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Direito Penal DOS CRIMES CONTRA A VIDA I. homicídio (art. 121); II. induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122); III. infanticídio (art. 123); IV. aborto (arts. 124 a 128). Homicídio: é a morte de um homem praticado por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticado por outra. Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: qualquer pessoa. Bem jurídico protegido (tutelado): a vida. Conduta: matar alguém após o nascimento. Tipo (elemento subjetivo): dolo, culpa e preterdolo (dolo na conduta e culpa no resultado). Consumação: com a morte de alguém. Tentativa: possível. Modalidades 318 1-Homicídio simples. “Caput” tipo básico fundamental. Ele contem os componentes essenciais do crime. Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Quando não há qualificadora nem causa de diminuição de pena. 2-Homicidio privilegiado (§ 1º). Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Trata-se de uma causa especial de diminuição de pena que se incide na terceira fase de sua aplicação, em virtude da presença de certas condições subjetivas que conduzem a menor reprovação da conduta. Reduz a pena de 1/6 a 2/3. Hipóteses: 2.1-Motivo relevante valor moral: Aquele nobre, aprovado pela moralidade média correspondente a um interesse individual. Ex: Eutanásia. 2.2-Motivo de relevante valor social: o agente é impulsionado pela satisfação de um anseio social. Aquele que corresponde a um interesse coletivo.Ex: matar o traidor da pátria. 2.3-Domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima: Violenta emoção: é aquela que apresenta forte, provocando um verdadeiro choque emocional. Provocação injusta do ofendido: é aquela sem motivo razoável, injustificável e antijurídica. Logo em seguida: reação imediata. 3-Homicídio Qualificado (§2º). Causa especial de majoração da pena. Dizem respeito aos motivos determinantes do crime e aos meios e modos de execução, reveladores de maior periculosidade ou extraordinário grau de perversidade do agente. Em face a certas circunstâncias agravantes que demostra maior grau de criminalidade da conduta do agente, o legislador criou o tipo qualificado que nada mais é um tipo derivado do homicídio simples com novos limites mínimos e máximos de penas. 3.1-Incisivo I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; Trata-se de qualificadora subjetiva, pois diz respeito aos motivos que levaram o agente à prática do crime. Torpe é o motivo moralmente reprovável que causa repugnância geral. Na paga, o recebimento do dinheiro antecede a prática do homicídio, o que não se dá na promessa de recompensa, na qual basta um compromisso futuro de pagamento. Tratando-se de circunstância de caráter pessoal, não se comunica ao partícipe. Sem a qualificadora o crime ainda existe, só que na forma simples ou privilegiada, de modo que configura mera circunstância. Dessa forma, comunicam-se aos coautores ou partícipes: a) as elementares, objetivas ou subjetivas; e b) as circunstâncias objetivas, que são aquelas que dizem respeito ao modo de execução, aos meios empregados, às qualidades da vítima e da coisa, ao tempo do crime, ao lugar do crime etc. No tocante a “outro motivo torpe”, conforme já visto, são assim considerados aqueles que causam repulsa geral. São motivações torpes, pela repugnância que causam à coletividade, por exemplo, o homicídio da esposa pelo fato de negar-se à reconciliação. 3.2-Inciso II – por motivo fútil; Qualificadora subjetiva É a causa insignificante, desproporcional para a prática da conduta delituosa. O motivo é considerado fútil quando notadamente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius e em relação ao crime de que se trata. Exemplos de motivo fútil: simples incidente de trânsito; rompimento de namoro; pequenas discussões entre familiares. 3.3-Inciso III — Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. Trata-se de qualificadora objetiva, pois diz respeito aos modos de execução do crime de homicídio, os quais demonstram certa perversidade. Veneno: Não há uma conceituação exata do que seja substância venenosa, na medida em que certas substâncias, embora não consideradas veneno, tendo em vista a sua inocuidade, são capazes de matar em virtude de certas condições da vítima. Cumpre, assim, conceituar o termo “veneno” como qualquer substância que, introduzida no organismo, seja capaz de colocar em perigo a vida ou a saúde humana através de ação química, bioquímica ou mecânica. Fogo ou explosivo. Trata-se de meio cruel para a prática do homicídio. Conforme as circunstâncias, o fogo poderá caracterizar o meio cruel ou que resulte perigo comum. Asfixia. Consiste na supressão da função respiratória através de estrangulamento, enforcamento, esganadura, afogamento, soterramento ou sufocação da vítima, causando a falta de oxigênio no sangue (anoxemia). Tortura. É o suplício, ou tormento, que faz a vítima sofrer desnecessariamente antes da morte. É o meio cruel por excelência. Homicídio qualificado pela tortura e o crime de tortura qualificado pela morte Sabemos que o crime qualificado pelo resultado é aquele em que o legislador, após uma conduta típica, com todos os seus elementos, acrescenta-lhe um resultado, cuja ocorrência acarreta um agravamento da pena. Uma das