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Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 Sociologia Jurídica – Ana Lúcia Sabadell Lição 02 – Abordagem Sociológica do Sistema Jurídico Surge, ao final do século XIX e, principalmente, no início do século XX a Sociologia Jurídica. Não havia uma definição do ponto de vista epistemológico que ali existia a Sociologia do Direito, mas já era clara escritos da perspectiva sociológica o mundo do direito. Nesse contexto, foi iniciada por Durkheim e principalmente Weber, com a sua obra “Economia e Sociedade”, na qual ele faz longa análise do papel do direito a partir da análise sociológica e não mais dogmática. Ou seja, estudavam os vários fenômenos sociais, analisando o direito ao lado da economia, moral, política, classes sociais, religião, família, etc. A Sociologia Jurídica nasce como disciplina no início do século XX, quando os fenômenos jurídicos começam a ser analisados por meio dos métodos da sociologia geral. Nesse sentido, o nascimento real da Sociologia do Direito se dá pelo italiano Carlo Nardi-Greco, considerado o fundador da disciplina. Contudo, quem inseriu o estudo da Sociologia do Direito nas universidades foi o professor Norberto Bobbio, com a sua obra “Da estrutura à função”. O positivismo jurídico, corrente muito importante ao pensamento jurídico, tem o formalismo como característica. Nesse aspecto, Bobbio, em sua obra, propõe uma evolução na estrutura do positivismo, através da sociologia jurídica. Embora Nardi-Greco tenha sido o pai, a obra mais importante para a definição da Sociologia Jurídica foi a obra de Ehrlich “Fundamentos da Sociologia do Direito”. Mais uma vez temos uma análise epistemológica. Ele diz que em uma sociedade existem vários ordenamentos jurídicos (direito da comunidade, direito do Estado, direito dos juristas), organizados em multiníveis de ordenamentos na sociedade, tendo que partir para uma discussão metodológica, analisando sociologicamente esses ordenamentos e não discutir quantos existem. No Brasil, foi Queiroz Lima que inaugurou essa abordagem sociológica com a obra “Princípios da Sociologia Jurídica” que foi, em verdade, uma introdução à sociologia. Nesse sentido, a obra de fato que trouxe a Sociologia Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 do Direito ao Brasil foi a de Pontes de Miranda, com a obra “O sistema da ciência positiva do direito”. Dessa forma, foi o primeiro que abriu o debate da Sociologia Jurídica e o fez com uma perspectiva positivista. Vale lembrar que o pai da Sociologia, August Comte, também era positivista, ou seja, a sociologia tem em sua base o positivismo. Ainda no pensamento de Erlich, parte-se da premissa que o direito é um fato social ou função da sociedade, sendo ele analisado na sociedade ou a partir dela, nunca, portanto, algo externo à sociedade. Ou seja, do direito se manifesta como uma das realidades observáveis na sociedade: a sua criação, evolução e aplicação podem ser explicadas por meio da análise de fatores, de interesses e de forças sociais, tendo o direito uma única fonte: a vontade do grupo social. Nesse sentido, foram desenvolvidas duas perspectivas de abordagem: a Sociologia do Direito e a Sociologia no Direito. Sociologia do Direito: A Sociologia do Direito é a sociologia baseada na observação, na análise sem intervenção. Portanto, coloca-se em uma perspectiva externa ao sistema jurídico. Ou seja, há aí uma função analítica, definindo análises na perspectiva sociológica do problema. É uma abordagem positivista, pois ela observa, sem intervenção; faz-se uma junção dos pensamentos weberianos e kelsenianos, na medida em que na obra de Weber, ele queria construir uma sociologia livre de avaliações (“neutralidade axiológica” do pesquisador) e Kelsen versa sobre a pureza da ciência jurídica que não deve ser confundida nem misturada com análises filosóficas ou sociológicas. Ou seja, a sociologia jurídica não pode ter uma participação ativa dentro do direito, tratando-se, apenas, do conhecimento zetético, pois tem início, meio e o final significa um novo início, permitindo conclusões sociológicas e não jurídicas, portanto não pode interferir nas decisões jurídicas. A sua tarefa é a de ser um observador neutro do sistema jurídico. Assim, essa abordagem diz que é possível a aplicação imparcial do direito, onde o juiz deverá ser o mais neutro possível. Contudo, ao admitir a contribuição de outros ramos, corre-se o risco de que estes venham a interferir Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 na aplicação do direito. Portanto, exclui-se