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Literatura Comparada - Conteúdo Online

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LITERATURA COMPARADA 
AULA 1 – PRIMEIROS PASSOS 
Hoje em dia, pode-se dizer que a Literatura Comparada é um campo de estudos, bem mais do 
que apenas uma disciplina. Isto porque seu objeto de estudo se mantém em diálogo com uma 
quantidade de grande de saberes, agregando contribuições de várias disciplinas diferentes. 
A Linguística, a Semiótica, a História, a Sociologia, a Psicanálise, a Filosofia, entre outras, são 
chamadas a contribuir em nosso esforço para uma compreensão mais profunda de nossos 
objetos de estudo, os textos literários. 
Portanto, estudar Literatura Comparada equivale a abrir um cofre de múltiplas possibilidades. 
Impossível dizer tudo no decorrer de um único semestre. Neste caso, apresentaremos 
algumas ferramentas importantes para que os alunos interessados no assunto possam seguir 
viagem por conta própria. 
Antes de entrar no objeto de nosso estudo em si, cumpre destacar um aspecto: estudar 
Literatura Comparada é algo que não precisa ser um processo complicado, mas não tem como 
deixar de ser complexo. No senso comum, vemos as pessoas confundirem as duas coisas com 
muita freqüência. A diferença está no fato de que a complexidade reside na riqueza de 
detalhes, no emaranhado de diferentes informações, a serem processadas por nosso cérebro. 
Então, a vida humana é complexa e nada podemos fazer para evitar isso. 
Mergulhar a funda da compreensão dos fenômenos humanos implica em aceitar o convite de 
conviver com a complexidade. Nada disso tem a ver com a complicação, que consiste na 
dificuldade de alguém com dificuldade de se fazer entender por seus ouvintes ou leitores. Por 
mais complexo que seja um assunto, ele pode ser explicado de modo claro acessível. Por 
outro lado, as coisas mais simples podem se tornar um tormento se forem explicadas sem 
clareza. 
Devemos, então, partir do princípio de que todo processo de construção de conhecimento, em 
área ou ciência, é complexo. Assim, nossas explicações sempre buscarão serem acessíveis a 
iniciantes. Lidaremos com a complexidade buscando evitar que nosso conteúdo seja 
complicado. Mas, por outro lado, ressaltamos o fato de que é extremamente necessário que 
os alunos não confundam a clareza das explicações com o empobrecimento de uma disciplina 
que sempre envolve múltiplos aspectos. 
Outro aspecto a ser considerado é que o conceito de ―Literatura Comparada‖ está sujeito à 
constante ação do tempo. Ou seja, não é possível dizer o que é nossa disciplina de modo 
pronto e acabado, pois a compreensão que temos a respeito dela evolui com o passar dos 
anos, seguindo os rumos do processo histórico. O mesmo se dá com todos os demais 
conceitos elaborados pelo cérebro humano para compreender o mundo ao seu redor. 
Portanto, não espere uma resposta pronta para a pergunta ―o que é literatura comparada?‖. 
Foi por isso mesmo que evitamos usar este questionamento como ponto de partida de nossas 
reflexões neste capítulo. As respostas a que chegaremos ao longo de nossos estudos são 
provisórias, são parte de uma construção coletiva, que os homens vêm realizando ao longo do 
tempo, em particular dos últimos dois séculos. 
As Comparações no Cotidiano 
A comparação como método de compreensão dos fatos da vida tem sido usada pelos homens 
há milhares de anos. É um recurso usado e aplicado aos mais diversos aspectos da vida. Os 
motivos para isso podem ser compreendidos sem dificuldade. Diante de uma informação nova, 
as pessoas buscam uma referência em algo que já conhecem para facilitar o ato de 
compreender o que antes não conheciam. 
Um exemplo retirado do cotidiano poderá esclarecer melhor. 
Vamos supor que dois amigos entrem juntos numa concessionária de veículos. João conhece 
bem os novos lançamentos de automóveis e tenta explicar algumas novidades a seu amigo 
Mário. A certa altura dos acontecimentos, ele comenta: ―O modelo Sedan 2010 é tão forte 
quanto o anterior, porém economiza mais combustível‖. Esta frase tem sua eficácia garantida 
na medida em que João parte do pressuposto de que seu amigo conhece bem o modelo 
Sedan mais antigo. Sendo assim, fornece duas informações sobre o modelo mais novo: 
 Ele é tão forte quanto o outro; 
 Ele é mais econômico. 
De posse dessas duas informações, Mário tem a oportunidade de começar a entender o novo 
modelo do automóvel em questão. Isso o ajudaria a efetuar uma avaliação mais completa 
sobre o assunto, mesmo que ele não se limite a confiar na palavra do amigo. 
O recurso a comparações tem um papel importante na cultura humana, em geral. De tal modo 
que grande parte dos ditos populares, que reúnem a sabedoria popular, acumulada ao longo 
de séculos, se constrói por meio de comparações. 
Veja o exemplo de duas estudantes comentando uma prova que tenham considerado 
particularmente difícil... 
―Menina, que desastre... Fiquei perdida que nem cego em tiroteio‖. 
Bem, temos certeza de que uma situação como esta jamais afetará os nossos alunos, tendo 
em vista que eles sempre estudam com afinco e aproveitam ao máximo os conselhos e 
orientações contidos em nossas aulas. Mas também existem os ditados populares em que o 
elemento lúdico, a brincadeira e a ironia conferem riqueza aos textos nos quais se encaixem. 
Veja alguns exemplos: 
 O beijo é como cigarro: não sustenta, mas vicia. 
 O chifre é como consórcio. Quando você menos espera, é contemplado. 
 Sogra é como onça: todos temos que preservar, mas ninguém quer ter em casa. 
Analisando estes exemplos, é possível verificar que todos eles se constroem em dois 
momentos: num primeiro, faz-se a comparação, que deixa no ar uma certa dose de mistério; 
num segundo, tudo se elucida, e o instrumento para se chegar a isso é uma frase sucinta, que 
se oferece como a solução para o mistério. Por mais que não concordemos com o teor das 
associações de idéias aí realizadas, temos que concordar que os ditos populares são eficazes 
por transmitir uma mensagem de modo ligeiro e direto. 
Sua eficácia discursiva depende desta agilidade, bem como da capacidade de se adaptar aos 
mais diversos contextos. Por conta desta capacidade de adaptação é que eles vivem sendo 
lembrados em nosso dia a dia. 
A Comparação Como Instrumento de Análise e Aprendizado 
Creio que o que expusemos até aqui deixou claro como a comparação é um processo que se 
apresenta de modo constante em variados aspectos de nossa vida. Ela tem sido sempre usada 
como um modo de facilitar nossa compreensão do mundo. Agora, estamos preparados para 
mergulhar um pouco mais na consideração da importância da comparação como instrumento 
de construção do conhecimento acadêmico. 
Comparar textos sempre foi recurso utilizado por professores e ensaístas para levar seus 
alunos e leitores a uma melhor compreensão dos fatos. Mas quando tomamos a comparação 
como método, um hábito constante, como um instrumento de trabalho nos estudos literários, 
aí sim, estaremos praticando Literatura Comparada. Como diz Tânia Carvalhal, a comparação 
nunca é um fim em si, mas um meio que visa a uma melhor compreensão de nosso objeto de 
estudo. 
Outra importante observação, da mesma autora, é que nossa disciplina não é a única a 
trabalhar a partir de comparações, mas a diferença é que fazemos isso de modo sistemático, 
constante e visando elucidar questionamentos levantados pelo estudiosos ao longo de sua 
investigação. 
Para dar uma noção do trabalho que temos pela frente, podemos considerar o seguinte 
fragmento da canção ―Os argonautas‖, de Caetano Veloso. 
Para uma plena compreensão da mensagem transmitida no texto, vale considerar o 
andamento lento, quase melancólico da música. Aliás, nunca considere a análise do texto de 
uma canção ignorando o fato de ter sido criada em íntima associação com amúsica. 
Evite retirar a letra da canção do ambiente em que nasceu. Não há dúvidas sobre a riqueza 
poética do texto apresentado, ele não foi concebido para a leitura silenciosa, mas para a 
audição, ou mesmo para a leitura em voz alta, para ser cantado. Não é à toa que, com 
freqüência, quando nos deparamos com letras de canções que conhecemos, nos pomos a 
cantar silenciosamente, ao invés de ler, simplesmente. 
Mais adiante, teremos oportunidade de trabalhar melhor com a riqueza do diálogo entre o 
texto poético e outras artes, como a música. Por enquanto, vamos no limitar a essas 
observações, por serem indispensáveis para uma melhor apreciação do texto em análise. 
Outra questão importante para uma plena compreensão do texto de Caetano Veloso é prestar 
atenção aos elementos que ele busca em outros textos. Em primeiro lugar, o título da canção 
remete diretamente ao mito grego dos Argonautas, um grupo de heróis que percorre os 
mares com a finalidade de cumprir uma missão extremamente difícil: achar o velocino de 
ouro, objeto raro e sagrado, um talismã que garantia poder a quem o conquistasse. Nesta 
busca, sobreviver era menos importante que atingir o triunfo. 
A leitura do texto da canção se enriquece ainda mais se for levado em conta que seu refrão 
cita um dos textos mais conhecidos da obra do poeta português Fernando Pessoa, do qual 
transcrevemos um fragmento: 
Palavras de Pórtico 
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ―Navegar é preciso; viver não é preciso‖. 
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para casar com o que sou: viver 
não é preciso; o que é necessário é criar. 
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que 
para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) e lenha desse fogo. 
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. 
