Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Cidadania– SENASP Pensando a Segurança Pública 4ª Edição (Convocação 001/2015) Carta de Acordo nº 33598 – SENASP/FAURGS Grupo 8 – Região Sul - PR: Curitiba; SC: Florianópolis; RS: Alvorada, Canoas, Porto Alegre e São Leopoldo Estudos dos cenários e motivações dos homicídios dolosos nos municípios da Região Sul incluídos no Pacto Nacional pela Redução dos Homicídios e mapeamento das propostas de políticas públicas para o aprimoramento da Política Nacional de Segurança Pública Relatório Final de Pesquisa Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania – GPVC, UFRGS Porto Alegre, novembro de 2016. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br FICHA TÉCNICA EQUIPE DE PESQUISA A) Professores da UFRGS Alex Niche Teixeira (Departamento de Sociologia) Ênio Passiani (Departamento de Sociologia) José Vicente Tavares dos Santos (Departamento de Sociologia) Letícia Maria Schabbach (Departamento de Sociologia – Coordenadora da pesquisa) Lígia Mori Madeira (Departamento de Ciência Política) Melissa de Mattos Pimenta (Departamento de Sociologia) Rochele Fellini Fachineto (Departamento de Sociologia) B) Alunos de graduação e pós-graduação da UFRGS Cristiano Santos da Silva – Mestrado (PPG em Políticas Públicas/UFRGS) Eduardo Pazinato da Cunha – Doutorado (PPG em Políticas Públicas/UFRGS) Elisa Girotti Celmer – Doutorado (PPG em Sociologia/UFRGS) Francisco de Paula Rocha Amorim – Doutorado (PPG em Sociologia/UFRGS) Gabriel Guerra Câmara – Doutorado (PPG em Sociologia/UFRGS) Gabriela Perin – Mestrado (PPG em Políticas Públicas/UFRGS) Júlia da Motta – Graduação (Políticas Públicas/UFRGS) Liciane Barbosa de Mello – Mestrado (PPG em Sociologia/UFRGS) Natália Sanches Taffarel – Mestrado (PPG em Políticas Públicas/UFRGS) Paola Stuker – Doutorado (PPG em Sociologia/UFRGS) Rafaela Demétrio Hilgert – Graduação (Políticas Públicas/UFRGS) Ráisa Lammel Canfield – Mestrado (PPG em Sociologia/UFRGS) C) Participantes externos à UFRGS Aline de Oliveira Kerber (Instituto Fidedigna – Porto Alegre) Fernanda Bestetti de Vasconcellos (Universidade Federal de Pelotas) Luiza Côrrea de Magalhães Dutra (Pontifícia Universidade Católica do RS) Paulo Ricardo Ost Frank (Polícia Civil do RS) Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (Pontifícia Universidade Católica do RS) Sérgio Roberto de Abreu (Universidade Luterana do Brasil) Simone Schuck da Silva (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br RESUMO Esta pesquisa está vinculada à quarta edição do Projeto “Pensando a Segurança Pública, Edição Especial Homicídios” da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Buscando produzir evidências empíricas que possam oferecer a compreensão das dinâmicas, cenários e motivações dos homicídios do país, o presente relatório analisa os homicídios na Região Sul do Brasil: nos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Através de levantamentos de dados quantitativos em fontes secundárias e, principalmente, de entrevistas semiestruturadas com profissionais da segurança pública e com representantes da sociedade civil, foi possível relacionar os índices quantitativos com as configurações específicas do fenômeno dos homicídios nos três estados do sul do país. Enquanto que os dados numéricos demonstraram um aumento constante dos homicídios nos municípios investigados, as narrativas dos entrevistados na pesquisa evidenciaram: a sensação de insegurança dos atores sociais; a constatação de que as causas mais gerais dos homicídios estão relacionadas com dimensões estruturais, dentre elas o papel do Estado e a questão do tráfico de drogas; além de aspectos situados no âmbito dos valores, especialmente aqueles que trazem à tona o papel da família e os modos de resolução de conflitos. Quanto às características de autores e vítimas das violências, há um perfil que se repete para ambos os sujeitos: são homens, jovens e moradores das regiões periféricas das cidades pesquisadas, em áreas que exibem as maiores incidências de mortes intencionais e onde o poder público têm dificuldades para enfrentar e prevenir os homicídios. Por fim, são apresentadas proposições para formulação de políticas públicas voltadas à prevenção da violência homicida. Palavras-chave: Homicídios. Cenários. Motivações. Região Sul. Brasil. ABSTRACT This research is linked to the fourth edition of the Project “Thinking Public Security: Homicides Special Edition” of National Secretary of public Security of the Justice Ministry. In order to provide the understanding of the dynamics, scenarios and motivations of the country’s homicides, the research contributes with data about homicides regarding three states of the Southern Brazil: Paraná, Santa Catarina and Rio Grande do Sul. It was used quantitative data on secondary sources but also, and mainly, semi structured interviews with public safety professional and civil society representatives. The numeric data shows a steady increase in homicide rates in the surveyed cities and the narratives of the informants shows: a) the sense of insecurity of social actors; b) the most general causes of homicides are related to structural dimensions, like State actions and the issue of drug trafficking, and some dimensions located within the values, witch bring to the light the role of the Family and resolution modes; c) about the characteristics of the involved, there is a similar profile both for victims and authors of lethal violence, whose, in general, are young men, and residents of peripheral areas of the cities, which are precisely the regions with highest rates of homicides in the surveyed cities; and, d) the law enforcement faces many difficulties to prevent these crimes. Finally, we present proposals for the development of public policies in the area. Keywords: Homicides; Criminality; Southern Brazil. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Mapa da região de abrangência da pesquisa .......................................................... 11 Figura 2 – Mapa da Região Metropolitana de Porto Alegre e seus respectivos municípios ... 62 Figura 3 – Mapa com a delimitação dos bairros de São Leopoldo ......................................... 64 Figura 4 – Fatores explicativos dos homicídios ...................................................................... 69 Figura 5 – Mapa de Canoas e divisão por bairros ................................................................... 83 Figura 6 – Mapa de Curitiba e respectivos bairros ...............................................................101 Figura 7 - Nuvem de palavras gerada a partir das entrevistas .............................................. 128 Figura 8 - Nuvem de palavras gerada a partir das entrevistas – sem “homicídios”............... 129 Figura 9 – Fatores de risco dos homicídios ............................................................................136 Figura 10 – Características das vítimas e dos autores e suas configurações de homicídios ..145 Figura 11 – Tipos de homicídios e formas mais comuns de relações entre os envolvidos.... 155 Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Distribuição das ocorrências de homicídios consumados, por área de competência das Delegacias de Homicídio – Porto Alegre, 2015................................................................ 44 Gráfico 2 – Taxa de homicídios por 100.000 habitantes nas seis cidades da Região Sul, 2000 a 2014 ......................................................................................................................................... 65 Gráfico 3 – Comparação entre a taxa de homicídios por 100.000 habitantes de Curitiba e do estado do Paraná, 2000 a 2014 ................................................................................................ 97 Gráfico 4 - Populações em 2010 nos municípios pesquisados ............................................. 111 Gráfico 5– PIB per capita em reais, 2010 ............................................................................ 112 Gráfico 6 – Valor do rendimento médio mensal das pessoas de 10 ou mais anos de idade, 2010 ....................................................................................................................................... 113 Gráfico 7 – Evolução da taxa de mortalidade infantil, 2000 e 2010 ..................................... 114 Gráfico 8 – IDHM 2010 dos seis municípios ....................................................................... 115 Gráfico 9 – Valor per capita em reais dos recursos obtidos através do PRONASCI, 2007 a 2012 ....................................................................................................................................... 