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Cives Centro de Informação em Saúde para Viajantes Capítulo Vacinas Terezinha Marta PP Castiñeiras, Fernando SV Martins & Luciana GF Pedro **Versão preliminar adaptada para o Curso de DIP da FM/UFRJ – 2008 As vacinas resultam da observação de que, em algumas doenças como a varíola, o indivíduo era acometido apenas uma vez, não ocorrendo um segundo episódio. É provável que esta observação tenha motivado os chineses a tentar prevenir a varíola - doença grave e potencialmente fatal caracterizada por lesões pustulosas generalizadas - através da exposição de indivíduos saudáveis a materiais provenientes das lesões pustulosas de outro indivíduo acometido da doença. Este processo, denominado "variolação", foi praticado de diversas maneiras, como injeção intradérmica do pus das lesões cutâneas, inalação de pó produzido a partir das crostas e injeção intravenosa, única ou seriada, do "raspado" das lesões. A "variolação" foi introduzida na Inglaterra no início do século XVIII pela mulher do embaixador britânico na Turquia, Mary Wortley Montagu. Embora a "variolação" não fosse isenta de risco e tenha sido responsável por algumas fatalidades, na maioria dos inoculados resultava apenas em doença branda e, ainda que de forma primitiva, contribuiu para a redução da morbidade e mortalidade nas populações nas quais a técnica foi aplicada. O termo vacina (do latim vacca, em português vaca) originou-se das experiências de Edward Jenner na Inglaterra no final do século XVIII. Jenner, que sobreviveu a varíola na infância possivelmente pelos benefícios da variolação que foi anteriormente submetido, tornou-se médico rural. Observador meticuloso, Jenner notou a ocorrência relativamente freqüente de uma doença no gado (a varíola bovina) com lesões pustulosas parecidas com a varíola humana, porém de curso benigno e que muitos indivíduos que cuidavam do gado, em especial os ordenhadores, não contraíam varíola humana mesmo quando sucessivamente expostos à doença. Registrou, além disto, a história contada por uma ordenhadora que acreditava estar protegida da varíola humana por ter antes contraído a varíola bovina. Com base nestas observações, Jenner realizou uma série de experimentos em 1796. Inicialmente fez a inoculação do material proveniente de lesões pustulosas de varíola bovina em um menino, que desenvolveu uma doença branda. Após aguardar a completa recuperação do paciente, inoculou pus proveniente de lesão pustulosa da varíola humana - o que hoje seria considerado antiético - por via intradérmica e, conforme havia previsto, o menino não desenvolveu varíola. Jenner denominou este processo, capaz de induzir proteção contra a varíola humana, como vacinação. À semelhança de outras grandes descobertas, a aceitação pela comunidade científica não foi imediata. O estudo foi recusado para a publicação na Philosophical Transactions of the Royal Society. A despeito disto, Jenner reuniu outros 23 casos semelhantes nos meses que se seguiram e em observações detalhadas publicou seu próprio livro. Nos anos que se seguiram muitas pessoas foram protegidas da varíola pelo processo de vacinação desenvolvido por Jenner. Na segunda metade do século XIX, época em que foram desenvolvidas técnicas de isolamento de microorganismos, elucidados ciclos microbianos e determinada a etiologia de várias doenças, ocorreu o segundo grande passo na história das vacinas. Coube a Pasteur em 1884, na busca de um possível tratamento profilático para a raiva, mesmo antes da identificação 63 precisa da etiologia da doença, o desenvolvimento da primeira vacina com vírus atenuado, resultante do processo de redução progressiva da patogenicidade (capacidade de causar doença) através de cultivos sucessivos. Nas primeiras décadas do século XX, foram descobertas várias técnicas de inativação de microorganismos e de toxinas, possibilitando o desenvolvimento e a disponibilização de outras vacinas. Após a Segunda Guerra Mundial, seguiu-se uma verdadeira revolução tecnológica [Tabela 1], que resultou em aumento significativo do número de vacinas disponíveis. Tabela 1 Desenvolvimento de vacinas 1796-1950 1950-1970 Varíola 1796 Raiva 1885 Difteria 1923 Coqueluche 1926 Tétano 1927 Tuberculose(BCG) 1927 Febre amarela 1935 Poliomielite inativada 1955 Poliomielite atenuada 1963 Sarampo 1965 Rubéola 1967 Até 1970, a despeito do reconhecimento progressivo da importância das vacinas no controle das doenças infecciosas, a prática da imunização estava basicamente restrita aos países industrializados e, mesmo nestes, ocorria de forma não sistemática, em geral ligada a programas de controle de doenças específicas em determinados grupos populacionais. À medida que seus benefícios se comprovaram inequivocamente, particularmente com a intervenção global que resultou na erradicação da varíola (último caso na Somália, em 1977), a vacinação foi tornando-se o protótipo de intervenção em saúde pública. O período que se seguiu foi marcado pela expansão dos programas de vacinação em massa e pela implantação dos primeiros programas de imunização rotineira, que tinham como alvo primário a população infantil. Em 1974, a Organização mundial de Saúde criou o Programa Expandido de Imunizações (EPI, do inglês Expanded Programme on Immunization), que tinha como alvo seis doenças (tuberculose, difteria, tétano neonatal, coqueluche, poliomielite e o sarampo). É possível afirmar que de todas as intervenções na área da saúde, apenas o tratamento da água de consumo, produziu impacto semelhante à vacinação na prevenção de casos de doenças com relação custo-benefício sistematicamente favorável. A vacinação tornou possível a erradicação da varíola e está possibilitando a eliminação progressiva de outras doenças como a poliomielite e o sarampo. Além disto, contribui significativamente para o controle de muitas outras como o tétano, a difteria, a coqueluche, a rubéola, a caxumba, a febre amarela, a raiva etc. Mais recentemente com o advento das vacinas recombinantes (1986) e das polissacarídicas conjugadas (1990) as perspectivas de efetiva redução de agravos estenderam- se à hepatite B e as doenças invasivas causadas por bactérias encapsuladas como o Haemophilus influenzae, o Streptococcus pneumoniae e a Neisseria meningitidis. No início do século XXI, a despeito da enorme difusão e do êxito incontestável, nem toda a população mundial tem acesso aos programas de imunização. Os índices de cobertura vacinal são extremamente díspares entre países com condições sócio-econômicas e determinação política diferentes. A situação é crítica em países de economia débil, onde são escassos - e freqüentemente mal empregados - os recursos disponíveis para combater os problemas de saúde. Em áreas marcadas pela miséria, como na maioria dos países da África subsaariana e na Índia, doenças para as quais há vários anos já existem vacinas eficazes, como a poliomielite e o sarampo, continuam contribuindo para elevadas taxas de morbidade e mortalidade infantis. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 64 A persistência de áreas focais com baixas coberturas vacinais possibilita a persistência da transmissão de doenças infecciosas, o que acaba representando uma ameaça de saúde para toda a população mundial. Isto é particularmente preocupante à medida que se observa que cada vez é maior o movimento de pessoas pelas mais variadas regiões do globo. A dimensão potencial do problema pode ser inferida pela constatação óbviade que os microorganismos não respeitam fronteiras geográficas e pode haver disseminação e reintrodução em locais de onde já haviam sido aparentemente eliminados, desde que existam susceptíveis. Esta vulnerabilidade associada a globalização é a justificativa para o investimento internacional em estratégias de imunização nas regiões mais carentes e para a manutenção dos programas de imunização nas regiões mais favorecidas, mesmo quando as doenças-alvo pareçam controladas. Em todos os países, inclusive no Brasil, a década de 70 foi marcada pela expansão dos programas de vacinação em massa, tendo como alvo primário a população infantil. A despeito do sucesso (ou por isto mesmo) dos programas de vacinação da população infantil, a população de adolescentes e adultos era, até recentemente, virtualmente