(In; Pessoa, Fernando. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 
p. 15) 
Assim, podemos perceber que, por todo o tempo estivemos considerando um texto que não 
fala das aventuras dos marinheiros, de um modo geral, sua fome por aventuras, seu destemor 
diante dos perigos, mas, de modo mais específico, das aventuras dos marinheiros portugueses 
da época das grandes navegações, para quem o chamado do mar era mais forte do que a 
própria necessidade de garantir a sobrevivência. 
Mesmo enfrentando os maiores perigos, insinua o texto de Fernando Pessoa, esses 
marinheiros realizaram façanhas de que toda a humanidade pode se orgulhar. Entre elas, 
destaca-se o processo de ocupação e posterior colonização do Brasil, a começar pelo nosso 
descobrimento, obra da frota de Cabral, em 1500. 
Desta forma, percebemos como a canção de Caetano é um tributo aos valentes navegantes 
lusos, sem os quais não estaríamos aqui para continuar a tarefa de construir uma nova nação. 
Além disso, numa leitura paralela dos textos de Pessoa e Caetano, fica-nos a clara sugestão 
de que nós, brasileiros, assim como nossos irmãos portugueses, somos importantes para o 
conjunto da espécie humana, para além de fronteiras nacionais. 
Além disso, podemos aplicar ao conceito de ―navegar‖1 um sentido que se aplica ao cotidiano 
de cada um de nós, a qualquer momento. Assim, torna-se possível uma nova leitura de ambos 
os textos, tanto o de Pessoa, como o de Caetano, menos comprometido com o conhecimento 
da história de nossa formação social. 
1 O verbo ―navegar‖ pode ser interpretado por seu potencial metafórico, como algo relativo à 
coragem de enfrentar os desafios da existência. Por outro lado, ―viver‖ seria passa pela 
existência sem aceitar tais desafios, ter uma postura mais acanhada e calma, ainda que 
menos interessante. 
 Se olharmos ao nosso redor, podemos verificar que bem poucas são as pessoas dispostas a 
deixar o aconchego seguro do ―viver‖, em busca do incerto e apaixonante ―navegar‖. Desta 
forma, o chamado contido na frase ―navegar é preciso, viver não é preciso‖ representaria uma 
tentativa de romper a mesmice do cotidiano, convidando cada um de nós a aproveitar a vida 
ao máximo. Como resultado da comparação que fizemos entre os dois textos, destaca-se o 
fato de que o dilema entre ―navegar‖ ou simplesmente ―viver‖ ultrapassa os limites do tempo 
e se manifesta nas mais variadas épocas. O tempo passa, mas o ser humano continua diante 
dos mesmos desafios de sempre. 
Bem, fica bem claro que nada disso teria sido percebido se considerássemos como objeto de 
análise apenas o texto de Caetano. Nossa compreensão sobre o seu trabalho ficaria 
incompleta sem levarmos em conta o diálogo que ela estabelece com outros textos. Mas a 
canção estabelece este diálogo de modo bem explícito. 
Tomemos, agora, outro exemplo. Em Dom Casmurro, Machado de Assis nos chama a atenção 
para a predisposição de Bentinho ao ciúme com uma referência à peça Otelo, de Shakespeare, 
famosa por também abordar como tema central o ciúme doentio de um homem, que se torna, 
mesmo, capaz de matar sua esposa, Desdêmona. Tomemos um trecho do romance de 
Machado. No capítulo LXI, Bentinho perguntara a José Dias, antigo amigo da família, como 
Capitu ia passando, já que não a via fazia algum tempo. A resposta virá no capítulo seguinte, 
intitulado ―Uma ponta de Iago‖. 
Tal observação se justifica na medida em que corremos o risco de considerar as obras de 
Machado ou de Caetano menores, na medida em que retomam temas ou motivos já 
trabalhados antes, respectivamente, por Shakespeare e Fernando Pessoa. Nada mais falso e 
apressado do que considerar os fatos desta forma. Ao atualizar um tema já tocado por outra 
mente genial no passado, um autor mais recente pode ou não fazer um trabalho de qualidade 
inquestionável. Eles estão pagando um tributo à tradição, mas também enriquecendo esta 
mesma tradição, na medida em que suas obras oferecem um novo olhar sobre os antigos 
temas. 
Ademais, não são esses os únicos textos literários que têm no ciúme o mote central. Muito 
pelo contrário. A prosa de ficção de todos os povos é pródiga de exemplos do tipo. Ou seja, a 
referência a Shakespeare pode ajudar-nos a entender muitas dessas obras, mas também não 
é obrigatória. Tudo depende do contexto. Para o caso do romance que citamos, devemos 
lembrar que foi o próprio Machado quem nos sugeriu tal associação, pela escolha do título do 
capítulo. 
A única referência direta à tragédia de Shakespeare se encontra no título do capítulo. Iago 
cumpre um papel decisivo na peça, ao inocular nos ouvidos de Otelo o veneno do ciúme. A 
partir daí, o fragmento que citamos trabalha a maneira como este veneno age no coração de 
Bentinho, de tal modo a se tornar uma obsessão para ele, a ponto de corroer sua alma pelo 
resto da vida. José Dias faz o papel de Iago, no texto machadiano. Porém, é preciso ter 
cuidado, pois existem nítidas diferenças entre os dois personagens. Enquanto na peça, Iago se 
desdobra em repetir suas suspeitas até levar o valente Otelo ao crime, no romance José Dias 
é bem mais sutil. Tendo lançado pequena dose do veneno, retira-se de cena. O que se vê a 
seguir é um Bentinho que sucumbe à sua própria fraqueza. 
Nem sempre os paralelos entre diferentes textos literários poderão se estabelecer com a 
mesma facilidade. Na sequência de nosso trabalho, teremos oportunidade de verificar o 
quanto pode se tornar interessante e desafiadora a tarefa de um comparatista. Tudo virá a 
seu tempo. 
Bem, o que tivemos até aqui foram pequenos exemplos de como podem render os estudos 
comparatistas. Sem demonstrar ainda uma grande preocupação com a questão do método, 
procuramos deixar claros alguns princípios que norteiam nossa atividade. Por enquanto, o 
importante é deixar estabelecida a importânciado comparatismo como recurso indispensável 
para aprimorar nossa capacidade de conhecimento e de análise sobre Literatura. 
AULA 2 – O NASCIMENTO DA LITERATURA COMPARADA 
Na aula anterior, tivemos a oportunidade de observar que nossa disciplina está ligada 
diretamente aos rumos da História do Pensamento, de um modo geral. 
Nela se refletem sempre tendências importantes das Ciências Humanas, em cada época. 
Nesta aula, estudaremos com mais detalhes alguns dos momentos decisivos do longo 
percurso histórico de surgimento e afirmação da Literatura Comparada. 
Desta forma, não será novidade afirmar que a história da Literatura Comparada vem 
acompanhando os rumos da história social, política e cultural do Ocidente ao longo do tempo. 
Desta forma, acontecimentos marcantes, como as duas guerras mundiais do século XX, para 
ficar num exemplo bem marcante, tiveram um impacto decisivo nos rumos da disciplina. 
Propor questionamentos, formular hipóteses e, por fim, construir argumentos para confirmar 
ou não as hipóteses levantadas. 
O domínio sobre um método fará com que ele tenha mais segurança em suas conclusões, 
levando-as para além de um puro e simples ―eu acho que‖, ou de julgamentos de valor 
superficiais. Esta necessidade faz com que a história da Literatura Comparada acompanhe 
sempre de perto a história da Teoria Literária. Em consequência disso, vamos lidar com uma 
certa diversidade metodológica. Um mesmo trabalho terá sempre a possibilidade de ser 
conduzido de várias maneiras, dependendo da escolha teórica que fizermos. 
Portanto, para um melhor aproveitamento de nosso conteúdo, será útil para o aluno revisar 
em linhas gerais o que já estudou nas aulas de Teoria. Mas vamos por partes. Não precisa ser 
tudo de uma vez. Por enquanto, não vamos nos ocupar ainda das correntes de pensamento 
mais recentes do comparatismo, que se caracterizam por um manejo mais sólido dos 
instrumentos teóricos na condução de seus estudos. Por enquanto, de todo o longo trajeto de 
consolidação da disciplina, estudaremos apenas suas etapas iniciais: Manifestações ancestrais 
e Tempos de afirmação. 
Este é o longo período que antecede ao processo de afirmação da Literatura Comparada como 
disciplina acadêmica. A expressão ―manifestações primitivas‖ foi evitada, com o propósito de 
se prevenir a possibilidade de interpretações errôneas e apressadas. O hábito de comparar 
textos oriundos de diferentes tradições culturais é muito antigo. 
Já era praticado na Antiguidade, por exemplo, quando os intelectuais romanos se curvavam 
diante dos tesouros poéticos da Grécia. Neste contexto, o verbo reflexivo ―curvavam-se‖ deve 
ser entendido com duplo sentido, pois os romanos não somente se debruçaram para analisar 
os escritos da cultura grega, como também tinham grande apreço por esta tradição. 
Muito tempo depois, no período renascentista, o empenho em compreender os clássicos levou 
estudiosos da Europa a realizar estudos comparativos. Entretanto, tais iniciativas ainda não 
tinham um caráter de estudo sistemático. Além disso, algumas vezes elas tendiam a uma 
avaliação hierarquizante. 
Ou seja, comparavam-se textos de nações e de épocas diferentes mais para buscar a 
afirmação da superioridade de uma cultura sobre a outra, propósito que hoje não se considera 
mais como digno de atenção. 
