Buscar

A tendência anti social

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A tendência anti-social na Teoria do Amadurecimento 
de D.W.Winnicott: Um Apelo Esperançoso 
Maíra Golovaty 
 
RESUMO 
 Ao detectar a relação direta entre os comportamentos ditos “delinqüentes” 
com a questão da deprivação sofrida por crianças numa certa idade na situação 
de guerra, e muito embora as circunstâncias da querra fossem anormais, 
Winnicott percebeu que tais conhecimentos obtidos desta experiência têm 
aplicação geral, já que as crianças que sofrem deprivação e se tornam 
delinqüentes têm problemas básicos que se manifestam de modos previsíveis, 
independentemente das circunstâncias nas quais a deprivação se dá
 Winnicott cunha o termo “tendência anti-social” em preferência ao termo 
“delinqüência” pela razão de que o primeiro nos permite vislumbrar uma mesma 
natureza da problemática em diferentes graus do seu desenvolvimento, desde 
sua forma mais primitiva, casos brandos que se aproximam inclusive daquilo que 
designamos normalidade, como a birra extremada de um bebê, a enurese 
noturna ou o furto de uma moeda na bolsa da mãe, até os atos mais graves 
estruturados como delinqüência, sendo a psicopatia o estágio mais avançado. 
Além disso, este termo facilita a compreensão da existência de uma conexão 
entre a tendência e a esperança, por mais difícil que seja de percebe-la quando 
o ato anti-social atinge certa gravidade e seu sentido original tenha esmaecido. 
. 
 Este presente trabalho busca localizar na obra de Winnicott de que 
maneira a delinqüência pode ser compreendida enquanto um sintoma 
caracterizado pela deprivação (deprivation) ocorrida no processo de 
amadurecimento do indivíduo, e ainda, como podemos entendê-la como um 
pedido de socorro e expressão da esperança em ser ajudada que a criança 
ainda é capaz de manifestar. 
 
Palavras-Chave: tendência anti-social, delinqüência, deprivação. 
 
 
 
