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Rita do Carmo Polli da Silva R ita d o C a r m o Po lli d a Silva A linguística textual e a sala de aula Pelos corredores das escolas brasileiras não é raro encontrar um ou outro aluno decorando regras e conceitos gramaticais para tirar uma boa nota na prova de Língua Portuguesa. Passado esse momento, ao produzir um texto, esse mesmo aluno acaba não usando boa parte daquilo que decorou. O motivo? Ele não tem noção de que o conteúdo decorado poderia ter uma utili- dade prática, uma razão de ser! Por meio de conceitos históricos, indicações de leitura e exemplos que englobam a realidade escolar dos dias atuais – influenciada pela mídia, pela escrita vigente na internet, dentre outros aspectos –, o conteúdo presente nestas páginas sugere novas práticas para o ensino de Língua Portuguesa. Aqui, cada professor é convidado a repensar sua prática docente, de modo que possibilite aos seus alunos a verdadeira compreensão do conteúdo que lhes é ensinado, além de introduzi-los na arte de trabalhar com as palavras, os textos, os livros e a nossa língua. Série Língua Portuguesa em Foco Série Língua Portuguesa em Foco SÉ R IE LÍ N G U A P O R T U G U ES A E M F O C O SÉ R IE LÍ N G U A P O R T U G U ES A E M F O C O r i t a d o c a r m o p o l l i d a s i l v a Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. Série Língua Portuguesa em Foco Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. A linguística textual e a sala de aula Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 1ª edição, 2012. Foi feito o depósito legal. Informamos que é de inteira responsabilidade da autora a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser repro- duzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Ibpex. A violação dos direitos autorais é crime estabele- cido na Lei n° 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal. Av. Vicente Machado, 317 • 14º andar • Centro • CEP 80420-010 • Curitiba • PR • Brasil Fone: (41) 2103-7306 • www.editoraibpex.com.br • editora@editoraibpex.com.br Silva, Rita do Carmo Polli da A linguística textual e a sala de aula [livro eletrônico] / Rita do Carmo Polli da Silva. – Curitiba: Ibpex, 2012. – (Série Língua Portuguesa em Foco). 2 Mb ; PDF Bibliografia. isbn 978-85-7838-630-6 1. Análise do discurso 2. Linguística 3. Sala de aula – Direção 1. Título 11. Série. 12-15055 cdd-415 Índices para catálogo sistemático: 1. Língua textual 415 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dr. Ivo José Both (presidente); Dra. Elena Godoy; Dr. Nelson Luis Dias e Dr. Ulf Gregor Baranow • conselho editorial Lindsay Azambuja • editor-chefe Ariadne Nunes Wenger • editor-assistente Raphael Bernadelli • editor de arte/projeto gráfico Alexandre Olsemann • preparação de originais Denis Kaio Tanaami/Regiane Rosa • capa Danielle Scholtz • iconografia Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. apresentação, vii um um pouco de história, 9 dois coerência textual, 35 três coesão textual, 57 quatro demais requisitos para a construção da textualidade, 89 cinco gêneros textuais, 113 seis a linguística textual e a sala de aula, 139 considerações finais, 183 glossário, 187 referências, 191 bibliografia comentada, 197 respostas, 199 a autora, 205 sumáriosumário Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. ¶ ¶ E s t E l i v r o t E m E s t E l i v r o t E m como função primeira apresentar os funda- mentos da linguística textual. O primeiro capítulo traz um breve histórico da disciplina, que abarca desde os primeiros estudos até os mais recentes. Os demais capítulos foram organizados tomando como partida a proposta de Beaugrande e Dressler (1981), apresen- tada no final do Capítulo 1, e os trabalhos mais recentes da linguís- tica textual no Brasil. A justificativa para essa apresentação está no fato de que Beaugrande e Dressler (1981) propuseram um con- junto de sete fatores responsáveis pela noção de textualidade noção de textualidade em um texto, incluindo, entre eles, a coerência. Já Koch e Travaglia (1990) entendem que essa envolve todos os demais, ou seja, coesão, informatividade, situcionalidade, intertextualidade, intencionali- dade e aceitabilidade estão dentro da coerência. Marcuschi (1983) entende que os fatores de contextualizaçãofatores de contextualização também são responsá- veis pela construção dos sentidos, da mesma maneira também são considerados importantes para esse fim a consistênciaconsistência e a relevânrelevân-- ciacia, abordados por Giora (1985), a focalizaçãofocalização, apresentada pelos pesquisadores Koch e Travaglia (1990), e o conhecimento comconhecimento com-- partilhadopartilhado, trazido por Koch (2004). apresentaçãoapresentação Ne nh um a p ar te de sta pu blica çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. viii rita do carmo polli da silva No Capítulo 2 abordamos a coerência textual e os fatores que contribuem para sua construção apresentamos nos dois capí- tulos seguintes. O primeiro fator, a coesão textual, é abordado no Capítulo 3. Os outros elementos considerados importantes para a construção dos sentidos, para a coerência textual, podem ser observados no Capítulo 4. O Capítulo 5 abordamos a distinção entre tipos e gêneros textuais e, por último, no Capítulo 6, apresentamos alguns aspec- tos importantes a serem considerados e aproveitados em aulas de língua portuguesa a partir da linguística textual. Não tivemos a pretensão de começar e encerrar um assunto. Nosso intento aqui foi o de ministrar alguns pontos para iniciar você, leitor, na linguística textual. Com a base que contruirmos aqui, você poderá traçar novos caminhos, dependendo de seu inte- resse. Esse é o primeiro passo, mas a caminhada fica por sua conta. E, se ela vier a acontecer, a intenção inicial foi alcançada. Boa leitura. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. ## um um pouco de história dois dois coerência textualcoerência textual três três coesão textualcoesão textual quatro quatro demais requisitos para a construção da textualidadedemais requisitos para a construção da textualidade cinco cinco gêneros textuaisgêneros textuais seis seis a linguística textual e a sala de aulaa linguística textual e a sala de aula Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. Proponho que se veja a linguística do texto, mesmo que provisória e genericamente, como o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos e orais. (marcuschi, 1983, p. 12) ¶ ¶ t o d a m u d a n ç a s E t o d a m u d a n ç a s E dá aos poucos, por partes. Uma criança que apenas engatinha, para andar, precisa primeiro ficar em pé, de- pois ensaiar o primeiro passo, o segundo, e assim por diante, até finalmente andar. Dificilmente ela irá sair correndo a partir do es- tágio de engatinhar, como se sempre tivesse andado. De modo geral, é assim que as mudanças ocorrem, aos poucos, por etapas. No que se refere aos conhecimentos