117 Gráfico 10 – Taxa de homicídios por 100.000 habitantes nas seis cidades da Região Sul... 119 Gráfico 11 – Comparação entre a taxa de homicídios por 100.000 habitantes de Curitiba e do estado do Paraná .................................................................................................................... 120 Gráfico 12 – Comparação entre a taxa de homicídios por 100.000 habitantes de Florianópolis e do estado de Santa Catarina ............................................................................................... 121 Gráfico 13 – Comparação entre a taxa de homicídios por 100.000 habitantes das quatro cidades gaúchas e do estado do Rio Grande do Sul ............................................................. 122 Gráfico 14 – Perfil das vítimas de homicídio ....................................................................... 124 Gráfico15 – Circunstâncias dos homicídios ......................................................................... 125 Gráfico16 – Local de ocorrência x sexo da vítima ............................................................... 126 Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Nós de codificação no NVivo .............................................................................. 17 Quadro 2 - Linha do tempo das atividades realizadas ............................................................ 18 Quadro 3 – Componentes do Sistema Municipal de Segurança Pública em São Leopoldo, 2014 ......................................................................................................................................... 63 Quadro 4 – Lista dos entrevistados em São Leopoldo, 2016 .................................................. 66 Quadro 5 - Componentes do Sistema Municipal de Segurança Pública em Curitiba, 2014.... 96 Quadro 6 – Lista dos entrevistados em Curitiba, 2016 ........................................................... 98 Quadro 7 - Componentes do Sistema Municipal de Segurança Pública nos seis municípios, 2014 ....................................................................................................................................... 116 Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br LISTA DE SIGLAS DATASUS – Departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil. DEAM – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher FAURGS - Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul GPVC – Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INFOSEG – Sistema Nacional de integração de Informações de Justiça e Segurança Pública IML – Instituto Médico Legal PIB – Produto Interno Bruto PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática SIM – Sistema de informação de Mortalidade SINESPJC - Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança e Justiça Criminal UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br Sumário 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 10 1.1 Objetivo geral ..................................................................................................................................... 13 1.2 Objetivos específicos ....................................................................................................................... 13 2. METODOLOGIA ......................................................................................................................................... 14 2.1. Os percursos da coleta de dados .................................................................................................... 14 2.2 Instrumento de pesquisa ............................................................................................................... 19 2.3 Dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa.............................................................. 19 3. O FENÔMENO SOCIOLÓGICO DOS HOMICÍDIOS .......................................................................... 25 3.1 Aspectos gerais .................................................................................................................................. 27 3.2 Propostas de tipologias de homicídio ....................................................................................... 35 3.3. Principais indicadores da criminalidade ................................................................................ 36 4 RESULTADOS POR MUNICÍPIO ............................................................................................................42 4.1. Porto Alegre ....................................................................................................................................... 43 4.2 São Leopoldo .................................................................................................................................... 60 4.3 Alvorada ............................................................................................................................................... 78 4.4. Canoas .................................................................................................................................................. 81 4.5. Florianópolis ...................................................................................................................................... 90 4.6. Curitiba ................................................................................................................................................ 95 5. RESULTADOS RELATIVOS AO CONJUNTO DOS MUNICÍPIOS .............................................. 110 5.1. Características sóciodemográficas dos municípios ......................................................... 110 5.2. O Sistema Municipal de Segurança Pública nos seis municípios ................................ 115 5.3 Homicídios na Região Sul do Brasil: um levantamento quantitativo ............................... 118 5.4 Homicídios na Região Sul do Brasil: uma compreensão qualitativa ................................ 127 6. PROPOSIÇÕES PARA FORMULAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS .................................................................................................................................. 167 Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................... 175 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 179 ANEXO – Instrumentos de coleta de dados/roteiros de entrevistas ..................................... 185 APÊNDICE – Quadro das entrevistas realizadas ............................................................................ 187 Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 10 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos o crescimento da criminalidade violenta tem gerado um significativo aumento nos índices de homicídios no Brasil. Os homicídios representam um fenômeno social complexo que envolve aspectos estruturais de ordens social, econômica e cultural que demandam compreensão científica. Reconhecendo, conforme Barkan (2011) e Barlow e Decker (2010), que é necessário conhecer as causas (gerais e específicas) da violência a fim de se reduzir a incidência do fenômeno, esta pesquisa buscou compreender as dinâmicas, os cenários e as motivações dos homicídios na Região Sul do Brasil. Este documento consiste em um relatório de pesquisa que investigou as percepções de representantes da sociedade civil e profissionais da segurança pública sobre as motivações dos homicídios na Região Sul do Brasil. O presente relatório refere-se ao Produto Final do Projeto de Pesquisa “Grupo 8 – Sul: Estudos dos cenários e motivações dos homicídios dolosos nos municípios da Região Sul incluídos no Pacto Nacional pela Redução dos Homicídios e mapeamento das propostas de políticas públicas para o aprimoramento da Política Nacional de Segurança Pública”. Nele são apresentados: os objetivos da pesquisa; contexto no qual a pesquisa foi realizada; percursos metodológicos de coleta e análise dos dados; apresentação dos resultados da pesquisa; proposições para formulações de políticas públicas; e, considerações finais. Esta pesquisa inseriu-se na área temática “dinâmicas, cenários e motivações dos homicídios na Região Sul do Brasil, e prevenção à violência” (Pacto Nacional pela Redução dos Homicídios) e está vinculada à quarta edição do Projeto “Pensando a Segurança Pública, Edição Especial Homicídios” (Edital de Convocação nº 001/2015 – Seleção de Projetos, lançado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça – SENASP