A respeito das comparações entre textos de nações e de épocas diferentes, a professora 
Sandra Nitrini tece interessantes considerações, que merecem nossa atenção: 
"A produção do conhecimento histórico deveria limitar-se a reproduzir a informação tal como 
estava registrada nas fontes, que para eles eram representadas apenas pelos documentos 
oficiais emitidos pelo Estado ou, no máximo, pela Igreja, embora as de maior confiabilidade 
fossem as relacionadas apenas ao Estado que possuíam o real caráter de fonte primária. Os 
historiadores positivistas trataram especialmente da história dos fatos políticos e ideológicos." 
Entre as palavras-chave do fragmento apresentado, pode-se destacar ―apreciar‖ e ―mérito‖. 
Os antigos estudiosos tinham por meta, basicamente, avaliar a qualidade dos textos, quando 
se dedicavam a trabalhos de comparação. Em geral, partia-se do pressuposto de que os 
grandes mestres do passado eram modelares, enquanto os textos mais recentes deviam ser 
submetidos a um acurado exame, a fim de se constatar em que medida mostravam-se 
capazes de se ―comparar‖, ou seja, de repetir o nível de excelência alcançado pelos mais 
antigos. 
Um aspecto para o qual a autora nos chama a atenção é a ausência do que ela chama de 
―projeto de comparatismo elaborado‖, que podemos traduzir por parâmetros teóricos que 
pudessem ser usados pelos estudiosos para alcançar resultados efetivos em seus esforços de 
compreensão do material pesquisado. O nível de excelência dos antigos não era submetido a 
um exame mais atento, por faltarem instrumentos de análise. 
Um exemplo de obra de cunho comparatista elaborada no final do século XVI é dado por 
Tânia Carvalhal, no primeiro capítulo de nosso material didático. Trata-se de um texto de 
Francis Meres, o Discurso comparado de nossos poetas ingleses com os poetas gregos, latinos 
e italianos (1598). Nota-se pelo título o apreço que os intelectuais ingleses tinham não 
somente pelos tesouros da antiguidade clássica, como também pelas obras da Itália 
renascentista. 
Foi assim que a cultura europeia que emergiu do final da Idade Média se construiu a partir da 
revalorização das grandes obras da Antiguidade. Foi com base neste material que as novas 
literaturas europeias se afirmaram. 
É preciso muito cuidado ao avaliar de que modo a influência dos antigos se fez presente. Se 
tomarmos como exemplo a obra épica Os Lusíadas, de Camões, marco de afirmação de 
maturidade da Literatura Portuguesa, veremos a presença de elementos tomados de 
empréstimo dos antigos textos épicos da Grécia e de Roma: a Ilíada e a Odisseia, de Homero 
e a Eneida, de Virgílio. Mas não se trata de copiar o que os antigos deixaram. Afinal, o texto 
camoniano responde aos anseios de seu próprio tempo. Busca uma expressão singular para 
cantar as glórias do povo lusitano. 
Assim, podemos afirmar que a Europa renascentista assimilou o legado da tradição clássica, 
mas retrabalhou esta herança. Estamos muito distantes da cópia pura e simples dos modelos. 
A cópia pura e simples não resultaria na criação de obras literárias dignas de responder às 
inquietações da sociedade europeia. Portanto, estamos muito distante de um processo de 
simples cópia dos modelos consagrados. 
Camões escreve um texto capaz de se comparar às obras épicas de Homero e Virgílio, mas de 
modo algum ele se limita a copiar os procedimentos da poética do classicismo antigo. Pelo 
contrário: pelo fato de ser escrito em português, e não em latim, como ainda era corrente na 
época, Camões atende à necessidade de afirmar a identidade cultural de seu povo por meio 
da expressão literária. 
Uma das marcas peculiares de Os Lusíadas é o fato de não afirmar o heroísmo de modo 
individualizado. Isso o torna diferente de seus modelos vindos da Grécia ou Roma antigos. 
Enquanto nas obras homéricas a atenção recai sobre as atitudes grandiosas de homens 
especiais, Aquiles, Heitor e Ulisses, na obra de Camões todo o povo português é cantado, 
sendo reconhecido em sua contribuição à grande aventura coletiva das grandes navegações. 
A etapa seguinte da história da Literatura Comparada remonta ao início do século XIX e 
corresponde ao período em que a Europa ensaiava seu processo de industrialização. Nesta 
época, o interesse por comparações era comum a outros campos do conhecimento humano, 
como as ciências naturais. Aplicada aos estudos literários, fez surgir uma perspectivade cunho 
cosmopolita, ou seja, uma atenção à contribuição que cada povo dava ao patrimônio cultural 
de toda a humanidade. 
Uma nova mentalidade surgia então. Já na última década do século XVIII, impunha-se a 
necessidade de superar a visão de que os modelos consagrados pela tradição eram infalíveis. 
Poetas e pensadores começavam a alimentar um interesse maior pelo presente e pelo futuro 
do que pelas glórias do passado. 
Até então, quase toda a literatura clássica tendia a valorizar o Antigo, os bons tempos que já 
havia passado, a Idade do Ouro na qual somente os heróis e alguns afortunados viveram, e 
para a qual todos os homens sonhavam voltar assim que o pesadelo do presente passasse. 
Mas a revolução industrial trouxe o triunfo da mentalidade capitalista, com um olhar mais 
voltado para o agora e o futuro. O classicismo perdia força, dando espaço ao surgimento do 
período romântico, no qual o conceito de evolução terá um papel decisivo. 
Um olhar voltado para a frente, para o potencial humano de construir um novo destino, 
passou a dominar as almas a partir de então. Os burgueses possuíam capacidade de 
empreendimento e buscavam ampliar seus negócios. Para tanto, precisavam livrar-se das 
amarras da tradição, fundando um novo modo de enxergar o mundo, segundo o qual haveria 
mais liberdade para a criação e a imaginação. 
Não demorou muito para que poetas e pensadores percebessem que a lógica burguesa 
atrelava este liberalismo a seus propósitos de enriquecimento. Daí a visão romântica se 
articular em torno de uma visão de repulsa à racionalidade do capitalista. 
Mesmo assim, não houve um retorno aos padrões de pensamento do classicismo. Pelo 
contrário, os românticos opunham-se à racionalidade burguesa afirmando a imaginação como 
capacidade suprema do cérebro humano. Sua recusa em compartilhar dos princípios que 
norteavam os projetos de vida burgueses não foi completa, na medida em que também 
valorizavam mais a invenção do que o cultivo à tradição. 
Além disso, há uma outra característica do romantismo de extrema importância para a 
consolidação da Literatura Comparada: o gosto pelo exótico, que levará estudiosos a se 
interessar pelo estudo da produção literária de povos distantes, para além das fronteiras das 
nações mais ricas da Europa. 
Em 1816, dois intelectuais franceses, Noél e Laplace, publicam antologias de textos de 
literários de diversos países, sob o nome de Curso de literatura comparada, não mais do que 
coletâneas de trechos escolhidos, sem nenhuma preocupação em confrontá-los ou de 
estabelecer paralelos. Os responsáveis pelo volume deixavam por conta dos leitores a tarefa 
de chegar a qualquer conclusão. 
Pode parecer muito pouco, mas se consideramos o contexto histórico em que tal iniciativa se 
deu, temos que concordar que foi um avanço. No começo do século XIX, a Europa assistia a 
um processo de afirmação das nacionalidades e passava por um momento de intensa 
rivalidade e ressentimentos entre os diferentes povos do continente. Como resultado disso, 
eram constantes os conflitos armados, comprometendo os princípios fundamentais da suposta 
fraternidade que deveria existir entre os povos de tradição cristã. 
A Literatura Comparada se propunha então como a disciplina disposta a estudar os fatos 
literários numa perspectiva transnacional, para além das fronteiras políticas ou mesmo 
culturais. Estava aberto o caminho para que o conjunto da produção literária da espécie 
humana pudesse ser considerado objeto de estudo de uma só disciplina. 
Contudo, as limitações ideológicas da época impediam que os estudiosos enxergassem os 
fatos para além da Europa. Um passo havia sido dado, mas ainda um passo pequeno. 
Bem, diante de uma situação como esta, o simples fato de se organizar antologias já assumia 
um caráter de tomada de posição diante das contradições da época. 
Desta forma, a Literatura Comparada nasceu com vínculos bem fortes com a política, na 
medida em que servia de veículo à proposição de um ideal de paz e concórdia. Ou seja, a 
expressão Literatura Comparada nasceu antes de qualquer método de análise comparativo em 
si. Mas, desde o início, existe o propósito de se contrapor à mentalidade da época, de 
nacionalismo exagerado e clima geral de guerra a qualquer momento. 
Era como se o comparatismo funcionasse como um necessário contraponto ao espírito de 
afirmação das identidades nacionais. Assim, por exemplo, se França e Inglaterra se 
mantiveram num clima de rivalidade armada nas primeiras décadas do século XIX, os estudos 
comparatistas forneciam uma medida do quanto a literatura inglesa devia à francesa em 
termos de influência, de tal modo que ambos os povos possuíam um patrimônio em comum 
que não podia ser desprezado. O mesmo raciocínio poderia ser estendido às relações entre 
franceses e alemães, ainda mais tensas durante todo o século. 
Outros momentos de afirmação da disciplina no mesmo século e ainda na França: Abel-
François Villemain deu maior divulgação à expressão ―literatura comparada‖ em seus cursos 
sobre literatura do século XVIII que ministrou na Sorbonne em 1828-1829, como também em 
seu livro Panorama da literatura francesa do século XVIII. Também J.-J. Ampère, em seu 
Discurso sobre a história da poesia (1830), refere-se à "história comparativa das artes e da 
literatura. A primeira cátedra de literatura comparada surgiu na França, em Lyon, em 1887. 