 
Antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, a experiência profissional do 
pediatra e psicanalista D.W. Winnicott tinha se concentrado eminentemente na 
prática clínica em contextos hospitalares e no exercício clínico privado. O 
assunto da delinqüência havia sido deliberadamente evitado por ele até aquele 
momento, por se sentir despreparado teoricamente e pela ausência de recursos 
demandados por estes casos. 
Quando eclodiu a guerra, Winnicott escolheu não mais se abster, 
assumindo a Consultoria de Evacuação, já intuindo a problemática que teria de 
enfrentar, e foi nesse intenso contato com crianças desapossadas que sua 
teoria e prática clínica tomaram uma nova dimensão, afetando seus conceitos 
básicos sobre crescimento e desenvolvimento emocionais. 
A partir desta experiência, Winnicott pode formular sua teoria sobre a 
tendência anti-social, ao detectar sua relação direta com a questão da privação 
sofrida pela criança numa certa idade; e muito embora as circunstâncias da 
querra fossem anormais, os conhecimentos obtidos desta experiência têm 
aplicação geral, já que as crianças que sofrem privação e se tornam 
delinqüentes têm problemas básicos que se manifestam de modos previsíveis, 
independentemente das circunstâncias nas quais a privação se dá. 
Winnicott cunha o termo “tendência anti-social” em preferência ao termo 
“delinqüência” pela razão de que o primeiro nos permite vislumbrar uma mesma 
natureza da problemática em diferentes graus do seu desenvolvimento, desde 
sua forma mais primitiva, casos brandos que se aproximam inclusive daquilo que 
designamos normalidade, como a birra extremada de um bebê, a enurese 
noturna ou o furto de uma moeda na bolsa da mãe, até os atos mais graves 
estruturados como delinqüência, sendo a psicopatia o estágio mais avançado. 
Além disso, este termo facilita a compreensão da existência de uma conexão 
entre a tendência e a esperança, por mais difícil que seja de percebe-la quando 
o ato anti-social atinge certa gravidade e seu sentido original tenha esmaecido. 
 (...) tive de inventar a expressão "tendência anti-social", para reuni-la com a criança que 
furta um tostão do bolso de alguém ou que tira alguns bolinhos, a que tem perfeito direito, da 
despensa. Quis unir isso com as tendências que podem conduzir à delinqüência [...] Trata-se de 
algo importante, e a vida foi diferente para mim após isso, porque agora sabia o que fazer com 
meus amigos que me estavam trazendo suas crianças por estas apresentarem uma tendência 
anti-social em um lar perfeitamente bom. Descobri que antes de os lucros secundários 
aparecerem, isto não era algo difícil de tratar, mas sim fácil, ainda que não em todos os casos. 
Acho que isso foi uma contribuição. Não conheço ninguém que estivesse realmente fazendo isso 
então, e, se houvesse, gostaria de saber. (Winnicott, 1989f, p. 439) 
 A teoria do Amadurecimento Pessoal de D.W.Winnicott é categórica ao 
explicitar a importância do papel do ambiente na formação do indivíduo. Mais 
especificamente, é no âmbito da relações interpessoais (no início do bebê com a 
mãe, e posteriormente, se estendendo ao pai, à família, etc.) que o bebê é 
capacitado a integrar experiências, constituir um psicossoma integrado a partir 
da elaboração imaginativa do corpo, viver de modo autêntico e criativo (com 
base na experiência de onipotência sustentada pela mãe nos estágios mais 
primitivos da dependência) e tantas outras conquistas e tarefas que se dão nos 
diferentes estágios do amadurecimento, desde o nascimento até a morte 
(considerada por Winnicott como a marca derradeira da saúde). Em outras 
palavras, é imprescindível que exista uma provisão ambiental suficientemente 
boa1
 Quando tudo corre bem, o indivíduo consegue caminhar de maneira 
satisfatória numa espécie de “linha” do seu amadurecimento pessoal, e apesar 
deste processo nunca ser linear, envolvendo conquistas e perdas, existem 
algumas aquisições necessárias para a conquista de outras, sendo bastante 
prejudicado aquele indivíduo que não consegue estabelecer suas bases para 
ser, ou o faz de maneira precária. Quanto mais imaturo é o indivíduo, maior sua 
dependência da provisão ambiental, e maior também a gravidade dos danos 
causados quando o ambiente falha e o traumatiza. Quando há uma falha 
ambiental abrupta, intolerável para o indivíduo e que acarreta numa quebra do 
processo de amadurecimento, dizemos que ocorreu um trauma, uma ruptura na 
continuidade de ser, que dependendo do estágio do amadurecimento no qual se 
localiza é responsável pela instauração de uma determinada doença psíquica. O 
caminho para o tratamento de um distúrbio de natureza ambiental, seja ele qual 
for, sempre passa por proporcionar ao indivíduo um ambiente terapêutico, no 
qual a confiabilidade possa ser restaurada, permitindo assim uma regressão até 
o ponto de origem do trauma. Somente assim o amadurecimento poderá ser 
restabelecido e continuar seu curso no sentido da tendência inata à integração. 
 para que o desenvolvimento transcorra de forma saudável. 
 Este brevíssimo resumo sobre a concepção de Winnicott sobre as 
condições necessárias para que transcorra o desenvolvimento saudável de um 
indivíduo faz-se necessário para podermos localizar o que seja a tendência anti-
social e como ela se relaciona com sua teoria do amadurecimento pessoal. 
Ainda hoje é bastante comum a correlação da questão da delinqüência 
com um colapso mais geral da provisão social, como a miséria e as condições 
de vida adversas. No entanto, já na década de 60 Winnicott nos adverte: 
“(...) a tendência anti-social esta inerentemente ligada à privação. Em outras 
palavras, um fracasso específico é mais importante do que um fracasso social geral. ” 
(Winnicott, W14/1986b, pág. 82). 
 