ignorada. Em razão disto, não é surpreendente que, em termos culturais, no Brasil, a vacinação ainda seja considerada como uma “coisa para crianças”. Como conseqüência, uma grande parte dos adolescentes tem o calendário vacinal desatualizado e a população adulta nunca foi vacinada ou tem esquemas incompletos. Além disto, desde a década de 70, foram desenvolvidas novas vacinas (contra a varicela, a hepatite A, a hepatite B, Hib, etc) e tornaram-se disponíveis. No Brasil, algumas destas novas vacinas (contra a hepatite B e contra Haemophilus influenzae tipo b) foram incorporadas ao Calendário Básico e outras, consideradas especiais, estão disponíveis gratuitamente apenas nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE). Paradoxalmente, a melhoria das condições sanitárias pode levar a um aumento da população de adolescentes e adultos susceptíveis no caso das infecções transmitidas por água e alimentos para as quais a cobertura vacinal não é adequada, como a hepatite A. Nos últimos anos, o reconhecimento da necessidade de dar continuidade à imunização ao longo da vida do indivíduo tem motivado a expansão dos programas de imunização para a população de adolescentes e adultos em todo o mundo. Fundamentos da Vacinação Todos os seres vivos são dotados de mecanismos de defesa para protegê-los de possíveis agressores. Alguns destes recursos são muito simples e conferem algum grau de proteção independente da natureza do estímulo, daí serem denominados mecanismos inespecíficos de defesa. A evolução biológica levou ao progressivo refinamento da resposta de defesa dos organismos superiores, com o desenvolvimento de um sistema diferenciado, o sistema imune (ou imunológico), capaz de conferir proteção específica e duradoura contra possíveis agressores. Este sistema consiste basicamente em um conjunto de células (macrófagos e linfócitos) capazes de reconhecer elementos estranhos ao organismo, denominados antígenos, e especificamente contra estes desenvolver defesa, ou seja, uma resposta imune (ou imunológica). Esta resposta pode ser do tipo humoral que envolve a produção de proteínas conhecidas como anticorpos ou imunoglobulinas (IgM, IgG, IgA, IgD e IgE) ou do tipo celular que envolve a produção de outras células específicas (também linfócitos) cujo propósito é facilitar a eliminação do antígeno. O exemplo mais típico e natural de resposta imune ativa (resposta imunológica primária) ocorre quando um agente infeccioso invade o organismo humano. O sistema imune reconhece este agente - que geralmente contém vários antígenos - como estranho ou invasor e responde @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 65 com produção de anticorpos e de células de memória capazes de sob estímulo futuro voltar a produzir anticorpos específicos (resposta imunológica secundária) contra o invasor. Este mesmo modelo de resposta imunológica pode ser reproduzido com a utilização de vacinas, que em geral se constituem de microorganismos inativados (“mortos’’) ou atenuados (“enfraquecidos”) ou fragmentos destes, que são capazes de simular a exposição natural a um agente infeccioso e induzir resposta protetora, sem, entretanto, os riscos da doença e suas complicações. Isto porque, a vacina desempenha o papel do agente infeccioso invasor no primeiro contato e induz a resposta imunológica primária. Numa eventual exposição futura ao agente infeccioso, a produção de anticorpos se fará rapidamente (2-7 dias), processo que corresponde à resposta imunológica secundária, de forma que o invasor será combatido antes de causar danos. As vacinas promovem imunização ativa ao estimular diretamente a resposta do sistema imune e, com isto, promovem resposta duradoura. Entretanto, também é possível conferir proteção ao indivíduo através da transferência de anticorpos "prontos", produzidos em animais (soros heterólogos) ou seres humanos (soros homólogos ou imunoglobulinas humanas). Este processo de transferência de anticorpo é denominado imunização passiva. Tipos de vacinas As vacinas podem ser produzidas através da atenuação de microrganismos (vacinas “atenuadas”), a partir de vírus ou bactérias que sofreram laboratorialmente redução progressiva da patogenicidade [Tabela 2]. Os microorganismos atenuados que constituem estas vacinas mantêm a capacidade de se multiplicar no organismo humano e quando inoculados replicam-se, simulando a infecção natural. Em pessoas saudáveis essa multiplicação é controlada pelo próprio sistema imunológico, levando a produção de anticorpos sem desenvolvimento de doença, ou algumas vezes, com a ocorrência de "doença branda", com sintomas discretos. A resposta a estas vacinas é muito próxima da resultante do estímulo natural e tende a ser eficaz e duradoura. Tabela 2 Tipos de vacinas: microorganismos atenuados Pólio oral Sarampo Rubéola Caxumba Catapora Febre amarela BCG Febre tifóide (oral) Gripe (spray nasal) VOHR Em pessoas imunodeficientes (HIV, leucemia) a multiplicação do microorganismo enfraquecido pode ser descontrolada, aumentando o risco de desenvolvimento de doença pela vacina. Por esta razão, como regra geral, essas vacinas não devem ser utilizadas em imunodeficientes, exceto em situações especiais em que o risco da doença seja consideravelmente superior ao imposto pela vacina. Ainda, devem ser evitadas nas gestantes, pela possibilidade de infecção fetal pelo agente vacinal. As vacinas também podem ser produzidas através da inativação de vírus e bactérias em laboratório (vacinas “inativadas”), pelo calor ou por produtos químicos [Tabela 3]. Estas vacinas podem ser constituídas por microorganismos inteiros ou por frações destes e, diferentemente das vacinas produzidas com microrganismos atenuados, não têm capacidade @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 66 de replicação, o que confere vantagens de segurança para uso em imunodeficientes e gestantes. As vacinas produzidas através da inativação de microorganismos são mais estáveis e não estão sujeitas a mutações. Em geral, entretanto, tornam necessária mais de uma dose para promover resposta imune adequada e ainda reforços periódicos para manter o nível de anticorpos protetores satisfatório. As vacinas constituídas por toxinas modificadas (que passam a ser denominadas toxóides), como a antitetânica e a antidiftérica são também incluídas entre as vacinas “inativadas”. Tabela 3 Tipos de vacinas: microorganismos inativados Pólio injetável Coqueluche Toxóide tetânico Toxóide diftérico Raiva Gripe (injetável) Hepatite B Hepatite A Haemophilus b Pneumocócicas Meningocócicas Febre tifóide (injetável) HPV quadrivalente Entre as vacinas inativadas, a depender da natureza do antígeno, observam-se diferenças significativasna qualidade da resposta final produzida. Aquelas que são constituídas pelo microorganismo inteiro ou por suas frações proteicas são capazes de induzir proteção mais eficiente e duradoura que aquelas constituídas por frações polissacarídicas, diferença que é mais significativa quando as vacinas são utilizadas em menores de dois anos de idade. A descoberta do processo de conjugação de polissacarídeos com partículas proteicas no final da década de 80, tornou possível o desenvolvimento de vacinas com maior imunogenicidade. As vacinas assim elaboradas são denominadas vacinas conjugadas. O êxito obtido com a utilização da vacina conjugada contra Haemophilus influenzae serviu de estímulo para a pesquisa e desenvolvimento recente de outras vacinas polissacarídicas conjugadas, algumas já disponíveis para uso (pneumocócica 7, meningocócica C, meningocócica A/C/Y/W135) O avanço das técnicas de engenharia genética tem possibilitado o desenvolvimento de antígenos vacinais geneticamente modificados, conhecidos como vacinas recombinantes. Assim por exemplo, extraindo-se do gene do vírus da hepatite B, o segmento responsável pela codificação do antígeno de superfície (HBsAg) e inserindo-se este fragmento no código genético de uma célula fúngica cultivada em laboratório é possível induzir a produção de partículas de HBsAg pela célula fúngica hospedeira, que após purificação serão utilizadas como vacinas contra a hepatite B. Em todas as formulações de vacinas, além do antígeno, estão presentes (em pequena quantidade) outros elementos incluindo agentes inativantes, preservantes, estabilizantes