e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD), através do qual a SENASP realiza a Pesquisa Nacional que visa aprofundar o conhecimento acerca dos cenários e motivações dos homicídios dolosos e realizar um mapeamento das propostas locais de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência. O objetivo do relatório é descrever com detalhes o processo de pesquisa (objetivos iniciais, dinâmica do campo, modificações, dificuldades, novas questões, etc.), seu arcabouço conceitual e teórico, a contextualização do campo, os achados e as análises. Dentre os 80 municípios selecionados em nível nacional (com alta incidência de homicídios dolosos e/ou capitais federativas), a equipe responsável por realizar a pesquisa na Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 11 Região Sul (Grupo 8 – Sul) desenvolveu investigação em seis municípios de três unidades federativas: no Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e Alvorada); no Paraná (Curitiba); e em Santa Catarina (Florianópolis). O mapa a seguir oferece a disposição espacial da região de abrangência da pesquisa, com destaque para as cidades estudadas. Figura 1 – Mapa da região de abrangência da pesquisa Fonte: Pesquisa Pensando Homicídios, Grupo 8, Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania (GPVC- UFRGS)/SENASP, 2016. Conforme a Carta de acordo firmada entre a SENASP e a FAURGS 1: “O objeto do presente acordo é o estabelecimento de parceria entre a SENASP e a FAURGS para a elaboração, por parte da última, de pesquisa referente ao tema Grupo 8 – Sul: Estudos dos cenários e motivações dos homicídios dolosos nos municípios da Região Sul incluídos no Pacto Nacional pela Redução dos Homicídios e mapeamento das propostas de políticas públicas para o aprimoramento da Política Nacional de Segurança Pública, ficando a mesma 1 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Carta de acordo nº 33.598. Brasília-DF, 16 de dezembro de 2015, p. 1. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 12 responsável pela condução da pesquisa e elaboração dos produtos inicial, parcial e final relativos à área temática identificada, em obediência estrita ao solicitado no edital de convocação para seleção de projetos e em acordo com os anexos deste instrumento, na esteira das atividades previstas no Documento de Projeto BRA/04/029.” Atendendo a este acordo, o Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul apresenta o presente relatório que está organizado da seguinte forma. Após esta introdução, o segundo capítulo, que dizrespeito à metodologia do trabalho, apresenta uma descrição de como foi o processo da pesquisa, os procedimentos e instrumentos de coleta de dados e as dificuldades encontradas em seu desenvolvimento. O terceiro capítulo oferece uma fundamentação teórica sobre o fenômeno dos homicídios, a partir do conhecimento sociológico que abrange os seus aspectos gerais, as propostas de tipologias de homicídios e principais indicadores estruturais desta violência, bem como um levantamento teórico sobre representações sociais deste fenômeno. O quarto, quinto e sexto capítulos são os mais importantes deste relatório, pois apresentam os resultados da pesquisa no tocante à análise dos homicídios na Região Sul do Brasil, a partir de duas aproximações: uma caracterização através de dados quantitativos coletados em fontes de dados estatísticos e uma análise interpretativa das entrevistas realizadas com a sociedade civil e profissionais do Sistema de Justiça Criminal 2 que atuam nos municípios de abrangência da pesquisa. Nesta análise são examinadas as sensações de segurança dos representantes da sociedade civil, as percepções destes e as dos profissionais do Sistema de Justiça Criminal sobre os fatores de riscos dos homicídios, as características dos envolvidos nestes crimes e suas possíveis relações, as regiões de maior incidência e as dificuldades encontradas pelo poder público na prevenção e enfrentamento dos casos de violências letais. 2 Nesta pesquisa Sistema de Justiça Criminal equivale à “administração de justiça criminal”, referida por Maia Neto (2002, p. 203), que é: “[...] todo aparato que envolve a política criminal e penitenciária, organismos e forças públicas que atuam na prevenção e repressão da delinquência, os vários meios de controle formal e informal do Estado, como a polícia ostensiva e judiciária, os promotores de Justiça, os magistrados, os agentes penitenciários, os legisladores, e os servidores ou funcionários públicos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário que trabalham na área. São, em outras palavras, os operadores do Direito.” Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 13 Após este mapeamento dos cenários da violência letal nos espaços sociais pesquisados, o quinto capítulo apresenta as percepções dos interlocutores sobre a atuação das três instâncias de governo diante do fenômeno dos homicídios e oferece proposições para formulação de políticas públicas e aperfeiçoamento das inciativas governamentais. Para se chegar até este conhecimento, a pesquisa percorreu os seguintes objetivos. 1.1 Objetivo geral Promover conhecimento qualitativo sobre o fenômeno dos homicídios em seis municípios da Região Sul do Brasil: Curitiba (Paraná); Florianópolis (Santa Catarina); Alvorada, Canoas, Porto Alegre e São Leopoldo (Rio Grande do Sul). 1.2 Objetivos específicos Descrever e analisar as percepções dos atores individuais e coletivos relacionados com a área de Justiça e Segurança Pública e envolvidos com o tema da violência letal acerca, especialmente, das seguintes questões: - Quais são os territórios de maior ocorrência de homicídios no município? - Quais as principais dificuldades que limitam a capacidade de investigação e prevenção aos homicídios ocorridos no município? - Quais são os fatores de risco de homicídios na região? - Qual é o perfil dos envolvidos (vítimas e autores) destes crimes? Compreender densamente detalhes, motivações e dinâmicas culturais específicas envolvidas nos atos homicidas; Subsidiar o Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 14 2. METODOLOGIA Este capítulo descreve os processos da pesquisa, os procedimentos e instrumentos de coletados de dados e, por fim, as dificuldades encontradas para o desenvolvimento do trabalho. 2.1. Os percursos da coleta de dados Partindo-se de um grupo de seis municípios pré-definidos no Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã, esta pesquisa valeu-se basicamente de três técnicas de coleta de dados e informações. A mais importante foi a de entrevistas semiestruturadas com profissionais do Sistema de Justiça Criminal e pessoas da sociedade civil. Complementarmente, foram utilizados pesquisa bibliográfica em artigos e livros sobre a temática dos homicídios e levantamento de dados estatísticos em fontes secundárias. O trabalho de campo na Região Sul iniciou em janeiro de 2016, com a consolidação do instrumento de pesquisa pela equipe nacional (Anexo A). Após a constituição de equipe responsável pelo agendamento das entrevistas (localizada na sala do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania, no Campus do Vale - UFRGS), foram sendo realizados os contatos via telefone ou e-mail, considerando-se as sugestões de nomes fornecidas por integrantes da equipe desta pesquisa, e, posteriormente, as indicações feitas pelos próprios entrevistados. Para tanto, usou-se a técnica da “bola de neve”, não probabilística, para a composição do conjunto de casos da pesquisa. A técnica de amostragem de bola de neve é utilizada quando os próprios entrevistados indicam pessoas que também podem fornecer informações importantes para a pesquisa. Foi utilizado enfoque qualitativo para a pesquisa, partindo do pressuposto de que ele é utilizado para estudos de ações tanto individuais como grupais, permitindo um procedimento mais adaptável a categorias não previstas (MARTINS, 2004). De acordo com Brumer et al. (2008), o estudo qualitativo também se propõe a examinar o fenômeno em profundidade com a utilização de procedimentos de coleta de dados tais como entrevistas e observações em diferentes modalidades, além de “permitir ao informante maior liberdade de manifestação e, ao pesquisador, identificar e compreender dimensões subjetivas da ação humana” (BRUMER et al., 2008, p. 137). Por outro lado, apostou-se na conciliação dos enfoques qualitativo (entrevistas) e quantitativo (levantamento de dados estatísticos). A integração desses enfoques deu-se pela Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 15 consideração da importância de se abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do