1 Termo este cunhado por Winnicott para designar um ambiente que é bom o suficiente 
para facilitar a tendência inata à integração, atendendo às necessidades de um bebêou 
criança específicos numa fase específica do amadurecimento pessoal. Tais necessidades, 
apesar de apresentarem um padrão geral em comum, variam em suas nuances de 
indivíduo para indivíduo como também se transformam com o decorrer do 
amadurecimento, necessitando que uma mãe suficientemente boa possa se identificar 
com tais necessidades e se adaptar a elas no transcorrer deste processo. 
O fracasso específico ao qual Winnicott se refere na citação acima diz 
respeito à falha ocasionada na relação interpessoal da criança com seus pais, 
relação esta que estava sendo suficientemente boa e, por algum motivo, sofreu 
uma transformação repentina numa fase do amadurecimento pessoal da criança 
em que ela já tem idade suficiente para saber o que aconteceu com ela. Para 
Winnicott, a tendência anti-social denota exatamente uma tentativa inconsciente 
(acting out) da criança em comunicar esta falha ocorrida. Por isso é possível 
compreender, na manifestação da tendência anti-social, a subjacente expressão 
da esperança que a criança apresenta em ser compreendida e ajudada. 
“ A questão é:que esperança é essa? O que a criança espera fazer? É difícil 
responder a essa questão. A criança, sem sabe-lo, espera conseguir levar alguém que a 
ouça a recordar-se do momento de privação ou da fase em que a privação consolidou-se 
numa realidade inescapável. A esperança é que o menino ou a menina seja capaz de 
reexperimentar, na relação com a pessoa que está agindo como psicoterapeuta, o 
intenso sofrimento que precedeu a reação à privação.” (winnicott, 1986b, p. 89-90) 
O trabalho de Winnicott com crianças anti-sociais possibilitou-lhe 
confirmar a importância do ambiente na constituição do indivíduo e mudar o 
enfoque intrapsíquico que a psicanálise tradicional dava para a questão da 
delinqüência e da criminalidade em geral para o enfoque interpessoal da 
psicanálise winnicottiana, consolidando uma teoria totalmente original. 
Durante sua reflexão sobre a tendência anti-social, Winnicott não 
acreditava que sua etiologia pudesse ser explicada nem em termos de fatores 
externos grosseiros, como os definidos pela psicologia acadêmica, nem por 
conflitos psíquicos internos, como os definidos pela psicanálise tradicional, que a 
atribuía à culpa resultante da inevitável ambivalência inconsciente. 
Era difícil entender como em lares onde a provisão ambiental parecia ser 
suficientemente boa poderia a tendência anti-social se instalar na criança. O 
desenvolvimento dessa reflexão levou-o a perceber que a falha ambiental que 
leva à tendência anti-social não era necessariamente grosseira, que poderia ser 
extremamente sutil e, muitas vezes, passar despercebida por um observador 
menos atento às sutilezas das relações mais primitivas. Fazia-se necessário um 
olhar mais minucioso, verificar os detalhes da relação interpessoal do bebê ou 
da criança com sua mãe ou pai, e tentar identificar aí uma quebra, uma 
transformação. 
Foi assim que Winnicott verificou que tal quebra na confiabilidade do 
ambiente não estava necessariamente relacionada ao fato da mãe ou a família 
se tornarem de repente “maus” ou incapazes de cuidar da criança, mas que 
mesmo mudanças mais sutis poderiam resultar numa vivência traumática pela 
criança. Uma mudança de humor da mãe pela chegada de um novo filho, ou o 
fato da mãe ter que se ausentar por um período de tempo demasiado longo para 
que a criança pudesse manter a confiabilidade inabalada, ou a separação dos 
pais, são exemplos de “quebras” na continuidade que podem passar 
desapercebidas a “olho nu”, mas que têm potencial para desencadear uma 
tendência anti-social, em decorrência da extrema sensibilidade da criança com 
relação aos cuidados ambientais nesta fase do amadurecimento pessoal. 
 A grande especificidade com relação a falha ambiental deflagradora da 
tendência anti-social é que ela ocorre de maneira abrupta do ponto de vista da 
criança, numa fase do amadurecimento no qual ela (a criança) já é capaz de 
identificar a falha como proveniente do ambiente, ou seja, já existe um EU 
