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De Volta do Caos(LIVRO)

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Prévia do material em texto

LUIZ CARAMASCHI
DE VOLTA DO CAOS
“Aqui sim, no meu cantinho,
vendo rir-me o candeeiro,
gozo o bem de estar sozinho,
e esquecer o mundo inteiro”
Goethe
Editora Sociedade Filosófica Luiz Caramaschi
Praça Arruda, 54 - Caixa Postal 44 - 18800-000 - Piraju - SP
Fone (14) 3351.1900
Contra-capa
A queda do empíreo e a posterior volta do caos, sintetizada 
em um poema
 
 Epitáfio de Satã
Jaz, aqui, Satã, para todo o sempre,
Se tanto durar a rebeldia sua.
Criado foi ele pelo Eterno Pai,
Da sempiterna Substância-Amor; 
Mas, como descriou-se, ele próprio, 
Por arbítrio seu, eis sua sentença:
Terá de recriar-se, por si mesmo, 
Em não previsto tempo; ou isto, ou 
Reduzir-se-á, para sempre, a nada.
Nem ele, pois, nem os sequazes seus
Retornarão à Celestina Pátria,
Enquanto não se desvirarem todos 
De dragões, transformando-se, de novo, 
Nas formas belas que possuíam antes. 
Mas há esta esperança aos esforçados, 
Aos valentes que se negar quiserem: 
Altos Numes de esferas mais sublimes, 
Inflamados do sacrossanto Amor, 
Varando as trevas do Orco levarão
Socorros mil a quem quiser salvar-se, 
A quem, de dragão, desejar negar-se,
Reconquistando o perdido Amor.
 Luiz Caramaschi
 
ÍNDICE
2
PRÓLOGO .................................................. 3
I O QUE É A FILOSOFIA ?....................................... 5
II QUE É A SABEDORIA ?......................................... 11
III AS CLASSES DE SABER ....................................... 17
IV CAMINHOS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO .... 23
V O MÉTODO ............................................................ 27
VI QUE OUTRO MÉTODO VIRÁ ? ............................. 37
VII A INTUIÇÃO .......................................................... 43
VIII HIERARQUIA DAS 
INTUIÇÕES ............................
49
IX O EQUÍVOCO DE SCHOPENHAUER .................... 57
X ONTOLOGIA E METAFÍSICA ............................... 63
XI QUEM EXISTE ? .................................................... 78
XII A GRANDE SÍNTESE FILOSÓFICA ...................... 85
XIII OBJETOS IDEAIS – 
ESSÊNCIAS ...........................
90
XIV OBJETOS REAIS – SUBSTÂNCIAS ....................... 99
XV NOSSA CIVILIZAÇÃO EM QUEDA ...................... 110
XVI ALTRUÍSMO PURO E EGOÍSMO DILATADO ..... 123
XVII INVOLUÇÃO .......................................................... 136
XVIII DOUTRINA DOS ESPÍRITOS ................................ 143
XIX TELEFINALISMO EVOLUTIVO ............................ 152
XX SUBIDA DO MENTAL AO MORAL ...................... 160
3
 PRÓLOGO 
 
 
De início, queremos agradecer a nímia gentileza da “Folha de Piraju” pelo seu grande 
trabalho em publicar, em primeira mão, parceladamente, nosso livro anterior “Um Estudo do 
Nosso Tempo”. Com este grande e meritório esforço, a “Folha” nos proporcionou a 
oportunidade de darmos aos nossos concidadãos o fruto de prolongadas e profundas 
lucubrações de largos anos. 
Para que essa primeira publicação fosse possível, tornava-se indispensável a 
colaboração da “Folha de Piraju”, com tanta proficiência criada, dirigida e mantida por um 
grande cidadão pirajuense, Sr. Constantino Leman. Que ele é um grande idealista, não há 
dúvida nenhuma, pois, manter um pequeno jornal carinhosamente confeccionado, e por tantos 
anos, é trabalho saliente, digno de admiração. Honra é, que ninguém pode extorquir a 
Constantino, o haver mantido um jornal em nossa terra até hoje, apesar de tantas 
incompreensões, tantas lutas, e enormes apertos e sacrifícios financeiros, se bem que, para 
sermos justo, temos de anotar que muitos colaboraram, financeiramente, quando a “Folha” 
ressuscitou de suas cinzas - o antigo “O Comércio de Piraju”.
Pirajuense por adoção e por título emérito conferido pela nossa respeitável Câmara 
Municipal, nosso esclarecido e digno colega de pena, Sr. Constantino, em mantendo a nossa 
“Folha”, prova que ele, ao fechar os olhos para este mundo, quer deixar um legado para Piraju, 
um Documento imperecível - a sua querida “Folha”.
Paralelamente ao trabalho de jornalista, aparece o escritor e historiador que é, nas 
obras: “Piraju Ontem e Hoje”, “São Sebastião do Tijuco Preto” e “Cem Anos de Piraju”, 
este, em fase final de impressão.
Então, nós, como entendedor do verdadeiro heroísmo de Constantino, quisemos 
colaborar, se bem que com uma parcela ínfima, na confecção desse grande Documento de 
Piraju, publicando nele, em primeira mão, para os nossos irmãos de terra, estes nossos livros. 
A obra que irá sair, querendo Deus, traz o título “De Volta do Caos”. Nela se 
desenvolvem pontos que já apareceram, em síntese, na obra anterior. Trata-se de obra inédita, 
tanto como a precedente, sobretudo o capítulo “Origem das Espécies”, visto como tal 
“origem” não se explicou, cabalmente, nem por Darwin, nem por Lamarck, nem pelo 
Mutacionismo a partir de Hugo de Vries.
Ambos livros pretendem abrir um ciclo novo para o pensamento filosófico. A Primeira 
Jornada Filosófica teve início na Grécia com a polêmica entre Heráclito e Parmênides; é o 
ciclo chamado Realismo, que teve o seu termo no fim da Idade Média. Platão é um filósofo 
realista, não só porque pertence a este ciclo, como também, porque seu “idealismo” é 
objetivo; a realidade, para ele, se situava fora do sujeito, exterior a este, encontrando-se no 
lugar celeste ou resplendente – o topos uranos. Tal “idealismo” é polarmente oposto ao de 
Kant que fazia tudo brotar do sujeito, como puro subjetivismo, ao ponto de afirmar que “nós 
pomos às coisas as suas essências”. Ora, Platão não admitia isto, e, para ele, como, depois, 
para seu discípulo Aristóteles, as coisas é que “nos enviam as suas essências”. Tal modo de 
conceber o mundo teve seu ocaso no fim da Idade Média, com os filósofos Santo Agostinho e 
São Tomás de Aquino. Com a verificação experimental dos erros científicos de Aristóteles, foi 
posta em dúvida também a sua filosofia. 
Tomando, precisamente, a dúvida por ponto de partida, na Renascença, com 
Descartes, teve começo a Segunda Jornada - o Idealismo ou filosofia moderna. Kant foi o 
pináculo deste ciclo, tendo sido continuado por três grandes pensadores absolutistas: Fichte, 
Schelling e Hegel. Depois a filosofia caiu no ridículo, e, com Augusto Comte, ela passou à 
nivelante condição de simples síntese das ciências. O positivismo achatou a filosofia, tirando-
lhe a terceira dimensão, a altura, que a fazia ocupar-se, primordialmente, com os problemas da 
4
origem e fim transcendentais do mundo, do homem e das coisas. Como se não bastasse isto, 
veio o pior: surgiu a doutrina científica da evolução pondo em xeque-mate todas as filosofias, 
as religiões todas, todas, sem exceção, de bases criacionistas.
Os filósofos contemporâneos, não podendo, por sua vez, resolver o problema do Ser, 
desgarraram-se pela senda ingrata de criar doutrinas pessimistas, niilistas, conducentes ao 
Nada, sem nenhuma esperança. Nenhuma filosofia contemporânea forma um sistema 
completo, pelo que estamos sem filosofia, sem norte filosófico, desde Augusto Comte, como 
diz Ortega. 
A nossa é a Terceira Jornada Filosófica, a da Síntese, a da Essência-Substância, a 
do Ser-Amor, bem própria a nascer no Brasil do qual já se disse que é o “Coração do Mundo e 
a Pátria doEvangelho”. O Brasil não só assombra o mundo inteiro com o seu desenvolvimento 
econômico; assombrá-lo-á, também com sua cultura, e ainda será o líder espiritual e moral do 
mundo, e nisto já se tem mostrado competente com resolver todos os seus problemas políticos 
pacificamente. É aqui, então, que tinha de nascer o ciclo novo para o pensamento - a Filosofia 
do Amor.
 O autor
5
Capítulo I
 O QUE É A FILOSOFIA ? 
O homem desde os seus primórdios fez filosofia. Mas este fazer é diferente dos outros 
quefazeres, porque a idéia de fazer implica ação, movimento. Ora, o fazer da filosofia é 
diferente porque significa estar parado, meditando. Não se trata de um fazer físico, porém, de 
um fazer mental. Enquanto o homem agia só do ponto de vista físico, material, ele fazia coisas, 
não, porém, filosofia. E foi quando ele entrou em si mesmo, esteve em solidão só consigo, 
quando, parado, se pôs a pensar sobre as coisas, sobre o mundo, aí é que começou a filosofar. 
Por este motivo, o fazer da filosofia é diferente dos outros quefazeres, porquanto estes fazem 
coisas, no passo que a filosofia, sendo um estar quedo, em meditação, fez não menos que o 
próprio homem.
O homem só se fez tal, quando principiou a usar a razão, a pensar; pensar sobre o que? 
Pois pensar sobre as coisas, sobre o mundo; e este pensar sobre as coisas, esta tentativa de 
descobrir o que elas são, constitui a filosofia.
Deste modo, a primeira e mais natural definição da filosofia é a meditação sobre o 
mundo, para achar um caminho, uma forma de atuar sobre as coisas, um modo de conduzir-se 
entre elas, uma forma de conduta. Conseqüentemente, não se pode definir a filosofia antes de 
tê-la feito; e foi fazendo-a, um pouco, que nos foi possível chegar à nossa mais elementar e 
espontânea definição: a filosofia é a meditação sobre o mundo. Um animal, para agir, segue o 
seu instinto; porém, o homem é pobríssimo de instintos naturais; como, logo, agiria sem um 
pensamento antecipado? É-lhe, então, imposto o pensar, o escolher e o decidir-se por um 
caminho, queira ou não queira. Esta é a razão por que já os antigos diziam do homem que é 
um animal metafísico.