Nos primeiros tempos, a disciplina foi dominada por pesquisas que punham em diálogo 
autores de nacionalidades diferentes. O objetivo era traçar paralelos, em busca de um saber 
capaz de ultrapassar fronteiras. A Literatura Comparada funcionaria, então, como uma 
instância intermediária entre cada literatura nacional, estudada em separado, e a literatura 
geral, objeto de estudo bem mais ambicioso, no qual poucos se aventuravam. 
Entretanto, o comparativismo de então tinha sérias limitações: 
Uma delas era a tendência a hierarquizar as literaturas, tendo como ponto de honra a 
superioridade das literaturas europeias sobre as demais e da francesa, em particular, sobre as 
outras do continente. 
Do ponto de vista da atitude crítica, a disciplina era tributária do atraso em que se encontrava 
a Teoria da Literatura até então. Havia pouca profundidade teórica em tais estudos. 
Além disso, tudo, nas obras, tendia a ser explicado como resultado da influência do meio, da 
raça ou do clima. É nítida a presença de um ideário marcado pela presença da corrente 
filosófica positivista no comparatismo francês, e tal situação perdura até o início do século XX, 
período em que a disciplina vai se instalar como uma cadeira regular em uma quantidade cada 
vez maior de universidades. 
Deste modo, a visão evolucionista esbarrava na visão etnocêntrica, ou mais precisamente 
eurocêntrica, que apontava a civilização europeia como modelo ideal a ser copiado por todos 
os demais povos do mundo. Devemos considerar que antes, na primeira leva de colonialismo 
europeu (séculos XV a XVII), os mercadores ibéricos haviam imposto aos povos americanos a 
visão de que Deus os escolhera para levar ao resto do mundo a verdade cristã. No século XIX, 
o capitalismo industrial levou a uma nova onda colonialista, na qual a ciência era usada para 
justificar a superioridade e o predomínio dos novos donos do mundo, os franceses e ingleses. 
Ou seja, o discurso científico substituía o religioso como justificativa para a exploração dos 
outros povos. Porém, não se abandonava a perspectiva de que a Europa é o centro do 
mundo, o continente cuja cultura deveria ser copiada por todos os demais povos do mundo, 
se estes melhorar, chegar a um nível de civilização superior. Para tanto, seria necessário 
esperar o avançar do século XX, a fim de assistirao início de superação desta mentalidade. A 
história das ideias mostra como foi difícil romper barreiras, ultrapassar preconceitos. 
O mundo em que vivemos, marcado pelas consequências da descolonização, não mais 
comporta uma visão eurocêntrica. Entretanto, ainda é grande o esforço dos estudiosos no 
sentido de livrar-se desta herança, quando se propõem a análises que confrontam textos e 
autores oriundos de diferentes partes do mundo, de diferentes tradições culturais. 
Um aspecto desta problemática é representado pelos estudos de poesia oral, algo 
extremamente importante se levarmos em conta que em grande parte das nações do mundo 
a população possui um índice de letramento incipiente, onde a escrita não é uma prática 
universalizada. Em tais países, o uso artístico da palavra se vale da oralidade como 
instrumento primordial. 
É o que acontece com a poesia de grande parte da África, ou mesmo aqui no Brasil, com a 
produção das classes desfavorecidas. Para os estudiosos informados numa visão eurocêntrica, 
por mais criativa e interessante que seja a poesia oral, ela deve despertar a atenção apenas 
dos folcloristas, nunca dos estudiosos de literatura. 
Os conflitos, contradições e mudanças trazidos pelo advento do novo século marcaram 
profundamente os estudos comparatistas. Ao longo das próximas aulas estudaremos algumas 
destas mudanças. Por ora, concentramos nossa atenção em alguns tópicos. Um deles é a 
consolidação de uma cultura do audiovisual, que veicula conteúdos os mais diversos, como é o 
caso dos filmes. Resultado da aplicação de avanços tecnológicos proporcionados por 
descobertas científicas que já estavam em curso desde o século XIX, como a fotografia, o 
cinema e a gravação dos sons, permite o desenvolvimento da produção em série de artigos de 
consumo cultural. Desta forma, atendia-se a um público que não parava de crescer, já que a 
população mundial aumentava devido aos avanços da ciência médica. 
Um dos exemplos disso é o cinema. A velha arte de narrar histórias ganha, assim, novos 
contornos. A literatura de ficção passa a conviver com a emergência desta nova realidade: a 
palavra escrita vai deixando de reinar soberana e precisa aprender a dividir seu espaço com as 
novas modalidades de narrativa. Para os comparatistas, os novos tempos se oferecem como 
um fértil campo de estudos. 
É bem verdade que a cultura do audiovisual se articula com os interesses do capitalismo, 
constituindo um novo ramo de negócios, a indústria cultural. Assim, sofre das pressões 
inevitáveis no sentido de apresentar baixo grau de invenção e predomínio de mensagens já 
consagradas, os clichês de consumo fácil. Um filme custa caro e os investidores não revelam 
interesse em assumir os riscos de um eventual prejuízo provocado pelo recusa do grande 
público em consumir seu produto. Assim, sempre dão preferência à repetição de fórmulas 
consagradas de sucesso garantido. 
Portanto, sempre é preciso cuidado ao analisar as relações da Literatura, arte que se alimenta 
na inovação estética e no primado da imaginação, com as novas modalidades. Felizmente, a 
despeito de se constituir como indústria, o cinema ganha contornos de arte, na medida em 
que também passa a ser usado como veículo para experiências estéticas. O que veio a ser 
conhecido como ―cinema de arte‖ afirma-se como um importante veículo para a expressão da 
sensibilidade humana ao longo do século. 
O mesmo se pode afirmar com relação à canção. 
A tecnologia das transmissões radiofônicas vem a se constituir como fundamental para a 
difusão de um gênero que, a despeito de ser muito antigo, não atraía a atenção dos 
pesquisadores. 
No Brasil, conhecemos esta realidade de perto, uma vez que uma parte considerável de nossa 
produção poética de qualidade é criada para ser interpretada no palco, antes de ser lida em 
livros. 
Bem, o confronto entre a produção literária e as outras artes, particularmente as novas 
modalidades da era do audiovisual passa, cada vez mais, a ser incorporado como um campo 
de pesquisas para a Literatura Comparada. Sendo assim, a disciplina precisa repensar seus 
rumos, deixando de lado uma atenção voltada unicamente ao confronto entre diferentes 
literaturas nacionais. 
Outra importante alteração de rumos se dará na medida em que as contribuições das novas 
correntes de Teoria da Literatura, como o formalismo ou o estruturalismo, passam a ser 
consideradas nos estudos comparatistas. 
A perspectiva de cunho positivista ainda resiste nas primeiras décadas do século, mas vão 
perdendo o terreno até que em 1958, o crítico estruturalista tcheco René Wellek, durante um 
congresso internacional da disciplina, ponha em cheque os fundamentos da visão antiga, e 
proponha um realinhamento de rumos. Os aspectos centrais deste debate serão abordados 
em nossa próxima aula, destinada a explicar melhor os fundamentos teóricos trabalhados por 
nossa disciplina nos dias atuais. 
AULA 3 – ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA LITERATURA 
COMPARADA 
Para efeitos didáticos, alguns manuais de Literatura Comparada, incluindo o de Tânia 
Carvalhal, que tomamos como obra de referência, apontam para a existência de três escolas 
de pensamento teórico: 
 Escola Francesa 
O nome de ―escola francesa‖ é dado ao conjunto de pesquisadores orientados pelos padrões 
historicistas e deterministas que tomaram corpo durante o século XIX e permaneceram com 
grande influência na primeira metade do século XX. Ainda em 1931, um dos mais 
interessantes manuais de Literatura Comparada, o de Paul van Thiegen, busca fundamentar 
seus procedimentos de análise nos padrões que vinham se consagrando no trabalho dos 
autores mais antigos deste grupo. 
 Escola Norte-Americana 
Por ―escola norte-americana‖, designamos o conjunto de autores que passaram a aplicar ao 
comparatismo as lições das grandes correntes de Teoria da Literatura da primeira metade do 
século XX, como o formalismo russo, o estruturalismo e o neocriticismo. Para este grupo, 
grande importância tem a contribuição de René Wellek, cujas propostas serão explicitadas 
adiante. 
 Escola Soviética 
A designação de ―escola soviética‖, talvez a mais inadequada das três, diz respeito às 
contribuições que vários autores têm dado a uma renovação dos estudos literários de 
inspiração marxista. Tal processo tem seu curso desde, pelo menos, os anos de 1930. Vários 
são os nomes que podem ser lembrados aqui, e nem todos tem sua origem em países do 
antigo bloco soviético. Muito pelo contrário, a contribuição de pensadores marxistas em 
atividade no Ocidente não pode ser negligenciada, sendo muitas vezes indispensável, como no 
caso dos pensadores da Escola de Frankfurt, por exemplo. 
Desde o início, é preciso ter cuidado com tal classificação. Por conta disso, já tomamos a 
iniciativa de colocar aspas em todas essas designações. Por trás de cada uma dessas, 
assinalamos a presença de um corpo de doutrina teórico. 
Devemos, ainda, destacar, que esta divisão tripartite não dá conta da totalidade dos caminhos 
que têm sido trilhados pelos comparatistas. Outras correntes de pensamento também têm se 
afirmado, como reflexo das importantes alterações contextuais ocorridas na segunda metade 
do século XX. 
Mas estas serão objeto de nossa atenção nas próximas aulas. Por enquanto, vamos expor 
alguns dos tópicos que ocuparam o debate entre as três ―escolas‖ delimitadas acima. Com 
isso, já estaremos em contato com grande parte dos instrumentos teóricos de que se vale um 
comparatista em seu trabalho. 