objeto de estudo. Enquanto os métodos quantitativos pressupõem uma população de objetos de estudo comparáveis, que fornece dados que são generalizáveis a sua população, os métodos qualitativos podem observar, diretamente, como cada indivíduo experimenta, concretamente, a realidade pesquisada (GOLDENBERG, 2004). De todo modo, os dados numéricos são apenas um ponto de partida em nossa investigação. Nosso interesse central está nas percepções dos informantes sobre o tema. Para compreender essas percepções dos atores entrevistados a respeito das motivações dos homicídios, contextos ligados à criminalidade e propostas existentes (ou não) de ações do Estado para amenizar o problema social, o método de coleta consistiu de entrevistas presenciais nos locais indicados pelos entrevistados, utilizando como instrumentode coleta de dados um roteiro semiestruturado de entrevistas (consolidado nacionalmente e variando conforme o segmento do entrevistado), gravadores digitais e cadernos de anotações. A entrevista semiestruturada permite um diálogo entre pesquisador e interlocutor seguido por um roteiro, ela mantém a presença consciente e ativa do pesquisador no processo de coleta de dados (TRIVIÑOS, 1987). Isso significa dizer que contamos com um roteiro de perguntas 3 que orientou as entrevistas. Porém, estivemos ativos durante a coleta de dados para novos questionamentos que emergissem como interessantes para a compreensão do que buscávamos. Para a seleção das pessoas a serem entrevistadas levou-se em consideração os seguintes critérios: a) profissional vinculado ao Sistema de Justiça Criminal (juízes, promotores, delegados, policiais civis e policiais militares) ou representante da sociedade civil, com atuação, experiência ou vivência em relação ao problema dos homicídios (lideranças comunitárias, conselheiros tutelares, ONG’s, fundações e associações de bairro; b) em cada um dos segmentos procurou-se abarcar a diversidade em termos de atuação profissional específica e/ou tipo de inserção social. Estes critérios foram essenciais para uma compreensão abrangente do fenômeno pesquisado, uma vez que foi possível apreender percepções sobre as motivações dos homicídios de diferentes olhares e contextos dos informantes. Se os sujeitos que trabalham no 3 De acordo com as normas da Comissão de Ética da UFRGS, não podemos identificar as entrevistas das pessoas entrevistadas, o que é norma na pesquisa científica mundial. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 16 Sistema de Justiça Criminal nos ofereceram uma perspectiva desde suas atuações profissionais, os representantes da sociedade civil nos abonaram percepções de quem vivencia o contexto criminal cotidianamente. As entrevistas foram realizadas inicialmente por duplas de um professor e um estudante graduando ou pós-graduando (dos Programas de Pós-graduação em Sociologia ou em Políticas Públicas, da UFRGS). Posteriormente, duplas de alunos pós-graduandos, desde que já tivessem participado de entrevistas anteriores, também ficaram encarregados de realizar as entrevistas. Todas as entrevistas foram gravadas. Em geral, as entrevistas foram realizadas no ambiente de trabalho dos entrevistados. As realizadas com os profissionais do Poder Judiciário e da Segurança Pública foram todas realizadas em suas respectivas instituições. Já com atores da sociedade civil, as entrevistas foram efetuadas em locais diversificados, a maioria delas nas sedes dos centros comunitários e ONG’s, mas também em residências dos líderes comunitários e em sala da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Campus do Vale. Neste caso, os líderes comunitários foram até a UFRGS acompanhados do pesquisador que os indicou. Com os jornalistas os contatos foram nas sedes dos jornais e em um café localizado no centro da cidade (Alvorada). Para a coleta de dados foram feitos deslocamentos para municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre, em um mesmo dia (ida e volta) e buscou-se, quando possível, agendar mais de uma entrevista por dia. Já nas capitais de outros estados foram realizadas viagens com estadia, conforme o período necessário para completar o número de entrevistas Desse modo, a principal fonte de dados consistiu nas entrevistas, que nos permitiram apreender, a partir da fala dos atores as relações entre a realidade do local em que estão inseridos e as suas percepções sobre o fenômeno da criminalidade violenta em seus municípios. Desse modo, esta técnica nos possibilitou compreender de forma mais detalhada as crenças e valores que permeiam as percepções dos entrevistados acerca das circunstâncias e da motivação dos crimes letais. Por fim, a transcrição das entrevistas foi realizada por graduandos e pós-graduandos da equipe de pesquisa. Com as entrevistas transcritas, contou-se com o auxílio do programa informacional de análise de dados qualitativos NVivo. Através do recurso deste software, construímos categorias de análises das entrevistas (que o programa conceitua como “nós”). Em reunião de equipe definimos que os nós a serem “produzidos” no programa seriam equivalentes aos Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 17 assuntos do roteiro de pesquisa e em seus aspectos empíricos, de acordo com o quadro a seguir. Quadro 1 - Nós de codificação no NVivo Sensação de segurança dos atores sociais Fatores de risco e motivações Dimensões estruturais Dimensões individuais Exemplos de homicídios que se lembra Características dos envolvidos Vítimas Autores Regiões de maiores incidências Alvorada - RS Canoas - RS Curitiba - PR Florianópolis - SC Porto Alegre - RS São Leopoldo - RS Dificuldades de enfrentamento Percepções sobre ações dos poderes públicos Proposições Fonte: Pesquisa Pensando Homicídios, Grupo 8, Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania (GPVC- UFRGS)/Senasp, 2016. Com as passagens das entrevistas categorizadas conforme estes assuntos, analisamos os dados e escrevemos o presente relatório. Através do programa NVivo também foi possível construir diagramas de sequências de palavras, apresentados na seção dos resultados. Em síntese, a estratégia de trabalho organizada pela equipe abrangeu: a) Reuniões mensais ou quinzenais, com toda a equipe, para avaliar o andamento da pesquisa e organizar as atividades. b) Equipe de agendamento e contato (por telefone e e-mail) com atores-chave e possíveis entrevistados. c) Grupo responsável pela coleta de dados secundários - concluída em abril de 2016. d) Redação do Relatório Parcial – maio de 2016. e) Trabalho de campo (entrevistas e relatos de campo) – janeiro a julho de 2016. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 18 f) Transcrição das entrevistas – concluída em julho de 2016. g) Tratamento e análise das entrevistas no NVIVO – junho e julho de 2016. h) Redação do Relatório Final – julho e agosto de 2016. No próximo quadro tem-se um quadro sintético atividades realizadas na pesquisa. Quadro 2 - Linha do tempo das atividades realizadas Data Atividade 08/12/2015 Primeira reunião da equipe de trabalho, para organização da pesquisa quantitativa com dados secundários (IBGE, DATASUS, estatísticas policiais) e da pesquisa qualitativa. Foram mapeados os seguintes atores-chave: secretários de segurança, membros de Gabinetes de Gestão Integrada Municipal, Delegados ou policiais civis das delegacias de homicídio, Juízes de Varas de Júri, Promotores, Defensores Públicos, Advogados criminais, Conselhos Municipais de Segurança e Direitos Humanos, lideranças comunitárias, jornalistas. Serão 15 entrevistas em cada município. 14/12/2015 Envio de sugestão de roteiro de questões à SENASP 16/12/2015 Carta de Acordo Nº 33598 do PNUD 22/12/2015 Envio do instrumento de pesquisa consolidadoà SENASP, revisado e aprovado. Reunião do grupo responsável pelos dados quantitativos 08/01/2016 Início do trabalho de campo (atualmente em andamento), com a realização da 1ª entrevista 12/01/2016 Reunião da equipe de pesquisa 29/02/2016 Reunião da equipe de pesquisa 08/03/2016 Apresentação da pesquisa no Conselho Municipal de Justiça e Segurança de Porto Alegre 06/04/2016 Reunião da equipe de pesquisa 15/04/2016 Envio do Projeto consolidado (Produto Inicial) à SENASP 25/04/2016 Reunião da equipe de pesquisa 02/05/2016 Reunião da equipe de pesquisa para fechamento do Relatório Parcial. 13/05/2016 Envio do Relatório Parcial (Produto Parcial) à SENASP 20/05/2016 Reunião de Coordenação 25/05/2016 R Reunião de equipe 03/06/2016 Reunião de equipe 13/06/2016 Reunião de Coordenação 29/06/2016 Reunião da equipe operativa 06/07/2016 Reunião de equipe Julho 2016 Finalização do trabalho de campo. Transcrição e análise das entrevistas. Elaboração do Relatório Final Agosto 2016 Elaboração e envio do Relatório Final (Produto Final). Fonte: Pesquisa Pensando Homicídios, Grupo 8, Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania (GPVC- UFRGS)/Senasp, 2016. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 19 2.2 Instrumento de pesquisa O instrumento de pesquisa utilizado nas entrevistas foi o consolidado pela equipe nacional. Ele continha dois roteiros de entrevistas: um direcionado aos representantes da sociedade civil e outro aos profissionais que atuam no Sistema de Justiça Criminal. A seguir, na subseção deste capítulo, apresentamos as dificuldades identificadas na aplicação dos roteiros de entrevistas. Já os dados quantitativos foram coletados em fontes diversas e transferidos para planilha Excel. Após, foram elaborados indicadores demográficos, socioeconômicos e de incidência criminal. 2.3 Dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa Como toda pesquisa - ainda mais de grande proporção, envolvendo um tema delicado como os homicídios e entrevistas com informantes profissional ou vivencialmente envolvidos com esta temática – deparamo-nos com algumas dificuldades que importam serem descritas. Aqui, narramos dificuldades encontradas em três ordens: contatos e agendamentos das entrevistas; entrevistas; e, instrumento de pesquisa. a) Contatos e agendamento de entrevistas No que se refere aos agendamentos de entrevistas, foi acordado que elas fossem marcadas e depois se verificasse a disponibilidade de algum (ns) pesquisador (es) em realizá- las na data agendada. Em geral, essa estratégia mostrou-se eficaz. No entanto, foi encontrada certa dificuldade nos momentos da realização dos contatos telefônicos; por esse motivo houve uma demora maior do que a prevista para a marcação definitiva das entrevistas. Em relação aos juízes de direito e aos promotores de justiça dos municípios pesquisados, foi relatado pelas pesquisadoras responsáveis pelo agendamento a dificuldade em não conseguirem falar diretamente com eles por telefone, o que dificultou o agendamento. Frequentemente era necessário que os responsáveis por marcar a entrevista ligassem quatro ou cinco vezes para o mesmo operador de direito a fim de que a entrevista fosse finalmente agendada. Em relação aos juízes do Rio Grande do Sul o contato era mais simples, pois além de membros da nossa equipe de pesquisa terem alguma proximidade com os entrevistados, é bastante fácil conseguir os telefones e endereços eletrônicos no site do Tribunal de Justiça do estado. Já com os promotores de justiça de Santa Catarina, a busca pelos contatos foi mais Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 20 complicada, devido à menor proximidade da equipe com os membros do Ministério Público e pelos poucos números de telefones encontrados no site da instituição, dificultando o contato direto com os entrevistados. Com relação às entidades civis e atores sociais, a maior dificuldade foi a de encontrar contatos com lideranças comunitários. Assim, contou-se com o auxílio de pessoas conhecidas de integrantes da equipe que atuam (ou atuaram) ou residem no município para a indicação dos contatos, ou através da indicação dos próprios entrevistados, já que na web é mais difícil acessar essas informações. Ainda neste aspecto, algumas pessoas indicadas não foram contatadas pelos seguintes motivos: não atendeu ao telefone, não retornou ligação ou não respondeu mensagem via e-mail, a informação de número de telefone ou de endereço eletrônico era inconsistente ou estava desatualizada. No que se refere às dificuldades específicas relacionadas a cada município, citam-se: - Em Porto Alegre tivemos boa receptividade nos agendamentos e também tivemos um campo amplo de atores dos dois segmentos e de diversas instituições. - Em Alvorada houve dificuldade em agendar entrevista com o Secretário municipal de Segurança Pública ou outro representante do executivo municipal. Para contatar o primeiro foram realizadas várias tentativas, conversamos com pessoas de setores diferentes até indicarem que a única maneira de conseguir um agendamento seria através de um ofício que deveria ser entregue em mãos na Secretaria de Segurança Pública de Alvorada. Ao contrário do que ocorreu com o restante dos municípios: ao contatarmos os secretários de segurança pública, primeiramente via telefone e após com a solicitação formalizada via e-mail e através do envio da carta de apresentação da pesquisa, os agendamentos eram marcados e as entrevistas realizadas. - Em Alvorada também houve problemas em entrevistar juiz de vara criminal e tribunal do júri porque até o momento havia apenas um juiz criminal respondendo por outros setores também. Os outros juízes haviam sido transferidos para outras cidades há pouco tempo. - Na cidade de Canoas a principal dificuldade foi contatar os atores da sociedade civil, obtivemos inicialmente indicações de moradores dos bairros mais afetados pela criminalidade, no entanto muitos números eram inexistentes ou então a pessoa não atendia a ligação. Várias tentativas foram feitas e resultaram frustradas, o que demandou um tempo mais prologando para finalizar as entrevistas nesse município. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 21 - Em São Leopoldo houve dificuldades em contatar o conselho tutelar do município e os representantes das polícias civil e militar. Foi feito contato via telefone, mas muitas vezes o número de telefone não estava correto ou estava desatualizado, ou a pessoa não atendia. Quando efetuado o contato telefônico e enviado e-mail, não obtivemos respostas posteriores. - Em Curitiba houve dificuldade em agendar entrevista com representantes da Polícia Militar. - Em Florianópolis tivemos dificuldades em contatar agentes da sociedade civil, tanto em conseguir indicações, como na procura via fontes externas. O que se fez para suprir essa dificuldade foi, na segunda etapa de entrevistas, aproveitar os contatos sugeridos na primeira ida a campo, ocorrida dois meses antes da segunda. Em quatro momentos ocorreude os pesquisadores irem até o município e não poderem realizar as entrevistas. A primeira foi na cidade de Curitiba, na qual foi feito um pré- agendamento que não pode ser efetuado quando os pesquisadores foram até a cidade para realizar a entrevista; em Canoas, quando os pesquisadores estavam chegando na cidade a pessoa que seria entrevistada cancelou a entrevista; em São Leopoldo um endereço não foi encontrado e não foi possível localizar o informante via telefone; e em Alvorada o juiz cuja entrevista já havia sido agendada não pôde atender os pesquisadores devido a outro compromisso no mesmo horário. b) Entrevistas Os entrevistados, em geral, consideraram muito importantes iniciativas como a pesquisa, uma vez que ajudam a compreender o cenário da violência e as possibilidades de enfrentamento da questão. Também demonstraram interesse em um retorno posterior sobre os seus resultados. Na maioria dos casos foram respondidas todas as questões inquiridas, à exceção das profissionais que atuam em órgãos de controle voltados às mulheres vítimas ou às mulheres presas, que não responderam às perguntas mais gerais sobre fatores de risco e políticas de segurança pública. Ademais, nas entrevistas com alguns líderes comunitários houve certa dificuldade em orientar a fala dos sujeitos para as questões específicas do instrumento de pesquisa, uma vez que aproveitavam o momento para tratar das necessidades locais ou denunciar problemas de segurança pública do local de moradia, ou, então, para destacar a sua pauta de reivindicações direcionadas aos órgãos públicos. Os atores institucionais e sociais contatados trouxeram referências importantes acerca dos territórios mais violentos de sua cidade, em termos de suas características sociais (como: Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 22 renda, desemprego, equipamentos públicos, vulnerabilidade social), presença de grupos criminais ou facções (como os “Balas na Cara”, os “Manos” originários da Região Metropolitana de Porto Alegre, dentre outros), crescimento populacional dos bairros, realidade socioeconômica do município (por exemplo, crise do setor calçadista e crescimento do desemprego em São Leopoldo-RS). Por outro lado, como se tratavam de representações sociais, e principalmente considerando a participação dos operadores do Sistema de Justiça Criminal, o principal fator citado como causa direta e indireta dos homicídios foi o tráfico de drogas; diretamente devido aos acertos de conta e às disputas por