Aliás, todas as demais disciplinas que o homem domina, não nasceram de definições 
claras, precisas; todas começaram de forma nebulosa, confundidas umas com outras, e só 
quando o homem teve boa soma de conhecimentos, é que pôde delimitar os objetos das várias 
ciências, isto é, definir, traçar “fines” ou limites às disciplinas.
Daqui se tira que só se sabe o que é filosofia, quando já se é filósofo; mais que qualquer 
outra matéria, a filosofia precisa de vivência, e isto se define como sendo aquilo que temos em 
nosso psiquismo carreado do mundo exterior, e que forma a nossa mentalidade; é a nossa 
convicção pensada, vivida e sentida, e que damos como sendo o nosso conjunto-verdade. É 
assim que, sem as experiências da vida, a filosofia não seria vivencial, pessoal, e sim, mero 
estudo das experiências alheias condensados nos sistemas e verdades alheios. Pelos livros se 
pode chegar a ser um professor de filosofia, isto é, mero repetidor do que os compêndios 
dizem. O filósofo é um senhor que calcou as vivências alheias nas próprias, e agora possui um 
sistema-verdade (quer dizer, que tem por verdadeiro), a lhe nortear o fazer e a conduta. Um 
exemplo: os escritores paisagistas gastam páginas seguidas em seus romances para nos 
descrever os sítios que fazem fundo às cenas em que se movem seus personagens. Por mais 
minudentes que tais escritores sejam nas descrições, seja dos lugares, seja dos tipos humanos, 
não conseguem transferir-nos vivências, e sim, somente, nos sugerem imagens e idéias. Porém, 
a partir dessas imagens e dessas idéias, vamos construindo nossos quadros mentais próprios, a 
partir de nossas vivências próprias. Isto se chama convivência. Se, todavia, depois, formos aos 
locais em que o escritor se inspirou, ainda que ele tenha sido fiel nas descrições, tudo se nos 
mostra diferente. É que antes, a linguagem literária ia-nos suscitando uma convivência, e 
agora tudo são vivências, tudo, experiências pessoais, diretas, em que tomam parte não só 
nossa mente, senão também os nossos sentidos, os nossos sentimentos, as nossas emoções, 
tudo como coisas vividas, como vivências nossas. 
É por este modo que o filósofo coordena e sistematiza não só vivências, mas também 
convivências no seu conjunto-verdade, na sua convicção mais profunda que lhe norteia o 
6
fazer e a conduta. Daí que todo homem é filósofo, desde que não se guie por pura fé, por pura 
sugestão. Esta é a causa por que poderíamos repetir Huberto Rohden quando afirma que: “a 
inteligência humana é filosófica por natureza” 1, ou então, os antigos que davam para o homem 
a designação de “animal metafísico”.
No entanto, já se vê, não podemos ter todas as vivências que a vida total, o mundo, nos 
propiciaria, se, a um tempo, como que onipresentes, pudéssemos estar em todos os lugares, 
vivendo todos os dramas, e ainda trazendo para o presente o passado que já foi. Face a esta 
impossibilidade, nós nos consolamos com reviver as experiências alheias, imaginativamente nos 
colocando em seus lugares, procurando sentir o que sentiram, e a repensar o que pensaram. 
Então, o filósofo não só procura sentir as próprias vivências (que são basilares), e a repensar 
os próprios pensamentos, senão, também, busca convivenciar e repensar, isto é, incorpora, 
quanto possível, as vivências alheias, e repensa os pensamentos dos outros. A isto também 
chamamos meditação sobre o mundo, já, agora, não só sobre o nosso mundo restrito, mas 
sobre os vários mundos alheios. Se como diz Ortega, cada filósofo está num mirante que se 
abre para o mundo, cumpre-nos ver o mundo de todos os mirantes, enxergando-o, quanto 
possível, através de todas as pupilas. Fazendo isto, verificamos que muitas vivências alheias se 
assemelham às nossas, de modo que nosso conjunto-verdade se reforça e se enriquece mais do 
que se contássemos apenas com as nossas vivências próprias. Neste sentido é que entendemos 
o aforismo latino que diz: “primum vivere, deinde philosophari”. Só depois das experiências da 
vida se torna possível o filosofar. Esta é a razão por que há gênios precoces na música, como 
Mozart, nas matemáticas, como Gauss, porém, não, na filosofia.
Deste modo, não faz filosofia quem não entrar nela, quem não se dispuser a vivê-la com 
toda a matilha de sentimentos egrégios, de emoções nobres, como diz Ortega do historiador, 
entusiasmando-se com ela, angustiando-se, criticando-a, censurando-a, aplaudindo-a, 
completando-a, chorando-a, rindo-se dela, encrespando-se contra ela, abraçando-a, estando 
nela “cum ira et studio”. Tudo isto faz quem ama..., sobretudo se o amor se dirige à sabedoria. 
Ora, para fazermos isto que nos coloca na posição de filósofos, precisamos entrar em 
solidão temporária, retirar-nos, estar só conosco mesmo, fazer aquilo que Goethe põe nestes 
versos: “Aqui sim, no meu cantinho,/ vendo rir-me o candeeiro,/ gozo o bem de estar sozinho,/ 
e esquecer o mundo inteiro” 2. Este é o mesmo pensamento de Montaigne quando escreve: 
“Infeliz a meu juízo, quem não tem em casa um lugar de recolhimento, onde esteja só consigo, 
onde possa voltar-se para si mesmo, e não para os outros, onde possa esconder-se” 3. 
Se, de começo, dissemos que todo homem é filósofo, já agora começa delinear-se o 
cariz do verdadeiro filósofo: é filósofo todo aquele que, para pensar, sente necessidade de 
retirar-se. O homem-massa não tem esta necessidade pelo que não é filósofo, deixando-se levar 
ao sabor dos acontecimentos, guiando-se por pura fé, obediente às determinações do social, 
sem nunca perguntar:por que? O filósofo é o homem que quer ser autêntico, que luta por ser 
si mesmo, e não o social nele. 
Na medida em que formamos o nosso conjunto-verdade, ou sistema-verdade, vamos 
fazendo um balanço, pondo em xeque o nosso sistema, incorporando verdades verdadeiras, e 
expurgindo dele as verdades falsas tidas por verdadeiras até então, tendo em vista o princípio 
que Toynbee tomou de Meredith em “O Túmulo do Amor”, que diz: “Somos traídos pelo 
que há de falso em nós” 4. Então, cada vez mais nossa visão se aclara, visão que determina 
nossa conduta cada vez mais reta, cada vez mais acertada, sábia. A filosofia, portanto, não é 
uma coisa feita, mas em se fazendo, e só estará completa e acabada, quando formos, de fato, 
senhores da verdade. Esta verdade é o sistema único que se chama sabedoria. 
A filosofia, pois, busca a verdade, a sabedoria, e o homem que estiver inflamado dessa 
paixão pela verdade, pela sabedoria, é um filósofo. A própria palavra filosofia quer dizer isso: 
1 H. Rohden, Filosofia Universal, 1,21
2 Goethe, Fausto, Clássicos Jackson XV, 78
3 Montaigne, Clássicos Jackson, XII, 30
4 Arnold J. Toynbee, Um Estudo de História, III, 784
7
amigo da sabedoria, ou amor à sabedoria. Com isto, chegamos a uma definição mais 
completa do que seja a filosofia: filosofia é a meditação sobre o mundo, sobre a verdade que 
subjaz ao mundo; a posse dessa verdade é o anseio do filósofo; essa verdade é a sabedoria, e 
quem a busca é seu amigo, seu amante, isto é, amigo da sabedoria. 
Assentado que não podemos ter todas as vivências que a vida global nos ofereceria se 
fôramos infinitos, onipresentes e dono de todo o tempo, ou seja, capazes de trazer para o 
presente o passado e o futuro, o passado como memória, e o futuro como previsão do que é 
possível ser previsto; frente a esta impossibilidade nossa, não nos resta outro recurso senão o 
de permutar experiências. Esta permuta seria ver o mundo através dos vários filósofos, 
enxergando-o de seus pontos de vista. Assim, para termos todas as vivências de dado 
pensador, precisamos ler toda sua obra, colocando-nos no mirante de onde ele enxergou o 
mundo. Quando, por exemplo, vemos condensada a doutrina de Hegel no enunciado: “quanto 
mais geral, mais real, e quanto mais individual, menos real”, aí temos sua filosofia na máxima 
concisão. No entanto, já dizia Horácio: “Esforço-me por breve, torno-me obscuro” 5. Quer 
dizer que, com este simples enunciado hegeliano, não podemos viver a sua filosofia. Já se 
passarmos e repassarmos por todos os seus argumentos, depois de certo tempo, aquele 
enunciado, aquele condensado do grande pensador, se nos mostra cheio de conteúdo vivencial.
Dir-se-á que não temos tempo para ler todas as obras de todos os pensadores. É certo 
que não dispomos desse tempo; mas há as obras de divulgação, os escorços, os compêndios 
para estudantes de filosofia, em que a condensação é menos restrita, menos compacta que o 
simples enunciado. E há mais isto: para as mentes filosóficas, um simples enunciado soa como 
se fora uma premissa da qual se pode deduzir todo um sistema. Um simples enunciado já serve 
para pôr-nos no mirante que verte para o mundo, em que, realmente, se colocou o filósofo. E 
assim como Hegel chegou à sua condensação, à sua fórmula, por indução, nós podemos 
deduzir o seu universo a partir de sua fórmula. 