Alguns Pontos da Discórdia. 
Um dos aspectos que mais chamam a atenção nas pesquisas realizadas pelos ―franceses‖ é o 
fato de estes autores se interessarem somente pela comparação entre autores de 
nacionalidadesdiferentes. Assim, por um lado, o pesquisador que se interessar pela disciplina 
teria que se revelar um conhecedor da literatura das duas nações em questão. Por outro, 
ficaria impedido de verificar em que medida os diálogos entre autores da mesma 
nacionalidade podem se revelar importante e enriquecedor. 
O que deveria ocupar a atenção de tal pesquisador seriam coisas do tipo: ―Machado de Assis e 
os ingleses‖ ou ―Balzac e Machado de Assis,‖ etc.. Sem desconsiderar a importância que tais 
diálogos tiveram, não somente para este autor, mas para todos os grandes nomes da 
Literatura Brasileira em seu tempo, não podemos deixar de lado o quanto limitadora era uma 
perspectiva de análise como esta. 
Desta forma, um comparatista brasileiro que se interessasse, por exemplo, em se debruçar 
sobre o romance de Machado de Assis se veria limitado em sua capacidade de perceber o 
quanto este autor possa ter se enriquecido no contato com outros grandes romancistas 
brasileiros, como José de Alencar e Manuel Antonio de Almeida. 
Outra exigência da ―escola francesa‖ era a de somente levar em conta o diálogo entre 
produções literárias, não levando em conta a possibilidade de se analisar o diálogo entre 
textos literários, a produção de músicos, artistas plásticos, etc. 
Nos dias atuais, grande parte dos estudos comparatistas se debruça justamente sobre a 
importância das trocas havidas entre a Literatura e as outras Artes. 
Felizmente, as duas outras tendências que apontamos já relativizam, ou mesmo, abolem tais 
limitações. 
De tal forma que, no ponto em que estamos atualmente, não existem mais estas barreiras 
para o trabalho de um comparatista. 
Porém, um dos tópicos que mais ocuparam os debates comparatistas, desde o começo, é a 
questão das influências. 
Para os pesquisadores da escola francesa, esta é uma das questões fundamentais do trabalho 
de um comparatista – verificar em que medida um autor de nacionalidade alemã, por 
exemplo, tem sua obra enriquecida no contato com a literatura inglesa, ou vice-versa. 
Um estudo que se intitulasse, por exemplo, ―Goethe na Inglaterra‖ se destinaria 
essencialmente a constatar o quanto o genial escritor alemão influenciou seus pares no outro 
país. 
Assim, estudar Literatura Comparada era, essencialmente, detectar a presença de elementos 
que comprovassem a influência de um autor sobre outro, ou vários outros. 
Para explicitar com mais clareza, podemos retomar um exemplo que já utilizamos em nossa 
primeira aula: 
O diálogo entre o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, e a peça Otelo, de William 
Shakespeare, tendo como principal aspecto a maneira como o ciúme destrói as relações 
afetivas. 
Bem, o que nos garante que Machado foi leitor de Shakespeare é o próprio romancista 
brasileiro, que cita textualmente o dramaturgo inglês em seu livro. Se não fosse por isso, não 
teríamos certeza deste fato, pois afinal o ciúme em relacionamentos amorosos é um dado 
comum a muitas outras culturas e nacionalidades, está muito longe de ser uma particularidade 
que tenha sido ―descoberta‖ por Shakespeare. A presença do tema nas duas obras poderia 
simplesmente constituir uma semelhança entre elas, e não a confirmação da tese da 
influência. 
Contudo, para um comparatista à moda antiga, a presença de um tema caro a Shakespeare 
na obra de Machado já constituiria, por si mesmo, uma prova da influência que o autor 
brasileiro sofreu do inglês. Neste caso, a obra de Shakespeare tenderia a ser apontada como 
fonte comum onde teriam ido beber todos os narradores que colocassem a problemática do 
ciúme em suas tramas. 
Obviamente, isso é uma visão simplista, se consideramos os padrões de análise em voga 
atualmente. Para tanto, é interessante verificar o que diz um dos autores considerados mais 
importantes do que Tânia Carvalhal chama de ―escola soviética‖, o pesquisador russo 
Zhirmunsky, quando chama a atenção para o fato de que o mecanismo da influência só 
merece ser levado a sério se tivermos clara a noção de que ele não é tão simples quanto 
parece à primeira leitura. Isso porque, para ele, só ocorreria de verdade a influência no caso 
de a literatura receptora (aquela que estivesse recebendo a influência) não ser capaz de 
elaborar uma formulação própria para o tema tomado de empréstimo. 
Retomando nosso exemplo: a leitura de Otelo se revela fecunda na medida em que a obra de 
Machado articula uma formulação nova para a problemática do ciúme. Com efeito, podemos 
verificar em Dom Casmurro a importância central do tema do marido ciumento, como também 
da presença de um personagem que semeia a intriga, como faz o Iago da peça de 
Shakespeare. Trata-se de um amigo da família de Bentinho, José Dias. Porém, a maneira 
como o tema é trabalhado se revela bem diferente. 
Em vez de insistir em sua intriga como Iago, o nosso intrigante lança o veneno somente uma 
vez. Dali para diante, é a mente doentia de Bentinho quem trabalha para dar à suspeita os 
ares de quase certeza. Disso podemos concluir que Machado de Assis é mais sutil que 
Shakespeare, trabalha o tema de maneira bem diversa. 
Este é apenas um exemplo do quanto uma perspectiva teórica mais tradicional pode se revelar 
insuficiente. Ainda que debater as questões das influências e fontes seja importante, tal ato 
não pode ser resolvido de modo tão simplista, como queriam os comparatistas da escola 
francesa. 
No caso do nosso exemplo, a leitura do diálogo entre as obras Otelo e Dom Casmurro não se 
esgota na constatação de que o romance brasileiro se valeu do empréstimo de um dos temas 
centrais do texto dramático britânico. Verificar em que medida Machado de Assis difere de 
Shakespeare no tratamento da temática é de fundamental importância para uma avaliação 
crítica séria sobre a obra do nosso romancista. 
O Comparativismo em Crise 
Durante o período em que predominou a ―escola francesa‖, os estudos comparados se 
mantiveram defasados com relação às novas tendências da Teoria da Literatura. Afinal, o 
formalismo russo dera seus passos iniciais pelos idos de 1916 e 17, as correntes de inspiração 
estruturalista surgem a partir dos anos 1930, e, no entanto, algumas de suas lições básicas só 
vieram a contribuir para uma renovação do comparatismo a partir da década de 1950, graças 
à atuação de René Wellek. 
Coube a este autor a iniciativa de introduzir uma ruptura com o comparatismo tradicional, 
dando o passo inicial do que ficou conhecido como ―escola americana‖ de Literatura 
Comparada. Em oposição aos velhos conceitos herdados do século XIX, centrados em critérios 
deterministas, Wellek propõe que os estudos literários comparativistas sempre tenham como 
ponto de partida uma leitura profunda dos textos, sem levar em conta somente fatores que 
lhe são externos, ou seja, ele atribui menos importância ao contexto social, ou mesmo a 
aspectos da individualidade do autor, entre outros aspectos externos ao texto. 
Assim, considerações a respeito da vida pessoal do autor, ou mesmo do momento histórico 
em que viveu, perdem importância em nome de um método de análise centrado na obra 
literária em sua realidade material. Quando se analisa comparativamente diferentes obras, 
seria importante verificar em que medida aspectos como a maneira como se exprimem as 
personagens, como é tratado o tempo da narrativa, como se faz o uso de discurso direto ou 
indireto, o emprego de figuras de linguagem, destes ou daqueles procedimentos retóricos, 
entre outros aspectos, se fazem presentes em cada um dos textos postos sob as lentes da 
comparação. 
As considerações externas ao texto perdem importância. Psicologia, sociologia, história e 
filosofia perdem importância como disciplinas de auxílio na análise interpretativa dos textos.Bem, hoje sabemos que tais pontos de vista possuem suas limitações. Mas a argumentação de 
Wellek trouxe para a Literatura Comparada a vantagem de esvaziar a ênfase excessiva que se 
dava antes a certas questões. Para esta nova tendência, de nada adiantaria apontar a 
presença de influências ou empréstimos sem uma leitura atenta e profunda dos textos 
literários. 
Para usar expressões do próprio Wellek, de nada adiantaria o pesquisador perder tempo com 
o ―cálculo de créditos e débitos nacionais‖. Assim, por exemplo, de pouco adianta para um 
pesquisador da Literatura Brasileira a mera constatação de que muito devemos aos franceses. 
Afinal, todos sabem o quanto as literaturas da América Latina sofreram influência francesa no 
século XIX e começo do XX. Sem uma leitura atenta de nossos autores, estaríamos 
contribuindo muito pouco para o enriquecimento da disciplina. Em vez disso, faríamos 
erudição vazia, sem conteúdo e propósitos claros. 
Dentro da concepção de tal corrente de pensamento, o importante é o pesquisador se valer 
dos instrumentos teóricos das novas tendências em estudos literários para avançar na análise 
crítica dos tesouros de nossa literatura, adquirindo melhores condições para fazer estudos 
comparativos que nos coloque em diálogo com outras literaturas do mundo. 
Já dissemos o quanto Machado de Assis tinha sido mais sutil no tratamento da temática do 
ciúme. Desta forma, ele estaria se distanciando de Shakespeare. Pois bem, os comparatistas 
tradicionais pouco se interessavam pela capacidade demonstrada pelos textos ―influenciados‖, 
ou seja, os mais recentes, em se mostrar originais, capazes de apontar novos rumos no 
tratamento dos velhos temas. Para eles, o mais importante era verificar semelhanças, 
portanto, ―dívidas‖ dos autores mais novos com relação aos mais antigos. Hoje, sabemos o 
quanto isso é incompleto e inconsistente. 