linguísticos, no iní- cio do século XX, havia predominância da linguística estrutural Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 12 rita do carmo polli da silva saussureana*, que entendia a língua como sistema, como código, e se limitava a analisar apenas as sentenças. A intenção de estudar além da frase data da segunda metade da década de 1960 até meados da década de 1970. Nasce, nesse mo- mento, o objeto de estudo deste livro: a linguística textual, ou seja, a linguística além da frase, que tem como foco o texto. Seus primeiros movimentos ocorreram em vários países da Europa, sendo que os primeiros estudiosos apresentaram teorias distintas para o mesmo objeto de estudo. O que se tinha de homo- gêneo era apenas a ideia de que a frase era muito limitada para per- mitir um estudo satisfatório de uma língua, no resto... Distinções à parte, é possível que visualizemos essa cami- nhada a partir de três passos: fase transfrástica, as gramáticas do texto e as teorias do texto. umpontopontoum Primeiro passo – Primeiro passo – fase transfrásticafase transfrástica O primeiro passo se deu a partir de fenômenos linguísticos não passí veis de análise em um limite tão exíguo como o da frase, por isso foi chamado de transfrástico, literalmente entendido como “além da frase”. O problema é que esse processo significava sair de um * Nascido em 1887 e falecido em 1949, Ferdinand de Saussure é considerado o fundador do estruturalismo norte-americano. Foi o criador da Sociedade Linguística da América, em 1924. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 13a linguística tExtual E a sala dE aula âmbito conhecido para ir de encontro ao desconhecido, ou seja, era preciso definir o que se entendia por texto. E aí as opiniões diver- giam. Havia muitas respostas para a mesma pergunta. Alguns conceitos bastante importantes eram os de Hartmann (1968, citado por Koch, 2004), para quem o texto não passava de uma frase complexa, de um signo linguístico primário. Da mesma data, havia ainda o conceito de Harweg (1968), que entendia o texto como uma sequência pronominal ininterrupta. Nessa abordagem, inserem-se também os conceitos de Isenberg (1971), que afirmava que o texto é uma cadeia de pressuposições, e o de Bellert (1970), o qual defendia que o texto é uma cadeia coerente de enunciados. A fase transfrástica inicia a análise das possíveis relações entre as frases a partir de determinados conectivos, como em: (1) A flor daquele vaso é bonita. Ela é vermelha. Em uma linguística que visualiza o texto e não apenas a frase, temos o pronome ela não apenas como um substituto do substantivo flor, mas como conector que contribui para que o receptor/ouvinte do texto passe a construir a imagem do referente,no caso, a flor. Os estudiosos dessa fase valorizavam os elementos coesivos, ou seja, os vínculos interfrásticos. Essa linha de pesquisa estendeu o seu campo de interesse para outros fenômenos e não demorou muito para que os pesquisadores se deparassem com um problema: Se o objeto de estudo até o momento eram os conectores – termo que liga ideias contidas em frases diferentes –, o que fazer quando a relação existe sem a presença textual do conector? Vejamos o que é isso exatamente. Observe as frases a seguir: Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 14 rita do carmo polli da silva (2) João não foi trabalhar na semana passada: estava doente. (3) Não tive tempo de estudar para a prova: não passei. (4) Estava frio para sair de casa: pedi uma pizza. Nesses três exemplos, não há conectores presentes textual- mente que liguem as duas partes constituintes das frases. Apesar disso, as relações argumentativas não são prejudicadas. Observe que a relação explicativa fica explícita no exemplo 2, mesmo sem uma con- junção explicativa (pois ou porque). Da mesma maneira, a conclusão não deixa de ser percebida no exemplo 3, “Não estudei, logo (por isso, portanto) não passei”, ou a relação adversativa em 4, “Não quis sair de casa, mas (porém, no entanto, todavia) pedi uma pizza”. Na época, ainda não se estudavam fenômenos que hoje estão no foco dos estudos da linguística textual, como os fenômenos reos fenômenos re-- missivos não correferenciais, as anáforas associativas e indiretas, missivos não correferenciais, as anáforas associativas e indiretas, a dêixis textuala dêixis textual* (Koch, 2004, p. 4). Por exemplo: nem se pensava em analisar, ou ainda não eram percebidas, retomadas anafóricas de grandes partes de textos, muito comuns quando do uso de pro- nomes demonstrativos, como no trecho a seguir, no qual foram gri- fados outros elementos remissivos. Repare: * Estudaremos esses fenômenos nos próximos capítulos. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 15a linguística tExtual E a sala dE aula os retirantes, de volta ao nordeste os retirantes, de volta ao nordeste “A industrialização e a urbanização de São Paulo sempre atraí ramatraí ram os brasileiros do Nordeste”, observa a socióloga Dulce Maria Tourinho Baptista, docente da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. “Dadas as precárias condições de vida no lugar de origem, eleseles continuam correndo atrás de uma vida melhor, alimentados pela ilu- são de que São Paulo é a resposta a seusseus desafios”, diz. Essa interpre- tação da cidade como local do emprego e da boa qualidade de vida, no entanto, começou a ruir anos atrás, fazendo com que parcela conside- rável dos migrantes passasse a observar melhor o destino de suas an- danças antes de se aventurar na direção do Sudeste. [...] Além dissodisso, outro processo vem sendo observado. Apelidado de migração de retorno, o fenômeno decorre, dentre outras coisas, da elevada taxa de desemprego amargada pelos paulistanos e dos baixos salários pagos às pessoas com pouca ou nenhuma capacitação. FontE: nítolo, 2006. Nesse momento, o centro dos estudos era a coesão textual, que, segundo os pesquisadores da época, envolvia também a coe- rência, também tida como uma propriedade do texto. Essas situações reais trouxeram alguns problemas: havia situa- ções em que era necessário considerar o conhecimento do falante para que as relações entre as partes do texto fossem entendidas. O resul- tado disso foi uma mudança de objetivo: em vez de analisar o texto no lugar da frase, passou-se a vislumbrar a necessidade de algo maior, de uma gramática do texto, tema que analisaremos na seção a seguir. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 16 rita do carmo polli da silva umpontopontodois Segundo passo – Segundo passo – as gramáticas do textoas gramáticas do texto No segundo passo, já contemporâneo à explosão das teorias chomskyanas* e sua gramática gerativa, as atenções são voltadas para o falante, aquele que está por trás do texto, por trás das frases. Quem e como é esse falante? As gramáticas textuais, apesar de terem consagrado a am- pliação do objeto de estudo, da frase para o texto, ainda o enten- diam como uma unidade acabada, uniforme e abstrata, o que era o oposto do discurso, considerado funcional e comunicativo, apesar de assumirem, ou vislumbrarem, a influência do falante/ouvinte no estudo. Muitos autores ainda divergiam nas propostas de elaboração dessa gramática textual. Um ponto em comum era considerar que o texto – termo que ainda precisava ser definido –, era uma unidade linguística mais elevada que a frase. Por ser mais elevado, permitia divisões em unidades menores. Era consenso também que todo falante nativo possui um co- nhecimento intuitivo do que venha a ser um texto, ou seja, sabe dis- tinguir um texto de um conjunto de frases desconexas. Na mesma linha, também se defendia a ideia de que esse falante/ouvinte na- tivo também é capaz de resumir, parafrasear, criar um texto a partir * Noam Chomsky nasceu na Filadélfia, em 1928, e é, há quase meio século, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Estudou e estuda os conceitos da gramática gerativa, cuja abordagem revolucionou os estudos da linguística. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 17a linguística tExtual E a sala dE aula de outro, perceber a incompletude etc. Em outras palavras, esse fa- lante/ouvinte traz consigo, sem que saiba disso, algumas capacida- des textuais, que, na terminologia de Charolles (1978, p. 43), são: a capacidade formativa, a transformativa e a qualitativa. A nomenclatura utilizada pelo linguista é, de certa forma, mnemônica, ou seja, leva-nos à sua significação. A capacidade formativa é a que nos possibilita formar textos e/ou analisá-los e classificá-los em “bons” ou “maus”. A transformativatransformativa possibilita transformar umtexto: resumindo, parafraseando, reformulando etc. A última capacidade internalizada é a de identificar tipos tex- tuais: narração, descrição, argumentação etc. Será que todo falante/ouvinte tem, de fato, essas capacidades? Partindo do princípio que isso seja real, uma gramática do texto seria justificável e deveria responder, então, às seguintes questões: • • O que faz com que um texto seja um texto? • • Que tamanho deve ter um texto, qual é o seu limite? • • Quais e quantos são os tipos de textos? Seguindo a mesma linha de raciocínio da gramática gerativa, como já dito, os linguistas que se propuseram a construir gramáti- cas do texto passaram a considerar um falante/ouvinte idealizado, não real. Não demorou muito para que as primeiras perguntas sem respostas aparecessem. As três questões anteriores, por si só, já mostravam que não seria esse o caminho: como definir, por exemplo, o que faz com que um texto seja um textotexto e não um não textonão texto? Como delimitar um tamanho? Como tipificar todos os textos possíveis de uma língua? Como não esquecer nenhum? Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 18 rita do carmo polli da silva Essa falta de respostas resultou em falta de saídas e na consta- tação de que uma gramática do texto não seria melhor que a gramá- tica da frase, que já existia. Apesar disso, essas considerações todas deram aos estudiosos a possibilidade de perceberem a necessidade e de iniciarem teorias que se propunham a discutir a constituição de seu objeto de estudo, o texto, seu funcionamento e sua produção em condições de interação verbal real. Esse processo não originou apenas uma, mas várias teorias, que veremos a seguir. umpontopontotrês Terceiro passo – Terceiro passo – teorias do textoteorias do texto A gramática do texto não deu certo, no sentido de que muitas ques- tões estavam ficando sem respostas. Diante dessa situação, os estu- diosos passaram a mudar seu objetivo. Em vez de pensar em uma gramática do texto, que, a modelo da gramática da frase, já existente, deixaria mais lacunas do que esclareceria, passaram a pensar em algo que funcionasse, em vez de gramática, como teoria do texto. Esta se difere daquela no sentido de que não se preocupa em descre- ver a competência textual do falante, e sim investigar as formas dos textos, como funcionam, como são produzidos e as possibilidades de interpretação. Introduz-se nesse momento um novo elemento: o contexto. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 19a linguística tExtual E a sala dE aula Esse terceiro passo revela a necessidade de se estudar o con- texto de produção textual onde o falante está inserido. A partir desse ponto, o texto já não é mais visto como algo que se fecha em si mesmo, que tem um final, mas como um processo resultante de muitas operações de comunicação que dependem do sujeito e do contexto social e nunca se finda. A ideia germinou a tal ponto que, a partir da década de 1970, a expressão gramática do texto cedeu lugar totalmente à teoria do texto e, na sequência, à noção de textualidade, posteriormente definida por Beaugrande e Dressler (1981) como uma maneira de múltipla conexão ativada toda vez que ocorrem eventos comunicativos. Em outras palavras, vale dizer que, nesse momento, os pesquisadores perceberam a importância de considerar as condições externas ao texto. As teorias do texto passaram por alguns momentos parti- culares, e os linguistas sentiram a necessidade de ir além, já que entendiam nesse momento o texto como “uma unidade básica de comunicação/interação humana” (Koch, 2004, p. 13). Esse estado dá lugar a dois momentos contíguos: um cujo objeto era a pragmá- tica e outro que tinha como centro a cognição. A percepção da pragmáticaA percepção da pragmática O contexto pragmáticocontexto pragmático visava entender a constituição, o funcio- namento, a produção e a compreensão dos textos. Nesse momento, o texto é visto como uma atividade complexa, “um instrumento de realização de intenções comunicativas e sociais do falante” (Koch, 2004, p. 14), e não como um produto acabado como até então vinha sendo entendido. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 20 rita do carmo polli da silva Algumas teorias da época tiveram importante papel nesse momento da linguística textual, como a psicologia e a filosofia da linguagem. A linguística textual, então, tinha a tarefa de mostrar que o instrumental dessas teorias se adequava ao estudo dos textos. Diversos linguistas se debruçaram sobre suas teorias e con- tribuíram de maneira irrefutável na caminhada que a linguística textual estava percorrendo. É nesse período que surgem conceitos bastante relevantes para o estudo da linguagem, pois possibilitam reanálises de algumas con- cepções tidas até o momento, como a do próprio texto e dos motivos que o leva a existir. A observação de alguns pontos é bastante im- portante nesse período, como a intencionalidade do autor ao pro- duzir um dado texto, a aceitabilidade ou recepção dos textos e a situacionalidade, que seria a pertinência, a relevância do texto em relação ao seu contexto de produção. A pragmática preocupa-se com as relações de sentido, com as intenções do falante, muitas vezes não expressas, não ditas. Sendo assim, ela passa