O mundo foi enxergado por Hegel, de que ponto de vista? Pois ele viu o universo do 
mirante criacionista, que não do evolutivo. Do ponto de vista evolutivo, tudo se faz de baixo 
para cima. Houve um tempo em que este nosso universo estava condensado numa esfera de 
dez mil anos-luz de diâmetro, que era o Colosso Primitivo de Alpher, Beth e Gamow. Os 
átomos, aí, em formação, eram nus. Os núcleos atômicos eram já cosmos, porém, rodeados 
ainda pelo caos. Com a expansão do Colosso Primitivo, os núcleos nus ganharam calotas 
eletrônicas, pelo que surgiram os átomos; estes, então, eram cosmos, todavia, rodeados pelo 
caos. As formações se sucederam de baixo para cima, por este processo, e tudo o que se 
organizou, esteve sempre rodeado pelo caos. O indivíduo humano, o seu ente biológico, foi 
preciso formar-se primeiro, para que, a partir dele, aparecessem as formações mais altas e 
complexas da sociedade, do Estado. O Estado, por conseguinte, é uma unidade em formação, 
e, por isto mesmo, em parte, ainda caótico, não podendo ser mais real que os indivíduos, dado 
que o Caos mais inteiro é a suprema irrealidade. Daqui se pode construir a fórmula de Hegel 
pelo avesso: em todo o âmbito que a evolução abarca, quanto mais geral, menos real, e quanto 
mais individual, mais real. Em nosso mundo evolutivo, o real está na razão inversa do 
universal, e na razão direta do individual. Há mais ordem e harmonia, e, portanto, realidade, no 
cosmo atômico e molecular, do que no organismo estatal; isto é pacífico. O cosmo sideral, 
embora amplo, é simples, como se fora uma ampliação do átomo, da molécula. Não confundir 
extensão espacial com generalidade. 
Estaria, então, errado o enunciado hegeliano? Não está. No mundo celeste, no mundo 
pleniluminoso criado por Deus, o mundo resplendente ou topos uranos de Platão, a fórmula de 
Hegel se aplica, e quanto mais geral, mais real; a suprema realidade é Deus, da qual todas as 
demais realidades decorrem; e dele abaixo, quanto menos geral, menos real. As conseqüências 
que Hegel tirou do seu sistema, relativas ao Estado, o Estado teocrático, em que o chefe 
manda por eleição divina, aplica-se lá, no topos uranos, onde é inexeqüível a democracia pela 
5 Clássicos Jackson, XII, 10
8
qual a massa dos anjos menores elegeria seus chefes, e isto, simplesmente, porque o menos, 
ainda que em massa, não pode eleger o mais. Um gênio sozinho pode muito mais do que os 
milhões de homens medíocres que se pudessem reunir num parlamento, num conselho, porque 
nada de superior será obtido pela potenciação infinita da unidade, do um, ou pela somação de 
infinitos zeros. Onde não há elite, não há escolha, e um congresso cem por cento constituído 
de nulos, o eleito será um nulo também. E a massa nem sempre sabe distinguir o homem 
elegante (donde veio elegente, que sabe eleger ou escolher o que melhor se tem a fazer), o 
homem excelente, do demagogo vulgar que não passa dum ambicioso do poder e bem falante. 
No entanto, em relação a este nosso mundo evolutivo, Hegel está errado, e nada mais fez do 
que recair no passado, porquanto o absolutismo estatal foi o cariz de todos os governos desde 
os primórdios da civilização, e, já nos tempos modernos, Luiz XIV (“L’etat c’est moi”), o 
Mikado japonês, Hitler, Mussolini, Lenin, Napoleão Bonaparte, Júlio César, Alexandre 
Mágno, Anibal, Gengis-Khan encarnaram o “Espírito Absoluto” qualquer que fosse o nome 
dado à suma Realidade-Deus.
Como era de esperar-se, em nosso Estado ainda em formação, a anacrônica e 
primitivista doutrina de Hegel se mostrou funestíssima, porque a pretensa eleição divina elevou 
Mussolini e Hitler ao poder. Tal “eleição divina” não fez mais do que permitir a subida de 
verdadeiros demônios do mal ao supremo mando, como o demonstraram as obras demolidoras 
de ambos, sobretudo as de Hitler. Basta o que atesta a História para provar que a doutrina de 
Hegel está errada em relação a este nosso mundo invertido, egoísta e mau. No entanto, se 
aplicada ao topos uranos de Platão, a filosofia hegeliana se nos mostra corretamente certa. Daí 
que, conforme o dissemos, a doutrina de Hegel se aplica ao mundo criado diretamente por 
Deus (criacionismo), e não , a deste nosso mundo evolutivo, imperfeito, que vem da escuridão 
do Caos, em demanda da luz. O liberalismo democrático, portanto, pode não ser o melhor 
regime, mas é o que melhor se adapta às condições dragontinas deste nosso mundoem 
evolução.
E, pois, que temos feito até aqui, senão uma crítica a Hegel ? Então, a filosofia pode 
definir-se, também, como crítica. Cada filósofo, ao erigir o seu sistema, critica os anteriores no 
que supõe errado, incorporando o que tem por certo e verdadeiro. Daqui vem, conforme o diz 
Ortega, que a filosofia, por um lado, é “o repositório dos erros”, e, por outro, “o tesouro dos 
acertos”. 
Partindo da definição mais natural e espontânea de filosofia, que é a de meditação 
sobre o mundo, podemos perguntar: o que o homem procura descobrir nas coisas, no mundo, 
por meio de sua meditação ? Procura descobrir o nexo, a inteligência, a essência das coisas. 
A própria palavra inteligência vem de duas palavras latinas, inter (entre) e legere (ler); a 
inteligência é, pois, a faculdade de ler, captar ou perceber o nexo que os sentidos não 
percebem. A inteligência busca o nexo que co-está com as coisas. É a inteligibilidade das 
coisas. Há, nas coisas, um princípio de conexão não só que a todas interliga, senão que 
também integra suas partes. O núcleo atômico é uma unidade polarmente contrária aos 
elétrons; estas unidades opostas e complementares se conectam na unidade hierarquicamente 
superior - o átomo. Os átomos de polaridades elétricas contrárias ligam-se entre si, do que 
resultam as moléculas, e assim por diante, tudo o que existe é uma síntese que agasalha, no seu 
interior, no seu ser, unidades opostas e complementares. Assim, cada ente, qualquer que seja o 
nível, se mostra diferenciado em relação à outra unidade do mesmo nível, mas oposta, com a 
qual se combina, formando uma unidade maior, de espécie superior, do que as componentes. 
Do homem abaixo, ou do homem acima, o princípio é o mesmo. 
Como a inteligência busca o princípio, o nexo, que tudo liga e integra, a meditação 
sobre o mundo se reduz à procura do nexo. A este nexo se deu o nome de Eros que é o 
princípio de integração, princípio de conexão, de união. A inteligência, portanto, busca Eros, e 
Eros é o Amor. Por isto é que Platão via o mundo cheio de Eros; via o universo, e tudo o que 
o constitui, como que amorosamente interligado; o universo, para ele, existia graças a esse 
9
congraçamento erótico. Como o objeto da inteligência é Eros, ela é de natureza erosóide, 
como diz Ortega. E sendo Eros o Amor, a inteligência procura o que há de amor interligando, 
unificando, integrando. Por esta razão define Ortega a filosofia como a “ciência geral do 
amor”. Antes, vimos que a filosofia é o amor à sabedoria, e agora nos vem de Ortega a 
definição da filosofia como a “ciência geral do amor”. 
O homem ignorante olha o mundo através de suas vivências e convivências; fá-las, 
depois, desfilar em suas lembranças, isto é, torna observá-las por meio de sua imaginação, ou 
seja, medita sobre elas em sua quietude física, procurando entendê-las. De olhos fechados, 
passa e repassa as coisas, as situações, as informações recebidas, os conhecimentos adquiridos 
em sua mente conscipio, buscando a inteligência das coisas. De repente, de súbito, de 
relâmpago, clareia-lhe a mente, como que de um estalo, como que de um disparo de 
intelecção, e ele , heureca ! ... entende o que procura. Este clarão subitâneo, esta velocíssima 
descoberta do nexo, da essência, vem prenhe, pejada, de emoção ..., da mesma de que ficou 
possuído Arquimedes quando, nu, sem dar-se de si, saiu do seu banho a correr pelas ruas de 
Atenas gritando: heureca ! heureca ! ... A descoberta do nexo vem como uma revelação, não 
de fora, mas de dentro. A este clarão subitâneo, a esta revelação interior, os primitivos 
filósofos deram o nome de Alétheia que significava na língua vulgar, descobrimento, 
patentização, desnudamento, revelação, apocalipse. Ortega: “Esta situação, esta experiência 
vivente do novo pensar grego, que seria o filosofar, foi maravilhosamente denominada por 
Parmênides e alguns grupos alertas de seu tempo, com o nome de «alétheia»” 6. 
E todo homem, sem nenhuma exceção, já teve esta experiência vital, quando procurava 
entender uma coisa ou situação, e a compreendeu de um estalo, como o de Vieira, num 
relâmpago, pleno de júbilo, de emoção. Mais tarde é que o vocábulo espontâneo, poético e 
natural alétheia, se banalizou no modesto e prosaico termo filosofia inventado por Pitágoras. 
Deste modo, da meditação sobre o mundo, vem a alétheia, a revelação racional, a 
descoberta do nexo, a inteligência do que a coisa é, a essência dela, a filosofia. Mais uma vez 
esta descarga de intelecção se assemelha à descarga nervosa, erótica, amorosa; aquela própria 
da inteligência, e, por isto, de natureza erosóide, como refere Ortega.
Eis, pois, como a filosofia se vai definindo de modo natural, espontâneo, e isto, usando 
as nossas vivências, isto é, aquelas que nos são comuns, ou comuns a todos. Não existisse este 
lastro comum de vivências, os homens não se entenderiam; como todos estamos na vida, em 
grande parte nossas vivências se assemelham. 
Então, as várias filosofias são modos diferentes de interpretar o mundo; a causa disto é 
que cada filósofo, postado no seu mirante, e a partir de suas próprias vivências, nos diz o que 
o mundo lhe parece, e como há de ser a verdade segundo o seu entender. Juntando-se todas as 
verdades particulares, todos os testemunhos da verdade, porque cada filósofo tem sua parcela 
de razão, podemos construir a verdade inteira, global. “Dir-se-ia - escreve Ortega - que a 
razão se fez estilhaços antes de começar o homem a pensar e, por isso, tem este que ir 
recolhendo os fragmentos um a um e juntá-los. Simmel fala de uma “sociedade do prato 
quebrado”, que existiu em fins do século passado na Alemanha” 7. Por conseguinte, a síntese 
filosófica que desenvolvemos, já tem nessa “sociedade do prato quebrado”, sua precursora. 