Outro ponto interessante na crítica de Wellek é a condenação que ele faz ao binarismo, ou 
seja, a prática tradicional de só tomar dois autores, ou duas tradições literárias de cada vez. 
Ora, por que um estudo de literatura comparada sobre literatura não poderia articular análises 
que envolvessem autores de três ou mais nacionalidades distintas? Ou mesmo comparar 
autores da mesma nacionalidade, mas de diferentes épocas? Tudo isso fazia o campo de 
atuação da disciplina se tornar muito restrito. 
Os comparatistas da escola antiga tendiam a considerar qualquer estudo que envolvesse 
autores de mais de duas nacionalidades como tópico de estudo da ―literatura geral‖, restando 
à literatura comparada apenas as pesquisas binárias. Wellek ataca esta distinção entre a 
literatura geral e a comparada, mostrando que não existe um fundamento sólido para esta 
distinção. 
Assim, em nossa análise sobre o ciúme na literatura, Shakespeare e Machado poderiam ter a 
companhia de outros autores, incluindo o romancista português Eça de Queirós ou o russo 
Dostoiévski. Ou, senão, poderíamos nos ater a debater à maneira como a temática é 
trabalhada em dois autores brasileiros. Neste caso, nossa análise se voltaria para o diálogo 
rico e interessante entre o já citado clássico de Machado e o romance São Bernardo, de 
Graciliano Ramos. Pois bem, estes dois possíveis caminhos, por não serem binários, estavam 
fora de questão para os comparatistas tradicionais. 
Entretanto, Wellek foi mais eficiente em apontar as falhas do comparativismo tradicional do 
que em apontar novos caminhos. Sua contribuição foi mais deixar em aberto questões que 
outros autores tentariam responder depois. Mesmo suas lacunas serviram para revitalizar o 
caminho de autores que retomaram alguns dos aspectos mais controversos de suas ideias. 
Pois, como afirma Tânia Carvalhal: 
―A literatura comparada, sendo uma atividade crítica, não necessita excluir o histórico (sem 
cair no historicismo), mas ao lidar amplamente com dados literários e extraliterários ela 
fornece à crítica literária, à historiografia literária e à teoria literária uma base fundamental. 
Todas essas disciplinas concorrem em conjunto para o estudo literário (...)‖ (CARVALHAL, p. 
39) 
O legado teórico de René Wellek, como do conjunto da produção teórica formalista e 
estruturalista, foi combater os excessos cometidos antes por uma concepção da literatura 
como resultante de condicionamentos externos. 
Até o começo do século XX, considerava-se que as obras resultavam sempre de 
condicionamentos externos, como o contexto histórico e social ou aspectos resultantes da 
psique do autor. Buscava-se aplicar aos estudos literários generalizações similares às 
realizadas nas ciências naturais, como a biologia de inspiração darwinista, por exemplo. 
Para remediar este mal, os formalistas e estruturalistas propuseram uma dieta rigorosa: 
excluir por completo o estudo do contexto na compreensão dos textos. Fizeram valer na 
análise literária critérios sincrônicos, em lugar dos diacrônicos. A influência da Linguística 
Estrutural era nítida e teve grande utilidade, na medida em que contribuiu para que a análise 
literária se libertasse dos condicionamentos anteriores. 
Contribuiu para que a análise literária se libertasse dos condicionamentos anteriores. 
Superados os rigores desse tratamento, os estudos literários puderam saber aproveitar com 
mais equilíbrio as vantagens que poderiam advir de um diálogo com outras disciplinas, tais 
como a história, a sociologia ou a psicologia. No que diz respeito às contribuições da história 
para a compreensão dos fatos literários, as melhores contribuições viriam de autores de 
formação marxista, como veremos a seguir. 
No ensaio ―Crítica e sociologia (tentativa de esclarecimento)‖ com que abre sua importante 
obra Literatura e Sociedade, Antonio Candido propõe que o estudo de aspectos sociais numa 
obra literária pode adquirir novos contornos na medida em que deixarmos de considerar o 
meio social como algo externo à obra e passarmos a verificar que ele se realiza como um dos 
aspectos internos. 
O meio social não é apenas o universo de referências, as condições sociais em que viveu o 
artista que produziu uma obra determinada. Abrimos as páginas de um romance e 
percebemos com clareza como o meio pode se tornar um dos elementos que fazem parte da 
obra. De tal modo que é impossível uma leitura crítica plena do texto sem considerar a 
presença daquele elemento. 
O exemplo citado por Candido é bem esclarecedor: no romance Senhora, de José de Alencar, 
os interesses financeiros interferem nas relações afetivas, na medida em que o enredo nos dá 
conta da situação de um rapaz ambicioso que se submete a ser comprado como marido por 
uma rica herdeira. O conflito entre o interesse e os sentimentos se torna mais agudo ao 
tomarmos conhecimento do fato de que esta moça havia sido uma antiga namorada dele e 
que havia sido posta de lado por ser pobre na época. Isso a levou a buscar uma vingança 
após se tornar rica. 
Bem, vemos como se torna aqui praticamente impossível separar a consideração de temas 
sociais de uma leitura adequada do romance. A denúncia da desumanização das relações 
afetivas confere ao texto de Alencar grande força expressiva. Por conta disso, ele é um dos 
grandes clássicos de nossa literatura. A própria estrutura da obra incorpora a denúncia, na 
medida em que o romance vem dividido em quatro partes que recebem títulos que aludem a 
momentos de uma operação financeira: ―Preço‖, ―Quitação‖, ―Posse‖ e ―Resgate‖. Além 
disso... 
"Se, pensando nisto, atentarmos para a composição de Senhora, veremos que repousa numa 
espécie de longa e complicada transação, – com cenas de avanço e recuo, diálogos 
construídos como pressões e concessões, um enredo latente de manobras secretas, – no 
correr da quala posição dos cônjuges vai se alternando. 
Veremos que o comportamento do protagonista exprime, em cada episódio, uma obsessão 
com o ato da compra a que se submeteu, e que as relações humanas se deterioram por causa 
de motivos econômicos. A heroína, endurecida no desejo da vingança, possibilitada pela posse 
do dinheiro, inteiriça a alma como se fosse o agente de uma operação de esmagamento do 
outro por meio do capital, que o reduz a coisa possuída. E as próprias imagens do estilo 
manifestam a mineralização da personalidade, tocada pela desumanização capitalista, até que 
a dialética romântica do amor recupere a sua normalidade convencional" (CANDIDO, 2006, p. 
16). 
Vemos, assim, que a reificação, processo pelo qual o ser humano se vê transformado em 
objeto, é trabalhada com extrema perícia no romance de Alencar. De tal modo que se torna 
um aspecto interno, um de seus elementos fundamentais, mesmo. Neste caso, torna-se 
complicado empreender qualquer trabalho de avaliação crítica da obra que não leve em conta 
o diálogo que o texto propõe com aspectos do contexto social em que viveu. O casamento por 
interesse era, com efeito, algo corriqueiro na sociedade brasileira na segunda metade do 
século XIX. 
Bem, o mesmo poderíamos dizer de muitas outras obras literárias. Assim, como efetuar uma 
leitura minimamente aproveitável de Vidas Secas, o clássico de Graciliano Ramos, sem levar 
em conta a maneira como a seca e as injustiças sociais são elementos centrais da realidade 
nordestina? 
Considerar o diálogo entre texto e contexto, portanto, é válido e, muitas vezes, se impõe 
como indispensável. No entanto, é importante estar atento contra a recaída nas simplificações 
de análise que eram tão frequentes no passado. Os autores do grupo apontado no começo 
desta aula como participantes da terceira escola de Literatura Comparada se utilizam das 
ferramentas teóricas do marxismo para empreender análises literárias com viés histórico e 
sociológico. O teórico russo Zhirmunsky é um deles, como também o é o próprio Antonio 
Candido, um dos pioneiros do comparativismo brasileiro. 
A Linguística, a Semiótica, a História, a Sociologia, a Psicanálise, a Filosofia, entre outras, são 
chamadas a contribuir em nosso esforço para uma compreensão mais profunda de nossos 
objetos de estudo, os textos literários. 
Existe ainda outro fator básico que interfere na relação entre a obra literária e o contexto 
social – as ideologias. Com efeito, todo discurso, inclusive o literário, sempre reflete os 
padrões ideológicos vigentes na época em que o autor viveu. Os modos de pensar e agir de 
uma época estão marcados em qualquer discurso que se produza em tal época. Visto sob este 
ponto de vista, todo texto literário testemunha padrões ideológicos. Isso se dá mesmo quando 
o autor não toma plena consciência do fato. Ler um clássico da literatura é sempre ter contato 
com o mundo em que ele viveu. 
O pesquisador de Literatura Comparada precisa estar muito atento a este fato, pois com muita 
frequência analisa autores de épocas e culturas diferentes. Portanto, precisa estar atento às 
diferenças de cunho ideológico. Assim, uma leitura em paralelo de um autor brasileiro 
modernista e de um barroco não pode ser feita sem que se tenha em mente que um desses 
autores viveu na época de afirmação do capitalismo industrial no Brasil, ou seja, o começo do 
século XX, enquanto o outro viveu nos tempos do Brasil colônia, quando o país era submetido 
a um regime escravista. Um trabalho que demanda atenção ainda maior quando estamos 
comparando autores de nacionalidades diferentes. 