disciplinas como a filosofia, a história do direito, a criminologia, a psicologia jurídica, etc. Sociologia no Direito: Aqui, diferente da Sociologia do Direito, adota-se uma perspectiva interna com relação ao sistema jurídico, havendo a intervenção, tendo por finalidade intervir na solução do problema e não só o observar. É, portanto, uma abordagem evolucionista e não mais positivista, onde os estudos sociológicos vão ajudar na evolução do direito, tendo a sociologia, portanto, interferindo nas decisões jurídicas. Apresenta uma ruptura com o pensamento kelseniano, não podendo tratar a ciência jurídica como ciência pura do direito. Contesta, assim, a neutralidade do jurista. Nesse sentido, não há tanto problema ao dizer que a sociologia irá interferir no processo de elaboração das leis, pois muitas vezes será necessário que o legislador recorra a estudos sociológicos e consulte peritos para comprovar fatos e para constatar a opinião da sociedade em casos juridicamente relevantes. Contudo, a discussão se polemiza quando se fala na interferência da sociologia na aplicação da lei. O juiz deve ou não fazer interpretações, levando em consideração o ponto de vista sociológico-jurídico na hora de sentenciar o réu? Dessa forma, entende-se que a sociologia jurídica deverá contribuir na “humanização da sociedade”, influenciando o juiz a aplicar um direito mais justo, em sintonia com a realidade e as necessidades sociais. A título ilustrativo das duas abordagens tem-se o exemplo do médico legista e do cirurgião para melhor exemplificar. Nesse cenário, o médico legista seria a Sociologia do Direito, o qual tem como função apenas fazer o exame de óbito. Ou seja, se o médico legista encontrar um tumor no cadáver, ele não vai retirá-lo, apenas registrará a existência deste em seu relatório. Por seu turno, o médico cirurgião, detectada a existência do tumor, irá realizar uma cirurgia a fim de melhorar a saúde do paciente. Portanto, é um médico interventor, exemplificando a Sociologia no Direito. Após analisado concisamente as duas abordagens, é possível a junção delas? Há possibilidades. Nas últimas décadas desenvolveram-se tentativas de unificar a perspectiva interna da sociologia jurídica com a externa. Do ponto de Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 vista de separação e conciliação, reconhece-se a distinção entre as duas, mas ambas devem ser consideradas. Do ponto de vista externo moderado o sociólogo do direito analisa externamente o que é considerado como “direito” pelo ponto de vista da dogmática jurídica. Há, portanto, interação da sociologia e o direito. Cabe saber se privilegia o trabalho do sociólogo ou do jurista, sendo essa definição determinante, pois a leitura do sistema jurídico feita pelos sociólogos é extremamente diferente daquela realizada pelos juristas. Abre-se o espaço para os dois ramos: Sociologiado Direito e Sociologia Jurídica, a qual, como mencionado, a primeira é analítica e a segunda aplicadora. Dessa forma, podem ser conjugados, mas com finalidades diferentes. Na Sociologia Jurídica, o profissional do direito não poderá apenas se valer dos dogmas jurídicos, tendo que usar dos valores econômicos, filosóficos, sociológicos, etc. Ou seja, o direito sofre interferência sociológica antes, durante e depois. A sociologia em uma perspectiva interativa examina as causas e efeitos das normas jurídicas. O direito não tem como fazer isso. Tanto é que a eficácia social é dita pela Sociologia Jurídica. Assim, com tantas controvérsias, o que se pode concluir é que sensibilizar e influenciar o processo de elaboração das leis e participar ativamente do debate dogmático é um dever da sociologia jurídica, pelo menos até quando exista direito. Portanto, a realidade jurídica é o objeto da análise na busca de três respostas: 1. Por que se cria uma norma ou um inteiro sistema jurídico? (Produção, finalidade); 2. Quais as consequências na vida social? (Aplicação, eficácia); 3. Quais são as causas sociais da “decadência” do direito, que se manifesta por meio do desuso e da abolição de certas normas ou mesmo mediante a extinção de determinado sistema jurídico? (Desuso, decadência). Essas respostas podem ser relacionadas com a chamada tridimensionalidade do direito, na qual diz que o sistema jurídico pode ser Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 abordado sob três pontos de vista: justiça, validade e eficácia. Ou seja, o direito é fundamentado pela sociologia jurídica, a qual examina as relações entre o direito e a sociedade em três momentos: produção, aplicação e decadência