integrado e separado do ambiente e que reconhece que foi lesado por ele. Esta 
perda do ambiente suficientemente bom foi denominada por Winnicott pelo 
termo deprivação (deprivation, em inglês), e está sempre presente na raiz da 
tendência anti-social: 
(...) a perda de algo bom que foi positivo na experiência da criança até uma certa data, e 
que foi retirado; a retirada estendeu-se por um período maior do que aquele em que a criança 
pode manter viva a lembrança da experiência. (1958c, p.131) [...] é uma característica essencial 
que o bebê tenha atingido a capacidade de perceber que a causa do desastre reside numa falha 
ou omissão ambientais. (Ibid., p. 135) 
Uma descrição completa da deprivação inclui as condições anteriores ao 
trauma, o ponto exato do trauma - e do prolongamento da condição traumática - 
e as condições posteriores a ele. A criança que sofre esse tipo de trauma vive 
uma agonia impensável e o sofrimento é entendido por Winnicott como 
"um estado de confusão, de desintegração da personalidade, um cair para 
sempre, uma perda de contato com o corpo, uma desorientação completa, e outros 
estados dessa natureza" (1968e, p. 77). 
Quando a agonia impensável vivida durante a deprivação consolida-se 
como numa realidade inescapável, diz Winnicott, 
 “a criança acaba por tornar-se submissa, inofensiva e sem esperança. Para 
quem cuida dela isso pode ser muito cômodo, mas para ela significa sofrimento. Mas a 
criança pode ter a sorte de encontrar um ambiente favorável, por exemplo, a mãe 
reconhece a falha e a "mima" durante um certo período de tempo, cercando-a de 
cuidados especiais. Nessas circunstâncias, a criança começa a voltar a confiar que o 
ambiente possa ser capaz de compreender e acolher o seu problema. Um tal ambiente 
permite que a esperança renasça, e assim, os atos anti-sociais podem começar a 
ocorrer para testar a confiabilidade do ambiente. Esses atos anti-sociais nada mais são 
do que um pedido de socorro, para que alguém reconheça e a ajude a recordar-se "do 
momento da deprivação ou da fase em que a deprivação consolidou-se numa realidade 
inescapável" (id.). 
A esperança e o sentido do impulso que levam a criança a buscar o 
estado de coisas que existia antes da deprivação são características essenciais 
da tendência anti-social e, para que haja cura, devem ser reconhecidas pelo 
ambiente. Se os sinais de surgimento da tendência anti-social forem 
desperdiçados por intolerância ou incompreensão, a criança não terá condições 
de desfazer o medo da agonia impensável ou da confusão que ela viveu antes 
de se tornar desesperançada, e não poderá retomar o seu amadurecimento. 
A tendência anti-social possui essencialmente dois aspectos que 
acarretam em diferentes manifestações clínicas: 
O primeiro aspecto remete a um período mais precoce do 
desenvolvimento e diz respeito à interação da criança pequena com a mãe. Este 
aspecto decorre do fato da mãe ter falhado numa tarefa específica, de continuar 
capacitando a criança a encontrar objetos de forma criativa, sentindo-se a 
criança impossibilitada para tal e percebendo a proveniência desta falha. Para 
ela, é como se lhe tivesse sido roubada a possibilidade de usar o mundo de 
forma criativa. Por isso, quando ela encontra um objeto qualquer, ela o rouba por 
compulsão. Mas o verdadeiro sentido do roubo permanece encoberto, e é 
comum a criança se sentir louca e confusa devido a esse não entendimento, 
especialmente quando é inquirida a respeito. A criança de fato não busca por 
um objeto em específico, mas pela capacidade de encontrar. A manifestação 
clínica mais comum deste aspecto da tendência anti-social é o roubo. 
Já o segundo aspecto se dá num estágio mais desenvolvido e diz respeito 
à relação do menino (ou do aspecto masculino presente na menina) como pai, e 
se relaciona à falha da tarefa de integrar impulsos agressivos e destrutivos com 
os amorosos. Para que tal conquista seja alcançada, é necessário que a criança 
possa contar com a figura de um pai ou o correspondente (alguma autoridade, 
alguém em quem a mãe possa confiar) que lhe permita perceber que é seguro 
exercitar sua agressividade em termos de fantasia, e que inclusive esta 
agressividade é inerente ao amar. A criança que é bem sucedida nesta tarefa 