Resulta disso que a Literatura Comparada demanda um conhecimento de história, ao lado do 
domínio das disciplinas mais diretamente ligadas ao trabalho de análise literária, como a 
estética e a linguística. Deixar de observar este fato pode levar a graves erros de 
interpretação. 
Para ilustrar este ponto, tomo alguns versos do poeta barroco Gregório de Matos Guerra: 
Não sei, para que é nascer 
Neste Brasil empestado 
Um homem branco, e honrado 
Sem outra raça. 
Terra grosseira e crassa 
Que a ninguém se tem respeito, 
Salvo quem mostra algum jeito 
De ser mulato. (MATOS, 1990, p. 33) 
Bem, o debate a que remete a leitura do trecho acima é acerca da presença de racismo na 
obra do poeta. Assim, o texto insinua o quanto haveria de desonra para um homem ―branco, 
e honrado‖ o fato de ter nascido e viver num ―Brasil empestado‖, pela presença da 
miscigenação racial. 
Num primeiro momento, o leitor desavisado, sem a informação história adequada, pode 
sentir-se chocado com a visão flagrantemente preconceituosa expressa no poema. Entretanto, 
tal impressão se desfaz se for levado em conta que o poema em questão representa um modo 
de pensar e agir que não existe mais entre nós, mas que era normal e corriqueiro nos tempos 
em que o poeta viveu. 
Com efeito, nos tempos coloniais, todos os filhos de colonos portugueses tinham a mais 
absoluta certeza de sua superioridade sobre os filhos de outras raças, além de estarem 
conscientes do fato de terem sido escolhidos por Deus para governar o mundo, promover a 
supremacia da religião dominante na Europa – o Cristianismo – e governar as criaturas 
bestiais que habitavam os demais continentes. 
Em suma, pela interpretação de mundo dominante na época entre os europeus e seus 
descendentes nascidos na América, o destino dos brancos, cristãos, era dominar o resto do 
mundo. Portanto, valer-se do trabalho servil das criaturas bestiais que porventura habitassem 
os demais continentes era considerado mais do que justo. Estava, desta forma, justificada a 
escravidão. Na Bahia em que viveu o poeta, os negros e mestiços eram considerados animais, 
que podiam ser postos a trabalhar e não tinham os mesmos direitos dos brancos. 
Uma coisa é apontar o racismo na obra de um autor que vive nos dias de hoje, em que 
tendemos a reconhecer a igualdade de fato entre todos os seres humanos, independente de 
seus traços físicos, sua cor de pele. Outra, bem diferente, é fazer o mesmo com relação à 
obra de um autor que viveu numa época em que não havia nada de absurdo, muito pelo 
contrário, em acreditar na superioridade de uma raça sobre as outras. 
Desta forma, o discurso poético de Gregório encontra-se impregnado pela ideologia de seu 
tempo. Compreender seu legado demanda que se tenha este dado em mente, sob pena de 
cometermos erros grosseiros de análise. Uma leitura comparativa que contraponha a obra 
deste autor à de qualquer poeta de período mais recente resultará um fracasso se não estiver 
ancorada em boa bagagem de conhecimento histórico. Será erro crasso utilizar a obra de 
Gregório como exemplo negativo em trabalhos que visem a enaltecer a contribuição de poetas 
que vieram a exaltar a participação do negro em nossa cultura. 
AULA 4 – A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE INTERTEXTUALIDADE 
A contribuição da Teoria Literária para as pesquisas comparatistas vai ainda muito além do 
que expusemos na aula anterior. Um dos conceitos centrais em nosso campo de estudos, hoje 
em dia, é o de intertextualidade, cuja história e importância abordaremos agora. 
Antes porém, outras informações se impõem como de máxima importância, para que, ao final 
da presente aula, tenhamos a capacidade de enxergar os fatos literários com maior 
capacidade crítica. 
De Volta ao Formalismo 
Importa destacar que as escolas teóricas sempre possuem uma riqueza bem maior do que se 
pode supor numa análise que peque por excesso de superficialidade e esquematismo. Os 
diversos autores que costumam ser reunidos sob a alcunha de ―formalistas‖, como já 
destacamos, se propuseram a renovar a teoria da literatura no começo do século XX. 
Seria mais exatodizer que houve vários formalismos, e não um só, mas em comum estes 
autores tinham o interesse em construir um método científico para a análise dos textos 
literários, além afirmar o primado da atenção ao texto em si mesmo, ao destacar a prioridade 
em analisar os aspectos internos da obra e denunciar os erros de interpretação cometidos no 
passado por conta de se prestar mais atenção a dados externos. 
Num primeiro momento, aproximando-se da linguística estrutural de Saussure, alguns dos 
expoentes do grupo formalista fazem a opção pelo estudo sincrônico do texto, em detrimento 
de uma abordagem que buscasse a filiação deste texto a tradições ou linhas de evolução 
histórica. Todavia, dentro do próprio grupo, já existe a consideração de que o estudo mais 
atento do texto literário não pode dispensar um diálogo atento com o contexto social. 
Isso se dá com a obra crítica de Iuri Tynianov, autor que destaca a extrema importância de 
não separar a análise dos textos literários do estudo dos outros fatos sociais. 
Segundo Iuri Tynianov, não se pode perder de vista nem o que há de peculiar e único na 
literatura, nem a importância do seu diálogo com o momento histórico no qual uma dada obra 
foi produzida. Trazendo de volta à cena crítica o interesse pelo estudo da evolução literária, 
Tynianov começa a resgatar o interesse pelo estudo diacrônico, sem deixar de lado uma 
perspectiva sincrônica. 
Em suas palavras, a série literária e a série social estão em permuta constante; sendo da 
máxima importância para a plena compreensão do valor de uma obra singular, o estudo em 
paralelo do momento social e histórico, em particular do conjunto formado pelas obras que 
surgiram nos mesmo momentos históricos. 
Uma plena compreensão da ficção de Machado de Assis se enriquece com a leitura em 
paralelo de outras obras da mesma época, além do estudo da própria história social brasileira 
no período de transição do Império para a República. 
Importante ter em mente tanto a série literária à qual essa obra pertence (o conjunto de 
obras representativas de uma determinada literatura nacional) quanto o entendimento dos 
elementos da série social (o momento histórico e as outras manifestações artísticas da época, 
por exemplo) que nela se interpenetram. O tão conhecido ceticismo de Machado ganha nova 
luz se for estudado como um elemento que representa uma tomada de posição frente às 
certezas estreitas do cientificismo do final do século XIX. Algo que se torna muito claro 
quando lemos ―O alienista‖, por exemplo. 
Afirma Tynianov que o estudo isolado de uma obra literária não fornece elementos suficientes 
para a compreensão plena de sua construção. Ou seja, o exame mais detalhado do texto, a 
ênfase na obra, defendida pelos formalistas, só estaria completa se o pesquisador tivesse 
liberdade para considerar o peso de certas informações advindas da análise do contexto. 
Outra observação interessante que podemos retirar da obra deste importante teórico vem 
ressaltada por Tânia Carvalhal (2006, p.47): 
Tynianov alerta que ―um mesmo elemento tem funções diferentes em sistemas diferentes‖, o 
que nos leva a pensar que um elemento, retirado de seu contexto original para integrar outro 
contexto, já não pode ser considerado idêntico. 
A sua inserção em novo sistema altera sua própria natureza, pois exerce outra função. 
Trata-se de uma observação de extrema importância para as pesquisas em Literatura 
Comparada. Quando se analisam em paralelo textos de autores que viveram em épocas 
diferentes ou pertenceram a culturas diferentes, é preciso ter em consideração as grandes 
diferenças de contexto porventura existentes. 
Portanto, para o comparatista, importa o fato de que o diálogo entre dois textos, entre a obra 
de dois autores, pressupõe uma pesquisa rigorosa, que não deixe de levar em conta o tipo de 
diálogo que cada texto estabeleceu com seu próprio tempo. 
A partir de análise comparativa entre Otelo e Dom Casmurro, não se pode deixar de lado as 
diferenças que havia entre o Brasil do final do século XIX e a Europa do final da Idade Média, 
época em que se passa o enredo shakespeariano. 
Isso pode explicar como o protagonista da tragédia toma a si mesmo a tarefa de matar sua 
esposa, tida por ele como adúltera. Segundo valores de honra, muito importantes na época, 
caberia ao próprio ofendido a iniciativa de buscar uma retratação pública. Otelo mata sua 
esposa e todos ficam sabendo disso. Já nos tempos de Machado, o cinismo da moral burguesa 
era um convite à dissimulação. Era preciso salvar as aparências. 
Por conta disso, Bentinho e Capitu partem em viagem à Europa para, somente depois, se 
separarem efetivamente. O ciúme e o possível adultério são temas relevantes nos dois 
momentos históricos, mas a reação que os personagens têm é diferente, e isso pode ser 
explicado, em parte, pela diferença de mentalidade. 
A lição trazida pelos formalismos e estruturalismos se impõe como de grande importância, 
assinalando que é preciso ter o cuidado de dar a devida atenção ao texto e não ceder a 
tentações fáceis de interpretação, comuns na análise literária anterior ao formalismo. 
Para ficar no caso do autor que mais temos citado até aqui, nada existe em Dom Casmurro ou 
em O Alienista que nos autorize a dizer que o ceticismo de Machado decorreria de 
ressentimentos por sua situação de mestiço ou por conta de seus problemas de saúde. Como 
também não faz sentido considerarmos que seria destino histórico de uma nação colonizada 
arrastar o fardo do atraso. 
Interpretações ultrapassadas, todas essas, mas que, no entanto, já tiveram o seu momento de 
glória entre nós. Os excessos causados pelo biografismo rasteiro, tanto quanto pelo 
determinismo, foram marcas duramente superadas entre os intelectuais brasileiros. 