Mais: “Se os filósofos anteriores já não houvessem feito essas «experiências de pensamento» 
teria que fazê-las o sucessor e, portanto, permanecer nelas e ser ele o antecessor” 8. Ainda: 
“Como os problemas da filosofia são os fundamentais, não há nenhum em que não estejam já 
todos. Os problemas fundamentais estão inexoravelmente ligados uns aos outros, e puxando 
qualquer um saem os outros. O filósofo os vê sempre, ainda que seja sem consciência clara e à 
parte de cada um. Se não se quer chamar a isto ver, diga-se que, cego, os apalpa. Daí que - 
contra o que o profano acredita - as filosofias se entendem muito bem entre si: são uma 
6 Ortega Y Gasset, Origem e Epílogo da Filosofia, 209
7 Ortega Y Gasset, Origem e Epílogo da Filosofia, 168 
8 Ortega Y Gasset, Origem e Epílogo da Filosofia, l68
10
conversação de quase três milênios, um diálogo e uma disputa contínuos numa língua comum 
que é a própria atitude filosófica e a presença dos mesmos bicórneos problemas” 9. “Deste 
modo, a série dos filósofos aparece como um só filósofo que houvesse vivido dois mil e 
quinhentos anos e durante ele houvesse «prosseguido pensando»” 10. A filosofia, deste modo, 
se nos mostra como uma coisa em se fazendo; mas um dia estará completa, conferindo ao 
homem a plena verdade humanamente possível. Existirão luzes verdes para todos os lados, 
indicando campos ignotos do saber, somente acessíveis a outros níveis de consciência; porém, 
a mente humana, enquanto humana, estará saciada, tendo realizado em ato toda a sua 
potencialidade. O objetivo perseguido pelo homem é a felicidade, e o saber é, apenas um dos 
caminhos para ela. Todavia, do mesmo modo como um neurônio do nosso córtex nunca 
poderá vir a saber o que é o universo-homem em que ele vive, habita, e do qual depende, nós, 
humanos, ainda que sapientíssimos, jamais, também conseguiremos saber o que é o Ser, o que 
é Deus. No entanto, podemos falar a respeito dele, podemosdar dele o nosso testemunho, 
podemos promovê-lo a Estatuto por excelência, a Fundamento primeiro, a Premissa Maior 
de todas as nossas conclusões. Somente o homem que chegou a tanto, poderá chamar-se 
sophos, sábio. Quanto a nós, por enquanto, contentamo-nos com apenas ser amantes ou 
amigos da sabedoria, isto é, filósofos. 
Capítulo II
 QUE É A SABEDORIA ? 
 Como a descoberta da verdade se nos assemelha a uma revelação, daí, alétheia, 
primitivo nome da filosofia; como tal descoberta vem pejada de sentimento, de emoção ... que 
pode chegar ao êxtase, seu descobridor não se sente propenso a cuidar que sua visão é parcial, 
que ele observou o mundo apenas de um mirante, que sua visão é uma perspectiva. Sua 
tendência natural é considerar-se como detentor da verdade inteira, e, portanto, que seu 
sistema é completo; sente-se, não como o que busca a sabedoria, como seu amante, apenas, 
mas, como possuidor da inteira verdade. É assim que, antes dos gregos, a verdade que se tinha 
relampagueado na mente dos pensadores, era dada como pura revelação indiscutível. 
 Buda teve o seu lampejo, quando meditava sob a árvore Bó, e achou que toda a verdade 
consistia nisto: o mal do mundo decorre dos desejos os quais, em sendo anulados até suas 
raízes mais profundas que são o desejo-de-ser, levam o homem a aniquilar-se como 
individuação, dissolvendo-se sua mente individual na Consciência Cósmica ou Nirvana. Todo o 
mal procede da individuação que se confirma e se reforça com o desejo-de-ser, e todo bem, da 
desindividuação ou da dissolução do ser, ou ente, no Todo Universal. 
9 Ortega Y Gasset, Origem e Epílogo da Filosofia, 170
10 Ortega Y Gasset, Origem e Epílogo da Filosofia, 168 
11
 A visão de Buda levou-o à anulação e ao não-ser, e isto, pelo seu método de não 
desejar nada, pelo da negação da vida. Em contraposição, a afirmação da vida conduz o 
indivíduo a reforçar-se, a impor-se, a individuar-se cada vez mais. Esta afirmação de ser dá 
como resultado a ampliação dos desejos que, uma vez repetidamente satisfeitos, torna-se 
hábitos que tecem a teia do destino. Como a alma é uma mina inesgotável de desejos, o desejar 
não cessa, e em qualquer ponto de parada sobrevém o tédio que é outra forma de sofrimento. 
Assim, o homem está condenado a desejar coisas, sofrendo por não poder realizá-las todas; e 
se resolve pôr um termo a tanto desejar, aí nasce o tédio que o esporeia e o faz ir por diante.
 Iniciando-se, por conseguinte, uma árdua guerra contra os desejos, vencendo-os um a 
um, pouco a pouco vai cessando a afirmação-de-ser, e quando o indivíduo, através de várias 
reencarnações, chegar à anulação de todos os desejos, até o de viver, até o de ser, terá 
chegado à sua extinção total com sua disseminação no Todo, inclusive sua mente que se 
dissolve no arqui-oceano da Mente universal ou cósmica de onde saiu, quando se individuou, 
e, após isto, prosseguiu no desejo impuro de continuar individuado. E se esta porção do Todo 
universal não teve este desejo impuro de individuar-se, e não podia tê-lo, porque inconsciente, 
segue-se, então, que tal porção foi, à revelia sua, individuada por Algo estranho a si. Daí a 
ponta de revolta de Buda contra esse Algo a cuja vontade se opõe, querendo exatamente o 
oposto do que o Algo quis e fez... Quando o indivíduo anelar pela morte, não só a física, mas a 
da própria alma, então sobrevém a anulação do ser, e sua mente se dissolve na Mente universal 
de onde foi compelida a sair, de onde foi individuada, como uma onda encapelada que se 
individua do corpo aquário do oceano, para onde retorna e desaparece. Retornando, assim, ao 
Todo primitivo, cessa a individuação, e, com ela, os desejos, e, com estes, todas as dores, 
aflições, fadigas e males.
Não adianta Huberto Rohden nos dizer que os budistas sempre consideraram Buda 
como uma “alma ébria de Deus”. O que os orientais pensam e sentem em seus desejos de 
autoafirmação, isso não conta. O que conta é o que o próprio Buda disse, e é isto: “Os 
perseverantes apagam-se como a lâmpada. Onde nada é, onde nada se arrebata, onde nada é 
palpável está a Ilha do Nada-Além; chamo-a de Nirvana: a suprema abolição do 
envelhecimento e da morte”. Esta premissa de Buda acha-se bem explicitada na obra do seu 
maior discípulo ocidental Schopenhauer, no seu livro: “O Mundo como Vontade e 
Representação”.
Ora bem: o que quis a Mente universal? A individuação. E que pode mais: é a vontade 
individual, ou a Cósmica? É a cósmica. E como pode a mente individual, então, vencer a 
Cósmica, anulando em si, o que quis e impôs a Mente universal? Aqui está a incoerência de 
Buda e a de Schopenhauer. De outro modo: a Mente universal ou Cósmica quis e operou a 
individuação dos entes todos. Querer o contrário, a desindividuação, é estar contra a Mente 
universal, é ser anti-cósmico, anti-Deus. Lúcifer e seus consócios chegaram ao não-ser pela 
inversão do amor no egoísmo. A este mesmo não-ser pretendem Buda e Schopenhauer chegar, 
pelo caminho de não desejar nada, ou pelo de desejar a anulação como indivíduos. Qual, 
logo, a diferença entre estes dois modos de ser contra Deus? Pois Satanás, pelo caminho de 
querer tudo, de querer ser o centro para onde tudo haveria de pender. Buda e Schopenhauer 
não querem nada, nem mesmo ser, que isto é estar abaixo de último. Fale, então, Ortega: “A 
rigor, a rebelião do arcanjo Lusbel não o houvera sido menor se em vez de empenhar-se em ser 
Deus - o que não era o seu destino - se houvesse obstinado em ser o mais ínfimo dos anjos, 
que tampouco o era. (Se Lusbel tivesse sido russo, como Tolstoi, teria talvez preferido este 
último estilo de rebeldia, que não é mais nem menos contra Deus que o outro tão famoso)” 11.
Cada ente, logo, para achar a sua felicidade, que é a única coisa que todos buscam, terá 
de permanecer no seu posto, fazendo aquilo que o faz ser o que é, numa especialização 
proveitosa para todos, que o leve a ser único em sua espécie. São Tomás tem razão: cada anjo 
é uma espécie; e Huberto Rohden: “O fim do homem é revelar em sua existência individual - 
11 Ortega Y Gasset, a Rebelião das Massas, 178
12
aqui ou alhures - aquele aspecto peculiar e único da divindade que só ele poderá revelar 
plenamente. Pois, como todos os seres da natureza, e sobretudo todos os seres humanos, são 
originais, únicos e inéditos na sua existência, seres que nunca existiram nem jamais existirão 
iguais; indivíduos que não são cópias de outros anteriores, e dos quais não serão feitas cópias 
posteriores - segue-se que cada indivíduo e cada personalidade tem a missão peculiar de 
concretizar um determinado aspecto da divindade” 12. 
Por conseguinte, é na individuação de inconfundível unicidade original que está o fim 
do homem, e não na sua despersonificação tendente ao homogêneo, ao amorfismo. O fim do 
homem é ser único em si mesmo, e ser o que o anjo é, e “cada anjo é uma espécie”.
Mas Buda não perdeu tempo em explicitar sua premissa, ou chegar a ela por indução; 
não se ocupou em descrever suas experiências, em desenvolver seus raciocínios, em 
demonstrar sua verdade. Apenas apresentou-a como sendo a verdade mesma, a sabedoria 
inteira sem discussão. A doutrina de Buda não aparece como uma busca da verdade, mas como 
a verdade achada, inteira, e para revelá-la aos homens, não usou argumentos, raciocínios, 
razões, exposições, e sim, apresentou-a como coisa definitiva, indiscutível, na qual se devia 
crer de fé. 