integrativa busca organizar sua vida de modo construtivo, tentando afastar a 
possibilidade de danificar algo de que gosta. Mas para conseguir isso a criança 
necessita de um ambiente que seja “indestrutível”, coeso, de um certo modo. 
Quando esta confiança no ambiente fica abalada, por uma separação dos pais, 
a morte do pai, uma transformação nas relações familiares, etc, ocorre uma 
deprivação, fazendo com que as idéias e os impulsos agressivos antes 
respaldados no quadro de referência familiar se tornem inseguros. Em 
decorrência disto, a criança se retrai na sua espontaneidade por medo de 
destruir na realidade aquilo que ama.Neste caso, assim que a criança recobra a 
confiança e, com ela, a esperança de ser ajudada, sente a necessidade de se 
redescobrir, e isso implica na redescoberta de sua agressividade represada. O 
pedido de socorro vem travestido, neste caso, por uma explosão de agressão, 
que poderá de fato acarretar em danos concretos, como a quebra de uma 
vidraça ou mesmo a agressão física. 
O fato é que muitas vezes a tendência anti-social, seja na forma de roubo 
ou de agressão, suscita no ambiente uma atitude moralista, de retaliação e 
punição, o que só tenderá a agravar mais e mais o problema. Por mais 
paradoxal que possa parecer aos moldes da educação clássica, o caminho para 
a cura de uma tendência anti-social é a compreensão e o provimento de 
cuidados especiais, pelo tempo que ela demandar, e jamais a condenação e a 
retaliação. Quando bem instruída a respeito, a própria família pode realizar a 
terapia necessária, evitando que a tendência anti-social possa se desenvolver e 
se agravar, cristalizando-se em delinqüência, que já é uma defesa anti-social 
organizada, por não ter sido tratada adequadamente. 
Outro aspecto importante relativo à tendência anti-social é que crianças 
que roubam ou que praticam algum ato destrutivo, geralmente, quando 
inquiridas, negam tê-los cometido, e isso aparenta ser feito por elas sem o 
menor sinal de culpa ou responsabilidade. Isto pode parecer uma cínica mentira 
para quem vê de fora, mas para ela é totalmente verdadeiro. Isso porque, como 
Winnicott percebeu em sua clínica, as crianças anti-sociais apresentam, 
regularmente, uma dissociação na personalidade. 
"Dissociação é um termo que descreve uma condição da personalidade 
relativamente bem desenvolvida, na qual há uma excessiva falta de comunicação entre 
os diversos elementos" (1988, p.159). 
Isto significa que o aspecto do self que cometeu o ato anti-social está 
dissociado da personalidade total. Não existe, portanto, uma comunicação entre 
os dois. Se houver uma pressão para que ela confesse o delito, inclusive 
mediante apresentação de provas, provavelmente ela o fará, mas isso, diz 
Winnicott, lhe custará "deixar essa área de ser verdadeira e transferir-se para 
uma outra espécie de integração na área intelectual do funcionamento do ego" 
(1966c, p. 263). Com a confissão, haverá uma falsa integração, que se dará 
somente a nível intelectual, a criança será "capaz de saber, compreender e 
recordar [...]. A culpa é agora admitida, mas não é sentida" (id.). Do ponto de 
vista externo, isto pode parecer satisfatório e até cômoda para os que cuidam, 
mas a criança não foi compreendida e nem ajudada. Tais atos não podem ser 
confessados de forma genuína pela criança porque esta agiu sob compulsão e 
com a parte da personalidade que está dissociada. A compulsão está ligada à 
esperança que a criança tem de ter reconhecido o débito do mundo para com 
ela, débito este que foi gerado pelo ambiente falho, e dele se espera 
ressarcimento. 
Neste ponto faz-se importante ressaltar que o fato da criança que 
cometeu um ato anti-social não estar consciente do seu “delito” não significa que 
essa inconsciência seja fruto da repressão. Pois aqui não se trata de 
inconsciente reprimido, mas de dissociação. A negação do ato anti-social, pela 
criança, significa que ela está aflita e pedindo socorro, necessitando de alguém 
que não a julgue nem a puna, e que a compreenda e a ajude nesse estágio em 
que ela está sofrendo e é ainda uma pré-delinqüente. Essa descoberta é de 
importância fundamental para se pensar as questões de prevenção da 
delinqüência. 
Conclusão 
 