e adjuvantes. Os agentes inativantes (formaldeído) são substâncias químicas utilizadas para inativar os microorganismos ou suas frações. Os preservantes (timerosal, fenol) são substâncias adicionadas às vacinas para impedir o crescimento bacteriano quando existe o risco de contaminação (por exemplo, nos frascos multidoses). Podem ser usados durante o processo de elaboração da vacina ou adicionados no contêiner final. Os estabilizantes (albumina, lactose, sorbitol) são produtos acrescidos visando preservar a eficácia da vacina @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 67 durante o transporte e a estocagem, particularmente conferindo resistência térmica. Os adjuvantes (hidróxido de alumínio, fosfato) são utilizados para potencializar a resposta protetora final. Imunização passiva As vacinas promovem imunização ativa ao estimular diretamente a resposta do sistema imune e, com isto, promovem resposta duradoura. Entretanto, também é possível conferir proteção ao indivíduo através da transferência de anticorpos "prontos", produzidos por outra fonte, animal ou humana, um processo que é denominado de imunização passiva. A imunização passiva ocorre de forma natural na transferência de anticorpos maternos para o concepto através da placenta. Pode também ser reproduzida "artificialmente", através da administração de soros ou imunoglobulinas [Tabela 4] obtidos de outras fontes, que podem ser humanas (soros homólogos ou imunoglobulinas humanas) ou de outros animais (soros heterólogos). Habitualmente utiliza-se o termo “soro” em referência aos produtos heterólogos e o termo “imunoglobulina” para os produtos homólogos. A imunização passiva é geralmente mais útil em situações de urgência, quando não é possível aguardar a produção de anticorpos pelo organismo, como por exemplo, nos acidentes de alto risco para tétano e raiva e na abordagem das vitimais de animais peçonhentos. Tabela 4 Soros e imunoglobulinas Soro antitetânico Soro anti-rábico Soro antidiftérico Soro antiaracnídico Soro antiescorpiônico Soro antibotrópico Soro anticrotálico Soro antielapídico Imunoglobulina antitetânica Imunoglobulina anti-rábica Imunoglobulina anti-hepatiteB Imunoglobulina antivaricela Embora possam ter utilidade em situações específicas, os anticorpos assim transferidos promovem apenas proteção temporária (semanas), visto que não são capazes de estimular as células do sistema imune (papel do antígeno) e, portanto não asseguram memória imunológica. Ademais, não resultam em qualquer impacto na eliminação de portadores ou da doença e têm custo de produção, usualmente, bem mais elevado que as vacinas [Tabela 5]. Tabela 5: Comparação entre vacinas e imunoglobulinas Vacinas Imunoglobulinas Duração da proteção longa transitória Proteção após aplicação Após dias ou semanas imediata Eliminação de portadores possível impossível Erradicação de doenças possível impossível Custo variável, geralmente baixo Geralmente alto @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 68 Princípios gerais de uso A administração de imunobiológicos deve ser feita com todos os cuidados técnicos que possam garantir segurança e eficácia. O ato de administrar vacina em um indivíduo deve ser primariamente embasado no benefício direto para saúde do indivíduo vacinado, o que habitualmente contribui, direta ou indiretamente, para a desejável proteção da comunidade. Administração de vacinas O ato de receber uma vacina deve ser consciente. É importante que o indivíduo (ou o responsável no caso de crianças) seja informado dos benefícios esperados e também da possibilidade, mesmo que pequena, da ocorrência de eventos adversos. A administração de vacina deve ser documentada. Isto implica no registro de cada dose, bem como o fabricante e o lote, na ficha da unidade de saúde e também no cartão de vacinação que ficará com o indivíduo vacinado. O comprovante de vacinação deverá ser guardado junto com os documentos de identificação pessoal, pois é fundamental que esteja disponível nos atendimentos médicos, o que é crítico nos acidentes. O calendário vacinal deve ser iniciado precocemente e atualizado ao longo de toda a vida. Mesmo que o intervalo entre as doses tenha excedido o tempo programado, não é necessário reiniciar os esquemas, basta complementá-los, aplicando as doses restantes. A maioria das vacinas atualmente em uso é injetável (intramuscular, subcutânea ou intradérmica). Os locais para a aplicação intramuscular devem estar distante dos grandes nervos e dos vasos sanguíneos, sendo os mais utilizados o músculo vastolateral da coxa (menores de 15 meses) e o músculo deltóide (crianças maiores, adolescentes e adultos). O glúteo não é habitualmente utilizado para aplicação de vacinas (pelo maior risco de reações locais e menor eficácia de algumas vacinas), apenas eventualmente para aplicação de volumes maiores de soros e imunoglobulinas. Para aplicação de vacinas por via intradérmica e subcutânea comumente utiliza-se a área superposta ao músculo deltóide. A utilização de álcool na pele antes da aplicação de vacinas é desnecessária. O álcool pode exercer efeito irritativo quando inoculado com a agulha para os tecidos sob a pele, aumentando o risco de reação local e, além disto, existe o risco potencial de que o álcool possa inativar vacinas de microorganismos atenuados, comprometendo a eficácia. É desejável que a vacinação seja planejada e realizada seguindo-se os esquemas estabelecidos como padrão, de forma a assegurar que a proteção máxima presumida seja alcançada. Por vezes, entretanto, modificações no esquema original podem ser necessárias em função de intercorrências médicas que requeiram adiamento de doses ou eventualmente de esquecimento. No caso de interrupção (atraso de doses), não é necessário recomeçar o esquema iniciado, apenas completá-lo, respeitando-se o intervalo mínimo recomendado para a vacina específica. Em geral, a administração simultânea de mais de uma vacina nãointerfere com a resposta imunológica a cada componente isolado. Praticamente a única exceção é a administração simultânea das vacinas contra cólera e febre amarela, para a qual recomenda-se um intervalo mínimo de três semanas. Deve ser considerado, no entanto que, se a administração simultânea facilita a aderência ao esquema e reduz o número de atendimentos, eventualmente também pode dificultar o esclarecimento no caso de reações adversas. Portanto, a opção pela administração simultânea ou isolada não deve ser feita sem reflexão. Quando administradas isoladamente, o intervalo recomendado para a aplicação de vacinas diferentes depende da natureza das mesmas. O planejamento é mais simples para as “inativadas”, pois não causam interferência significativa na resposta e nem sofrem interferência decorrente da aplicação de outras vacinas. No caso de aplicação isolada, em @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 69 períodos distintos, de vacinas “atenuadas” (como a do sarampo e a da febre amarela), recomenda-se um intervalo de 4 semanas entre a aplicação das diferentes vacinas, uma vez que poderá ocorrer interferência na resposta à segunda vacina se o intervalo for muito curto. A regra não se aplica para a vacina oral para a poliomielite (Sabin), que pode ser aplicada a qualquer intervalo, antes ou depois de outras vacinas “atenuadas”. A administração de imunoglobulinas - e também de derivados sanguíneos contendo anticorpos - pode interferir na resposta às vacinas atenuadas, recomendando-se que sejam respeitados os intervalos padronizados de acordo com o potencial de interferência, o que é particularmente importante no caso da vacina contra o sarampo. Em crianças, este tipo de interferência também ocorre naturalmente nos primeiros meses de vida, devido à presença de anticorpos maternos que foram transferidos através da placenta. Por esta razão, não se recomenda iniciar a vacinação para o sarampo, a rubéola e a caxumba antes da criança completar 12 meses de idade. Eventos adversos A utilização de vacinas não é desprovida de riscos. A questão fundamental é se o benefício resultante justifica os riscos. De uma forma geral, a resposta é simples, visto que a vacinação é a medida responsável pelo maior número de vidas salvas na história da medicina. Além disto, na imensa maioria das vezes, a aplicação de uma vacina