Assim também ocorreu com Zoroastro, o homem a quem tocou inventar o diabo, pois, 
para ele, o único modo de resolver o problema dos males, misérias e dores do mundo, seria 
criar um anti-Deus ou Satanás. Mas não diz Zoroastro quando, porque, de que, por quem e 
como tenha surgido esse formidoloso Demônio que enche o mundo de mal e dor. Apenas 
apresentou sua verdade que tinha de ser aceita de fé, sem discutir. No modo de apresentar a 
verdade vai a diferença entre o dogmatismo e a filosofia, entre o fautor de religião e o filósofo; 
este, por isto, mais modesto, se contenta com apenas ser amigo da sabedoria, enquanto que o 
outro não tem por onde senão mostrar-se como sábio. 
Moisés condensou em si toda a cultura de seu tempo, como príncipe que era, valido da 
casa de faraó. No entanto, quando previu que o Egito estava condenado, sem remissão, por 
causa de a materialidade estar suplantando o espírito, e decidiu fazer-se guia do seu povo 
escravizado, não disse nada do que aprendera com os egípcios, não declarou que sua 
concepção do Deus único era um aperfeiçoamento do etéreo deus-luz de Akhenaton 
(Amenotep IV), um faraó que vivera cem anos antes dele, segundo Charles Potter. Não 
anunciou que seu Decálogo, o conteúdo ético de sua religião, fora calcado sobre o Código de 
Hamurabi. Nem que o maná das fraldas do deserto que o povo percorrera, era natural aí, e até 
hoje é colhido de uns pequenos arbustos (tamargueira). Nem que as codornizes caídas de 
cansaço no arraial, não foram enviadas por Deus, mas que até hoje lá pousam de seus vôos 
migratórios, depois de vencerem a distância do braço de mar que cada vez mais se alarga com 
o afastamento dos continentes. Nada disto disse Moisés, e antes, levou tudo à conta de ordens 
e vontade de seu Deus. Por que? Para ter a indispensável autoridade, falou em nome de Deus. 
Suas experiências com explosivos no alto do Sinai, eram trovoadas, e quando, um dia, 
queimou a cara, e teve de ocultá-la com um saco, veio com a explicação de que Deus lhe falara 
face a face, e que desta vista de Deus, seu semblante de homem ficou resplandecente a tal 
ponto, que ninguém conseguiria fitá-lo. Em vez de tirar o capuz que lhe cobria a cabeça, e 
fazer esta prova magnífica do poder de Deus, apenas deu aquela descabelada versão do seu 
acidente, e ficou só nisto. Foi com tais resinas explosivas que Josué pôs abaixo as muralhas de 
Jericó, e, para despistar, enquanto os dinamitadores, camuflados, minavam as bases dos muros, 
o povo, ao longe, ao largo, faziam voltas procissionais, tocando tambores e trombetas. A 
arqueologia descobriu: as muralhas de Jericó caíram para dentro... Também com explosivos 
Josué fez desbarrancar as margens do Jordão, bem acima de onde se acampava o povo de 
Israel, e tendo secado temporariamente o rio dali abaixo, pôde o povo atravessá-lo a pé 
enxuto. Mais verossímil é esta do explosivo, que a hipótese de terremotos para o 
desmoronamento das margens do Jordão, e para a queda das muralhas de Jericó, aventada por 
12 Huberto Rodhen, Filosofia Universal, 2, 75
13
quem escreveu esta parte de “O Mundo Bíblico” de Seleções... Segundo Sílvio Gesell, há duas 
fórmulas de explosivos na Bíblia, bastando variar as proporções: uma é a do “azeite da santa 
unção” 13, e outra, a do “incenso santo” 14. Daí a recomendação, em ambos casos, de que seria 
extirpado do seio do povo aquele que fizesse uso inadequado de tais incenso e óleo santos, 
haja vista os dois filhos de Arão que morreram duma explosão, quando erraram na fórmula do 
incenso; mas a explicação é que apresentaram ao Senhor um “fogo estranho” (!) 15. Agora, 
então, se sabe como os egípcios rebentavam pedras...
Também, diz Fritz Kahn que “os egípcios sabiam até construir aparelhos (elétricos) de 
alta tensão, pois o cientista moderno que ler a Bíblia tem quase a certeza de que a “arca santa”, 
da qual os sacerdotes faziam saltar “fogo”e “relâmpagos” que matavam qualquer um estranho 
que se aproximasse indevidamente, fora uma instalação de alta tensão” 16. De tais raios morreu 
Uzá 17 quando, para amparar a arca que se inclinara no transporte, pôs-lhe a mão. Os 
condensadores se descarregaram para a terra pelo corpo de Uzá, e ele morreu. Ou do incenso, 
ou destes raios elétricos morreram os sacerdotes filhos de Arão 18, já referidos.
Saradas as queimaduras, descobriu Moisés o rosto, porque aí, então, já se tinha 
extinguido o resplendor divino. Ao fazer Miguel Ângelo o seu “Moisés”, talhando-o na pedra, 
não teve outro meio de fazer esses raios divinos senão como duas pontas a saírem da cabeça 
de Moisés; com isto Moisés saiu de chavelhos confundindo-se com Pã, com Sileno e com os 
sátiros e faunos gregos..., para a confusão de algum arqueólogo, de milhares de anos futuros, 
que o venha desenterrar de entre as demais ruínas desta nossa civilização...
Foi bom Moisés ter procedido desse modo? Sim, foi. De outra maneira não teria 
autoridade sobre aquele povo que, além de fetichista e escravo, estava muito mal acostumado, 
por causa da degradação e dos desregramentos dos egípcios. Haja vista que quiseram retornar 
à idolatria egípcia e clamavam pelas paneladas que deixaram para trás no vale do Nilo.
Descendo Moisés do Sinai, em cujo cimo Deus lhe dera as Tábuas da Lei, depara-se 
com seu povo na adoração do estúpido bezerro feito por Arão com as arrecadas de ouro que o 
povo trouxera dos egípcios. Enfurecido, Moisés quebra as Tábuas Sagradas, e com isto obtém 
duplo resultado: primeiro mostra todo o seu horror à idolatria, e manda passar pelas armas os 
idólatras desnecessários e sediciosos, como escarmento para todos; só os desnecessários, sim, 
porque poupou o indispensável Arão por cuja boca falava, visto que era tartamudo. Arão foi o 
fautor do bezerro, e interrogado por Moisés sobre por que fez aquilo, respondeu: “lancei (o 
ouro) no fogo, e saiu esse bezerro” 19. Esta desculpa mais afeiou o ato de Arão, porque, se 
nega que fez o bezerro, então este se fez a si mesmo, pelo que se comprovava ser o verdadeiro 
deus. Por tão feio pecado que custou a vida de tantos, Arão não é executado, porque havia 
outros que podiam servir de bodes expiatórios, somente contra os quais recaiu a fúria 
sanguinária de Moisés.
O outro resultado foi destruir aquelas Tábuas em que Deus escrevera, segundo disse: 
por que? Ora, porque rudemente imperfeitas, impróprias a constituírem obra de Deus; com 
isto, Moisés teve oportunidade de escrever, ele mesmo, outras, agora com as imperfeições 
permissíveis, por serem obra de homem. Que petulância foi aquela de Moisés, de fazer em 
pedaços uma obra saída da mão de Deus? E das Tábuas originais, por que não se guardaram, 
como relíquias preciosíssimas, ao menos os cacos? Acaso não se podia emendá-los, 
reconstituindo toda, inteira, as divinas Tábuas?, como fazem, hoje, os arqueólogos e 
paleontologistas? estes com fósseis, e aqueles com cerâmicas, documentos, manuscritos e 
utensílios? Mas não. Das antigas Tábuas não se falou mais, e Moisés escreveu outras, agora 
13 Ex. 30, 23-24
14 Ex. 30, 34-36
15 Num. 26, 61
16 Fritz Kahn, O Átomo, 22
17 II Sam. 6, 6-7
18 Lev 10, 2
19 Ex 32, 24
14
apresentáveis a homens que ficaram só a imaginar como seriam aquelas em que Deus, tão 
portentosamente, escreveu com sua própria mão.
Poder-se-ia perguntar: onde fica Deus em toda esta fantástica história? Pois fica na 
mente e no coração de Moisés, porquanto foi de aí que Deus tudo comandou, propiciando 
meios de civilizar a besta humana, obra que ainda não está acabada. Nós nos reverenciamos 
frente à grande figura de Moisés, o gênio usado por Deus para guiar o rebanho de ignorantes, 
egoístas e maus, em demanda da luz. É aí, na mente e no coração do seu ungido, que Deus 
atuava, e não com prodígios exteriores, com deslumbramentos e portentosos sinais de força, 
que é o que o involudo sempre procura. Akhenaton fracassara, porque era um rei. Moisés 
anotou isso. “As grandes inovações nunca vêm de cima; é de baixo que, invariavelmente,procedem”(Jung). Além disso, Akhenaton não contou com um Paulo, como teve Cristo 
(Charles Potter). E sendo Moisés também um príncipe da casa de faraó, desceu do seu 
pedestal, fez-se pastor do rebanho de ovelhas do seu sogro Jetro, antes de ir à sua gloriosa 
missão de conduzir escravos com o título de “Libertador”, e, como tal, e em nome do seu 
tonitruante Deus, triunfar sobre o poder supremo do Egito, traçando depois, com mão firme, 
os primeiros rumos da nossa civilização ocidental. Pudera ter ficado com o trono do reino do 
Nilo, se aplicasse nisso sua fabulosa inteligência. Mas não. É de baixo que havia de surgir, 
heróico, sobranceiro, extraordinário aquele que encheria com sua figura mais de três mil anos 
de história. O povo ignorante, dragontino ainda, queria sinais de força? Pois deu-os Moisés, a 
mando do seu Deus interior que lhe guiava a mente, o coração e os passos. O faraó do tempo 
dos prodígios de Moisés, Ramsés II (Charles Potter), não acreditava nos prodígios, porque 
harto os conhecia das mesmas escolas em que estudou Moisés; mas criam-nos as massas, e isto 
manietava o rei todopoderoso antes, tornado agora débil. Moisés aprendera a transformar 
cajados em serpentes, e o feito de a vara de Moisés comer e engolir as dos sábios do Nilo, não 
diminuiu em nada a glória destes de terem sido nisto os mestres de Moisés. Nessa batalha de 
magos, os egípcios e Moisés se emparelharam, sem vitória de nenhuma parte, porque o 
prodígio se cifrava em fazer cajados virarem cobras, e não, numa serpente maior comer e 
engolir as outras. O Nilo transformado em sangue, já suspeitavam, os sacerdotes e o rei, tratar-
se de fenômeno natural; algo invisível e ignorado, em certa época, e sob dadas condições, 
tingia de vermelhos as águas. Assim as rãs; assim os piolhos; assim os mosquitos: a história (e 
a conheciam) relatava outras iguais ocorrências no passado. Mas o povo ignorava tudo isso, e 
sua pressão sobre os sacerdotes e sobre o rei, fazia-os frágeis frente à portentosa figura de 
Moisés que não se cansava de dizer que agia a mando e em nome de seu Deus.