espécies de crime qualificado pelo resultado é o preterdoloso, em que há um fato antecedente doloso e um fato consequente culposo. A tortura qualificada pelo resultado morte é necessariamente preterdolosa, ou seja, o resultado agravador deve necessariamente ter sido gerado por culpa do agente. É o caso do crime de tortura qualificado pelo resultado morte. Na espécie, o agente atua com dolo em relação à tortura e com culpa em relação ao resultado agravador (morte). O agente não quer nem assume o risco do resultado morte; contudo, ante previsibilidade do evento, responde a título de culpa. O homicídio qualificado pela tortura (CP, art. 121, § 2 º, III): o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado morte. A tortura é o meio para tanto. Ressalte-se que a pena cominada ao delito de homicídio qualificado pela tortura (reclusão de 12 a 30 anos) é maior que a pena cominada ao delito de tortura qualificado pelo evento morte (reclusão de 8 a 16 anos) ante a presença do animus necandi na primeira espécie. Meio insidioso. É aquele dissimulado na sua eficiência maléfica onde o agente se utiliza de mecanismos para a prática do crime sem que a vítima tenha qualquer conhecimento. Meio cruel. É o que causa sofrimento desnecessário à vítima ou revela uma brutalidade incomum, em contraste com o mais elementar sentimento de piedade humana. Meio de que possa resultar perigo comum. É aquele que pode expor a perigo um número indeterminado de pessoas, fazendo periclitar a incolumidade social. 3.4-Inciso IV — Traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Trata-se de qualificadora objetiva, pois diz respeito ao modo de execução do crime. “são agravantes que traduzem um modo insidioso da atividade executiva do crime (não se confundindo, portanto, com o emprego do meio insidioso), impossibilitando ou dificultando a defesa da vítima (como a traição, a emboscada, a dissimulação etc.)”. O modo insidioso empregado no cometimentodo crime demonstra maior grau de criminalidade, na medida em que o agente esconde a sua ação e intenção de matar, agindo de forma sorrateira, inesperada, surpreendendo a vítima que estava descuidada ou confiava no agente, dificultando ou impedindo a sua defesa. 3.4.1-Traição. Aquele cometido mediante ataque súbito e sorrateiro, atingida a vítima, descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso. Há duas espécies de traição: a) a traição material ou física, que é aquela informada pelo ataque brusco, de inopino, sem discussão, colhendo a vítima muitas vezes pelas costas; b) a traição moral, em que existe quebra de confiança entre os sujeitos, como no caso do agente que atrai a vítima a local onde existe um poço. Percebe-se em todas essas definições que ora se exige para se configurar a traição a quebra de fidelidade ou confiança, ora se exige apenas o ataque brusco e de inopino. Entendemos que a traição só pode configurar-se quando há quebra de fidelidade e lealdade entre a vítima e o agente, constituindo qualificadora de natureza subjetiva. 3.4.2-Emboscada. É a tocaia. O sujeito ativo aguarda ocultamente a passagem ou chegada da vítima, que se encontra desprevenida, para o fim de atacá-la. É inerente a esse recurso a premeditação. 3.4.3-Dissimulação. É a ocultação do próprio desígnio, o disfarce que esconde o propósito delituoso: a fraude precede, então, à violência. A qualificadora pode ser: a) material, quando há emprego de aparato ou disfarce para a prática do crime; por exemplo, o agente se disfarça de encanador e logra adentrar na residência da vítima para eliminá-la; b)moral, quando o agente ilude a vítima, dando-lhe mostras falsas de amizade, de modo que consiga obter a sua confiança, propiciando com isso maior facilidade para a concretização de sua intenção homicida. 3.4.4-Qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido Trata-se de fórmula genérica do dispositivo, a qual só compreende hipóteses assemelhadas aos casos anteriormente arrolados pelo inciso IV. Para tanto é necessário que a conduta criminosa seja igualmente inesperada, impedindo ou dificultando a defesa do ofendido. Ex: vítima atacada quando estava dormindo; gesto repentino; vítima atacada pelas costas. Importante distinguir o tiro nas costas do tiro pelas costas. Este último configura a qualificadora, na medida em que houve surpresa para a vítima, que não desconfiava do ato do agente, ao passo que o primeiro pode ter sido ocasionado em momento de luta, o que afastaria a circunstância. 3.5-Inciso V — Assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Constituem qualificadoras subjetivas, na medida em que dizem respeito aos motivos determinantes do crime. Trata-se de motivações torpes. Torpe é o motivo moralmente reprovável, abjeto, desprezível. Conexão é o liame objetivo ou subjetivo que liga dois ou mais crimes. Pode ser: a) Conexão teleológica: ocorre quando o homicídio é cometido a fim de “assegurar a execução” de outro crime, por exemplo, matar o marido para estuprar a mulher. O que agrava a pena, na realidade, é o especial fim de assegurar a prática de outro crime. Não é necessária a concretização do fim visado pelo agente. Desse modo, a desistência da prática do outro crime, no caso o estupro, não impede a qualificação do crime de homicídio. b) Conexão consequencial: dá-se quando o homicídio é praticado com a finalidade de: 1) Assegurar a “ocultação do crime” — o agente procura evitar que se descubra o crime por ele cometido. Para tanto, elimina a prova testemunhal do fato criminoso (p. ex., incendiário que mata a testemunha para que esta não veja o delito). 