não resulta em eventos adversos e estes, quando ocorrem, em geral são desprovidos de gravidade e apenas muito raramente acontecem reações mais graves. A segurança é um aspecto primordialmente considerado antes da liberação de uma vacina para uso. O nível admitido de eventos adversos é bem menor do que o tolerado para utilização terapêutica de medicamentos, uma vez que as vacinas são recomendadas para grandes populações constituídas de indivíduos saudáveis com o objetivo de evitar riscos potenciais. As reações indesejáveis, quando ocorrem, podem estar associadas ao componente antigênico ou às substâncias presentes nas formulações de vacinas. Estas substâncias podem ser resíduos da fonte de produção (células fúngicas, proteínas do ovo) ou elementos utilizados para aumentar a eficácia (alumínio), para estabilizá-las (gelatina) ou para preservá-las (timerosal, fenol, neomicina). A maioria das reações resulta de algum grau de resposta inflamatória aos componentes da vacina. Por vezes, refletem os efeitos da multiplicação dos microorganismos vivos contidos nas vacinas atenuadas, que podem simular as doenças de forma branda. Mais raramente, decorrem de reação de hipersensibilidade (alergia) ao antígeno ou aos outros componentes da vacina. Os eventos adversos mais comuns são aqueles decorrentes de reação inflamatória no local da aplicação das vacinas injetáveis e incluem dor, eritema (vermelhidão), edema (inchação) e induração. São mais comuns com as inativadas do que com as atenuadas, pois nas primeiras é maior a concentração de antígenos. Em geral, aparecem de 1 a 3 dias após a aplicação. As reações sistêmicas são menos freqüentes que as locais e podem incluir febre, cansaço, manchas pelo corpo, dores articulares (artralgias), dores musculares (mialgias) e dor de cabeça (cefaléia). Podem surgir algumas horas ou dias após a vacinação. No caso das vacinas atenuadas, as reações sistêmicas simulam a doença natural e tendem a aparecer no período de tempo correspondente ao de incubação da respectiva doença. As reações de natureza alérgica (anafilaxia) como urticária, rinite, broncoespasmo e choque anafilático são raras. A maioria destas reações ocorre de minutos a poucas horas após a administração das vacinas (de 5 minutos a 2 horas), tendendo as mais graves a ocorrer mais precocemente (de 5 a 15 minutos). Podem estar associadas a qualquer componente da vacina, o que torna fundamental a triagem pré-vacinal de antecedentes de reações alérgicas aos @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 70 componentes da vacina que se deseja administrar, a fim de excluir indivíduos que não possam recebê-la. A ocorrência de anafilaxia grave (obstrução respiratória e choque anafilático) é raríssima, porém implica em risco de vida para o indivíduo. Como é quase sempre imprevisível, torna-se fundamental que as condições de assistência ao evento estejam disponíveis durante a aplicação de qualquer vacina, o que inclui disponibilidade de medicamentos, equipamentos, pessoal treinado e supervisão médica. Quando a reação alérgica ocorre num indivíduo sem qualquer risco aparente, se o componente desencadeante for identificado (como o timerosal), este não deverá jamais ser administrado novamente. Se a causa específica não for identificada nenhum dos componentes da vacina deverá ser administrado novamente (o que é um problema significativo quando ocorre administração simultânea de vacinas), exceto em circunstâncias particulares, prescrito por médico especializado e sob supervisão médica em ambiente hospitalar. Os desmaios (síncope vaso-vagal) imediatamente após a vacinação (de alguns segundos a menos de 5 minutos) freqüentemente decorrem de ansiedade ou pânico e não devem ser confundidos com choque anafilático. Habitualmente revertem rápido e sem intervenção terapêutica, bastando colocar a pessoa em decúbito dorsal. Contra-indicações Contra-indicação é uma condição presente no receptor que torna bastante provável a ocorrência de uma reação grave se a vacina for administrada. A administração da vacina injetável da gripe que é produzida em ovos embrionados está contra-indicada em um indivíduo com antecedente de reação alérgica grave ao ovo, uma vez que pode resultar em reação anafilática. As vacinas de agentes atenuados não devem ser utilizadas em pessoas com imunodeficiências graves (leucemias, linfomas, infecção pelo HIV), pelo risco de desenvolvimento de doença pelo agente vacinal. Da mesma forma, não se utiliza a vacina da febre amarela em menores de 9 meses (maior risco de reação neurológica em crianças de baixa idade), a não ser quando o risco de adquirir a doença for muito elevado (surto), pois neste caso o benefício justificaria o risco, reduzindo-se o limite etário para 6 meses. As contra-indicações podem ser permanentes, como no caso de antecedente de reação alérgica grave a um dos componentes da vacina ou a própria vacina ou temporárias como gravidez, imunossupressão por drogas, doença aguda grave e a administração recente de hemoderivados (imunoglobulinas, soros, transfusão de plasma, de hemácias e sangue total). Nestes casos, as vacinas constituídas por agentes infecciosos atenuados estão contra-indicadas até que a condição se resolva. Preservaçãodas vacinas e imunoglobulinas As vacinas e imunoglobulinas são materiais biológicos (ou seja, imunobiológicos), sujeitos à perda gradual de potência por deteriorização e desnaturação. Esta perda de potência pode ser acelerada pela inadequação no transporte, estocagem e manuseio, tendo como resultado final a falha em imunizar. Vacinação básica Até o início da década de 70, a vacinação no Brasil, à semelhança de quase todos os países no mundo, se processava de forma descontínua, episódica e com reduzida cobertura. As ações eram conduzidas dentro de programas específicos de controle de doenças, como os programas da febre amarela, da varíola e da tuberculose. As iniciativas, em geral, cabiam aos governos estaduais, sem um planejamento unificado ou sincronia. A vacinação infantil sistemática é indiscutivelmente recurso seguro e eficaz na prevenção de muitas doenças infecciosas. A @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 71 implementação de programas de imunização bem estruturados têm resultado em redução expressiva da ocorrência de casos e óbitos por doenças (como o sarampo, a poliomielite e a difteria) que antes vitimavam uma parcela significativa da população infantil [Tabela 6]. De uma forma geral, as vacinas mais recentemente desenvolvidas tendem a ter custo inicial muito elevado, o que dificulta a inclusão imediata na vacinação rotineira da rede pública. Isto explica, por exemplo, o fato de vacinas comprovadamente eficazes (varicela) ou mais seguras (tríplice acelular) ainda não estarem disponíveis gratuitamente para todos no Brasil, embora já façam parte do Calendário Infantil de vários países [Tabela 7]. Cabe ressaltar, entretanto, que a maioria destes novos imunobiológicos podem ser encontrados na rede privada do país. O calendário vacinal deve ser iniciado precocemente na infância. É fundamental, entretanto, que seja dado continuidade ao processo de imunização ao longo da vida do indivíduo. Desta forma, também é relevante que sejam bem estruturados os programas de vacinação de adolescentes e adultos. Ainda não existe no Brasil uma cultura de vacinação sistemática em adultos. Embora possa ser percebida uma tendência de estender os programas de imunização além da população infantil, as ações são ainda esparsas e restringem-se a alvos definidos [Tabela 8]. Espera-se que o estabelecimento dos três Calendários (Criança, Adolescente e Adulto) pelo Ministério da Saúde (Portaria 597/GM de abril de 2004) possa efetivamente contribuir para mudanças (consultar anexos para Calendários atuais - tabelas 26,27 e 28). De fato, é indiscutível que para se obter resultados efetivos e duradouros no controle das doenças imunopreveníveis, o processo de imunizar deve ter continuidade ao longo da vida do indivíduo. Isto justifica o investimento na expansão dos programas de imunização para a população de adultos. Tabela 6 Evolução do Calendário básico de vacinas no Brasil (infância): 1975 - 2008 Idade/Ano 1975* 1990 2008 Ao nascer BCG BCG Hepatite B + BCG 1 mês Hepatite B 2 meses DPT + Sabin DPT + Sabin DPT - Hib + Sabin +VORH 4 meses DPT + Sabin DPT + Sabin DPT - Hib + Sabin + VORH 6 meses DPT + Sabin DPT + Sabin DPT - Hib + Sabin + Hepatite B Febre amarela** 7 meses Sarampo - - 9 meses - Sarampo Febre amarela*** 12 meses - - MMR 15 meses - MMR - 18 meses DPT + Sabin DPT + Sabin DPT(1º R) + Sabin 4 a 6 anos - DPT + Sabin DPT(2º R) + Sabin + MMR(2ª dose) 10 a 11 anos - - dT DPT = difteria/coqueluche/tétano (“tríplice bacteriana”). DPT-Hib (quadrivalente- tríplice bacteriana com Haemophilus. DT = difteria/tétano (“dupla infantil”) e dT= difteria/tétano (“dupla adulto”). Sabin= OPV=poliomielite oral ou poliomielite atenuada MMR= sarampo/caxumba/rubéola (“tríplice viral”) VORH (vacina oral contra rotavírus humano * a vacina contra varíola era aplicada anualmente, inclusive em adultos **para residentes ou viajantes que se dirigem para áreas endêmicas de febre amarela. ***para residentes ou viajantes que se dirigem para áreas de transição. Em 1997, a preocupação com a continuidade do processo de imunização motivou a criação do primeiro serviço no país destinado exclusivamente ao adulto, o Centro de Vacinação de Adultos (CVA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O CVA desenvolveu e mantém uma homepage (http://www.cva.ufrj.br) para divulgação de informações relativas à profilaxia de doenças imunopreveníveis. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 72 Tabela 7 Recomendações para vacinação de rotina, de 0 a 7 anos, 2008 Vacinas MS, Brasil CDC, EUA LCDC, Canadá BCG Sim Não Não Hepatite B Sim Sim Sim DTP Sim Não Não DTP acelular Não *2 Sim Sim Hib Sim Sim Sim OPV Sim Não Não IPV Não*2 Sim Sim Rotavírus Sim Sim Não MMR Sim Sim Sim Gripe Não*2 Sim Sim Pneumocócica 7 C Não*2 Sim Sim Meningocócica C conjugada Não*2 Não Sim Varicela Não*2 Sim Sim Hepatite A Nâo*2 Sim*3 Não Febre amarela Sim*1 Não Não *1. Indicada apenas para as crianças que residem ou se deslocam para área de risco de transmissão de febre amarela *2.,Disponíveis na rede privada do Brasil. Comumente indicadas por infectologistas e pediatras. *3. Recomendada de rotina apenas em Estados onde há elevada prevalência da doença ou em portadores de doença hepática crônica Tabela 8 Imunobiológicos disponíveis para adultos nos CMS - 2008 Vacinas População alvo Difteria e tétano (dT) (“dupla adulto”) Pessoas de qualquer idade. Para iniciar ou complementar esquemas. Reforços de 10 em 10 anos. Sarampo/Caxumba/Rubéola (SRC, MMR ou “tríplice viral”) Mulheres até 49 anos (exceto durante a gestação). Homens até 39 anos. Dose única Febre amarela 1 Pessoas de qualquer idade (>9 meses) que residam ou se dirijam para áreas de risco para a febre amarela. A primeira dose deve ser feita pelo menos 10 dias antes da viagem. Reforços de 10 em 10 anos. Hepatite B 2: Menores de 20 anos. Pessoas de qualquer idade com uma das condições:: o profissional da área da saúde o profissional da área de estética o profissional da área de limpeza o profissional da área de segurança o contactante sexual de portador do vírus da hepatite B o renal crônico em hemodiálise. Influenza (“gripe”) Pessoas com > 60 anos. Dose anual (preferencialmente abril-maio) Antipneumocócica (“pneumococo”) Pessoas com > 60 anos que convivem em instituições fechadas (casas geriátricas, hospitais, asilos, casas de repouso). Dose única (um único reforço pode ser feito cinco anos após a dose inicial). Raiva 3 Pessoas de qualquer idade nos casos de acidente de risco para raiva (mordeduras por cães, gatos, morcegos, animais silvestres etc.). Profissionais com risco ocupacional para raiva (veterinários, zootécnicos, biólogos, geólogos, etc) Fonte: Portaria 1602, de 17 de julho de 2006. Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, p. 66-7, 18 jul. 2006. 1. Todas as Regiões do Brasil possuem áreas (zonas rurais, regiões de cerrado, florestas) onde há risco de transmissão da febre amarela. Nas Regiões Norte e Centro-Oeste o risco existe em todos os municípios (inclusive nas capitais dos Estados e em Brasília - DF). Nas Regiões Nordeste, Sudeste e Sul, existe em numerosos municípios (em Minas, todos incluindo Belo Horizonte). 2. Os indivíduos com idade superior a 20 anos que se enquadram nas condições associadas a maior risco de infecção pelo vírus da hepatite B, devem levar comprovante profissional/ocupacional ou encaminhamento médico para os Centros Municipais de Saúde. 3. Disponível nos Centros Municipais de Saúde que constituem pólos primários de atendimento aos acidentes de risco para raiva. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 73 Situações especiais de uso de vacinas Gestantes O uso devacinas durante a gravidez deve ser restrito a situações especiais com benefício evidente. A vacinação contra o tétano e a difteria com a dT é segura durante a gestação. Em relação às outras vacinas com agentes inativados, embora aparentemente não ofereçam riscos, não há experiência suficiente de uso em gestantes para garantir segurança de forma definitiva. Portanto, o uso destas vacinas deve-se restringir as situações de indiscutível benefício, e sempre que possível a partir da 12ª semana. As vacinas com agentes atenuados não devem ser usadas, pois existe o risco de infecção fetal pelo próprio vírus vacinal. Em caso de utilização inadvertida de vacinas “atenuadas” em gestantes, deve-se fazer a notificação do caso e o acompanhamento do concepto e do recém nascido para a detecção de possível efeito adverso. Em geral, recomenda-se um intervalo mínimo de 1 mês (ideal 3 meses) entre a administração de vacinas “atenuadas” e a gravidez. Imunodeficientes A vacinação em imunodeficientes [Tabela 9] deve levar em consideração a segurança, a eficácia e o melhor momento para ser realizada. Sempre que possível, deve-se adiar a administração de vacinas em pacientes com imunodeficiências transitórias. Em pacientes com imunodeficiências progressivas, como a infecção pelo HIV, deve-se vacinar o mais precocemente possível ou aguardar até que um grau satisfatório de reconstituição imune seja obtido com o uso de terapia anti-retroviral. Como regra geral, as vacinas com agentes atenuados não devem ser utilizadas em imunodeficientes, exceto em situações especiais em que o risco da doença é consideravelmente superior ao imposto pela imunização. As vacinas “inativadas” podem ser utilizadas, embora a resposta vacinal, dependendo do grau de imunodeficiência, possa estar diminuída. Tabela 9 Causas de Imunodeficiências Doenças Drogas Infecção pelo HIV Quimioterapia Imunodeficiência congênita Radioterapia Leucemias e Linfomas Corticoterapia ( sistêmica) Neoplasias malígnas em geral Algumas pessoas, pela condição da doença de base, podem ter uma resposta vacinal inadequada ou a depuração mais rápida dos anticorpos protetores, mesmo quando recebem esquemas vacinais adequados. Portanto, em situações de exposição a doenças imunopreveníveis, pode ser necessária a utilização de imunização passiva (imunoglobulinas), independente da história vacinal (decisão técnica que compete ao especialista). Os contactantes intradomiciliares também devem ter uma abordagem diferenciada em relação a sua programação vacinal. Para a proteção do imunodeficiente, os seus contactantes devem ser orientados a fazer a vacina contra gripe anualmente. É fundamental que estejam cientes de que deve ser evitada a administração da vacina anti-polio atenuada oral (Sabin), pelo risco potencial de transmissão do vírus vacinal para o imunodeficiente. Entretanto, cabe esclarecer que em relação às vacinas “atenuadas” injetáveis (sarampo, caxumba, rubéola, varicela e @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 74 febre amarela) a possibilidade de transmissão do vírus vacinal é tão remota, que justifica a recomendação de imunizar os contactantes susceptíveis para reduzir o risco da doença natural no domicílio do imunodeficiente, o que representaria um risco significativamente maior. Infecção pelo HIV As crianças infectadas pelo HIV devem receber as vacinas “inativadas” o mais precocemente possível [Tabela 10] , respeitando a idade mínima recomendada para cada vacina específica. Os adultos com diagnóstico recente devem ser avaliados quanto ao grau de imunodeficiência, devendo ser programada a vacinação [Tabela 11] para o momento onde há maior possibilidade de resposta imunológica. Tabela 10 Recomendações