A descoberta de Winnicott de que os atos mais graves de delinqüência 
fazem parte da mesma problemática de um bebê que dá um trabalho excessivo 
ou de uma criança que furta um lápis na escola abre grandes perspectivas para 
pensarmos a respeito da prevenção da delinqüência. Abrangidos pelo mesmo 
termo “tendência anti-social”, os atos anti-sociais surgem na sua versão mais 
branda num período ainda precoce do desenvolvimento do indivíduo, e quando 
não tratados adequadamente vão adquirindo o grau da defesa anti-social 
estruturada na forma de delinqüência. 
Outra importante descoberta de winnicott referente à tendência anti-social 
é sua conexão com a esperança: é nos momentos de maior esperança que a 
criança “deprivada” (que sofreu deprivação) mais mobiliza seu ambiente, 
esperando que este reconheça e compense o dano causado. A criança, com 
esse comportamento, não tem a consciência do que se está de fato procurando 
atingir, sendo o acting-out o meio encontrado pela criança para comunicar o seu 
sentimento de ter sido lesada. 
Esses sinais de tendência anti-social expressos pelo acting-out podem 
aparecer já muito precocemente, a partir do momento em que o EU se integra 
numa unidade. Pode já estar presente no bebê que causa um incômodo que 
começa a parecer excessivo para a mãe, e se esta reconhece sua falha e torna-
se uma “terapeuta”, proporcionando uma fase de cuidados especiais para o seu 
bebê, na qual atende suas reivindicações e permite suas regressões 
necessárias, muito provavelmente esse "tratamento" feito por ela terá sucesso. 
E assim, igualmente, para todas as idades durante a infância. 
Para o tratamento da tendência anti-social é imprescindível que se 
reconheça o valor positivo que o acting-out tem na cura da mesma e que se 
tome o sintoma expresso no ato anti-social como a comunicação de uma falha 
específica e um pedido de ajuda . 
Quando uma criança sofre deprivação e o ambiente reconhece a falha e 
passa a ressarcir, com cuidados especiais, a dívida para com ela, a chance dela 
ser "curada" é muito grande, especialmente antes de que haja benefícios 
secundários. Contrariamente a isso, se o ambiente não reconhece o dano 
causado, isso pode levar a criança a desenvolver uma delinqüência que, com os 
ganhos secundários, afasta-a cada vez mais do trauma original, podendo tornar 
impossibilitada a sua cura. 
A cura, nestes casos, não tem a ver com a interpretação do inconsciente 
reprimido, ou seja, de nada adianta, para a criança, saber que sofreu 
deprivação, numa história contada por outra pessoa. Isto seria uma apreensão 
meramente teórica, o que pode ser muito simples para uma criança inteligente, 
mas que não altera em nada o sentimento de ter sido lesada que ela carrega 
consigo. 
O verdadeiro valor terapêutico está na descoberta da falha ambiental pela 
criança através da possibilidade de um ambiente terapêutico (seja o ambiente 
familiar ou o setting analítico) que esteja disposto a proporcionar os cuidados 
que permitam restaurar o clima de confiabilidade. Só assim a tendência anti-
social poderá se manifestar, como que para testar esta confiabilidade 
restaurada. Este éo caminho da cura. Neste sentido que podemos dizer que a 
tendência anti-social é a manifestação de esperança, esperança com relação a 
ser compreendido, poder comunicar a falha e conseguir as provisões de que 
necessita para o restabelecimento do processo de amadurecimento saudável. 
Infelizmente, existem um grande número de casos anti-sociais mais 
graves, casos em que o distúrbio já se estabeleceu e que dizem respeito, em 
geral, àqueles indivíduos que não contam com um ambiente que se disponha a 
ser terapêutico. Nestes casos winnicott é bem pessimista, chegando a dizer que 
a cura é praticamente inatingível. Mas nos casos em que a criança vive em um 
ambiente relativamente bom (chamado também de “ambiente expectável 
médio), ou seja, quando existe uma família disposta a oferecer cuidados 
especiais, enquanto forem necessários, as chances de restabelecimento são 
muito maiores. 
Através de uma modalidade específica de tratamento, chamada por 
Winnicott de “Consultas Terapêuticas”, Winnicott procurava chegar ao ponto de 
deprivação sofrido pela criança através de uma comunicação profunda, por 
vezes pré-verbal, e a partir daí buscava orientar a família e acompanha-la em 
sua tarefa de co-terapeuta. 
Capacitar os pais a criarem um ambiente terapêutico para os filhos não só 
vai de encontro com o tipo de demanda encontrada por Winnicott na época, a 
qual, aliás, caracteriza o serviço público ainda mais intensamente nos dias 
atuais: um grande número de pessoas procurando ajuda, poucos profissionais, 
famílias que não têm condições de arcar com os custos de um tratamento mais 
longo, etc; como também fornece aos pais a chance deles próprios cuidarem dos 
filhos e repararem o dano causado , o que é de extrema importância para muitos 
pais, favorecendo um enriquecimento geral da situação. 
 