2) Assegurar “a impunidade” do crime — nessa hipótese já se sabe que um crime foi cometido, porém não se sabe quem o praticou, e o agente, temendo que alguém o delate ou dele levante suspeitas, acaba por eliminar-lhe a vida (p. ex., incendiário que mata a testemunha para que esta não o denuncie como autor do delito). 3) Assegurar “a vantagem” de outro crime — procura-se aqui garantir a fruição de vantagem, econômica ou não, advinda da prática de outro crime (p. ex., eliminar a vida do coautor do delito de furto anteriormente praticado, a fim de apoderar-se da vantagem econômica indevidamente obtida). A vantagem pode consistir em: a) produto do crime: quando está diretamente ligada ao crime (p. ex., o objeto furtado); b) preço do crime: que é a paga ou promessa de recompensa; ou c) proveito do crime: que é toda e qualquer vantagem material ou moral que não seja nem produto nem preço do delito. c) Conexão ocasional: é importante para o presente estudo definirmos a conexão ocasional, não obstante ela não configurar qualificadora do homicídio. A conexão ocasional ocorre quando o homicídio é cometido por ocasião da prática de um outro delito. Exemplo: o sujeito está furtando e resolve matar a vítima por vingança. Nessa hipótese, responde pelo delito de furto em concurso material com o homicídio qualificado pela vingança. 4-Homicídio culposo (§3) Sabemos que o fato típico é constituído dos seguintes elementos: conduta dolosa ou culposa; resultado; nexo causal; tipicidade. O dolo e a culpa são os elementos subjetivos da conduta. Na conduta dolosa, há uma ação ou omissão voluntária dirigida a uma finalidade ilícita; nela o agente quer ou assume o risco da produção do evento criminoso. Na conduta culposa, há uma ação voluntária dirigida a uma finalidade lícita, mas, pela quebra do dever de cuidado a todos exigidos, sobrevém um resultado ilícito não querido, cujo risco nem sequer foi assumido. Na culpa, o agente não quer jamais concretizar o resultado ilícito, nem mesmo assume o risco; este na realidade sobrevém por uma quebra do dever de cuidado. Em que consiste a quebra do dever de cuidado? É cediço que o meio social exige dos indivíduos determinados comportamentos de modo a evitar que produzam danos uns aos outros. Impõe-se, assim, uma conduta normal. Conduta normal é aquela ditada pelo senso comum. O crime de homicídio culposo é um tipo penal aberto em que se faz a indicação pura e simples da modalidade culposa, sem se fazer menção à conduta típica. Elementos da culpa. a). Previsibilidade objetiva: a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado. É ela que justifica a responsabilização do agente pela sua conduta descuidada. A reprovação está no fato de que o indivíduo agiu descuidadamente quando nas circunstâncias de fato lhe era possível prever as consequências e, portanto, agir de forma prudente. b) Quebra de um dever de cuidado por parte do agente Estaremos então diante de um homicídio culposo sempre que o evento morte decorrer da quebra do dever de cuidado por parte do agente mediante uma conduta imperita, negligente ou imprudente, cujas consequências do ato descuidado, que eram previsíveis, não foram previstas pelo agente, ou, se foram, ele não assumiu o risco do resultado. No Crime culposo, o homicídio se consuma por: a) Imprudência: consiste na violação das regras de conduta ensinadas pela experiência. É o atuar sem precaução, precipitado, imponderado. Há sempre um comportamento positivo. É a chamada culpa in faciendo. Uma característica fundamental da imprudência é que nela a culpa se desenvolve paralelamente à ação. Desse modo, enquanto o agente pratica a conduta comissiva, vai ocorrendo simultaneamente a imprudência. Exemplos: manejar arma carregada, trafegar na contramão, realizar ultrapassagem proibida com veículo automotor. b) Negligência: é a culpa na sua forma omissiva. Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. O negligente deixade tomar, antes de agir, as cautelas que deveria. Desse modo, ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligência dá-se sempre antes do início da conduta; por exemplo: age negligentemente a mãe que não retira da mesa, ao redor da qual brincam crianças, veneno em dose letal, vindo uma delas a ingeri-lo e falecer; igualmente age negligentemente quem deixa arma ao alcance de criança vindo esta a se matar; c) Imperícia: consiste na falta de conhecimentos técnicos ou habilitação para o exercício de arte ou profissão. É a prática de certa atividade, de modo omisso (negligente) ou insensato (imprudente), por alguém incapacitado para tanto, quer pela ausência de conhecimento, quer pela falta de prática. Por exemplo: engenheiro que constrói um prédio cujo material é de baixa qualidade, vindo este a desabar e a provocar a morte dos moradores. Observe-se que se a imperícia advier de pessoa que não exerce arte ou profissão, haverá imprudência ou negligência. Por exemplo: atirador de elite que mata a vítima em vez do criminoso. Há aqui uma conduta imperita, pois