território; indiretamente porque o tráfico permite o acesso, por exemplo, às armas de fogo, potencializando a violência, bem como devido à dinâmica das relações estabelecidas entre líderes e comandos de territórios, dentro da lógica de afirmar o poder e exercer o controle social através do medo de retaliação violenta por parte dos desafetos e da comunidade. E esta dinâmica abrange não apenas os diretamente envolvidos nos negócios do tráfico (traficantes, subordinados e consumidores), mas também as relações sociais convergentes (famílias, grupo de pares e comunidade). Desta forma, as respostas giraram em torno do senso comum de que as regiões conflagradas são os locais preferenciais de atuação do crime organizado, em especial do tráfico de drogas, mas também do desmanche de veículos roubados e da venda de outros produtos ilegais. As percepções vinham reiteradamente alinhavadas com uma perspectiva punitivista, amplamente difundida, de que é preciso reprimir o consumo e o tráfico de drogas, penalizar e prender mais (inclusive o usuário), por mais tempo (sim, mas em condições humanas!), pois a (a sensação de) impunidade, de que “não dá nada, não”, faz com que esses jovens (que não têm nada a perder) matem mais (e morram mais).Ou seja, dificilmente as narrativas iam além do imaginário popular e do senso comum acerca da violência e da criminalidade. Para ir além dessa leitura bastante homogênea que destaca o tráfico como o principal problema relacionado com os homicídios, procurou-se ir mais a fundo em alguns temas, e assim explorar a complexidade das questões, aproveitando-se algumas brechas ou contradições no discurso dos entrevistados, reformulando ou complementando certas questões do instrumento. A título de exemplo, no tocante ao aprofundamento da temática do tráfico de drogas, foram sugeridas as seguintes questões adicionais: Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 23 Pode-se afirmar que nesta cidade a totalidade dos homicídios está ligada ao tráfico de drogas? Se não, quais os outros fatores e circunstâncias relacionadas com as mortes? Se a política de segurança pública focalizar prioritariamente o tráfico de drogas haverá, então, uma queda significativa dos homicídios em sua cidade? Os outros tipos de homicídios referidos pelos entrevistados foram: feminicídios e homicídios no âmbito doméstico, violência policial e mortes oriundas de desentendimentos interpessoais e latrocínios. Sobre eles os entrevistados ofereceram menos informações, mesmo quando contatados os profissionais diretamente envolvidos com esta temática. Quanto às políticas de segurança pública, de um modo geral quando perguntados sobre como o governo federal pode contribuir na redução de homicídios os entrevistados apontaram o envio de recursos, equipamentos e a capacitação/qualificação dos agentes, sobretudo policiais. Nas entrevistas com policiais foi constantemente citada a falta de equipamentos, de sua adequação ao trabalho, e de estrutura para a atuação. Também foi constatado que os entrevistados não souberam identificar claramente os projetos e ações (federais, estaduais ou municipais) voltados à diminuição dos homicídios na sua cidade, o que denota certa ineficácia na gestão da informação em segurança pública, dentre as diferentes esferas de governo. c) Instrumento de pesquisa O instrumento de pesquisa, apresentado no anexo deste Relatório, foi utilizado em todas as entrevistas, com o cuidado de se inquirir todas as questões. Todavia, desde o início do trabalho de campo houve uma série de dificuldades na formulação das perguntas e no andamento das entrevistas, conforme seguem. - A primeira pergunta já leva o entrevistado a refletir sobre causas, fatores e motivações dos homicídios, tornando as questões posteriores (especialmente a questão 6, sobre fatores de risco), bastante repetitivas. Assim, o entrevistador precisou ficar muito atento ao longo de toda a entrevista para não indagar sobre aspectos já informados (alguns entrevistados reclamaram da insistência e repetição das perguntas!), uma vez que as primeiras perguntas já antecipavam as respostas das questões posteriores. - Questão 4, item b (“Esses crimes tendem a ser planejados com antecedência ou não? ”) – Os entrevistados proferiram interpretações distintas sobre o que consideram como “crimes Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 24 planejados”, por vezes vinculando-os às “mortes por encomenda”, dentro de uma percepção mais restritiva de planejamento das ações criminais.- Falta esclarecimento sobre as questões 5 – Motivação e 6 – Fatores de risco, ou seja: quais as diferenças entre ambas as expressões? No nosso caso, buscando-se um entendimento comum entre os entrevistadores, estipulamos que “motivação” estaria relacionada com os aspectos individuais do cometimento do ato e “fatores de risco” com os aspectos mais gerais, contextuais. Algumas vezes os entrevistados demonstraram dificuldade em responder sobre os fatores relacionados ao crime, talvez porque se tratasse de pergunta analítica e distante de sua experiência profissional cotidiana. - A questão 7 pergunta sobre a atuação policial sem abranger os outros operadores do Sistema de Justiça Criminal. Assim, em muitos dos casos esta pergunta não se aplica. - Na questão 8, sobre as ações de prevenção e repressão aos homicídios, consideramos mais operacional perguntar no geral, sem mencionar os itens “a” e “b”. E, depois, inquirir sobre algum aspecto faltante (quanto à prevenção ou repressão). Por fim, elencamos algumas sugestões de questões adicionais que poderiam aprofundar os aspectos inquiridos: - Especificidades locais – Quais a especificidades das mortes em cada lugar? Pode-se identificar a presença de uma “cultura da violência”? Quais as características desta cultura? Quais os aspectos diferenciais do tráfico de drogas em cada município? - Opinião sobre a lei de drogas. - Se e como ocorre a integração entre as agências de controle e qual a participação de cada órgão neste processo? Ainda, a equipe da pesquisa também considera que seria importante realizar entrevistas com autores de homicídio e familiares das vítimas, em uma agenda futura de pesquisa, para se aprender diretamente as motivações desses crimes e não “apenas” as percepções sobre tais. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 25 3. O FENÔMENO SOCIOLÓGICO DOS HOMICÍDIOS Neste capítulo oferecemos um levantamento bibliográfico sobre o fenômeno dos homicídios, desde seus aspectos gerais, passando por propostas de tipologias de homicídios até um levantamento dos principais indicadores estruturais. Mas, antes disso, esclarecemos a perspectiva teórico-metodológica na qual se insere a análise contida neste Relatório, ao tratarmos das percepções dos indivíduos sobre as motivações dos homicídios. Como trabalhamos nesta pesquisa com as motivações dos homicídios a partir das percepções sociais dos entrevistados, torna-se necessário avaliar as suas narrativas a partir da categoria analítica das representações sociais. A socióloga Maria Stella Grossi Porto (2010) é referência no tema no país e defende que a teoria das representações sociais é um caminho fértil de análise, na medida em que, por seu intermédio, crenças e valores são apreendidos em sua condição de princípios orientadores de conduta. Conforme a autora, as representações sociais orientam não só condutas individuais, mas também de grupos e instituições públicas, como é o caso dos representantes da sociedade civil e dos profissionais do Sistema de Justiça Criminal, que constituem o grupo de entrevistados. O conhecimento via representações sociais pode ser denominado de segundo grau, na medida em que se chega ao conhecimento interrogando-se a realidade por meio do que se pensa sobre ela. Em vez de centrar a análise nos dados brutos da violência, interrogam-se os imaginários construídos sobre a violência. Mas longe de ser um dado, tem que ser construído como tal (PORTO, 2010). A escolha por essa abordagem ocorre porque, segundo Porto (2010, p. 14), “é nas e pelas representações sociais que o social se constitui como tal, por meio de condutas significativamente orientadas por um sistema de normas e valores enquanto representação de um dado ordenamento do social”. Desse modo, o conceito nos auxilia a compreender de que forma o objeto analisado é representado pelos atores, tendo em vista que “diferentes conteúdos valorativos e ideológicos são responsáveis por diferentes representações sociais da violência” (PORTO, 2010, p. 13). Em exemplo, o que percebemos em nossa pesquisa é que o discurso acerca da motivação dos homicídios corresponde principalmente ao tráfico de drogas. No entanto, questionando-se um pouco mais acerca desse tema, percebemos que há outras motivações envolvidas. Esse foi um dos indicativos de que precisávamos avaliar os discursos dos entrevistados a partir de suas representações sobre a realidade social. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 26 Segundo Porto (2010), as representações sociais são contingentes e se constituem de acordo com o local social do sujeito. De uma forma geral, o livro demonstra que as representações sociais são resultadas da inserção social dos indivíduos, expressam visões de mundo que buscam explicar e dar sentido aos fenômenos. Em razão disso, acabam participando da constituição desses mesmos fenômenos e constituindo máximas orientadoras de conduta. Forma-se, enfim, uma conexão de sentido (solidariedade) entre os fenômenos em si e as suas representações sociais. Com isso, aquilo que os atores sociais nomeiam como violência varia segundo as representações que eles constroem sobre o fenômeno e segundo a natureza da sociedade na qual o fenômeno é definido. Sobre esta perspectiva, Porto (2010) afirma que é preciso interrogar a realidade a partir do que se diz sobre ela. Em síntese, utilizar a categoria de representações sociais significa assumir que estas: a) Embora resultado da experiência individual são condicionadas pelo tipo de inserção social dos indivíduos que as produzem; b) Expressam visões de mundo objetivando explicar e dar sentido aos fenômenos dos quais se ocupam, ao mesmo tempo em que; c) Por sua condição de representação social, participam da constituição desses mesmos fenômenos; d) Apresentam-se, em sua função prática, como máximas orientadoras de conduta; e) Admitem a existência de uma conexão de sentido entre elas e os fenômenos aos quais se referem, não sendo, portanto, nem falsas nem verdadeiras, mas a matéria-prima do fazer sociológico. Nesse sentido, buscamos compreender o que está subentendido nas falas dos informantes e aprofundá-las no sentido de compreender as relações complexas que envolvem os ambientes onde eles operacionalizam as suas práticas discursivas e operacionais. Em relação às entrevistas realizadas na pesquisa, é possível entender a metodologia como um movimento de interrogação da realidade através do que se pensa sobre ela. Em vez de se centrar a análise nos dados brutos dos homicídios, interroga(m)-se o(s) imaginário(s) construído(s) sobre a violência. Assim, observa-se a reconstituição da própria relação do pesquisador com seu objeto de pesquisa, o qual não é (um) dado, mas construído como tal. A forma como os atores apresentam as suas percepções e posterior análise está contida na sessão Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 27 “Homicídios na Região Sul do Brasil: uma compreensão qualitativa” examinada adiante nesse relatório. 3.1 Aspectosgerais Nesta pesquisa, a definição de uma análise dos homicídios deve-se a vários motivos. Em primeiro lugar, trata-se do indicador mais utilizado internacionalmente para medir violência. Além de sua gravidade, há uma padronização jurídica em torno desses crimes (FOX; ZAWTIZ, 2002, p.1). A taxa de homicídio por 100.000 habitantes é o indicador privilegiado de estudos comparativos internacionais sobre o nível de violência de uma sociedade (OUIMET, 2011, p. 2). Altas taxas de homicídios têm inúmeras consequências adversas sobre a qualidade da vida social, incluindo o enfraquecimento dos vínculos sociais, a difusão de suspeita e medo e de uma sensação de insegurança nas comunidades. A reprovação societária ao homicídio faz com que ele seja mais investigado e julgado comparativamente aos outros crimes, aproximando as estimativas da realidade (EISNER, 2001, p. 634). Mesmo assim, existe um gap entre os casos de homicídios conhecidos pela polícia e os efetivamente esclarecidos, ou, ainda, os sentenciados. Na Inglaterra e País de Gales, por exemplo, a taxa de esclarecimento (proporção de inquéritos remetidos à justiça em relação ao total de ocorrências policiais) dos homicídios foi de 90% em 1997, um resultado bastante superior aos dos outros delitos (LEMGRUBER, 2001). Já no Brasil, pesquisa coordenada por Michel Misse (2009) identificou um percentual de 92,5% das ocorrências de homicídios remetidas, como inquéritos policiais, ao Ministério Público. Todavia, dos inquéritos remetidos (total de 2.928), apenas 111 (4%) foram posteriormente denunciados, enquanto que 82% foram devolvidos para a Polícia Civil para novas diligências. No Código Penal Brasileiro (CP), o homicídio está tipificado no artigo 121 (“matar alguém”), do capítulo 1 (Crimes contra a vida), do Título I (Dos crimes contra a pessoa). Nesta tipificação inserem-se (conforme o artigo 14 do CP) tanto os crimes consumados (quando nele se reúne todos os elementos de sua definição legal) quanto tentados (quando iniciada a execução, ela não se consuma por circunstância alheias à vontade do agente), bem como dos aspectos qualificadores. A pesquisa trata dos homicídios dolosos – consumados ou tentados, ou seja, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo, conforme prescreve o artigo 18 do CP. Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 28 O ato voluntário de matar outra pessoa é socialmente reprovado nas sociedades desde tempos imemoriais, embora sempre existissem casos de convalidação de acordo com o contexto histórico: em legítima defesa, nas guerras, no exercício da atuação policial sob certas condições legalmente previstas. Esta característica universal dos homicídios – que permite defini-los como um fato social normal na acepção durkheimiana – reduz o poder explicativo da hipótese da criminalização pelo sistema de justiça criminal de certos grupos e práticas sociais. No Brasil, as pesquisas e as informações sistemáticas sobre violência homicida em nível de país, estados e municípios já esclareceram muitas de suas características gerais. Considerando as 56.337 agressões intencionais fatais do ano de 2012, registradas na base nacional de dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde 4 , verificamos que: a) Quanto ao meio utilizado – 40.077 (71%) foram provocadas por arma de fogo; b) Quanto às vítimas – 51.544 eram homens (91%) e 4.719 mulheres (8%). c) No tocante à idade, 30.072 das vítimas (53%) possuíam entre 15 e 29 anos. Dados aproximados a respeito dos perpetradores dos homicídios podem ser acessados nas estatísticas prisionais. Dos condenados por homicídio que estavam presos em dezembro de 2012, 97% eram de homens e 3% de mulheres. 7% do total de mulheres presas foram condenadas por homicídios, contra 14% dos presos homens (BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2012). Como confirmam várias pesquisas nacionais e internacionais, as vítimas preferenciais dos homicídios são jovens solteiros, do sexo masculino, negros ou pardos, pobres e com baixa escolaridade e que habitam as periferias urbanas. Em relação aos agressores, sabe-se que eles possuem características muito semelhantes às de suas vítimas, quanto à idade, gênero e background socioeconômico 5 . 4 Disponível em: http://tubnet.datasus.gov.br. 5 Esta constatação não é nova e nem exclusiva do Brasil. Sutherland já destacara, na década de 1940, relativamente aos crimes contra a pessoa: “nos crimes de violência pessoal as vítimas e os agressores são geralmente do mesmo meio social, e têm as residências não muito afastadas. Os negros assassinam negros, os italianos assassinam italianos e os chineses assassinam chineses. Esses crimes de violência pessoal concentram- se, em geral, contra pessoas com quem os ofensores têm relações pessoais. Eles se originam de conversa, relações românticas e transações de negócios, e são praticados contra amigos e conhecidos”. (SUTHERLAND, 1949, p. 36). Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 29 Perez (2007) acrescenta que a partir dos anos 2000 houve crescimento em torno de 50% nas taxas de mortalidade por homicídios e por armas de fogo, fazendo com que as armas de fogo, em 2000, ocupassem o primeiro lugar entre as causas de mortes na faixa etária entre 15 e 24 anos entre os jovens provenientes de locais com baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico e baixa escolaridade. Os jovens são particularmente afetados pelo individualismo exacerbado, pelo narcisismo do “culto da liberdade individual”, cujo estímulo a um comportamento de “vencedores” e “perdedores” ameaça romper os laços de sociabilidade: a obsessiva preocupação com o indivíduo e a segurança pessoal produz um novo “mal-estar da civilização” na sociedade contemporânea. Por outro lado, os jovens são particularmente afetados pelos seus grupos de pares (peer groups) que exercem profunda influência nos processos de construção social de identidades, contribuindo para o envolvimento em práticas com o objetivo de expressar e obter status de pertencimento em um grupo ou cultura juvenil. A pressão para experimentar drogas ou tomar parte em atos violentos/delituosos, por exemplo, é exercida com mais frequência e de forma mais contundente entre jovens do sexo masculino, podendo se deteriorar em violência letal entre jovens. Subjacentes às práticas de provocação estão as dinâmicas de construção e afirmação de identidades “masculinas”. A provocação coloca em questão autoimagens do que significa “ser homem/macho” e suscita comportamentos e/ou engajamento no sentido de afirmação da “masculinidade”. Sob pena de serem rotulados como “fracos”, “bichas”, “moles”, “cagões”, “caretas”, entre outros epítetos, adolescentes e jovens são, portanto, desafiados a responderem a uma ofensa, a compartilharem um cigarro de maconha ou a participarem de um assalto. Em alguns casos pode haver coação, podendo o adolescente ou jovem ser expulso do grupo ou mesmo da localidade. Em outros casos, a provocação não é apenas verbal, mas pode degenerar em agressão física. Nesses confrontos, a “masculinidade” de um e de outro é colocada em questão e a afirmação da identidade é feita por meio da violência (PIMENTA, 2014). Feltran(2008) fez uma análise semelhante ao realizar um estudo de caso de uma comunidade da periferia de São Paulo, o distrito de Sapopemba, na zona leste da capital. O autor buscou por em perspectiva a trajetória de vida das pessoas a partir do contexto histórico do desenvolvimento da comunidade. Ele mostra como a violência permeia a vivência dos jovens de comunidades de periferia e como a construção das subjetividades e identidades são construídas a partir do momento em que os jovens entram para o “mundo do crime”. Nessa Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 30 comunidade, o que chama atenção é que, dentre os jovens de 15 a 19 anos residentes no local (um total de 10% da população), “a taxa de homicídios entre estes adolescentes, de sexo masculino, era assustadora: 326,40/100mil, mais de dez vezes maior do que a taxa média da cidade de São Paulo (que já é das mais elevadas do mundo)” (FELTRAN, 2008, p.67). Para ilustrar essa realidade, o autor relata o contexto de vida de um dos seus informantes que, na época, havia cumprido medida socioeducativa. Seu estudo detalha as circunstâncias e motivações que levaram o jovem entrar no “mundo do crime”, tais como: desafetos familiares, pouca escolaridade, carências materiais, sedução por objetos de consumo como roupas de marca, dinheiro, bicicleta, carros, etc. Na fase inicial da vida no “mundo do crime” ficam latente as questões morais vinculadas às necessidades e anseios materiais e, no decorrer do processo de inserção, as questões colocadas acima, tais como a influência na formação de uma identidade “masculina”, “forte”, etc., vão se estruturando aos poucos. O jovem relaciona-se com a violência de modo ambivalente: ora como vítima, ora como agressor. A sua vida tem sido um processo de luta para conviver, ou superar a violência na era da mundialização (BAUMAN, 1998; NAFFAH NETO, 1997). A violência difusa pode ser explicada pela segregação social e espacial das populações, pelo aumento do desemprego e pelo recurso a soluções diretas resultantes do descrédito para com o aparelho policial e o sistema judiciário, como demonstram os linchamentos em periferias urbanas de cidades brasileiras (LIMA, 2002; SINGER, 2003; SINHORETO, 2002; MARTINS, 2015). Para além das características gerais acima apresentadas, percebem-se diferenças impactantes na incidência de homicídios entre as regiões, estados e municípios brasileiros. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco apresentam queda regular das taxas de homicídio, enquanto em outros – como na Bahia – os homicídios vêm crescendo, ou permanecem no mesmo patamar, como no Rio Grande do Sul. Há várias interpretações sobre os movimentos discrepantes da violência letal entre os diversos espaços sociais. Dentre elas, citam-se as que procuram explicar o exemplar e persistente declínio dos homicídios no Estado de São Paulo 6 , que, entre outros aspectos, estaria relacionado com: 6 Conforme os trabalhos de: Mello e Schneider (2007), Ferreira, Lima e H. (2009) e Peres et al. (2012). Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 31 a) As novas políticas de justiça criminal implementadas ao longo da década de 2000, tais como: aprovação de leis para aumentar a fiscalização sobre as armas, campanhas de desarmamento, etc.; b) As mudanças ocorridas no sistema de justiça e segurança pública, por exemplo, o aperfeiçoamento dos mecanismos de planejamento, gestão e controle e a participação das prefeituras municipais na agenda de segurança pública; c) O aumento da participação social em áreas de alto risco; d) A Lei Seca implantada em alguns municípios; e) A melhoria nos indicadores socioeconômicos, como melhor distribuição de renda e elevação da escolarização secundária; f) As mudanças na estrutura etária relativas à queda da participação dos jovens de 15 a 24 anos na população paulista, sem desconsiderar a influência das políticas públicas; g) Os fatores socioeconômicos e demográficos, em especial a redução dos níveis de desemprego e da proporção de jovens na população. Kahn (2011) relativiza as hipóteses baseadas no fator demográfico e no controle de armas circulantes, pois elas se aplicariam às tendências observadas em todo o território nacional. Ao analisar o crescimento acentuado dos homicídios na década de 2000 no Nordeste (com exceção de Pernambuco) e no Sul do país, em contraste com o seu decréscimo no Sudeste, o autor apontou como fatores explicativos: A) no Nordeste, o crescimento rápido e acelerado da renda produziu efeitos diretos e indiretos, entre eles, a maior quantidade de crimes patrimoniais e o maior uso de arma de fogo, resultando em maior incidência de desfechos letais; B) Em contrapartida, no Sudeste, o crescimento estável de renda e a estabilidade do crime patrimonial, associados à redução das armas em circulação e às políticas de segurança específicas (voltadas ao controle de armas e/ou que priorizaram a redução dos homicídios como em Pernambuco) estariam relacionados com a redução dos homicídios. Andrade, Souza e Freire (2013) ressaltam que não foi identificada uma interiorização uniforme dos homicídios no Brasil, pois eles continuam a prevalecer nas cidades interioranas maiores, nos polos regionais ou nas franjas metropolitanas, ou, ainda, em cidades mais integradas à metrópole. Ou seja, o modo de vida metropolitano continua a gerar formas de sociabilidade que favorecem as práticas violentas, como salientam Souza e Fratari (2013, p. 46). Avenida Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43321, sala 210 C2 Bairro Agronomia CEP 91501-970 Porto Alegre – RS – Brasil Fone: +55 51 3308.7315 Fax: +55 51 3308.6890 www.violenciaecidadania.ufrgs.br gpviolcid@ufrgs.br 32 Nas metrópoles, o desemprego também parece estar relacionado com a incidência da violência. Foi o que constatou Guimarães (2011) ao realizar um estudo painel em dez regiões metropolitanas brasileiras no período 1992-2005. A autora identificou que os homicídios de jovens entre 15 a 29 anos prevalecem nas regiões metropolitanas mais ricas, porque nelas se presume a existência de maior lucratividade para o crime, como no caso do tráfico de drogas. No estudo, o desemprego aparece como principal fator correlacionado com a taxa de homicídios de jovens, conduzindo à conclusão de que este problema social poderia estar provocando, por várias razões, um aumento da participação de jovens sem emprego nas atividades criminosas (GUIMARÃES, 2011, p. 201). Do mesmo modo, Cerqueira, Lobão e Carvalho (2007) acrescentam que o crescimento populacional agregado ao crescente desemprego nas regiões metropolitanas gerou mudanças que desencadearam uma maior exclusão conjugada à desigualdade econômica. De acordo com os autores, as transformações decorrentes possibilitaram maior proliferação e uso indiscriminado de armas de fogo; aumento da percepção dos indivíduos em relação à impunidade e, consequentemente, baixa confiança no sistema de justiça criminal. Por sua vez, Beato e Zili (2012) reafirmam as proposições acima ao constatar que o crescimento rápido das metrópoles, acompanhado da falta de planejamento, acaba gerando ambientes propícios para a prática
Compartilhar