para vacinação de rotina nas crianças infectadas pelo HIV Vacinas Brasil CDC Infecção assintomática Imunodeficiência avançada (CD4 <15%) Infecção assintomática Imunodeficiência avançada (CD4 <15%) BCG Sim Não Não Não Hepatite B Sim Sim Sim Sim DTP Sim Sim Sim Sim OPV Sim Não Não Não IPV - Sim Sim Sim MMR Sim Não Sim Não Hib Sim Sim Sim Sim Pneumocócica Sim Sim Sim Sim Gripe Sim Sim Sim Sim Varicela Sim(1) Não Sim(1) Não Hepatite A Sim(2) Sim(2) Sim(3) Sim(3) Febre amarela Sim(4) Não - - (1) Indicada apenas para crianças com CD4 >25% (2) Disponível gratuitamente nos CRIE para portadores de doenças hepáticas crônicas susceptíveis. (3) Recomendada de rotina em Estados onde há elevada prevalência da doença ou em portadores de doença hepática crônica (4) Indicada apenas para as crianças com CD4 >25% que residem ou se deslocam para área de risco de transmissão de febre amarela A utilização de vacinas “atenuadas” pode ser considerada em indivíduos HIV reativos assintomáticos, sem critérios laboratoriais de imunodeficiência avançada, em situações onde o benefício para o indivíduo é inquestionável. Quando há uma alternativa, deve-se optar - sempre - pela utilização da vacina que é mais segura para o indivíduo, como no caso da vacina ”inativada” injetável para a poliomielite (“Salk modificada” ) ao invés da vacina atenuada (“Sabin”). A utilização de vacinas em pessoas infectadas pelo HIV pode aumentar transitoriamente a carga viral e, embora isto não influencie na progressão da doença, pode induzir o médico a uma interpretação equivocada do resultado do exame. Em razão disto, é recomendado um intervalo de quatro semanas entre a vacinação e a coleta de amostra sanguínea para determinação da carga viral. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 75 Tabela 11 Recomendações para vacinação de adolescentes e adultos infectados pelo HIV Vacinas Recomendações BCG Contra-indicada Hepatite B Indicada DT Indicada OPV Contra-indicada IPV Recomendada para indivíduos susceptíveis ou que se dirigem para área endêmica de poliomielite. MMR Recomendada para indivíduos susceptíveis com CD4 >200 Hib Considerar. Disponível nos CRIE para pacientes até 18 anos. Pneumocócica Indicada Gripe Indicada (anual) Varicela Recomendada apenas para indivíduos susceptíveis com CD4 > 350 (20%) Hepatite A Recomendada para todos os indivíduos susceptíveis. Disponível gratuitamente nos CRIE para portadores de doenças hepáticas crônicas susceptíveis. Febre amarela Indicada para indivíduos com CD4 > 350 (20%) que residem ou se deslocam para área de risco de transmissão de febre amarela. Indivíduos com CD4 entre 200 – 350, considerar vacinação dependendo do grau de risco da região onde mora. Esplenectomizados As disfunções esplênicas podem ter origem congênita, cirúrgica ou funcional [Tabela 12]. A ausência do órgão (asplenia) ou seu funcionamento inadequado (hipoesplenismo funcional), tornam os indivíduos extremamente vulneráveis às infecções por germes encapsulados, particularmente Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Neisseria meningitidis. Desta forma, é desejável que estes indivíduos sejam rotineiramente vacinados contra estes agentes e, intuitivamente, que sejam também protegidos contra a gripe, recebendo anualmente a vacina contra influenza, reduzindo ainda mais o risco de infecções por germes encapsulados, que por vezes complicam o quadro gripal. Em certas circunstâncias, como no caso de residência ou viagem para área de risco de febre tifóide, deve ser também considerada a vacinação contra febre tifóide, doença potencialmente grave causada por bactéria (Salmonella typhi) também encapsulada. A disfunção esplênica per se não constitui contra-indicação ao uso de qualquer vacina. Por vezes, contudo, a condição de base que resultou na disfunção do baço (como a esplenectomia funcional associada ao linfoma de Hodgkin) podeimplicar em restrições ao uso de vacinas com agentes atenuados. Tabela 12 Condições associadas a asplenia ou hipoesplenismo Esplenectomia cirúrgica Anemia falciforme Talassemia major Doença celíaca Doença inflamatória intestinal Linfoma de Hodgkin Mieloma múltiplo A vacinação em esplenectomizados deve ser realizada no momento mais adequado possível, particularmente relevante no caso de esplenectomias eletivas. A melhor resposta é obtida @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 76 quando a vacinação é realizada com antecedência de, no mínimo, duas semanas da cirurgia programada. Nas intervenções de urgência, a vacinação deve ser realizada tão logo o paciente tenha se recuperado da cirurgia. A resposta vacinal em esplenectomizados parece, com os dados disponíveis, ser melhor com as vacinas conjugadas do que com as polissacarídicas isoladas, embora ainda não existam conclusões definitivas. Até o presente momento, entretanto, a disponibilidade de vacinas conjugadas é restrita a poucos sorotipos ou sorogrupos de algumas bactérias encapsuladas. Esta limitação torna desejável a utilização seqüencial destas vacinas, aplicando-se, sempre que possível, a vacina conjugada antes da polissacarídica e respeitando-se um intervalo de, no mínimo, duas semanas entre cada uma. Ainda que, com o tempo, se observe uma tendência à queda dos títulos de anticorpos induzidos pelas vacinas polissacarídicas, a utilização eventual e a periodicidade necessária de reforços também não foram estabelecidas de forma inequívoca. Admite-se, no caso da vacina pneumocócica 23, a repetição de uma segunda dose cinco anos após a aplicação da primeira. Em relação às vacinas polissacarídicas meningocócicas, a utilização eventual de reforços a cada 2-3 anos dependerá da situação epidemiológica da doença na ocasião. Doenças crônicas debilitantes As doenças crônicas debilitantes [Tabela 13] não necessariamente implicam em imunossupressão. Contudo, representam risco potencialmente maior para complicações caso uma infecção ocorra, parecendo justificável, a indicação rotineira da vacina contra o tétano e a difteria, da vacina anti-influenza (anual) e da antipneumocócica (no mínimo uma dose) para os indivíduos portadores destas condições. Como regra geral, estas doenças crônicas isoladamente não constituem contra-indicações ao uso de vacinas de qualquer natureza. Desta forma, os portadores destas condições que sejam susceptíveis, desde que não estejam fazendo uso de drogas imunossupressoras, poderão receber inclusive as vacinas com agentes atenuados. Tabela 13 Doenças crônicas debilitantes Diabetes mellitus Insuficiência renal crônica Insuficiência hepática Insuficiência cardíaca Pneumopatias crônicas Na programação vacinal destes indivíduos certas particularidades da condição de base ou da terapêutica devem ser valorizadas na indicação das vacinas e adequação dos esquemas. Nos hepatopatas e susceptíveis é fundamental vacinar contra as hepatites A e B, no intuito de evitar a ocorrência de hepatite fulminante. Nos nefropatas submetidos à diálise, em decorrência do maior risco de exposição ao vírus da hepatite B associado ao processo dialítico, a vacinação contra hepatite B é mandatória e deve ser feita com esquema especial (maior volume e número de doses) para promover uma resposta vacinal adequada. Viajantes O Centro de Informação em Saúde para Viajantes da UFRJ (Cives) foi implantado em março de 1997. É o primeiro Serviço Público especializado em Medicina de Viagem do Brasil. O Cives realiza atendimentos individuais, cerca de 60% dos quais relacionados às viagens de trabalho, com horário previamente agendado e faz consultorias para empresas (como a @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 77 Petrobrás) e para tropas brasileiras enviadas em missões no exterior (Timor Leste, Congo/Uganda, Sudão e Haiti). Além disto, desenvolveu e mantém uma homepage (http://www.cives.ufrj.br) para divulgação de informações relativas à profilaxia de doenças em viajantes, que recebeu mais de meio milhão de acessos nos últimos dois anos e meio. As vacinas têm papel importante, mas não exclusivo, na prevenção de doenças infecciosas em viajantes. Além da atualização do calendário vacinal, é necessário avaliar a necessidade de imunizações complementares, considerando os riscos a que o viajante vai ser submetido. Para indicação de uma vacina, além dos riscos da viagem, deve-se levar em