demonstra a falta de aptidão para o exercício de uma profissão. Contudo, um curandeiro que tenta fazer uma operação espiritual e mata a vítima é, na realidade, imprudente, pois aqui não está caracterizada a falta de aptidão para o exercício de uma profissão, já que curandeirismo não pode ser considerado como tal. 5-Homicídio culposo. Causa especial de aumento de pena (§ 4º) A pena do homicídio culposo é aumentada de um terço se o evento “resulta da inobservância de regra técnica de profissão, arte, ofício ou atividade”, ou quando “o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge, para evitar prisão em flagrante”. Desse modo, as disposições do § 4º restam aplicáveis a todas as outras formas de cometimento do homicídio culposo, que não o praticado na direção de veículo automotor. Vejamos cada uma delas: a) Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: a inobservância de regra técnica ocorre quando o sujeito tem conhecimento dela pois é um profissional, mas a desconsidera. Não se confunde inobservância de regra técnica com imperícia. No caso do aumento de pena, o agente conhece a regra técnica, porém deixa de observá-la; enquanto na imperícia, que pressupõe inabilidade ou insuficiência profissional, ele não a conhece, não domina conhecimentos técnicos. b) Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima: significa abandonar a vítima à própria sorte. O agente, após dar causa ao evento ilícito de forma culposa, omite-se no socorro necessário a evitar que a vítima continue a correr perigo de vida ou de saúde. O agravamento da pena visa justamente repreender esse comportamento desumano, egoísta. Para que haja a causa de aumento, a mesma pessoa que criou a situação é obrigada a prestar o socorro. c) O agente não procura diminuir as consequências do seu ato: trata-se de dispositivo redundante, pois a causa de aumento de pena anterior (omissão de socorro) já engloba essa hipótese. Quem omite socorro, logicamente, não diminui as consequências do seu ato. Por exemplo: não transportar a vítima para uma farmácia constitui omissão de socorro e, ao mesmo tempo, atitude de quem não procura diminuir as consequências do ato cometido. d) Se o agente foge para evitar prisão em flagrante: com essa medida o legislador visa impedir que o agente deixe o local da infração, dificultando o trabalho da Justiça e buscando a impunidade. Esse expediente é via de regra utilizado pelo agente na prática de infrações culposas decorrentes de acidentes com veículo automotor, o que acaba por dificultar a realização da prova pericial, que é de extrema importância na apuração desse crime. 6-PERDÃO JUDICIAL Trata-se de causa de extinção da punibilidade aplicável à modalidade culposa do delito de homicídio. Ocorre nas hipóteses de homicídio culposo em que as consequências da infração atingiram o agente de forma tão grave que acaba por tornar-se desnecessária a aplicação da pena. A natureza jurídica da sentença é declaratória. O Superior Tribunal de Justiça, pela Súmula 18, contrariando a pacífica posição do STF, acabou por sufragar a tese de que a sentença concessiva do perdão judicial tem natureza declaratória, afastando todos os efeitos da condenação, principais e secundários. Assim, ela não gera reincidência, inscrição do nome do réu no rol dos culpados, obrigação de recolhimento de custas processuais, nem pode ser executada no juízo cível. As consequências a que se refere o § 5º podem ser: a) físicas — o agente também acaba sendo lesionado de forma grave (p. ex., teve as suas pernas amputadas, ficou tetraplégico, cego, teve o seu rosto desfigurado); b) morais — dizem respeito à morte ou lesão de familiares do agente (p. ex., o pai, a mãe, os filhos, a esposa, os irmãos), incluindo-se aqui a morte ou lesão da concubina do agente163, ou então de pessoas de qualquer forma ligadas ao agente por afinidade (p. ex., noiva do agente, amigos íntimos). Homicídio culposo. Princípio da confiança Tal princípio funda-se na premissa de que todas as pessoas devem esperar por parte das outras que estas sejam responsáveis e ajam de acordo com as normas da sociedade, visando evitar danos a terceiros. Por essa razão, consiste na realização da conduta, na confiança de que o outro atuará de um modo normal já esperado, baseando-se na justa expectativa de que o comportamento das outras pessoas dar-se-á de acordo com o que normalmente acontece. Tortura contra criança, adolescente e idosa. Qualquer tortura praticada contra criança ou adolescente, da qual resulte morte preterdolosa (o agente atua com dolo em relação à tortura e culpa em relação ao resultado agravador morte), será enquadrada no art. 1º, §§ 3º, 2ª parte, e 4º, II, da Lei n. 9.455/97. Observe-se que a mencionada lei prevê uma causa especial de aumento de pena de um sexto até um terço se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente (§ 4º, II). Se, contudo, da prática de tortura contra criança ou adolescente resultar morte dolosa, ou seja, o agente quis ou assumiu o risco do resultado, a sua conduta será enquadrada no art. 121, § 2º, III, do Código Penal (homicídio qualificado pelo emprego de tortura), bem como incidirá a causa de aumento de pena prevista no § 4º, 2ª parte, se a vítima for menor de 14 anos. 7-ART. 122 — INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO O suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Apesar de o suicídio não ser um ilícito penal, é um fato antijurídico, dado que a vida é um bem público indisponível. A lei penal não punir o suicídio. A legislação penal pátria não incrimina a conduta de destruir a própria vida. O ordenamento jurídico ao não incriminar o suicídio tem em vista duas razões de índole político-criminal. A primeira, segundo Nélson Hungria, diz respeito ao caráter repressivo da sanção penal: não se pode cuidar de pena contra um cadáver (mors omnia solvit); a segunda, conforme o mesmo autor, diz com o caráter preventivo da sanção penal: a ameaça da pena queda-se inútil ante aquele indivíduo que nem sequer teme a morte. Três são as ações previstas pelo tipo penal: a) Induzir: significa suscitar a ideia, sugerir o suicídio. Ocorre o induzimento quando a ideia de autodestruição é inserida na mente do suicida, que não havia desenvolvido o pensamento por si só. Por exemplo: indivíduo que perde o emprego e é sugestionado pelo seu colega a suicidar-se por ser a única forma de solucionar os seus problemas. b) Instigar: significa reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente. Nainstigação, o sujeito ativo potencializa a ideia de suicídio que já havia na mente da vítima. Cite-se o exemplo que nos é dado por E. Magalhães Noronha: “induz o pai que, ciente do desígnio suicida da filha seduzida, lhe conta que assim também agiu determinada mulher, revelando honra e brio”. c) Prestar auxílio: consiste na prestação de ajuda material, que tem caráter meramente secundário. O auxílio pode ser concedido antes ou durante a prática do suicídio. Segundo Nélson Hungria, “se há cooperação direta no ato executivo do suicídio, o crime passa a ser de homicídio. 7.1-TENTATIVA É inadmissível, embora, em tese, fosse possível. Contudo, de acordo com a previsão legal do Código, se não houver a ocorrência de morte ou lesão corporal de natureza grave, o fato é atípico. 7.2-FORMAS Simples É a figura descrita no caput do art. 122 do CP. Qualificada Está prevista no parágrafo único do art. 122. A pena será duplicada nos seguintes casos: a) Motivo egoístico: é aquele que diz respeito a interesse próprio, à obtenção de vantagem pessoal. O sujeito visa tirar proveito, de qualquer modo, do suicídio. Exemplo: recebimento de herança. b) Vítima menor: a nossa lei não indica qual a menoridade a que ela se refere. Funda-se essa agravante na menor capacidade de resistência moral da vítima à criação ou estímulo do propósito suicida por parte do agente. c) Capacidade de resistência diminuída por qualquer causa: diz respeito à diminuição da capacidade de resistência por qualquer causa, por exemplo: embriaguez, idade avançada, enfermidade física ou mental etc. Se qualquer desses fatores anular completamente a capacidade de resistência, pratica-se o delito de homicídio (hipóteses de vítima portadora de insanidade mental completa e criança menor de 14 anos). 8-ART. 123 — INFANTICÍDIO Podemos definir o infanticídio como a ocisão da vida do ser nascente ou do neonato, realizada pela própria mãe, que se encontra sob a influência do estado puerperal. Trata-se de uma espécie de homicídio doloso privilegiado, cujo privilegium é concedido em virtude da “influência do estado puerperal” sob o qual se encontra a parturiente. É que o estado puerperal, por vezes, pode acarretar distúrbios psíquicos na genitora, os quais diminuem a sua capacidade de entendimento ou autoinibição, levando-a a eliminar a vida do infante. O delito de infanticídio é composto pelos seguintes elementos: matar o próprio filho; durante o parto ou logo após; sob influência do estado puerperal. Excluído algum dos dados constantes nessa figura típica, esta deixará de existir, passando a ser outro crime (atipicidade relativa). 8.1-CONCURSO DE PESSOAS Há três situações possíveis: 1ª) Mãe que mata o próprio filho, contando com o auxílio de terceiro: a mãe é autora de infanticídio e as elementares desse crime comunicam-se ao partícipe, que, assim, responde também por infanticídio. A “circunstância” de caráter pessoal (estado puerperal), na verdade, não é circunstância, mas elementar; logo, comunica-se ao partícipe. 2ª) O terceiro mata o recém-nascido, contando com a participação da mãe: o terceiro realiza a conduta principal, ou seja, “mata alguém”. Como tal comportamento se subsume no art. 121 do CP, ele será autor de homicídio. A mãe, que praticou uma conduta acessória, é partícipe do mesmo crime, pois o acessório segue o principal. Com efeito, a mãe não realizou o núcleo do tipo (não matou, apenas ajudou a matar), devendo responder por homicídio. No entanto, embora esta seja a solução apontada pela boa técnica jurídica e a prevista no art. 29, caput, do CP (todo aquele que concorre para um crime incide nas penas a ele cominadas), não pode, aqui, ser adotada, pois levaria ao seguinte contrassenso: se a mãe mata a criança, responde por infanticídio, mas como apenas ajudou a matar, responde por homicídio. Não seria lógico. Portanto, nesta segunda hipótese, a mãe responde por infanticídio. 