da norma. Desta definição resulta que o jurista-sociólogo observa o direito “de fora”, em uma leitura externa. Por exemplo: o crime de adultério foi retirado do sistema penal. Isso porque esse crime foi cominado em uma realidade completamente diferente, onde a religião católica era predominante. Assim, no Estado laico que vivemos atualmente não cabe mais ser apenado por pecados de uma única religião. Ou seja, isso é a sociologia jurídica quem vai dizer. Observações de Niklas Luhmann Para justificar essa definição são necessários dois esclarecimentos feitos por Luhmann. Ele vai dizer que a observação externa não significa neutralidade ou liberdade, onde o pesquisador se encontre desvinculado de qualquer instituição e sistema teórico. Nesse sentido, o pesquisador abandona a ótica jurista e coloca-se numa outra perspectiva, que pode ser política, econômica, social, etc. Ou seja, a observação sociológica do sistema jurídico é externa somente em relação ao direito positivo. A segunda observação diz respeito à relação entre direito e sociedade, no qual diz que só pode ver o direito como um fenômeno interno, pois só se pode dialogar com o direito inserido na sociedade. O direito é, portanto, parte e produto da análise social, é um subsistema do direito da sociedade. Ou seja, é preso a esse sistema social, ao mesmo tempo que dialoga com outros sistemas. Lição 03 – A Função da Sociologia Jurídica e a Eficácia do Direito A Sociologia Jurídica analisa o processo de criação do direito e sua aplicação na sociedade. Contudo, nos fatos ocorridos dentro da sociedade, cada um irá julgar baseado em suas convicções. Por exemplo, em um caso real, em que uma empregada doméstica tentou furtar em uma farmácia um shampoo e um condicionador no valor total de 24 reais, foi presa e passou mais de um ano na prisão aguardando o julgamento. Nesse caso, incide sobre a situação diversas abordagens do que seria justo acontecer com a empregada. O seu Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 advogado irá recorrer à realidade social, em que ninguém persegue autores de furtos de pequeno valor; o filósofo do direito iria argumentar que, na verdade, a empregada que é a vítima da sociedade, na medida em que não lhe foi dada a oportunidade de usufruir dos utensílios básicos que garantam o seu bem-estar; e o juiz irá se posicionar perante o direito, alegando que seria ilegalidade não prendê-la por furto já que consta no Código Penal. Contudo, como o sociólogo do direito deve se posicionar? O sociólogo do direito deverá fazer uma pesquisa social, examinando em que medida são efetivamente perseguidos e punidos os furtos de pequeno valor e analisando a relação entre o direito e a evolução da sociedade para tentar explicar porque a norma que pune o furto é aplicada ou não. Para tanto, o sociólogo deverá assumir uma postura neutra, sem aplicar um juízo de valor, na medida em que sua função é compreender o pensamento e o comportamento do legislador, das autoridades e dos cidadãos. Assim, não interessa ao sociólogo do direito julgar o caso, mas sim buscar as explicações da atuação das pessoas desta ou daquela forma. Isto é o que Weber denomina de SOCIOLOGIA COMPREENSIVA. Daí tira-se duas conclusões acerca do papel da sociologia jurídica e do seu campo de ação: 1. A sociologia jurídica não se interessa pelo estudo da justificação do direito. Ou seja, a análise de seus fundamentos é pertinente à filosofia do direito; 2. A sociologia jurídica não realiza análises normativas, isto é, não se ocupa do problema da validade e da interpretação do direito. Estes problemas competem aos teóricos do direito positivo. Tridimensionalidade do direito – desenvolvida, entre outros, por Miguel Reale Os filósofos do direito costumam afirmar que o sistema jurídico pode ser abordado sob três pontos de vista: justiça, validade e eficácia. Justiça: A questão da justiça interessa aos filósofos do direito, que examinam a chamada idealidade do direito. Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 Validade: O estudo interno do direito positivo interessa ao “dogmático” ou intérprete do direito, que visa identificar as normas válidas, sendo o objeto do conhecimento, neste caso, a normatividade do direito. Eficácia: Aqui interessa ao sociólogo do direito, o qual toma como objeto de conhecimento a vida jurídica, examinando a realidade social do direito, sem se interessar pelas questões técnicas da interpretação do direito. Com isso entende-se a distinção das perspectivas entre o intérprete do direito, o filósofo do direito e o sociólogo do direito. Ou seja, a principal distinção do trabalho do sociólogo do direito é a análise sistemática da aplicação prática do direito, ou seja, a sua eficácia. Contudo, vale lembrar que essas três dimensões estão interligadas, na medida em que, se a sociedade achar uma norma injusta, esta terá que ser revogada pelo intérprete, ou cairá em desuso. Da mesma maneira que o filósofo e o sociólogo do direito irão precisar das normas positivadas para fazer as suas análises acerca da realidade e a idealidade do direito. Efeitos sociais, eficácia e adequação interna das normas jurídicas A análise das repercussões sociais de uma norma jurídica formalmente válida pode ser feita em três perspectivas: 1. Efeitos da norma: Qualquer repercussão social ocasionada por uma norma. Por exemplo: manifestações em oposição à vigência da norma. 2. Eficácia da norma: Trata-se do grau de cumprimento da norma dentro da prática social. Uma norma é considerada socialmente eficaz quando é respeitada por seus destinatários ou quando a sua violação é efetivamente punida pelo Estado. Neste caso, há dois tipos de eficácia: a que resulta do respeito espontâneo por parteda população, chamada de eficácia primária; e a eficácia que resulta do poder punitivo do Estado, chamada de eficácia secundária. 3. Adequação interna da norma: Trata-se da capacidade da norma em atingir a finalidade social estabelecida pelo legislador. Exemplo: O rodízio de carros em São Paulo, se teve por finalidade a diminuição da poluição ou a diminuição do trânsito na cidade, não teve adequação Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 interna, na medida em que a maioria da população comprou um segundo carro para poder rodar todos os dias. Ou seja, não houve aí uma transgressão à norma, mas sim uma transgressão aos objetivos finais do legislador ao criar a norma. Fatores de eficácia da norma no direito moderno Quanto mais forte é a presença destes fatores, maiores serão as chances de eficácia da norma jurídica. Fatores instrumentais (dependem da atuação dos órgãos de elaboração e de aplicação do direito a) Divulgação do conteúdo da norma na população pelos meios adequados, empregando métodos educacionais e alguns dos meios de propaganda política e comercial. Exemplo: propaganda que orienta a população no uso das urnas. b) Conhecimento efetivo da norma por parte de seus destinatários. c) Perfeição técnica da norma, ou seja, clareza na redação, brevidade, precisão do conteúdo e sistematicidade. d) Elaboração de estudos preparatórios sobre o tema que se objetiva legislar. e) Preparação dos operadores do direito responsáveis pela aplicação da norma. f) Consequências jurídicas adaptadas à situação e socialmente aceitas. g) Expectativa de consequências negativas, ou seja, se, com base em experiências anteriores, os destinatários da lei observarem que o não cumprimento lhe causará realmente uma sanção, serão mais propícios a respeitar a lei. Fatores referentes à situação social (fatores ligados às condições de vida da sociedade em determinado momento). a) Participação dos cidadãos no processo de elaboração e aplicação das normas. Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 b) Coesão social. Quanto menos conflitos existam em uma sociedade e quanto mais consenso haja entre os cidadãos com relação à política do Estado, mais forte será o grau de eficácia das normas vigentes. c) Adequação da norma à situação política e às relações de força dominantes. Uma norma que corresponde à realidade política e social possui mais chances de ser cumprida. d) Contemporaneidade das normas com a sociedade. Em geral, não se tornam eficazes normas que exprimem ideias antigas ou inovadoras. Lição 04 (Ponto 3) – O direito como propulsor e obstáculo da mudança social O conceito de mudança social O processo de interação social do indivíduo não se realiza sem que haja conflitos. Esses conflitos, muitas vezes, causam modificações na organização da sociedade, o que os sociólogos chamam de mudança social, que implicam na restruturação das relações sociais. A mudança social ocorre, pois a sociedade encontra-se em transformação contínua, portanto a mudança social é classificada como um processo dinâmico. A mudança social é o objeto geral de todos os estudos sociológicos. Os sociólogos estudam principalmente as formas de mudança social e as suas causas. Há aqueles que defendem causas gerais, formulando “leis de desenvolvimento social”, como, por exemplo, a racionalização da sociedade (Weber), a solidariedade social (Durkheim) e a luta de classes (Marx). A mudança social é sempre considerada como produto da combinação de vários fatores. Relaciona-se, portanto, com as mudanças do direito. Relações entre direito e sociedade A sociedade determina o direito ou o direito determina as relações sociais? Para responder a essa pergunta, há duas correntes: Há a perspectiva realista, na qual diz que o direito é uma manifestação social determinado pelo contexto sociocultural, ou seja, a sociedade produz o direito que lhe convém. Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 Por outro lado, há a perspectiva idealista, que diz que o direito determina o contexto social, atuando sobre a realidade e mudando-a, na medida em que as normas impõem à sociedade novos tipos de comportamento. Contudo, há uma terceira posição de interação entre as duas primeiras: o direito é, em geral, configurado por interesses e necessidades sociais, mas influi sobre a situação social, assumindo um papel dinâmico. O direito é, portanto, ativo e passivo, pois determina e é determinado. Relações entre o sistema jurídico e a mudança social Quais são as formas e as modalidades de interação entre o sistema jurídico e os outros campos de ação social no decorrer do tempo? Que o direito tenta acompanhar as rápidas mudanças sociais não é motivo de discussão. O problema é quando se tenta estudar o papel ativo do direito na mudança social. Nesse cenário, grande parte dos estudiosos defendem o construtivismo jurídico, que diz que o direito pode influenciar o comportamento das pessoas na sociedade, na medida em que impõe padrões de comportamentos, construindo e mudando a sociedade. Há duas correntes sociológicas nessa linha: direito como instrumento de governo conservador, freando as mudanças sociais; e o direito como instrumento propulsor da transformação social. 1. Direito impede mudança: Direito como um fator negativo perante as necessidades e reivindicações sociais, na medida em que é lento ao detectar as necessidades sociais. 2. Direito propulsor de mudanças: Direito como instrumento eficaz para a consecução de grandes mudanças sociais, através de reformas jurídicas. Aqui tem o direito como função educadora. Os partidários desta corrente acreditam que a realização de uma adequada reforma jurídica contribui para a mudança das estruturas sociais, geradoras de um círculo vicioso de violência, permitindo, assim, exercer o controle social de forma mais humana e civilizada. Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 As duas correntes são passíveis de crítica. A capacidade reformadora do direito é limitada. A história mostra que a tentativa de mudar o comportamento das pessoas por meio do direito foi um fracasso. Exemplo: Lei seca dos EUA nos anos 20. Soriano afirma que a relação entre direito e mudança social se concretiza da seguinte forma: a) O direito é uma variável dependente. Ou seja, é um fenômeno social que muda em função de outros fenômenos. É um produto de interesses sociais, que dependem das relações de dominação em cada sociedade. Além disso, o direito é influenciado por elementos de ordem física, como a evolução tecnológica e por valores étnicos- culturais de várias regiões do mundo. Assim, o que explica a defasagem entre o direito e a evolução da moral social é a tradição jurídica de cada país. b) Direito possui uma autonomia relativa. Ou seja, pode induzir a mudanças sociais de forma direta ou indireta. De forma direita, como, por exemplo, na obrigatoriedade do cinto de segurança, associado a sanções. De forma indireta, como, por exemplo, reformas do programa de educação, onde orienta o professor sem abolir sua autonomia. Diante de uma situação de mudança social, o direito pode adotar posições de reconhecimento, anulação, canalização ou de transformação de suas tendências. Reconhecimento: Reconhece a nova realidade social através de suas normas; Anulação: Sistema jurídico opõe-se à mudança, ignorando-a ouaplicando sanções contra as inovações. Canalização: Direito tenta limitar o impacto de uma mudança ou seus efeitos, através de reformas que atendem parcialmente às reivindicações sociais. Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 Transformação: Papel ativo do direito, tentando provocar mudança na realidade social por meio de reformas graduais e lentar ou radicais e rápidas. Atuação do direito como fator de mudança social No estudo das mudanças sociais decorrentes da atuação do sistema jurídico surgem três questões principais: intensidade, esferas de manifestação e ritmo de mudança. Intensidade da mudança e “direito alternativo” O direito pode operar mudanças parciais, mas dificilmente conseguirá mudanças radicais. Exemplo: Há como modernizar determinado setor da economia, mas praticamente impossível mudar todo o sistema de produção, por meio de reformas jurídicas. Quanto mais aberto, abstrato e flexível é o sistema jurídico, mais fácil será operar uma mudança social. Do contrário, um sistema jurídico rígido, dificilmente permite mudanças sem ruptura. A intensidade da mudança também está relacionada com a natureza do sistema político. Se o poder for concentrado e forte, mais fácil será de realizar mudanças rápidas a partir da reforma política. Por exemplo em revoluções. A mudança social do direito foi discutida nas últimas décadas no âmbito das teorias sobre o “direito alternativo”, que consiste na interpretação e aplicação do direito com uma finalidade emancipadora, favorecendo as classes e os grupos sociais mais fracos. Na Europa, essa teoria foi à tona, onde a aplicação do direito deveria tornar-se um instrumento de solidariedade social. Ou seja, o operador jurídico deveria tirar proveito do caráter genérico e ambíguo das normas, empregando métodos de interpretação inovadores, que lhe permitiriam fazer justiça social. Estes movimentos provocaram a ira dos conservadores e não conseguiram atingir os seus objetivos. Contudo, na América Latina essa concepção chegou a um ponto mais alto. Ao invés de ser alternativas do uso alternativo do direito estatal, formaram- Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 se alternativas ao direito estatal, ou seja, outras fontes e modos de regulamentação social. Portanto, o direito alternativo, no significado latino-americano do termo, tenta elaborar um novo sistema jurídico, que seria antagônico ao direito do Estado (mudança de alta intensidade), enquanto que o uso alternativo do direito, na Europa, tenta mudar o direito “por dentro”, respeitando as normas jurídicas em vigor e tentando introduzir a mudança mediante atuação dos poderes constituídos (mudança de baixa intensidade). Esferas de manifestação da mudança O direito moderno possui duas esferas de manifestação: a interna, relativa ao direito nacional, e a externa, relativa ao direito internacional e comparado. Um processo de mudança social pode ser impulsionado por ambas esferas. A constatação de um problema social por parte do governo ou a pressão política por parte de grupos desfavorecidos podem levar a reformas do direito. Por outro lado, há reformas que são produto de pressão internacional, de imitação de legislações estrangeiras ou do contato entre culturas e sistemas jurídicos diferentes. Neste caso estamos diante do “transplante jurídico”, na qual suas principais características são o “empréstimo jurídico” e a “aculturação jurídica.” Empréstimo jurídico: Assimilação voluntária de determinadas normas provenientes do direito de outras nações. Ou seja, é usar a norma alheia como modelo para a criação da norma interna. Aculturação jurídica: Processo de recepção de um direito alienígena que provoca alterações globais no direito do país receptor. Aqui verifica-se uma maior influência da esfera externa. Pode acontecer de maneira externa, como, por exemplo, imposição do sistema jurídico das metrópoles às colônias; e de maneira interna, como, por exemplo, as autoridades políticas decidem adotar o sistema jurídico de outra nação, por considera-lo mais adequado. A diferença entre aculturação e empréstimo é que este refere-se a matérias específicas, enquanto aquele refere-se a todo o ordenamento jurídico. Leonardo David – 2º semestre – Introdução à Sociologia e Sociologia Jurídica – T2A – 2017.2 Além disso, o empréstimo ocorre de maneira voluntária, enquanto que a aculturação pode ser produto de uma imposição direta. Ritmo da mudança Há áreas da atuação social, onde é relativamente fácil introduzir uma mudança e outras onde é mais complicado. As mudanças são mais rápidas no setor da organização do Estado do que no setor da economia privada, onde há uma maior resistência dos agentes econômicos. Por exemplo, reformas no direito tributário, no direito do trabalho e na distribuição de auxílios estatais, incentiva-se a atividade econômica em determinadas regiões. Contudo, as mudanças globais são difíceis no campo econômico, porque isto pressupõe uma transformação radical na estrutura de classe do país e criam grandes resistências políticas. Ou seja, tudo dependerá do setor de atuação e do apoio social concedido aos propulsores da reforma. Em outras palavras, a mudança social por meio do direito é um problema plenamente e exclusivamente político.
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