A Contribuição de Bakhtin 
Ainda que seja russo e contemporâneo dos formalistas, Mikhail Bakhtin não pode ser 
considerado um dos participantes do movimento, uma vez que suas ideias se distanciam 
bastante das propostas que predominavam na época, além do fato de não ter integrado os 
Círculos Linguísticos que floresceram na Rússia no período entre a segunda e a terceira 
década do século XX. 
Seu legado é rico e variado, não pode ser esgotado nos limites de uma aula. Resgata o estudo 
das relações do Texto Literário com a História. Foge às concepções formalistas, fechadas na 
análise do texto, e procura destacar o diálogo inevitável de cada texto com seu tempo, com os 
padrões ideológicos de cada momento histórico. Se com Tynianov, já vimos que é impossível o 
estudo de Literatura Comparada sem considerar a História, com Bakhtin, este fato se elucida e 
se aprofunda ainda mais. 
Simplesmente porque ninguém existe sozinho, vivemos todos em interação social constante, 
em diálogo permanente com nossos semelhantes. Esta observação vale para as pessoas e 
também para os textos. Não há um só texto literário que não possua marcas da presença do 
diálogo com outros textos. Tanto um diálogo com uma tradição literária, ou seja, um diálogo 
com textos do passado, como também com textos da mesma época. Assim, este processo 
dialógico possui tanto um plano diacrônico, como um sincrônico. 
Ao contrário do que pretendia a maior parte dos teóricos formalistas, é impossível separar o 
estudo de uma obra do presente da consideração de seu diálogo com outras obras, inclusive 
as do passado. É impossível deixar de lado a diacronia em qualquer esforço sério de análise 
literária. 
É sabido que nenhum ser humano consegue sobreviver sozinho, distante de uma comunidade, 
compartilhando a existência com seus semelhantes. Todavia, ao longo dos últimos séculos, a 
ideologia burguesa liberal se construiu em grande parte em torno da noção de que osgrandes 
homens são justamente os self-made man, ou seja, os que se fazem por si mesmos. Vemos 
no cinema se multiplicarem os exemplos de heróis que resolvem tudo sozinhos, muitas vezes 
de forma espetacular, o que só mostra o quanto as fitas hollywoodianas estão comprometidas 
com este padrão ideológico. 
Em Teoria da Literatura, um análogo desta noção extrema de individualidade é a ideia de que 
o autor é um gênio, cujas obras nascem unicamente por conta de seu talento extraordinário. 
Uma concepção que teve grande voga no período romântico, mas persistiu em épocas 
posteriores. 
Bem, a contribuição de Bakhtin para os estudos literários e linguísticos ainda está sendo 
devidamente equacionada, mas uma das grandes contribuições foi se contrapor a esta visão 
equivocada acerca do peso da individualidade no processo de criação literária. Para ele, todo 
discurso, inclusive o literário, é resultado de um processo dialógico. Ou seja, o texto resulta de 
um diálogo realizado entre o autor e outros agentes sociais que compartilhem com ele do 
mesmo contexto social. Indo além, ele acredita que na própria afirmação do ser humano 
como pessoa, ocorre um processo dialógico. Em suas palavras: 
Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados (…) O objeto (…) já 
foi falado, controvertido, esclarecido e julgado de diferentes maneiras, é o lugar onde se 
cruzam, se encontram e se separam diferentes pontos de vista, visões do mundo, tendências. 
Um locutor não é o Adão bíblico, perante objetos virgens, ainda não designados, os quais é o 
primeiro a nomear. (BAKHTIN, 2000, p.319) 
Não somos resultado dos conceitos que nós mesmos formulamos sobre nossa própria 
identidade. Antes disso, nós resultamos de um diálogo que mantemos com os que estão ao 
nosso redor. Os discursos que ouvimos acerca de nós contribuem para nos formar como 
pessoas. 
Isso ocorre desde o berço, quando as crianças têm o início do seu processo de construção da 
identidade pessoal como resultado dos discursos que os adultos formulam sobre elas. Indo 
além, por toda a nossa vida, os discursos alheios vão nos construindo continuamente. 
Intimamente ligada a este processo está a interferência das ideologias, os discursos 
hegemônicos de cada momento histórico. Para Bakhtin, as ideologias estão presentes, sem 
pedir licença, em todos os discursos, em tudo o que falamos. Mesmo quando tentamos evitar 
reproduzir as noções dominantes em nossa época, não conseguimos evitar que elas estejam 
presentes. 
Por esse motivo, o exercício da crítica literária precisa de uma atenção constante, um estado 
de alerta. Para compreender tal fato com mais clareza, basta retomar o exemplo retirado do 
poema de Gregório de Matos, na aula passada. 
Sendo assim, sempre que dizemos algo, muitas vozes se fazem presentes. Para Bakhtin, toda 
subjetividade é intersubjetiva, o sujeito se forma em constante contato e diálogo com outros. 
Esta noção tem rendido alguns frutos nos estudos de psicologia, mas para o campo que nos 
interessa, é preciso estar atento ao fato de que vivemos numa época em que a multiplicidade 
dos discursos sociais torna inviável a permanência de um tipo de obra literária que seja 
conduzida por uma só voz, uma obra monológica. 
Caminha-se para a afirmação do predomínio das obras literárias polifônicas, nas quais muitas 
vozes se afirmam, se chocam, se completam. O discurso de cada personagem interage com o 
discurso dos próprios narradores. Ou, senão, temos as situações em que os leitores são 
convidados a participar do processo de criação das obras. 
O Texto Literário Para Bakhtin 
O texto literário, para Bakhtin, é um campo que se abre ao debate. Nele, muitas vozes 
diferentes se manifestam e se interpenetram. Não há um só texto literário que não possua 
marcas da presença do diálogo com outros textos. Tanto um diálogo com uma tradição 
literária, ou seja, um diálogo com textos do passado, como também com textos da mesma 
época. 
Assim, este processo dialógico possui tanto um plano diacrônico, como um sincrônico. Ao 
contrário do que pretendia a maior parte dos teóricos formalistas, é impossível separar o 
estudo de uma obra do presente da consideração de seu diálogo com outras obras, inclusive 
as do passado. 
A ficção contemporânea tem se multiplicado em exemplos de obras abertamente polifônicas, 
nas quais não é uma voz única que conduz, mas o processo narrativo decorre de um diálogo, 
com o concurso de várias vozes. 
Para ficar apenas num caso bem conhecido, podemos citar o romance As meninas, de Lygia 
Fagundes Teles, cuja primeira edição data de 1971. Neste, cada uma das três protagonistas 
nos dá detalhes importantes acerca das duas outras. Ou seja, não se trata de cada uma falar 
somente de si mesma. As vidas das três meninas se entrelaçam, o que confere grande 
dinâmica e riqueza ao romance. Contudo, o mais importante é perceber que esta tendência 
revela a percepção de que no mundo em que vivemos é impossível confiar em uma só voz, já 
que a existência é múltipla e a verdade única já não existe. 
Além de se desdobrar em polifonia, o dialogismo sugerido por Bakhtin também pode ser 
aproveitado para nos revelar que os textos literários também estão em permanente diálogo, 
que cada obra resulta do diálogo com outras, que vieram antes. Nem sempre um autor mais 
recente cita diretamente o mais antigo, como faz Machado de Assis, com relação a 
Shakespeare, no trecho que já comentamos. 
Muitas vezes, a presença dos textos mais antigos nos novos é menos clara. Passa a ser uma 
das principais tarefas dos comparatistas perceber esse fluxo constante que leva dos textos 
mais antigos aos mais novos, dentro de uma mesma tradição cultural. 
Os textos literários estão em permanente diálogo, e dentro desta perspectiva, não existe texto 
algum que seja completamente original. 
Todos eles nascem da absorção de elementos de outros textos, resultado de um processo 
dialógico. Chegamos assim bem perto do conceito de ―intertextualidade‖, de importância 
central para os estudos de Literatura Comparada, e formulada por Julia Kristeva, a partir de 
uma leitura atenta e penetrante do legado de Bakhtin, que destaca quase ao fim de sua 
Estética da Criação Verbal: 
Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados (…). O objeto (…) 
já foi falado, controvertido, esclarecido e julgado de diferentes maneiras, é o lugar onde se 
cruzam, se encontram e se separam diferentes pontos de vista, visões do mundo, tendências. 
Um locutor não é o Adão bíblico, perante objetos virgens, ainda não designados, os quais é o 
primeiro a nomear. (BAKHTIN, 2000, p.319) 
Dentro desta perspectiva, todo e qualquer texto, inclusive os que se apresentam como obras 
da imaginação, os textos literários, são pontos de encontro, maneira de se responder a tudo o 
que já foi produzido antes no contexto de uma mesma tradição cultural. Ou seja, todo texto 
nasce impregnado de conceitos e sugestões de outros textos, mais antigos. Tal processo é 
muito óbvio quando o autor faz dele um uso consciente, como faz Machado, ao citar 
Shakespeare. 
Entretanto, o mesmo processo se faz notar ainda que seu uso pode passar despercebido, ou 
mesmo, ser escamoteado pelo emissor, ou seja, o criador do novo texto. 
O Advento do Conceito de Intertextualidade 
Pelo que vimos até aqui, a linguagem poética resulta de um constante diálogo de textos. Não 
existe um só texto literário que não seja intertexto, que não esteja em conexão com outros 
textos. A partir do momento em que a crítica literária toma consciência deste processo, tem a 
oportunidade de encarar de outro modo a Literatura Comparada. Vemos que o antigo debate 
teórico em torno das influências, fontes e empréstimos

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