3ª) Mãe e terceiro executam em coautoria a conduta principal, matando a vítima: a mãe será autora de infanticídio e o terceiro, por força da teoria unitária ou monista, responderá pelo mesmo crime, nos expressos termos do art. 29, caput, do CP. Não pode haver coautoria de crimes diferentes, salvo nas exceções pluralísticas do § 2º do art. 29 do CP, as quais são expressas e, como o próprio nome diz, excepcionais. 9-ARTS. 124 A 128- ABORTO Para a Biologia a vida se dar com a fecundação, para o direito se dar com a nidação. O termo inicial para a prática do aborto é o começo da gravidez que do ponto de vista da biologia se dar com a fecundação, contudo, prevalece na ótica jurídica que a gestação tem inicio com a implantação do óvulo fecundado no endométrio, isto é, com a fixação no útero materno (Nidação). Meios de execução Trata-se de crime de ação livre, podendo a provocação do aborto ser realizada de diversas formas, seja por ação, seja por omissão. A ação provocadora poderá dar-se através dos seguintes meios executivos: a) meios químicos: são substâncias não propriamente abortivas, mas que atuam por via de intoxicação, como o arsênio, fósforo, mercúrio, quinina, estricnina, ópio etc.; b) meios psíquicos: são a provocação de susto, terror, sugestão etc.; c) meios físicos: são os mecânicos (p. ex., curetagem); térmicos (p. ex., aplicação de bolsas de água quente e fria no ventre); e elétricos (p. ex., emprego de corrente galvânica ou farádica). Omissão. O delito também pode ser praticado por conduta omissiva nas hipóteses em que o sujeito ativo tem a posição de garantidor; por exemplo, o médico, a parteira, a enfermeira que, apercebendo-se do iminente aborto espontâneo ou acidental, não tomam as medidas disponíveis para evitá-lo, respondem pela prática omissiva do delito. Classificação doutrinária 1-Aborto natural: É a interrupção espontânea da gravidez, normalmente por problemas de saúde. 2-Aborto acidental: decorre de quedas, traumatismo e acidentes em geral, em regra é atípico. 3-Aborto miserável ou econômico social: é punido. Vai responder pelo art 124 CP, 1-3 anos. 4-Aborto eugênico: criança sem cérebro, anencefalia. 5-Aborto honoris causa: aborto para esconder uma relação extraconjugal. 6-Aborto criminoso (Art 124-127). 7-Aborto legal (art 128) Aborto ovular: ate a 8ª semana Aborto embrionário: até a 15ª semana Aborto fetal: depois da 15ª semana. 9.1-Sujeito ativo a) no autoaborto ou aborto consentido (CP, art. 124): somente a gestante pode ser autora desses crimes, pois trata-se de crime de mão própria; b) no aborto provocado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante (CP, arts. 125 e 126): por tratar-se de crime comum, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. 9.2-Sujeito passivo a) no autoaborto ou aborto consentido (CP, art. 124): é o feto que é detentor, desde sua concepção, dos chamados “direitos civis do nascituro” (CC, art. 2º). A uma primeira análise tem-se a impressão de que a gestante também seria o sujeito passivo do delito em estudo, contudo não se concebe a possibilidade de alguém ser ao mesmo tempo sujeito ativo e passivo de um crime; b) no aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante: os sujeitos passivos são a gestante e o feto. Trata-se de crime de dupla subjetividade passiva. 9.3-FORMAS 1-Aborto provocado pela própria gestante. Aborto consentido (CP, art. 124) e a exceção legal à teoria monística da ação O autoaborto está previsto no art. 124, caput, 1ª figura: é o aborto praticado pela própria gestante. O aborto consentido está previsto na 2ª figura do artigo: consiste no consentimento da gestante para que um terceiro nela pratique o aborto. Trata-se de crime de mão própria,pois somente a gestante pode realizá-lo, contudo isso não afasta a possibilidade de participação no crime em questão, conforme veremos mais adiante. 1ª figura — Aborto provocado pela própria gestante (autoaborto): é a própria mulher quem executa a ação material do crime, ou seja, ela própria emprega os meios ou manobras abortivas em si mesma. É possível a participação nessa modalidade delitiva, na hipótese em que o terceiro apenas induz, instiga ou auxilia, de maneira secundária, a gestante a provocar o aborto em si mesma, por exemplo, indivíduo que fornece os meios abortivos para que o aborto seja realizado. Nessa hipótese, responderá pelo delito do art. 124 do CP a título de partícipe. Há, contudo, posicionamento na jurisprudência no sentido de que o terceiro, ainda que atue como partícipe, teria a sua conduta enquadrada no art. 126 do Código Penal217. Finalmente, é importante notar que, por se tratar de crime de mão própria, é impossível ocorrer o concurso de pessoas na modalidade coautoria. 