Deus tinha então, e tem ainda, um trabalho a executar no mundo, e Moisés foi o seu 
instrumento por cujas mãos agia, e, porque gago, Moisés falava pela boca de Arão. E falou 
Arão, e Moisés escreveu a fala para a posteridade. Neste trabalho de impor o Bem ao Mal, a 
Luz às Trevas, a Sabedoria à Ignorância, todos os meios e estratagemas servem, como soe 
acontecer na guerra. Se tenta o Diabo imitar a luz do empíreo, por que não pode Deus fingir as 
trevas suas? Os homens dragontinos pediam um sinal de força (eis as trevas!) para crer, porque 
só crêem na força, e o tiveram, que, para tanto, Deus tocara Moisés com sua arqui-luminosa e 
argêntea vara.
Quem quiser saber a quanto andava a ciência egípcia, veja o que fez Moisés. O que este 
ostentou foi o produto melhorado com seu engenho e arte, do quanto se ensinava aos 
iniciados, e só a estes. Também os sacerdotes, mestres e magos do Nilo, em relação a Moisés, 
poderiam ter antecipado Nero... no que disse este de Tigélinos: “– Agasalhei uma serpente no 
meu seio!”, que tal o fora Moisés, para o bem de Deus, e para a desgraça dos egípcios que se 
mostraram surdos e insensíveis à voz meiga, mansa e boa de Akhenaton, o rei poeta que 
morrera aos trinta anos, ralado de desgostos. Foi esta a primeira grande luz que brilhou em 
meio à escuridão imensa, e foi por esta sufocada, até que surgiu Moisés, a grande luz segunda 
que as trevas não puderam apagar.
15
Os tempos correram, e Moisés se firmou cada vez mais, brotando dele todos os galhos 
e vergônteas que hoje frondejam, floreiam e frutificam nas instituições, na ética e nas leis. À 
besta então se pôs os freios: os éticos e os legais, tornando-a no “civilizado” dos dias que hoje 
correm. Onde, pois, ficou Deus em toda esta história? Pois ficou na mente e no coração de 
Moisés, como idéia e como sentimento, para grandeza e glória do homem, para a glória e 
grandeza da civilização. É aí que age Deus, e não, como o desejaria o involuído que pede 
efeitos exteriores de força..., a força que esmaga sempre, mas nunca, jamais, convence 
ninguém! Saibam-no, os que ainda hoje crêem no poder: uma idéia - Moisés o demonstrou - na 
cabeça e uma pena na mão de um gênio, como o que escreveu o Pentatêuco, podem ser muito 
mais fulminantes que quantas bombas de anti-matéria se possam produzir..., bombas que só 
ainda em teoria são possíveis. Eis Moisés, o portentoso homem de Deus, que só pôde ser 
superado pelo Maior de quantos teve o mundo, que disse no Madeiro, nas vascas da agonia: 
Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!
Estes poucos exemplos bastam para demonstrar que, antes dos Helenos, os senhores da 
verdade parcial não se davam como meros amigos da sabedoria, mas se punham na frente de 
todos como sábios, porque, até então, o único meio de apresentar a verdade era o método da 
fé, o da sugestão, visto que o povo, grosso modo, não era racional. A humanidade também 
teve sua infância, e as crianças, e os hipnotizados, obedecem sempre, sem nunca pedir razões. 
Grosso modo, dizíamos, porque sempre houve a raça dos discutidores, dos sofistas e dos 
cépticos, estes, no sentido grego da palavra, diferente do sentido que se dá hoje a esse termo. 
Estes tais, ou entendiam e auxiliavam a obra civilizatória, ou eram os sediciosos, como Datã, 
Coré e Abirão, anarquistas todos, que argumentavam: se toda a congregação é santa, por que 
se exalta Moisés sobre os demais? Se todos somos santos, por que haver chefes? A estes, com 
suas tendas, com seus animais, com seus filhos e com suas mulheres, Moisés enterrou no 
deserto, e depois escreveu com mão firme, decidida: a terra abriu-se debaixo de seus pés, os 
tragou, e se fechou sobre eles...
O céptico, no sentido grego, nada se parece (diz Ortega) com o negativista de nossos 
dias que não crê em nada por mero comodismo, por preguiça de pensar; esse céptico moderno, 
sonolento, amodorrado, que não se prende nunca em pensamentos grandes, difere polarmente 
daquele outro vivo, ativo, percuciente que se dava ao trabalho de, por meio duma cadeia de 
raciocínios rigorosos, apertados, erradicar a fé de seus coevos. Assim, os cépticos e os sofistas 
levaram a descrença a todos os gregos, pondo em colapso a sua religião que servira muito bem 
até ali.
No entanto, como o demonstra Ortega, “estamos sempre numa crença” que nunca 
discutimos, porque a somos. Religião se pode discutir, porque é objeto de razão, de estudos, 
mantendo-se, por isto, exterior à nossa vida; a crença que somos, que faz a nossa vida, que, 
imperativamente, nos guia a conduta e os passos, essa não podemos discutir, porque a somos, 
dado que os fundamentos não se discutem, nem nas ciências, nem nas matemáticas. Quando 
perdemos nossa crença, o nosso substrato profundo sobre que nos apoiamos para viver e agir, 
ficamos no ar, suspensos. Um homem pode não ter religião, mas terá sempre uma crença, que, 
do contrário, não pode conduzir-se, agir, viver. Alguma coisa é sua convicção profunda, e, se 
a perde, vê-se obrigado a entrar em meditação, a criar pensamentos novos, a organizar nova 
crença. Pois bem: os gregos tinham perdido a crença nos deuses, e aqui, começa, para eles, um 
modo diferente de obter nova crença, sem ser pelos caminhos da teofania, da revelação, como 
até então fora. O homem grego atingira a idade da razão, a maturidade; não se guiaria mais 
pelo princípio da autoridade, pela sugestão, pela hipnose, pela fé, e sim, por racionalidade, por 
persuasão. A busca de Deus, do Ser, tinha de fazer-se por via racional, e não mais com base no 
princípio da autoridade; em vez de continuarem a perguntar: quem disse?, passaram a 
perguntar: por que?
Todavia, o Deus que aparece no fim duma cadeia de raciocínios, não é o mesmo Deus 
das religiões.A filosofia, até agora, levou o homem à concepção de um Deus-Essência-Pura, 
16
Deus-Forma-Vazia-de-Conteúdo, Deus-Pura-Idealidade, no passo que o Deus das religiões 
é o Deus-Substância, Deus-Vivo, atuante, que tem Querer, que tem Vontade, que se põe em 
contato afetivo, amistoso, com o homem para o abençoar.
Sem apelar para a fé, seguindo sempre a linha racional, iremos ver como as duas meias-
verdades se reúnem, se irmanam, se integram na síntese, e a idéia de Deus se resplandece 
como Essência e Substância a um só tempo. 
17
Capítulo III
 AS CLASSES DE SABER
Filósofo é todo aquele que se acha possuído do amor pela sabedoria; porém, que classe 
de saber ocupa a meditação do pensador? Há muitas classes de saber, como, por exemplo, o 
saber instintivo, próprio dos animais, e o saber prático, manual, habitual, reflexivo (que faz o 
artesão, o oficial) próprio dos homens ocupados em rotinas. Dizemos que a Natureza é sábia, 
porque a vemos resolver os seus problemas inteligentemente, sem, contudo, haver inteligência 
nos seus agentes. Há certas lagartas que, quando famintas, possuem heliotropismo positivo. 
Atraídas pela luz, tais lagartas começam a subir pelo tronco, pelos galhos das árvores de cujas 
folhas se nutrem, indo parar nos brotos mais tenros. Saciada a fome, cessa o heliotropismo, e 
as lagartas podem voltar, nos galhos, para esconderijos seguros. Acima dos tropismos situam-
se os instintos animais, e infindos problemas se resolvem por meio deles. Esta sabedoria 
irracional levou os homens a criarem aforismos paradoxais quais sejam: a natureza é sábia, e 
a natureza é cega... É sábia, mas cega (!)...
No entanto, acima deste saber irracional situam-se outras classes de saber, como é o 
caso do saber que procuramos, e do saber que não procuramos; este saber que não buscamos 
é-nos imposto pelo nosso contorno social desde o berço. Ao nascermos, achamo-nos alojados 
em um mundo social, e desde pequeno os mais velhos vão-nos ensinando coisas, noções, ao 
nos transmitir o domínio da língua. Vivemos, destarte, a crédito da sociedade. Nossos 
pensamentos não são nossos; são o social em nós. A sociedade nos invade, nos domina, 
expulsa-nos de nós mesmos, para que sejamos o que ela é. Nesta fase não somos autênticos, 
não somos nós mesmos, e, parodiando o Apóstolo das gentes que disse: “Não sou eu o que 
vivo, mas Cristo é que vive em mim” 20, também poderíamos afirmar: não somos nós que 
vivemos, mas a sociedade é que vive em nós.
E todos os nossos conhecimentos primeiros nos vêm por esta via do social, sendo esta 
teoria do conhecimento muito diferente daquela de Kant, segundo a qual tudo começava nas 
intuições puras de espaço, de tempo e de causalidade.
E quando vamos para a escola, a sociedade nos acompanha nas pessoas dos mestres, 
prosseguindo no seu afã de expulsar-nos de nós mesmos, para que sejamos apenas mais um 
elemento da multidão. Nossos conhecimentos são livrescos, ofertando-nos uma forma de 
vivência muito diversa da que nos compete ter para sermos autênticos, para sermos nós 
mesmos. O conjunto-verdade da multidão passa a ser o nosso conjunto-verdade com todo o 
seu acervo de verdades falsas, tidas por verdadeiras. 
Outra classe de saber não procurado é o habitual que nos impõe nossa vida espontânea. 
