor, das 
crises, da concepção materialista da história; e a outra, prática, onde trata dos sindicatos, das 
cooperativas, da política colonial e da atitude em relação ao Estado atual, bem como em relação aos 
partidos burgueses. 
A primeira parte, por certo, não é da competência do congresso do partido; ninguém jamais pensou em 
fazer o congresso votar sobre a teoria do valor ou das crises. Mas, a segunda parte, as manifestações 
práticas da teoria de Bernstein, desenvolvidas em palavras e atos por Vollmar, Schippel, Heine, etc., deve 
ser objeto de um voto do congresso. A massa do partido tem o direito e o dever de decidir sobre a tática 
que o partido deve seguir em relação ao Estado e à burguesia. Aquele que lhe contestasse tal direito 
pretenderia, precisamente por isso, fixar-lhe o papel humilhante de um rebanho inconsciente. 
De tempos em tempos, ocorre em nosso partido que militantes da base, pouco conhecidos, sejam 
repreendidos com severidade, até excluídos do partido, por faltas das quais só se tornaram culpados em 
virtude de sua educação insuficiente. Faltas bem mais graves, cometidas por camaradas eminentes, 
deveriam parecer impunes porque os citados camaradas sabem temperá-los com o molho "teórico"? Se 
assim fosse, não diriam que, também em nosso partido, os grandes ladrões enfoleam os pequenos? 
A liberdade de crítica e o caráter sagrado das "pesquisas científicas" devem permanecer intangíveis. Mas 
precisamente, já que a crítica do grupo Bernstein encontrou tempo e latitude para exercer-se até um 
ponto em que seu verdadeiro caráter e suas tendências não constituem mais um mistério para ninguém, 
soou a hora para o partido, na qualidade de corpo político, tomar posição diante dos resultados desta 
crítica e de declarar: esta crítica é uma areia movediça, para a qual não há lugar em nossas fileiras. 
* Texto publicado em 1899, no Jornal Leipziger Volkszeitung. 
[1] Trata-se de Max Schippel, um dos representantes do "revisionismo", que propôs no congresso de 
Hamburgo (1897) a tese que o sistema miltiar prussiano era superior e preferível à proposta do programa 
do partido, baseado na milícia popular. 
[2] Trata-se do congresso anual do partido, realizado em 1899, cuja discussão seria principalmente em 
torno da proposta de substituição da milícia popular pelo exército permanente. 
Versão para PDF por 
Marcelo C. Barbão 
Agosto de 2002 
Permitida a distribuição 
Visite nosso site: www.ciberfil.hpg.ig.com.br 
ou mande-nos um e-mail: 
ciberfil@yahoo.com 
	Local Disk
	Liberdade de crítica - Rosa Luxemburgo
	Logo

Continue navegando

Outros materiais