a analisar as cir- cunstâncias, por exemplo: o que faz com que uma frase como “Você tem horas?” seja interpretada como “Que horas são?”, ou ainda que a frase “Que frio está aqui!” seja entendida como “Feche a porta (ou a janela)”, numa situação em que as pessoas estão em um ambiente onde o frio está intenso e as janelas e/ou portas estão abertas. A partir da análise pragmática é possível perceber que, às vezes, a intenção do autor é uma e a aceitabilidade outra, aborda- gem que, até então, não tinha sido objeto de estudo. Pensemos na música A Rita, de Chico Buarque, escrita em 1965, que é uma can- ção de amor. Se ela for lida tendo em vista que seu autor escreveu contra a Ditadura Militar, a leitura muda. Podemos entender que Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re itos a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 21a linguística tExtual E a sala dE aula a personagem Rita do texto é a própria Ditadura, ou seja, a inten- ção pode ter sido uma, e a aceitabilidade, outra. Se pensarmos bem, veremos que, mesmo em conversas do dia a dia, a intenção nem sempre é alcançada. Há uma série de questões inconscientes que entram em cena nas intenções e nas aceitações. Um pesquisador em particular teve grande influência na história da linguística textual: Van Dijk. Para esse linguista, a compreen são de um texto depende muito da pragmática, sem dú- vida, mas não só dela. Para ele, a coerência não se estabelece sem levar em conta a interação, bem como as crenças, os desejos, as pre- ferências, as normas e os valores dos interlocutores (Van Dijk, 1980, citado por Koch; Travaglia, 1989), ou seja, nesse momento os olha- res começam a se voltar para outro ponto. A partir daqui as teorias passam a vislumbrar fatores de ordem cognitiva na produção dos textos; em outras palavras, a pragmática não respondia a todas as questões, não abarcava tudo o que até então se entendia como ele- mento influenciador na produção textual. A percepção cognitivistaA percepção cognitivista Segundo Koch (2004, p. 21), na década de 1980, uma nova luz tocou os estudos do texto, “a partir da tomada de consciência de que todo fazer (ação) é necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitiva, de que quem age precisa dispor de modelos men- tais”. Em outras palavras, o falante precisa acionar os conhecimen- tos de mundo que ele tem para interpretar os textos. Tudo estaria representado na mente, de modo que o falante/ouvinte teria que fazer uso de seu conhecimento cognitivo para entender os textos. Veja o seguinte diálogo entre o marido e sua esposa: Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 22 rita do carmo polli da silva — Minha mãe chega às três horas – diz o marido. — Tenho dentista! — Tá! A partir desse exemplo podemos perceber que a linguística tex- tual também se importa com o contexto, mas considerando como relevante também o fator cognitivo. É a partir de conhecimentos de mundo que se interpreta que a esposa não poderá buscar a sogra ou não estará em casa quando ela chegar, pois estará em consulta. Seria pouco provável que o esposo não entendesse a mensagem e pergun- tasse que relação uma situação teria com a outra. Isso, inclusive, po- deria ser interpretado pela mulher como uma brincadeira por parte do marido, que estaria “fazendo de conta” que não entendeu. A partir dessa percepção, o conceito de texto sofre nova alte- ração, passa agora a ser o resultado de processos mentais, ou seja, as pessoas possuem certa bagagem de vida, de cultura, possuem co- nhecimentos que acessam para produzir e entender textos. Caberia à linguística textual, então, a partir desse momento, descrever como esses processos mentais ocorrem. Muitos linguistas se debruçaram sobre essa tarefa, entre eles Heinemann e Viehweger (1991), que apresentaram a teoria de que os falantes possuem quatro grupos de conhecimento: o linguísticolinguístico, o enciclopédicoenciclopédico, o interacionalinteracional e aquele que seria uma espécie de exemplário geral de textosexemplário geral de textos. O primeiro tem a ver com a gramática e o léxico da língua. É este conhecimento que permite a adequação do vocabulário ao gênero textual em questão, a opção entre uma palavra e outra etc. Refere-se à forma do texto. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 23a linguística tExtual E a sala dE aula O conhecimento enciclopédico é a bagagem de cada um, tudo o que se encontra em sua memória, fruto da vivência ou dos estu- dos. É ele que nos permite, por exemplo, ir além do escrito, inferir informações, preencher possíveis lacunas deixadas nos textos, hi- potetizar apenas a partir de uma manchete de jornal etc. Esse co- nhecimento engloba tanto o saber declarado, como em “O Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral em 1500”, ou o saber in- tuitivo, como em “Leve sombrinha porque hoje vai chover” (após observar o céu carregado de nuvens). O que se tem é a possibili- dade de se estabelecer relação entre os conhecimentos e chegar a uma série de outros. Essas características possibilitam que o co- nhecimento enciclopédico nos forneça informações para agir em situações específicas. Por sua vez, o conhecimento interacional divide-se em três outros: o ilocucional, o comunicacional e o metacomunicativo (Koch, 2002, p. 32). O primeiro é o responsável pela identificação da intencionalidade do texto. O segundo refere-se a um conheci- mento mais amplo, ou seja, para garantir a compreensão de um texto, o locutor não deve exceder a quantidade de informações e atentar para a qualidade delas, selecionando-as previamente; deve ainda se preocupar com a maneira como vai se dirigir ao interlocu- tor , inclusive observando se a variedade linguística que utilizará é adequada ao tipo de texto e à situação. O último conhecimento interacional, o metacomunicativo, possibilita que o produtor do texto evite problemas de comunicação, de modo que ele deve ir bus- cando saná-los à medida que desconfia que possam acontecer. Isso pode ser feito utilizando, por exemplo, paráfrases, parênteses eluci- dativos, entres outros recursos. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 24 rita do carmo polli da silva O último conhecimento relaciona-se com o que hoje a lin- guística textual chama de gênero, mas que na época era uma noção ainda muito precária. De grande importância nesse momento histórico são os tra- balhos de Beaugrande e Dressler (1981), os quais abordavam alguns critérios de textualidade, o que, segundo eles, é o fator responsá- vel para fazer de um conjunto de escritos um texto. Essa noção já tinha sido mencionada por Halliday e Hasan (1976, p. 2), com a nomenclatura textura, o que seria o equivalente ao que faz com que um texto funcione como uma unidade em relação ao seu contexto. Nesse momento, tinha-se a coesãocoesão como a responsável pela textua- lidade de um texto, o que não demorou muito para ser contestado por teorias que consideravam a coerênciacoerência como elemento respon- sávelpor essa mesma textualidade. Beaugrande e Dressler (1981) apresentaram um conjunto de fato- res que seriam os responsáveis pela noção de textualidade de um texto, em número de sete, a saber: coesão, coerência, informatividade, situ- cionalidade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade. Esses sete itens não são, que fique bem claro, critérios para se estabelecer o que seja ou não um texto. Eles são condições necessárias para que se es- tabeleça uma ação linguística, cognitiva e social nas quais eles se corre- lacionam na direção de estabelecer a conectividade entre as partes. Algum tempo depois, os próprios estudos a partir da perspec- tiva cognitivista começaram a ser questionados, pois se observava no momento a necessidade de analisar, além de tudo o que já vinha sendo visto, os aspectos sociais e culturais que estavam envolvidos na escritura de um texto. Sendo assim, alterava-se, novamente, a noção de contexto. Segundo Koch (2004, p. 32): Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 25a linguística tExtual E a sala dE aula quando das análises transfrásticas, o contexto era visto apenas como cotexto (segmentos textuais precedentes e subsequentes ao fenômeno em estudo), tendo, quando da introdução da pragmática, passado a abran- ger primeiramente a situação comunicativa e, posteriormente, o entorno sócio-histórico-cultural, representado na memória por meio de modelos cognitivos, ele passa a constituir agora a própria interação e seus sujeitos: o contexto constrói-se, em grande parte, na própria interação. Por tudo isso, hoje, a linguística textual é considerada uma disciplina interdisciplinar, haja vista toda a sua trajetória e suas re- lações intrínsecas com a análise do discurso, a pragmática, a lin- guística aplicada, a sociolinguística, entre outras. umpontopontoquatro A linguística textual no BrasilA linguística textual no Brasil Os primeiros escritos nessa linha, no Brasil, datam do final da década de 1970. Segundo Koch (1999a), esse início foi mar- cado por dois momentos. O primeiro foi a divulgação dos livros Semiótica narrativa e textual (Chabrol et al., 1977), Linguística e te- oria do texto (Schmidt, 1978) e Pragmática linguística e o ensino do português (Fonseca; Fonseca, 1977). O segundo momento foi mar- cado pelo início das pesquisas na área, que se deram na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A expansão das pesquisas só aconteceu mesmo na década de 1980, após a publicação de um artigo de Ignácio Antonio Reis, em 1981, intitulado Por uma gramática textual. Koch, em seu artigo Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 26 rita do carmo polli da silva O desenvolvimento da linguística textual no Brasil, publicado em 1999, trouxe a nova disciplina dividida em três momentos. O primeiro momento é marcado pela publicação de duas obras introdutórias desse novo ramo da linguística: Linguística de texto: o que é e como se faz (Marcuschi, 1983) e Linguística textual: introdução (Fávero; Koch, 1983). No ano seguinte a essas publicações, ocorre a primeira mesa- -redonda da área, intitulada Coerência e coesão na teoria do texto, da qual participaram Marcuschi, Neis e Koch. Como é possível perceber, já nesse momento os temas coesãocoesão e coerência coerência desper- tavam bastante interesse entre os pesquisadores. A fundamenta- ção teórica da época era firmada em Halliday e Hasan (1976) e Beaugrande e Dressler (1981). Com o passar do tempo, sucede uma alteração na preferência dos pesquisadores: da coesão para a coerência. Aos poucos os estu- diosos brasileiros começaram a dar suas contribuições a partir de uma leitura crítica que apresentavam da então atual fundamentação teórica. Ao final dos anos 1980, portanto, tínhamos uma mudança de objeto de estudo da linguística textual. Paulatinamente, os estu- diosos brasileiros passaram a fazer uma leitura crítica dessa funda- mentação teórica, acrescentando contribuições. Um bom exemplo dessa fase é o texto Linguística textual: retrospectiva e perspectivas, de Koch (1999b), no qual a autora coloca a coerência não mais ape- nas como um dos fatores de textualidade, mas sim como o macro- fator, ou o principal fator, dessa mesma textualidade. Um segundo momento da linguística textual no Brasil foi amplamente iluminado pela teoria de Halliday e Hasan, cuja ên- fase eram os trabalhos sobre coesão. Nesse segundo momento, Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 27a linguística tExtual E a sala dE aula nasceram os livros A coesão textual (Koch, 1989), Texto e coerência (Koch; Travaglia, 1989) e Coerência textual (Koch; Travaglia, 1990). Contemporaneamente, o terceiro momento se apresenta in- tercambiando-se com outras áreas das ciências humanas, adotando uma perspectiva sociointeracional no estudo do texto e incluindo em seu escopo pesquisas sobre tipologia do texto, ou gêneros textuais, como mais comumente são chamados. Apesar de a linguística textual no Brasil ter tido seu princí- pio apenas dez anos após seu início na Europa, ainda não é possível que se fale em uma linguística textual brasileira. O estudos feitos até o momento são considerados pela crítica como apropriações e adapta- ções. Conforme Altman (1998, p. 25), “a literatura crítica sobre os estudos linguísticos no Brasil é uma literatura extremamente dis- persa. Não há obras de referência que possibilitem recuperar de forma segura e sistemática a produção linguística brasileira como um todo”. SínteseSíntese Neste capítulo, você pôde conhecer a trajetória da linguística tex- tual, desde seus primeiros passos até o momento em que estamos inseridos. Seu início deu-se a partir da percepção de que a frase não era suficientemente eficaz para análises do sistema linguístico. A fase transfrástica, que analisava extensões além da frase, também não demorou muito a deixar perguntas sem respostas. Na tentativa de solucionar as questões que naturalmente cresciam em complexidade, os linguistas passaram a desenvolver as gramáticas do texto, que se propunham a conceituar texto, definir Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A viola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 28 rita do carmo polli da silva tamanho, tipos etc. Esses estudos acabaram por culminar nas teorias do texto, mais amplas, que, embora fundamentadas num mesmo foco, apresentavam enfoques diferentes. Nesse período, várias foram as concepções de texto mostra- das. Por meio delas, podemos resumir essa evolução nos seguintes itens: • • frase complexa – que seguia fundamentação gramatical; • • signo complexo; • • discurso acabado; • • meio de realização da comunicação verbal; • • verbalização de operações e processos cognitivos. Nas palavras de Koch (2004, p. 11), temos uma espécie de atar de pontas dessa trajetória: A linguística textual toma, pois, como objeto particular de investiga- ção não mais a frase isolada, mas o texto, considerado a unidade bá- sica de manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do texto. O texto é muito mais que a simples somas das frases (e palavras) que o compõem: a dife- rença entre frase e texto não é meramente de ordem quantitativa; é, sim, de ordem qualitativa. Perceba que, dessa maneira, o texto não é mais visto como anteriormente era, mas como algo mais, inacabado, uma unidade básica de comunicação que não tem tamanho delimitado, podendo ser constituído de uma única frase ou não. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 29a linguística tExtual E a sala dE aula Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação 1 . 1 . A respeito do que vimos neste capítulo, assinale (V) para verda- deiro ou (F) para falso: ( ) ( ) A linguística textual tem sua história dividida em três fases. ( ) ( ) A fase transfrástica estudava fenômenos como os remissivos não correferenciais, tal como a anáfora. ( ) ( ) Num primeiro momento, a coerência era considerada como parte da coesão textual. ( ) ( ) A fase transfrástica inicia a análise das possíveis relações entre as frases a partir de determinados conectivos, não explicando casos em que os conectivos estão implícitos. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a. a. V, V, F, F. b. b. V, F, V, V. c. c. F, V, F, V. d. d. F, F, V, F. 2 . 2 . Sobre a gramática do texto, assinale (V) para verdadeiro e (F) para falso. Depois, marque a alternativa que apresenta a sequência correta: ( ) ( ) Foi contemporânea à gramática gerativa de Chomsky. ( ) ( ) Um ponto em comum entre os gramáticos do texto era considerar o texto uma unidade linguística mais elevada que a frase. ( ) ( ) Diferente da teoria chomskyana, os gramáticos do texto conside- ravam o falante/ouvinte real. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 30 rita do carmo polli da silva ( ) ( ) Os estudiosos na área tiveram dificuldade em estabelecer quais os limites de um texto e quais os tipos existentes. ( ) ( ) Depois de certo tempo, os estudiosos chegaram à conclusão de que a gramática do texto não estava sendo mais eficiente que a gra- mática da frase. Assinale agora a alternativa que apresenta a sequência correta: a. a. V, V, V, F, V. b. b. V, V, F, V, V. c. c. V, F, V, F, V. d. d. F, V, F, V, F. 3 . 3 . Sobre as teorias do texto, analise as afirmações a seguir e assinale a incorretaincorreta: a. a. Não se preocupam em descrever a competência textual do falante, e sim investigar as formas do texto, como funcionam e são produzi- dos os textos em uso, bem como as possibilidades de interpretação. b. b. Começaram a existir a partir da consciência de que as gramáticas do texto não davam conta de explicar os fenômenos que envolvem a produção textual. c. c. Dividem-se em três fases: a pragmática, a cognitiva e a da linguís- tica textual brasileira. d. d. Van Dijk foi um dos estudiosos de grande influência nessa fase. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 31a linguística tExtual E a sala dE aula 4 . 4 . Assinale (V) para verdadeiro e (F) para falso. Na sequência, mar- que a opção que apresenta a sequência correta: ( ) ( ) O conhecimento enciclopédico é a bagagem de cada um, tudo o que se encontra em sua memória, fruto da vivência ou dos estudos. ( ) ( ) O conhecimento interacional divide-se em três: o primeiro é o responsável pela identificação da intencionalidade do texto, o se- gundo refere-se a um conhecimento que procura garantir a com- preensão de um texto, e o último possibilita que o produtor do texto evite problemas de comunicação. ( ) ( ) Houve um momento em que a coesão era entendida como respon- sável pela textualidade de um texto, da mesma maneira que, em outro momento, delegavam à coerência essa função. ( ) ( ) Segundo Heinemann e Viehweger, o primeiro conhecimento que o falante deve possuir para produzir um texto é o interacional. ( ) ( ) Somente após as teorias contemplarem as noções de pragmática, as questões acerca da produção e interpretação textual foram esclarecidas. a. a. F, F, V, V, F. b. b. F, V, V, V, V. c. c. V, F, F, V, V. d. d. V, V, V, F, F. 5 . 5 . Leia as afirmações a seguir e assinale a que nãonão corresponde ao que vimos no capítulo: a. a. A linguística textual brasileira é bastante influente no cenário internacional. b. b. A percepção cognitivista teve início após a pragmática. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 32 rita do carmo polli da silva c. c. Koch é uma das mais atuantes linguistas na área da linguística textual no Brasil. d. d. Beaugrande e Dressler apresentaram a coesão, a coerência, a in- formatividade, a situcionalidade, a intertextualidade, a inten- cionalidade e a aceitabilidadecomo elementos responsáveis pela textualidade de um texto. Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagem Questões para reflexãoQuestões para reflexão Escreva dois pequenos textos estabelecendo uma linha de raciocí- nio que exponha: 1 . 1 . a trajetória das fases da linguística textual (Por que passou da fase transfrástica para as gramáticas? O que levou os pesquisadores a deixarem as construções das gramáticas e partirem para as teorias do texto?). 2 . 2 . a passagem da perspectiva pragmática para a cognitiva. (Do que a pragmática não dava conta, do que não se ocupava, o que fez com que o referencial mudasse?). Atividades aplicadas: práticaAtividades aplicadas: prática 1 . 1 . Estabeleça a relação existente entre as sequências que não apresen- tam conectores: a. a. Não fui para a academia durante a semana que passou: estava com gripe. b. b. A festa de aniversário de casamento de meus pais estava muito boa: todos os amigos estavam presentes. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 33a linguística tExtual E a sala dE aula c. c. O médico não compareceu para sua visita rotineira: não sei se terei alta. d. d. Não estive presente: mandei-lhe uma mensagem. e. e. Saí de lá sem saber ao certo o que acontecera: não prestei a devida atenção. 2 . 2 . Volte ao item 2.1 (“Primeiro passo – fase transfrástica”) e releia o trecho usado como exemplo de retomadas anafóricas de grandes partes de textos, analisando os de pronomes demonstrativos e ve- rificando a retomada que os pronomes estabelecem. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. um um um pouco de históriaum pouco de história ## dois coerência textual três três coesão textualcoesão textual quatro quatro demais requisitos para a construção da textualidadedemais requisitos para a construção da textualidade cinco cinco gêneros textuaisgêneros textuais seis seis a sala de aulaa sala de aula Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio – e agora? (drummond de andrade, 2007, p. 106) ¶ ¶ v i m o s n o p r i m E i r o v i m o s n o p r i m E i r o capítulo que a coesão e a coerência che- garam a ser consideradas como um mesmo recurso. Vamos come- çar a entendê-las, cada uma, como um recurso distinto. Partimos do proposto por Beaugrande e Dressler (1981), que apresentam a coe rência como um dos sete fatores responsáveis pela construção dos sentidos, e Koch e Travaglia (1990), que entendem a coerên- cia como o fator que envolve todos os outros seis. Começamos aqui nosso passeio pela coerência textual, elemento extremamente res- ponsável pela construção de sentidos de um texto. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 38 rita do carmo polli da silva Você pode se indagar: o que é ser coerente ou incoerente? Talvez você afirme que já ouviu essas expressões e que sabe diferenciá-las, mas talvez não o consiga por escrito. Apesar de não ser simples definir mediante um conceito o que é coerência, é em busca de entender melhor o que esse termo de- signa que vamos seguir neste capítulo. doispontopontoum Então, como definir coerência?Então, como definir coerência? Observe o seguinte enunciado: (5) Eu estou com muita gripe, portanto vou trabalhar até mais tarde. Alguém poderia perguntar: “Não parece estranho?”, “Como assim?”, “Se a pessoa está doente, não deveria ir para casa mais cedo, em vez de trabalhar até mais tarde? ”. A essa estranheza aparente podemos chamar de incoerência. Partindo daí, chegamos próximo ao que pode ser aceito como definição para coerência. Se o exemplo parece incoerente, por ele chegamos ao seu oposto: à coerência. Percebe-se, então, que ela se relaciona com a possibilidade de estabelecer sentido a um texto. Segundo Koch e Travaglia (1990, p. 21), “para haver coerência é preciso que haja possibilidade de estabelecer no texto alguma forma de unidade ou relação entre seus elementos”. Observe que o sentido é algo a ser buscado. Parte-se do princí- pio de que os envolvidos em uma situação de comunicação cooperam Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 39a linguística tExtual E a sala dE aula no sentido de atribuir sentido ao texto (oral ou escrito). Quem pro- duz o enunciado preocupa-se em se fazer entender, em ser coerente, e quem o recebe, o leitor/ouvinte, esforça-se paraentender o pro- posto: é um princípio de cooperação. Partindo disso, tem-se que é pouco provável que um texto seja absolutamente incoerente. Voltemos ao exemplo (5). Imaginemos em que situação ele seria coerente. Suponhamos que seja final de mês e o Departamento de Contabilidade de uma empresa reúne-se para trabalhar na casa da chefe da seção, que está com gripe, pois só ela pode ajudá-los. O combinado era o de que, depois dos principais fechamentos, todos sairiam para uma festa na piscina de um clube próximo. Falta bem pouco para terminarem o trabalho, mas já está quase na hora da festa. Se ficarem, eles terminam, mas perdem o começo dos fes- tejos. Nesse momento a chefe diz: “Podem ir, eu estou com muita gripe, portanto vou trabalhar até mais tarde (já que não posso ir para a piscina). Assim vocês não perdem o início da festa”. Na já citada cooperação no sentido de buscar a coerência dos textos, o leitor/ouvinte ativa conhecimentos de mundo, ativa frames que lhe ajudam nessa tarefa, ao ouvir ou ler, por exemplo: (6) Maria caiu e se machucou. Deus ajuda a quem cedo madruga. Nesse caso, o leitor/ouvinte tende a unir significativamente os dois enunciados de maneira coerente. Uma das interpretações plausíveis é a de que Maria se levantou tarde, saiu correndo e aca- bou caindo e se machucando, porque Deus ajuda a quem madruga, e ela não madrugou, não se ajudou. A linguagem é uma capacidade maravilhosa e, muitas vezes, imprecisa. Há um texto de Carlos Drummond de Andrade, Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 40 rita do carmo polli da silva encon trado em Silveira (1971), bastante interessante nesse sentido. Veja alguns trechos: (7) — Que pão! — Doce? de mel? de açúcar? de ló? de ló de mico? de trigo? [...] de minuto? ázimo? [...] nosso de cada dia? ganho com o suor do rosto? que o diabo amassou? — Uma uva! — Branca? preta? tinta? moscatel? isabel? maçã? japonesa? ursina? [...] Fonte: Silveira, 1971, p. 53. Busque o texto integral e observe como ele explora bem esse leque de interpretações que temos à nossa disposição a partir de um mesmo ponto. doispontopontodois A continuidade dos sentidosA continuidade dos sentidos Há casos, por exemplo, em que a coerência só é alcançada se en- tendermos o texto separando os atos de fala que o compõem. Para exemplificar, vamos reescrever aqui um enunciado já utilizado no capítulo anterior: (8) A — Minha mãe chega às três horas – disse o marido. B — Tenho dentista! C — Tá! Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 41a linguística tExtual E a sala dE aula Por que julgamos esse diálogo coerente? O que nos faz en- tendê-lo? Para atribuirmos coerência, entendemos os atos de fala de maneira isolada e, além disso, fazemos inferências, ou seja, deduções. Quando A diz “Minha mãe chega às três horas” está fazendo um pe- dido, que é perfeitamente entendido por BB como “Minha mãe chega às três horas; você pode ir buscá-la?”, e BB, quando diz que tem den- tista, na verdade, está respondendo ao pedido e justificando o porquê de não poder atendê-lo. Em CC, a justificativa é aceita. Segundo Beaugrande e Dressler (1981) e Marcuschi (1983), coerência refere-se a uma unidade de sentidos, que tem como base uma continuidade desses mesmos sentidos entre os conhecimentos que foram ativados no texto. Essa continuidade também tem a ver com a coesão: a coerência tem muita relação com a coesão. A continuidade depende dos conhecimentos acessados pelos dois usuários, o interlocutor e o leitor/ouvinte, mas não só deles. Fatores socioculturais e interpessoais também influenciam: a in- tenção por trás do texto* e os lugares sociais que as pessoas ocupam (pais/filhos, patrão/empregado, marido/mulher etc.). Veja que o texto 3, mostrado anteriormente, teria mais difi- culdade de acontecer entre um patrão e um empregado, por exem- plo, pois o segundo não se sentiria tão à vontade em não atender ao pedido a partir daquela justificativa. Agora vejamos outro exemplo: (9) O circo chegou. Foi uma festa na cidade. À noite todos foram ver o espetáculo inaugural. O picadeiro era bem grande e os palhaços * A intencionalidade será vista no próximo capítulo. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 42 rita do carmo polli da silva muito engraçados. Comi algodão-doce e fiquei com medo do mágico, que fazia pessoas sumirem. O trapezista voava e o malabarista fazia malabarismos com dez malabares. Repare que as expressões grifadas ativam conhecimentos li- gados ao circo, ou seja, dão continuidade, tornando o texto coe- rente. Podemos ter continuidade e, por consequência, coerência, nos mais diversos gêneros textuais, como veremos adiante. doispontopontotrês A descontinuidade dos sentidosA descontinuidade dos sentidos Em certos momentos, a descontinuidade gera ruptura de coerência. Pense em uma simples lista, qualquer uma. Ela será incoerente se os elementos que a compõem não fizerem parte do assunto da lista, como, por exemplo, café, açúcar, leite, carne, frutas, pão, José, João etc. A descontinuidade dos elementos torna a lista incoerente como lista de compras. Nomes próprios podem figurar, por exem- plo, em uma lista de convidados, não em uma lista de compras de mercado. Outro exemplo: (10) Maria saiu do carro. O carro é azul. Azul também é a cor do céu em dia de sol. O Sol ilumina a Terra. A Terra é um planeta. Os planetas são objetos de estudos da astronomia. Astronomia não tem nada a ver com astrologia, portanto não podemos confundi-las. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 43a linguística tExtual E a sala dE aula E a Maria? O texto não começava falando dela? A descon- tinuidade aqui também quebrou o sentido. Mas há casos em que a descontinuidade é intencional, como é possível no gênero piadapiada, por exemplo: (11) A mãe de Juquinha, que estava grávida, perguntou a ele o que elepreferia ganhar: um irmãozinho ou uma imazinha. Juca respondeu: — Mamãe, se não for pedir muito, eu prefiro uma bicicleta. FontE: tadeu, 2007. Ou ainda na literatura, Machado de Assis, entre outros, foi um gênio na quebra da continuidade com o uso reiterado de digressões. Em Dom Casmurro, por exemplo, podemos ver muitas, entre elas o início propriamente dito da narrativa de Bentinho, que é iniciada no capítulo III. Ao final do II, temos o narrador falando sobre sua decisão de escrever um livro, cujo tema ainda ele não decidiu. Até que decide escrever a sua própria história: (12) Fiquei tão alegre com esta ideia, que inda agora me treme a pena na mão. [...] Desse modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma cé- lebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, mas aquela nunca se me apagou do espírito. É o que vais entender lendo.[...] Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e es- condi-me atrás da porta. A casa era da Rua de Matacavalos, o mês Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 44 rita do carmo polli da silva de novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de tro- car as datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam historias velhas: o ano era de 1857. Fonte: Machado de Assis, 1998. No meio de suposições, ele acaba por decidir escrever a sua própria história e o faz. Nesse contar a história, muitas vezes ele precisa fazer uma digressão para acrescentar informações, geral- mente sobre os personagens, e retorna à história principal. Algumas dessas vezes ele inclusive sugere ao leitor que pule o trecho se não quiser ler, pois sabe que a não leitura não comprometerá o entendi- mento da narrativa. Veja que a coerência em ambos os casos se estabelece na inte- ração, os usuários acabam por criar um mundo textual que existe à parte do mundo real. Sendo assim, tornam-se coerentes os contos de fada, as fábulas, a ficção científica, entre outros, textos nos quais seres fantásticos e animais falam e interagem com e como seres hu- manos sem que isso seja incoerente. Segundo Charolles (1978, p. 81), um texto deve ser coe- rente dentro de um mundo possível e é considerado bem formado quando seu sentido consegue ser recuperado pelos usuários. A coe- rência determina a possibilidade de estabelecer o sentido do texto, de modo que, muitas vezes, a falta de sentido é coerente com a in- tenção do autor. Millôr Fernandes tem um texto que exemplifica com maestria a falta de coerência (aparente) do autor: Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 45a linguística tExtual E a sala dE aula (13) — Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte. — Junto com as outras? — Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia. [...] — Você trouxe tudo pra cima? — Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a se- nhora recomendou para deixar até a véspera. — Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É me- lhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite. — Está bem, vou ver como. FontE: Fernandes, 1997, p. 14-15. É um texto de humor no qual ele atribui às mulheres a ca- pacidade de se fazerem entender entre si sem que os outros as compreen dam, ou seja, a aparente falta de sentido é justamente o sentido desejado pelo autor. doispontopontoquatro Alguns tipos de incoerênciaAlguns tipos de incoerência Na tentativa de produzir bons textos, não raro, os usuários aca- bam por produzir incoerências sem perceber. Às vezes, no afã de Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 46 rita do carmo polli da silva mostrar um vocabulário rebuscado e um nível cultural e intelectual mais elevado, acabam obtendo resultados inversos. As incoerências, muitas vezes, não impedem a compreensão total do texto, embora um acúmulo delas possa tornar a interpre- tação mais difícil. Van Dijk e Kintsch (1983) falam em vários tipos de incoerência, como a sintática, a semântica, a pragmática e a es- tilística, sendo que esta última não será tratada neste capítulo, e, sim, no quinto capítulo, quando estivermos estudando sobre gê- neros textuais, haja vista tratar-se de uma ocorrência que não gera problemas de interpretação. Incoerência sintáticaIncoerência sintática Van Dijk chama de sintática a falta de coerência estabelecida pelo uso indevido dos conectores, o que resulta, no final, em uma incoe- rência semântica. Observe o exemplo: (14) Maria saiu de casa atrasada, portanto acabou chegando no horário. O uso do conector portanto pressupõe uma conclusão, que não é compatível com a informação posterior. A incoerência foi es- tabelecida pelo uso indevido da conjunção portanto, o que nos leva a duas possibilidades: ou o interlocutor a usou indevidamente e é preciso substituí-la ou falta alguma informação, o que torna o texto incompleto. No primeiro caso, podemos alcançar a coerência subs- tituindo a conjunção: (15) Maria saiu de casa atrasada, mas acabou chegando no horário. Ne nh um a p ar te de sta pu bli ca çã o p od er á s er re pr od uz ida po r q ua lqu er m eio ou fo rm a s em a pr év ia au tor iza çã o d a E dit or a I bp ex . A vi ola çã o d os di re ito s a uto ra is é c rim e e sta be lec ido na Le i n º 9 .61 0/1 99 8 e pu nid o p elo ar t. 1 84 do C ód igo P en al. 47a linguística tExtual E a sala dE aula E, no segundo, acrescentando um possível trecho que estava oculto, teremos a coerência sem alteração da conjunção: (16) Maria saiu de casa atrasada. Quando estava no ponto de ônibus, passou um colega de trabalho e lhe deu carona e, portanto, chegou no horário. Esse tipo de incoerência acaba sendo um problema de coesão, elemento que estudaremos no capítulo seguinte. Incoerência semânticaIncoerência semântica A incoerência semântica refere-se ao significado estabelecido entre as partes ou no todo do texto. É muito frequente, por exemplo, o uso de vocabulário indevido. Segundo Pécora (1986, p. 40), é comum o interlocutor acreditar que um bom desempenho na es- crita
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