Ao nos levantarmos, de manhã, lavamos o rosto, fazemos a barba, tomamos o nosso café, 
vestimo-nos, e, às vezes, até sem nos apercebermos de tudo isto, se estivermos engolfados em 
preocupações grandes. Tal, a força do hábito! No entanto, os hábitos foram aprendidos, antes 
de se fixarem em automatismos semelhantes ao saber instintivo. Eis, portanto, outra classe de 
saber: o saber irracional dos hábitos.
Vestidas as roupas, saímos para a rua, vemos casas, gente, árvores, animais, ouvimos o 
barulho do mundo, e assim, chegamos ao nosso local de trabalho. Findo o dia, à tarde, 
voltamos para a casa, pomo-nos à vontade para ler o jornal, ver televisão, ouvir música, 
meditar sobre o mundo. 
Até aqui, vivemos nossa vida espontânea, sem problemas. Todavia, quando, em nossa 
meditação sobre o mundo, nos perguntamos: o que é a árvore?, nesse ponto, a árvore passou 
a ser-nos um problema, passou-nos a ser objeto de cogitação, de estudo. Enquanto não nos 
fizermos nenhuma pergunta, todo o nosso saber se resumia num saber não procurado, num 
20 Gal 2, 20
18
saber vivencial, espontâneo, natural, patente. No entanto, quando nos perguntamos o que é a 
árvore?, nesse momento, saímos da nossa vida espontânea, maquinal, para penetrarmos em 
nossa vida racional. Este saber que procuramos, esse o discutimos, num pleno exercício não só 
da razão, mas da vontade; queremos saber, e, por isso, procuramos tal classe de conhecimento. 
A árvore tornou-se-nos um problema; queremos saber o que ela é.
Saímos da nossa vida espontânea, dissemos, para penetrar em nossa vida racional; 
contudo, não é isto verdade, porque nossa vida espontânea, levamo-la conosco para o gabinete 
de estudos. Não nos apartamos jamais, nunca, dela, e quando nos propomos a questão de o 
que é a árvore, imaginamos a árvore num ponto da paisagem, e toda a paisagem ao redor 
dela. Deste modo, o mundo espontâneo, embora não seja um saber procurado, é o fundo ou 
cenário do outro saber, o que procuramos, porque, um homem que jamais tivesse visto árvore, 
bosques, florestas, estaria impedido de fazer-se a si mesmo a proposição: o que é uma árvore? 
Nunca, ninguém se ocupou de perguntar sobre as coisas estranhas que existem em Vênus; não 
obstante, se algum dia chegar a vê-las, sem dúvida perguntará o que são elas. O caso é como o 
da laranja para os mãoseanos; se em Mãose (planeta fictício) não houver laranjeiras com suas 
laranjas, um mãosito ficaria impossibilitado de saber o que são tais coisas... por lhe faltar o 
complexo das vivências sobre que se apóiam os conceitos, as essências.
Já se vê, conseqüentemente, que aquele saber não procurado que o mundo a todo 
instante nos oferta, é a base natural indispensável do saber que buscamos. Sem as nossas 
vivências, sem nossa vida espontânea, sem isso que está aí fora, sem esse mundo físico ou da 
física, não se poderia construir a metafísica, literalmente, depois da física; sem esse antes, que 
é a física, não haveria o depois, que é a metafísica. Se um serafim viesse nos dizer como é seu 
mundo celeste, não poderíamos entender, porque nos faltam as vivências que subjazem, que 
lastreiam, que fazem fundo a esse saber. 
Ora bem: como estes dois aspectos: o substancial ou físico e o essencial ou metafísico, 
são inerentes a todas as coisas; como o aspecto substância, física, vivência, experiência 
sensorial, vida espontânea, e o seu correlato aspecto essência, metafísica, conceito, forma, 
razão, vida racional não se separam na unidade do ser-das-coisas, segue-se que a filosofia 
não pode considerá-los divorciados como sempre se fez. Conquanto nossa vida espontânea nos 
propicie um saber não procurado, ele é o correlativo imediato e a base do outro saber, aquele 
que procuramos. E o filósofo terá de considerá-los inseparáveis, do mesmo modo como, de 
uma dada coisa, é impossível separar-se a essência da substância, a forma do conteúdo, a 
idealidade abstrata da coisidade concreta. Se até aqui os filósofos cuidaram que bastava 
conhecer a essência para dominar o ser duma coisa, agora demonstramos que o conhecimento 
da essência pura, é só meio conhecimento. E a sabedoria, de que os filósofos se dizem 
amantes, não se contenta só com a essência, que tal conhecimento não será sabedoria, visto 
que esta vem de sabor, de experiência sensorial.
Conseqüentemente, na conquista do saber integral, o homem se comporta sempre como 
um todo de que fazem parte sua razão, de natureza essencial, e suas vivênciassubstanciais. 
Todos os cinco sentidos exteriores, e ainda supridos e ampliados por instrumentos, e mais os 
outros internos, não se sabe quantos, propiciam as vivências sobre que cavalga o nosso mundo 
racional. E o amigo da sabedoria, se quiser sê-lo, agirá como um todo, e não só com sua 
inteligência..., porque o saber racional, além de meio-saber, ainda não existiria se não fossem 
as vivências que subestão àqueles. A realidade não se põe somente como essência, senão, 
também, como vivências que integram, em si, os sentidos todos, e ainda os sentimentos e as 
emoções que o mundo circundante pode produzir em nós. 
De tudo isto, concluímos que os filósofos andaram equivocados desde os primórdios, 
uma vez que se propunham a ser amigos da sabedoria, esta derivada de sabor, de experiência, 
de vivência, e no entanto, eles se perderam no cultivo da razão abstrata, do puro conhecimento 
racional, pelo que deviam chamar-se epistemólogos, ou filomáticos, mas, não filósofos. Eles 
desprezaram, de vez, o substancial das coisas, sob a alegação de que isso era o não-ser; pois 
19
bem: se o substancial é o não-ser, o essencial é o não-existir. Certo, como é, que nenhum 
conceito pode ser vazio da sua substância, quando nos referimos a uma dada coisa, nossa 
definição se carrega de um conteúdo vivencial implícito, isto é, guarda consigo uma 
experiência omitida no contexto da definição. Os conceitos de limão, de pimenta, vêm 
associados às memórias gustativas de azedo, de ardido. O saber da definição implica num 
consaber vivencial. É por isto que se torna perigoso definir, e nenhuma definição satisfaz. Esta 
é a razão por que, por exemplo, a palavra algodão tem um sentido para o botânico que o 
estuda, outro para o lavrador que o cultiva, outro para o tecelão que o fia e tece, outro para o 
comerciante de tecidos que o vende, outro para o fabricante de colchões que só o vê em 
mantas, outro para o químico que fabrica o algodão-pólvora para as balas de canhão, e o 
celulóide de que são feitas as bonecas com que as meninas brincam, outro para o corretor de 
bolsas. Só pelo contexto o sentido se aclara, sendo muito vasta a concepção da palavra 
“algodão”, quando isolada. Daí que “todo vocábulo é ocasional” (Ortega). Até em matemática: 
não se podendo definir-lhe os elementos, diz-se que são “intuições”. O ponto é uma intuição, 
porque se o definirmos como sendo ele carente de dimensões, simplesmente teremos dito que 
não é espacial, nem planimétrico, nem linear, pelo que não existe. Ora, as intuições são 
indefiníveis. Se fosse condição básica o definir, para pensar, aí está que a matemática, a mais 
exata das ciências, não podendo definir seus elementos, pensa-os, como intuições. Igualmente, 
os postulados e axiomas dela não se definem, por ser intuições.
Eis, portanto, que o saber procurado emana daquele outro que não buscamos com a 
razão; aí está que da física nasce a metafísica. Não esquecer, todavia, que o saber não 
procurado que, à primeira vista, parece que nos foi ofertado só pelo mundo circundante, na 
verdade, não nos vem só por essa via, senão, também, pela do social.
De um lado, a vida espontânea a nos ofertar vivências que são um saber não procurado, 
mas que é básico. De outra parte, a vida social nos obriga, nos impõe, outra forma de saber 
que, outra vez, não buscamos, e que, por isso, faz parelha ao primeiro, no que diz respeito a 
ser-nos fundamental. Fundamental é o primeiro, e também basilar, o segundo. Lá, na vida 
espontânea, apesar de advertidos pelas nossas mães, aprendemos a não pôr a mão no fogo, 
porque queima; cá, na vida social, recebemos todas as explicações de o que o mundo é, e mais: 
aprendemos a não fazer tais ou quais coisas, porque, se o fizermos, seremos prontamente 
reprimidos por uma coerção social, primeiro extrínseca, porque vem do contorno, e logo mais 
intrínseca, porque vem de dentro, e se chama condicionamento, educação. Aprendemos que 
essa coerção nos pressiona e comprime fortemente no legal, e com menos força no ético. Essa 
coerção nos obriga a aprender, não a resolver quaisquer problemas por nós mesmos, e sim, 
ensina-nos a solução pronta dos problemas, do modo como, anteriormente, os resolveu, a 
sociedade. Até em matemática, não se aprende a resolver problemas, mas, aprende-se a 
solução pronta deles. Por este motivo, tais conhecimentos nos deixam pobríssimos daquilo que 
é mais excelso em nós - a inventividade, a criatividade, o nós mesmos, o eu autêntico. Num 
nível superior, ocorre-nos o mesmo que acontece no mundo animal. 
O animal inferior, selvagem, no seu meio agreste, vive na alteração, como diz Ortega; 
alteração vem de alter e ação, que quer dizer: o outro agindo, sendo outro, tornando-nos o 
outro, que não nós mesmos; movemo-nos por impulsão alheia, por atuação do outro, em 
resposta ao outro; vivemos de reação. O animal não pode atentar a si mesmo, porque precisa 
estar atento ao outro, ao contorno agreste. O ambiente cheio de perigos o faz sempre voltado 
para fora, para o exterior. Não pode ele entrar em si mesmo, estar só consigo em solidão para 
pensar, ainda que pudesse, e ser si mesmo; por isto é alter-ado, ou seja, tornado outro e não 
si. 