2ª figura — Aborto consentido: a mulher apenas consente na prática abortiva, mas a execução material do crime é realizada por terceira pessoa. Pode haver o concurso de pessoas na modalidade de participação, quando, por exemplo, alguém induz a gestante a consentir que terceiro lhe provoque o aborto. Jamais poderá haver a coautoria, uma vez que, por se tratar de crime de mão própria, o ato permissivo é personalíssimo e só cabe à mulher. Por ser crime de ação múltipla, a gestante que consentir que terceiro lhe provoque o aborto e logo depois o auxiliar no emprego das manobras abortivas em si mesma responderá somente pelo crime do art. 124 do CP. Em tese, a gestante e o terceiro deveriam responder pelo delito do art. 124, pois a figura delitiva prevê: a) o consentimento da gestante; b) a provocação do aborto por terceiro. Contudo, o Código Penal prevê uma modalidade especial de crime para aquele que provoca o aborto com o consentimento da gestante (CP, art. 126). Assim, há a previsão separada de dois crimes: um para a gestante que consente na prática abortiva (CP, art. 124); e outro para o terceiro que executou materialmente a ação provocadora do aborto (CP, art. 126 — aborto com o consentimento da gestante). Há aqui, perceba-se, mais uma exceção à teoria monística adotada pelo Código Penal em seu art. 29, que prevê: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, ou seja, todos os participantes (coautor e partícipe) de uma infração incidem nas penas de um único e mesmo crime (não devemos esquecer que a teoria dualista também constitui uma exceção a essa regra). Assim, o Código dispensou tratamento penal diverso àquele que executa materialmente a ação provocadora do aborto, cuja sanção penal, inclusive, é mais gravosa (reclusão, de 1 a 4 anos), e àquela que consente que terceiro lhe provoque, cuja pena cominada é idêntica ao delito de autoaborto, ou seja, menos grave (detenção, de 1 a 3 anos). 9.4-Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante (CP,art. 125) O aborto sem o consentimento da gestante está previsto no art. 125, caput, do Código Penal. Trata-se da forma mais gravosa do delito de aborto (pena — reclusão de 3 a 10 anos). Ao contrário da figura típica do art. 126, não há o consentimento da gestante no emprego dos meios ou manobras abortivas por terceiro. Aliás, a ausência de consentimento constitui elementar do tipo penal. Contudo, presente o seu consentimento, o fato não será atípico; apenas será enquadrado em outro dispositivo penal (aborto com o consentimento da gestante — art. 126). Não é preciso que haja o dissenso expresso da gestante, basta o emprego de meios abortivos por terceiro sem o seu conhecimento; por exemplo: ministrar doses de substância abortiva em sua sopa. Dissentimento real. O dissentimento é real quando o sujeito emprega contra a gestante (cf. 2ª parte do parágrafo único do art. 126): a) fraude: é o emprego de ardil capaz de induzir a gestante em erro; por exemplo: médico que, a pretexto de realizar exames de rotina na gestante, realiza manobras abortivas; b) grave ameaça contra a gestante: é a promessa de um mal grave, inevitável ou irresistível; por exemplo: marido desempregado que ameaça se matar se a mulher não abortar a criança, pai que ameaça expulsar a filha de casa se ela não abortar; c) violência: é o emprego de força física; por exemplo: homicídio de mulher grávida com conhecimento da gravidez pelo homicida. Dissentimento presumido. O art. 126, parágrafo único, 1ª parte, prevê hipóteses em que se presume o dissentimento da vítima na prática do aborto por terceiro. O legislador, em determinados casos, considera inválido o consentimento da gestante, pelo fato de não ser livre e espontâneo, de modo que ainda que aquele esteja presente, a conduta do agente será enquadrada no tipo penal do art. 125. O dissentimento é presumido se a vítima não é maior de 14 anos, alienada ou débil mental. 9.5-Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante (CP, art. 126) O aborto provocado com o consentimento da gestante está previsto no art. 126, caput. O fato, conforme já visto, gera a incidência de duas figuras típicas, uma para a consenciente (CP, art. 124, 2ª parte) e outra para o provocador (CP, art. 126). É possível o concurso de pessoas, na hipótese em que há o auxílio à conduta do terceiro que provoca o aborto; por exemplo: enfermeira que auxilia o médico em uma clínica de aborto. Para que se caracterize a figura do aborto consentido (CP, art. 126), é necessário que o consentimento da gestante seja válido, isto é, que ela tenha capacidade para consentir. Ausente essa capacidade, o delito poderá ser outro (CP, art. 125). Assim, temos o seguinte quadro: a) Consentimento válido: “é necessário que a gestante tenha capacidade para consentir, não se tratando de capacidade civil. Neste campo, o Direito Penal é menos formal e mais realístico, não se aplicando as normas do Direito Privado. Leva-se em conta a vontade real da gestante, desde que juridicamente relevante”. O terceiro que praticar manobras abortivas na gestante, que consentiu validamente, responderá pelo delito do art. 126 do CP (aborto com o consentimento da gestante). b) Consentimento inválido: consiste nas hipóteses elencadas no parágrafo único do art. 126, em que o dissentimento é real (emprego de fraude, grave ameaça ou violência contra a gestante) ou presumido (se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental). Na letra “b”, temos as hipóteses de consentimento inválido, de modo que o aborto praticado contra a gestante que emitiu consentimento inválido caracterizará a figura típica do art. 125 do CP. Importa destacar que a gravidez da vítima menor de 14 anos, da portadora de enfermidade ou deficiência mental, que não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou, que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência, constitui, na realidade, estupro de vulnerável (CP, art. 217-A). Nessa hipótese, se o aborto é precedido do consentimento de seu representante legal, o médico estará realizando o aborto legal (art. 