 
 
 
Referências bibliográficas: 
 
Winnicott, Donald W. 1958c [1856]: “A tendência anti-social”, in Winnicott 
1984a Privação e delinqüência. 
 
––– 1971vc: “Introdução (da parte três)”, in Winnicott 1971b: Consultas 
Terapêuticas em Psiquiatria Infantil. 
––– 1963c: “Os doentes mentais na prática clínica”, in Winnicott 1965b: O 
ambiente e os processos de maturação (em especial pp.203-204). 
___ 1968e: “A delinqüência como sinal de esperança”, in Winnicott 1986b: 
Tudo Começa em Casa. 
 
––– 1984i [1961]: “Variedades de psicoterapia”, em especial pp.242-243, in 
Winnicott 1984 a: Privação e delinqüência. 
 
––– 1965ve: “A psicoterapia de distúrbios de caráter”, in Winnicott 1984a: 
Privação e delinqüência. 
 
	A tendência anti-social na Teoria do Amadurecimento de D.W.Winnicott: Um Apelo Esperançoso
	Maíra Golovaty
	RESUMO
	Ao detectar a relação direta entre os comportamentos ditos “delinqüentes” com a questão da deprivação sofrida por crianças numa certa idade na situação de guerra, e muito embora as circunstâncias da querra fossem anormais, Winnicott percebeu que tai...
	Winnicott cunha o termo “tendência anti-social” em preferência ao termo “delinqüência” pela razão de que o primeiro nos permite vislumbrar uma mesma natureza da problemática em diferentes graus do seu desenvolvimento, desde sua forma mais primitiva, ...
	Este presente trabalho busca localizar na obra de Winnicott de que maneira a delinqüência pode ser compreendida enquanto um sintoma caracterizado pela deprivação (deprivation) ocorrida no processo de amadurecimento do indivíduo, e ainda, como podemos...
	Palavras-Chave: tendência anti-social, delinqüência, deprivação.
	Referências bibliográficas:
	Winnicott, Donald W. 1958c [1856]: “A tendência anti-social”, in Winnicott 1984a Privação e delinqüência.
	––– 1971vc: “Introdução (da parte três)”, in Winnicott 1971b: Consultas Terapêuticas em Psiquiatria Infantil.

Outros materiais