Também o homem primitivo vivia alterado, temeroso de tudo, sempre só atento ao que 
estivesse fora de si. Porém, diz Ortega, a duras penas, o homem se pôs só consigo em solidão 
para pensar o mundo, para conferir os seus conhecimentos, para submeter à prova suas 
verdades. Realizar isto é fazer filosofia... O grego a fez, e dela nasceram as ciências todas, a 
20
tecnologia, o mundo ocidental como o vemos hoje..., mundo que está caindo, porque se 
desprezou a filosofia que lhe deu origem..., unicamente a que poderá mantê-lo em pé..., com 
lhe resolver os problemas, com lhe responder os reptos (Toynbee), os desafios que enfrenta.
O homem-massa, como o primitivo e o animal, também vive na alteração; o mundo 
técnico que outros como ele criaram, é-lhe ameaçador; distrair-se numa rua de movimento de 
veículos, é expor-se a ser atropelado e a morrer. Além disso, os demais homens são-lhe, de 
alguma forma perigosos, contra os quais é preciso precatar-se. A vida que ele criou o obriga a 
correr sem saber para onde, nem para quê. Até que, um dia, tal corredor para nada e para meta 
nenhuma, pára, cai em si, mete-se em solidão e medita. Este estar só consigo em solidão, para 
repensar o consabido e investigar o ignorado; este esforço inusitado que a massa humana não 
conhece; este xeque-mate que se dá à verdade, é o que se chama filosofia. Este, o saber 
procurado. E foi por este modo que toda a ciência se urdiu.
Porém, a vida é problematicidade, donde vem que o filósofo tem que prosseguir 
pensando. Todos os pensadores, diz Ortega, são como se foram um único homem imortal que 
houvesse estado a pensar desde o século VI a.C. até hoje; como o homem é mortal, e suas 
energias extinguíveis, o único meio de prosseguir pensando, é fazê-lo em cadeia, a cadeia dos 
pensadores no tempo, na história. Então, todos os filósofos começam por estudar o que os 
antecessores escreveram, para prosseguir dali. Neste refazer da filosofia, cada um critica nos 
predecessores o que há de errado, e incorpora-lhes os acertos. Daqui as três definições da 
filosofia: a filosofia é um refazer; é o “repositório dos erros”; é “o tesouro dos acertos”, 
como diz Ortega. 
A filosofia, conseqüentemente, está sendo refeita, continuamente, para fazer-se. Porém, 
quando Kant nega validade à metafísica, argumenta que as outras demais ciências estão aí, 
como a física, a química, a astronomia, a matemática, como disciplinas acabadas e 
indiscutíveis, no passo que a filosofia é um campo de dissensões irreconciliáveis. Por que 
assim? Ora, porque a filosofia está aindaa fazer-se, dada a sua complexidade. Também as 
ciências todas que se desmembraram uma a uma da própria filosofia, tiveram esta fase de 
dissensão, e só puderam delimitar seus objetos, quando tais ciências estavam já em boa parte 
feitas. Da busca da pedra filosofal e do elixir da longa vida, nasceu a química, então, com o 
nome de alquimia. O alquímico não podia definir o objeto da sua ciência que se ligava à física e 
ambas à filosofia. Quando, no séc. XVII, Isaac Newton expõe sua teoria da gravitação 
universal, dá ao trabalho o título de Philosophiae Naturalis Principia Mathematica 
(Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), porque a física-matemática ainda estava 
envolta pela filosofia. Logo, não estava delimitado o objeto da física, nem o da matemática. 
Igualmente, Volta, ao dar nome à sua pilha, chamou-a de “órgão elétrico artificial”, porque já 
era conhecido, desde Aristóteles, o peixe elétrico. Volta falava em termos de biologia, porque 
os conceitos biológicos eram-lhe mais familiares, mais conhecidos em sua época. O 
pensamento de Volta, portanto, estava vinculado à biologia.
O homem é como o bifrontal deus Jano o que tinha uma face voltada para o passado, e 
outra, para o futuro, daí janeiro, que é o primeiro mês de cada ano. Podemos dizer, também, 
que uma cara do homem-deus-jano se volta para o particular, e outra, para o geral; uma para 
as ciências, e outra, para a filosofia. Ora, é pacífico que a visão científica do particular, embora 
obtida pelas inúmeras ciências, é mais fácil, menos complexa do que a visão da totalidade. Na 
fase evolutiva, as organizações se fazem do simples para o complexo, de baixo para cima, do 
pequeno para o grande, do individual para o universal; e assim como, quando os átomos se 
organizaram, estiveram rodeados pelo ainda caos molecular, o mesmo ocorrendo com as 
moléculas, com a biologia molecular, com os seres unicelulares etc., também as ciências 
particulares podem apresentar-se como prontas, acabadas, enquanto que a filosofia continua a 
fazer-se, estando ela ainda no seu meio caos. Se Kant nega validade à metafísica, porque ela é 
um campo de dissensões, poder-se-ia dizer também que o Estado não é válido, porque ainda 
em parte caótico e injusto, ainda ocupado em executar suas variadas experiências quanto à 
21
melhor forma de regime. O Estado ainda não está feito; por idêntica razão, também o não está 
a metafísica. Contudo, a verdade unitária e geral tem que haver; é impossível que hajamos de 
ficar, para todo o sempre, perdidos no relativo, no particular. Kant invalidou a metafísica, por 
causa das dissensões dos filósofos; tivesse ele vivido antes, na história, pela mesma razão 
haveria de negar valor à física, à química, à biologia etc., que também eram doutrinas 
questionáveis. Um dia, a filosofia estará completa num sistema-verdade, e daí por diante será 
estável como disciplina do espírito, como sabedoria, como absoluta norteadora da conduta 
humana. A filosofia, ainda agora, é o caminho da sabedoria, e ainda os pensadores são 
filósofos, isto é, apenas amantes da sabedoria; um dia ela será a “sophia”, a sabedoria, e os 
pensadores, “sophos”, sábios. 
Eis, pois, como o atesta a história, que o saber procurado nos levou à filosofia, da qual 
saíram as ciências todas que, também, por isto mesmo, são saberes procurados... por aqueles 
que amam tais saberes, ficando de lado a massa dos que só aprendem por imposição do social. 
Da filosofia se desmembraram todas as ciências que lhe eram até pesada carga; daí que ela, em 
si, não se exauriu, nem se apoucou, tornando-se até mais leve, porque livre da bagagem 
embaraçante; perdeu tudo o que não era si mesma, o que não era generalidade, o que não era 
preocupação do Ser que, para o filósofo, continua a fulgurar no seu ofuscante Oriente eterno, 
atraindo para si todo o afeto do que se fez pensador.
Uma coisa é o saber puro e simples; outra, o saber por amor ao saber. Um saber não 
amado pode ser prático, rotineiro, a serviço da vida; todavia, um saber amado modifica a 
conduta do aprendiz; não é exterior como o primeiro, e sim, a própria vida; não mero 
instrumental da vida, mas ela mesma. O homem-massa aprende, como o filósofo, e até pode vir 
a ser professor de filosofia, mas está destituído de curiosidade pelas coisas do mundo, não tem 
surpresas, não se deslumbra, nem se entusiasma com o saber; ele visa apenas uma aplicação 
prática, utilitária, imediata do saber; já o homem autêntico, o filósofo, inflama-se ante o 
conhecimento, emociona-se até o êxtase frente à descoberta duma porciúncula do universo, 
alça-se em pensamentos grandes, quando descobre um ponto periférico no leque cujas varas se 
juntam no cabo, na unidade suprema do Ser. O filósofo em nada se assemelha, a não ser pelo 
físico, a esse homem espiritualmente acomodado que se deixa levar pela vida, sem destino, 
amodorrado em seu viver animal. Um homem comum pode não ver nada no trabalho duma 
formiga que segue, indiferente, por seu trilho, levando um grão de milho à cabeça; mas 
Salomão pôde tirar dessa faina uma sentença: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, olha para 
os seus caminhos, e sê sábio” 21. Para o medíocre, a formiga não passa de uma das coisas 
corriqueiras a lhe encherem a vida espontânea, cheia de experiências inúteis, inúteis porque 
vazias de saber. Porém, o filósofo, o aspirante à sabedoria, tem seus olhos sempre 
deslumbrados como os da coruja de Minerva. O homem-massa não possui curiosidade; para 
ele, o mundo é achatado, planimétrico, sem hierarquia, sem significação superior; sua vida é só 
a espontânea, a vegetativa, a transcorrer sem criações. O filósofo, diz Ortega, não cessa de 
passar e de repassar o fio já cortante de sua mente na pedra que é o enigma do Ser, em razão 
do que sabe ele enxergar, em um grão-de-areia, o universo ...
Eis que temos ressaltado qual o saber buscado pela filosofia, e quais os homens que, em 
verdade, se podem chamar filósofos, ainda que ocupados em trabalho humilde, como era o do 
modesto polidor de lentes, mas grande pensador Espinosa.
21 Prov 6, 6
22
Capítulo IV
 CAMINHOS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO 
Como vimos, há um saber que não procuramos, que nos vem da visão do mundo 
espontâneo que está aí, à mão; há outro saber, também não procurado, que nos chega por via 
social e nos satura desde o berço; e há o saber buscado com método, amor e entusiasmo. A 
aquele saber não procurado, oriundo de nossas vivências com o mundo à mão, e com o mundo 
social, Platão dava o nome de doxa, que significa a opinião vulgar. Frente a essa opinião 
comum, Platão colocava a epistéme, a ciência. Para obter este saber procurado, a epistéme, a 
ciência, Platão empregava um método ao qual ele dava o nome de dialética que é o 
desenvolvimento racional de dado assunto. Para começar, se supõe que as coisas são isto ou 
são aquilo, e a seguir, nega-se o suposto com argumentos contrários. A suposição é assim 
discutida, alterada, substituída até seu ponto de máxima depuração, e por isso mesmo, 
resistente a quaisquer críticas. Este saber é a epistéme ou ciência, que se opõe à opinião 
vulgar, a doxa, sendo aquela epistéme, então, uma para-doxa, donde proveio a palavra 
paradoxo.
Conseqüentemente, a partir de Platão, a palavra filosofia significa um saber racional, 
obtido pela reflexão através da dialética. Como os filósofos só se interessavam pela epistéme, 
contra a doxa ou opinião vulgar, deviam chamar-se, como já o dissemos, epistemólogos ou 
filomáticos, significando filomática o exagerado amor à ciência. 
Com Aristóteles este saber científico ou epistemológico já adquire volume 
extraordinário, abarcando todo o conhecimento humano até então obtido.

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