128, II), acobertado por causa excludente da ilicitude. FORMA MAJORADA (CP, ART. 127) O art. 127 do CP prevê as formas majoradas do crime de aborto, quais sejam: a) ocorrendo lesão grave, a pena é aumentada em um terço; b) ocorrendo morte, a pena é duplicada. Qualificadora ou causa especial de aumento de pena? Impropriamente as figuras do art. 127 recebem a rubrica de “forma qualificada”, pois na realidade constituem causas especiais de aumento de pena, funcionando como majorantes na terceira fasede aplicação da pena, ao contrário das qualificadoras, que fixam os limites mínimo e máximo da pena. Abrangência. Este artigo só é aplicado às formas tipificadas nos arts. 125 e 126, ficando excluídos o autoaborto e o aborto consentido (art. 124 do CP), na medida em que o nosso ordenamento jurídico não pune a autolesão nem o ato de matar-se. Assim, se a gestante ao praticar o autoaborto lesiona-se gravemente, ela não terá a sua pena majorada em virtude da autolesão, mas só responderá pelo delito do art. 124. Crime preterdoloso. As majorantes aqui previstas são exclusivamente preterdolosas. Há um crime doloso (aborto) ligado a um resultado não querido (lesão corporal de natureza grave ou morte), nem mesmo eventualmente, mas imputável ao agente a título de culpa (se eram consequências previsíveis do aborto que se quis realizar e, por conseguinte, evitáveis). Trata- se, portanto, de resultados que sobrevêm preterdolosos; no caso, o dolo do agente vai até a causação do aborto, mas não abrange a superveniente morte da gestante nem a lesão grave que nela sobrevenha. Se houver dolo, direto ou eventual, quanto a esses resultados mais graves, responderá o agente pelo concurso de crimes: aborto e lesão corporal grave ou aborto e homicídio. Lesão corporal leve ou grave como meio necessário à prática do aborto. No tocante às lesões corporais leves, a própria lei as exclui das majorantes. Ao tratar das lesões graves, como a lesão de útero, alguns autores, como Nélson Hungria e E. Magalhães Noronha224, entendem que nos casos em que as lesões, apesar de graves, possam ser consideradas “inerentes” ou “necessárias” para a causação do aborto, não incidiria esse dispositivo, pois estariam elas absorvidas pelo aborto. A lei, na verdade, teria em vista as lesões graves extraordinárias, ou seja, não necessárias à causação do aborto, como, por exemplo, infecções; do contrário, o crime de aborto seria sempre qualificado. ABORTO LEGAL. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (CP, ART. 128) Consta da redação do art. 128 do CP: “Não se pune o aborto praticado por médico: I — se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II — se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. À primeira vista tem-se a impressão de que o citado dispositivo legal constituiria uma dirimente ou escusa absolutória, pois o texto legal se inicia com a frase “não se pune”. Aborto necessário ou terapêutico (CP, art. 128, I) É a interrupção da gravidez realizada pelo médico quando a gestante estiver correndo perigo de vida e inexistir outro meio para salvá-la. Consoante a doutrina, trata-se de espécie de estado de necessidade, mas sem a exigência de que o perigo de vida seja atual. Assim, há dois bens jurídicos (a vida do feto e da genitora) postos em perigo, de modo que a preservação de um (vida da genitora) depende da destruição do outro (vida do feto). O legislador optou pela preservação do bem maior, que, no caso, é a vida da mãe, diante do sacrifício de um bem menor, no caso, um ser que ainda não foi totalmente formado. Não seria nada razoável sacrificar a vida de ambos se, na realidade, um poderia ser destruído em favor do outro. Sujeito ativo. Enfermeira ou parteira. A excludente da ilicitude em estudo do crime de aborto somente abrange a conduta do médico. Não obstante isso, a enfermeira, ou parteira, não responderá pelo delito em questão se praticar o aborto por força do art. 24 do CP (estado de necessidade, no caso, de terceiro) Aborto sentimental, humanitário ou ético (CP, art. 128, II) Trata-se do aborto realizado pelos médicos nos casos em que a gravidez decorreu de um crime de estupro. O Estado não pode obrigar a mulher a gerar um filho que é fruto de um coito vagínico violento, dados os danos maiores, em especial psicológicos, que isso lhe pode acarretar. O art. 128, II, do CP não fazia distinção entre o estupro com violência real ou presumida (revogado art. 224 do CP), concluindo-se que esse último estaria abrangido pela excludente da ilicitude em estudo. OUTRAS ESPÉCIES DE ABORTO Aborto natural Consiste na interrupção espontânea da gravidez. Nesta hipótese não há crime230. 14.2. Aborto acidental É aquele que decorre de traumatismo ou outro acidente. Aqui também não há crime. Aborto eugenésico, eugênico ou piedoso É aquele realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável. Não é permitido pela nossa legislação e, por isso, configura o crime de aborto, uma vez que, mesmo não tendo forma perfeita, existe vida intrauterina, remanescendo o bem jurídico a ser tutelado penalmente. Aborto social ou econômico Cometido no caso de famílias muito numerosas, em que o nascimento agravaria a crise financeira e social. Nosso ordenamento não o admite. Haverá crime, no caso.
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