consideração a história clínica e vacinal do viajante [Tabela 14]. Em nenhuma hipótese as vacinas devem ser indicadas apenas devido aos riscos existentes em um lugar. As vacinas são indicadas para as pessoas, não para os lugares. As vacinas podem conferir imunidade de longa duração (como a do sarampo ou a da febre amarela) ou por apenas alguns anos (como a da febre tifóide e a antimeningocócica). Para algumas doenças (como a malária) não existem vacinas. Na consulta pré-viagem é importante ainda considerar o tempo disponível para efetuar a imunização e a possibilidade de continuidade de esquemas vacinais que requerem doses múltiplas durante e após a viagem. As vacinas necessárias devem ser aplicadas com antecedência para que produzam efeito protetor adequado (para algumas é preciso mais de uma dose). Tabela 14 Informações essenciais para programação de vacinas em viajantes Informações clínicas Informações da viagem ✔ Doenças anteriores ✔ Doenças atuais ✔ Tratamentos em curso ✔ Gestação ✔ Alergias alimentares ✔ Alergias medicamentosas ✔ Vacinas já recebidas ✔ Eventos adversos às vacinas ✔ Roteiro ✔ Tempo de permanência ✔ Tipo de transporte ✔ Estilo de viagem ✔ Condições de alojamento ✔ Condições de higiene ✔ Disponibilidade de assistência médica As vacinas exigidas, em geral, visam a proteção da população de um país e não necessariamente a do viajante. As vacinas recomendadas visam a proteção do viajante. Nem sempre as vacinas recomendadas e as exigidas são as mesmas. As exigências em relação às vacinas podem variar de um país para outro e também ao longo do tempo. Antes de viajar, estas exigências devem ser sempre verificadas nas embaixadas ou consulados. As vacinas necessárias devem ser aplicadas com antecedência para que produzam efeito protetor adequado (para algumas é preciso mais de uma dose). O Regulamento Sanitário Internacional prevê que a vacina contra a febre amarela pode ser exigida como condição para a concessão de vistos de entrada. O Certificado Internacional de Vacinação contra febre amarela pode ser exigido para países onde a febre amarela é endêmica (África, América Central e do Sul) e também para aqueles onde, embora não ocorra a doença, exista risco de introdução ou reintrodução (Subcontinente Indiano, Sudeste Asiático, alguns países da Europa, etc). O Certificado Internacional é emitido apenas pelo Ministério da Saúde, através dos postos de portos, aeroportos e fronteiras. Para o Certificado ser válido, a vacina contra a febre amarela deve ser aplicada pelo menos dez dias antes da viagem. A Arábia Saudita exige a vacinação contra a meningite meningocócica para os peregrinos que se dirigem a Meca . @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 78 Profissionais de Saúde Promover proteção contra as doenças imunopreveníveis é parte integrante dos cuidados fundamentais com os profissionais que atuam na área da saúde. A utilização adequada e racional de vacinas nestes profissionais, não somente resulta em benefício individual e serve de incentivo para a vacinação em adultos, como também é relevante para proteger indiretamentea população de pacientes atendidos nas unidades de saúde [Tabela 15]. Tabela 15 Recomendações e esquemas para vacinação de profissionais da área da saúde Vacinas Recomendações Esquema usual dT* Indicada. Checar vacinação básica. Iniciar ou completar. Indicar reforço a cada dez anos. 3 doses IM 0/1/6 ou 0/2/4 meses Reforço – dose única IM Hepatite B Indicada. Checar vacinação básica. Iniciar ou completar. Avaliar resposta sorológica (Anti-HBs quantitativo) 1-2 meses após última dose. 3 doses IM 0/1/6 meses MMR Recomendada para os susceptíveis (sem antecedentes clínicos ou comprovação sorológica de imunidade) No mínimo 1 dose SC. Desejável 2 doses com intervalo mínimo de 4 semanas. Varicela Recomendada para os susceptíveis (sem antecedentes clínicos ou comprovação sorológica de imunidade). 2 doses SC com intervalo de 4-8 semanas Gripe inativada Recomendada para os profissionais em contato com pacientes de maior risco para complicações da gripe._ 1 dose anual preferencialmente IM . Pode ser feita SC Hepatite A Recomendada para todos os indivíduos susceptíveis (sem antecedentes clínico-epidemiológico e/ou comprovação sorológica de imunidade).Contudo, sem maior risco ocupacional comprovado. 2 doses IM com intervalo de 6-12 meses IPV Não indicada rotineiramente para adultos no Brasil. Recomendada para vacinação de adultos susceptíveis que se dirigem para área endêmica de poliomielite e também para a dose de reforço daqueles em contato com imunodeficientes. 3 doses SC 0/1/6 ou 0/2/4 meses. Reforço – dose única SC Febre amarela Indicada para indivíduos que residem ou se deslocam para área de risco de transmissão de febre amarela. Indicar reforço a cada dez anos. Esquema - Dose única SC. Reforço – dose única SC BCG Não indicada. Benefício não comprovado em adultos. ---------- *Uma dose da vacina dPaT quando disponível poderá ser utilizada como reforço, o que parece particularmente útil para os profissionais em contato freqüente com crianças menores de 1 ano. A estratégia de imunização mais adequada a ser implementada em uma determinada instituição deverá levar em consideração o perfil de riscos a que os profissionais são expostos e as características da população atendida. É recomendável que o estado imunológico de cada profissional seja estabelecido antes do início de suas atividades profissionais, através da análise da história vacinal e de doenças prévias. Todos os profissionais susceptíveis devem ser adequadamente vacinados [Tabela 15], no intuito de minimizar os riscos de se infectarem com agentes infecciosos no caso de exposições ocupacionais inadvertidas, como é o caso do vírus @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 79 da hepatite B (acidentes pérfuro-cortantes) e dos vírus da varicela e do sarampo (surtos hospitalares associados à transmissão respiratória). A hepatite B é a doença ocupacional de maior impacto para os profissionais da área da saúde. O risco de infecção está diretamente relacionado à prevalência de pacientes cronicamente infectados pelo vírus B na população de atendidos e a freqüência de exposições do profissional ao sangue e aos outros fluidos biológicos potencialmente contaminados (líquidos serosos, sêmen, secreção vaginal). A vacinação é medida fundamental para prevenção primária da transmissão da doença. O esquema padrão de vacinação contra hepatite B, que confere imunidade em mais de 90% dos vacinados, é de três doses da vacina recombinante (20µg no adulto) por via intramuscular , com intervalo de um mês entre a primeira e a segunda e de cinco meses entre a segunda e a terceira. No caso de interrupção (atraso de doses), não é necessário recomeçar, apenas completar o esquema iniciado, respeitando-se intervalo mínimo de dois meses entre a segunda e a terceira dose e de seis meses entre a primeira e a terceira. É recomendável, considerando-se o risco ocupacional continuado, que ao término do esquema, seja avaliada sorologicamente a resposta à vacinação, através da pesquisa quantitativa de anticorpos séricos contra o antígeno de superfície (anti-HBs). O momento ideal para testagem é de um a dois meses após a última dose e o nível sérico mínimo de anticorpos considerado satisfatório é de 10 mIU/ml. Caso não alcançado, deve ser considerada a continuidade do estímulo vacinal, com uma dose complementar, duas doses (intervalo de 30 a 60 dias) ou revacinação completa, completando um máximo de seis doses. O nível de anticorpos antiHBs alcançado após esquema completo tende a se reduzir com o tempo. Admite-se, entretanto, que nos indivíduos que apresentaram resposta satisfatória ao esquema padrão, o contato eventual com o vírus selvagem da hepatite B, servirá como reforço natural à vacinação prévia, estimulando a rápida produção de anticorpos e impedindo a replicação do agente natural. Contudo, quando a testagem sorológica não é realizada em momento oportuno (até no máximo seis meses após a terceira doses) torna-se difícil a interpretação correta da resposta vacinal, pois caso revele nível inferior a 10 mIU/ml não é possível discriminar a causa (resposta inadequada à vacina X queda natural do nível de anticorpos com o tempo). Nestas circunstâncias, a alternativa mais simples é aplicar uma dose de reforço da vacina, seguida da testagem sorológica um mês após. Vacinação após exposição ao risco de infecções A exposição de um indivíduo susceptível a um agente infeccioso resulta em possibilidade de aquisição de infecção e de adoecimento. Por vezes, a vacinação feita em tempo hábil após a exposição poderá ser útil, impedindo a infecção ou atenuando as manifestações da doença [Tabela 16]. Em termos gerais, a probabilidade de eficácia da vacina tende a ser maior quanto mais precoce após a exposição ela for utilizada, quanto maior for o período de incubação da doença e se o indivíduo exposto for imunocompetente. Naturalmente, na abordagem destas situações em imunodeficientes as vacinas produzidas com agentes atenuados estão contra- indicadas, o que habitualmente implica na utilização de imunoglobulinas. No caso de acidentes ocupacionais, pérfuro-cortantes ou com exposição de mucosas, envolvendo material biológico de fonte reconhecida ou potencialmente infectada pelo vírus B, dependendo do estado imunitário prévio do profissional acidentado [Tabela 17], podem ser necessárias doses adicionais de vacina ou utilização concomitante de imunoglobulina para hepatite B. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 80 Tabela 16 Informações essenciais para programação de vacinas após exposição Risco infeccioso Contactantes imunocompetentes susceptíveis Contactantes imunodeficientes susceptíveis (inclui gestantes, prematuros e neonatos no caso do sarampo e da varicela) Sarampo Vacinar até 72 horas Utilizar imunoglobulina padrão humana (IG) até 96 horas Varicela Vacinar até 72 horas Utilizar Imunoglobulina específica (VZIG) até 96 horas Hepatite A Tendência a utilizar apenas vacina (1ª dose imediatamente). Utilizar imunoglobulina padrão humana (IG) precocemente Tétano Nos ferimentos de maior risco, além da limpeza do ferimento, utilizar Imunoglobulina específica (TIG)* o mais precoce possível e iniciar ou completar vacinação para o tétano. Nos ferimentos de risco, além da limpeza do ferimento, utilizar Imunoglobulina específica (TIG)* o mais precoce possível e iniciar ou completar vacinação para o tétano. Raiva Decisão de uso de vacina (de cultivo celular) e/ou imunoglobulina (HRIG)* dependerá da natureza do ferimento e do animal agressor. Sempre que houver qualquer risco presumido, utilizarimunoglobulina (HRIG)* e vacina de cultivo celular. *Sempre que disponíveis as imunoglobulinas homólogas (TIG, HRIB) são preferíveis aos seus correspondentes (SAT e SAR) soros heterólogos, particularmente pelo menor risco de reações de hipersensibilidade às proteínas heterólogas. Tabela 17 Profilaxia para hepatite B: acidentes ocupacionais e vítimas de abuso sexual. ➔ Fonte HBsAg-Positiva (comprovada ou presumida como de alto risco) ● Pessoas não vacinadas ou que sabidamente responderam inadequadamente à vacinação completa anterior devem receber imunoglobulina (HBIG) e vacina tão logo possível após exposição (preferencialmente nas primeiras 24 horas). ● Pessoas com esquema vacinal em curso, porém incompleto, devem também receber imunoglobulina (HBIG) e vacina para completar esquema. ● Pessoas vacinadas e que responderam adequadamente à vacinação completa (comprovação sorológica), nenhuma medida adicional é necessária. ● No caso de criancas e adolescentes com comprovação de vacinação completa e sem controle sorológico pós-vacinação, indica-se uma dose de reforço da vacina. ➔ Fonte “desconhecida” ● Pessoas não vacinadas ou que sabidamente responderam inadequadamente à vacinação completa anterior devem receber vacina tão logo possível após exposição (preferencialmente nas primeiras 24 horas). A série vacinal deve ser completada utilizando a dose e o esquema adequado à idade. ● Pessoas com esquema vacinal em curso, porém incompleto, devem receber vacina para completar esquema. ● Pessoas vacinadas e que responderam adequadamente à vacinação completa (comprovação sorológica), nenhuma medida adicional é necessária. ● No caso de crianças e adolescentes com comprovação de vacinação completa e sem controle sorológico pós-vacinação, nenhuma medida adicional é necessária. 1 Fonte HBsAg-Negativa ● Embora nenhuma medida específica esteja indicada em relação ao acidente em questão, deve-se orientar as pessoas não vacinadas ou com esquemas incompletos, a iniciar ou completar a vacinação. *Quando indicada, a administração de imunoglobulina deve ser feita o mais precocemente possível, se possível nas primeiras 24 horas. Admite-se, contudo, que a administração tardia ainda possa trazer benefícios desde que não ultrapasse 7 dias nos acidentes percutâneos e 14 dias na exposição sexual. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 81 Programa de Imunizações Especiais no Brasil A partir de 1993 iniciou-se no Brasil a implantação dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) com a finalidade de atender pessoas com necessidades específicas, que por particularidades da condição de base ou por reações adversas aos imunobiológicos usuais, necessitem receber imunobiológicos diferenciados [Tabela 18] dos disponíveis na rotina. Tabela 18 Imunobiológicos disponíveis nos CRIE - 2005 Vacinas Imunoglobulinas DPaT = tríplice acelular DPaT-Hib_IPV Haemophilus conjugada Hepatite B Hepatite A Influenza Meningocócica C conjugada Pneumocócica 23 Pneumocócica 7 conjugada Poliomielite inativada Raiva de cultivo celular Varicela Imunoglobulina antitetânica Imunoglobulina anti-rábica Imunoglobulina anti-hepatiteB Imunoglobulina antivaricela Atualmente, existe pelo menos um CRIE em cada Estado da União e no Distrito Federal. Para receber os imunobiológicos disponíveis nos CRIE, o paciente encaminhado pelo médico assistente deverá preencher os critérios definidos pelo PNI (vide resumo em anexo e consultar portalweb02.saude.gov.br para maiores detalhes). No Estado do Rio de Janeiro, o CRIE oficial funciona no Hospital Municipal Jesus localizado em Vila Isabel, no Município do Rio de Janeiro. Vacinas específicas Vacinas contra o tétano, a difteria e a coqueluche A vacinação contra o tétano, a difteria e a coqueluche faz parte do calendário da infância em praticamente todos os países do mundo. A despeito do uso universal da vacinação há mais de 30 anos, diferenças significativas nos índices de cobertura vacinal são observadas entre os países, contrastando-se coberturas superiores a 90% em países com programas de imunização bem estruturados, com menos de 30% em outros com precário sistema de saúde. Na imunização primária da infância, estas vacinas são associadas (vacina DPT ou DPTa, também conhecida como tríplice bacteriana) e administradas por via intramuscular. Recomendam-se três doses no primeiro ano de vida e pelo menos um reforço de seis a doze meses após a última dose. Mais recentemente, com o advento crescente de vacinas polivalentes combinadas, possibilitando a simplificação do número de aplicações injetáveis, observa-se uma tendência de substituição do uso da clássica tríplice bacteriana pela quadrivalente que contém em acréscimo o componente anti-Haemophilus (atualmente em uso na rede pública do Brasil), ou pela pentavalente que contém ainda a pólio inativada e ou pela hexavalente que contém também a hepatite B. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 82 A DPT não está indicada para adultos, em razão da maior incidência de efeitos adversos do componente coqueluche nesta faixa de idade. Nos adultos nunca vacinados, recomenda-se que sejam feitas três doses de dupla adulto (dT), que contém os componentes diftérico e tetânico, com intervalo de um mês entre as duas primeiras doses e de cinco a doze meses entre a segunda e a última e, a partir desta, um reforço a cada dez anos. Alternativamente, a vacinação poderá ser feita com intervalo de dois meses (mínimo de um mês) entre as doses. Naqueles com esquema incompleto, não é necessário recomeçar, apenas completar o esquema com as doses que faltam. Cabe ressaltar que visando melhorar a tolerabilidade, a formulação de adulto contém uma fração menor (1/10) do componente diftérico contido na preparação infantil. Para assegurar a manutenção de níveis de anticorpos satisfatórios para o tétano e a difteria, a vacinação básica feita em qualquer momento da vida deverá ser seguida por reforço com a vacina dupla adulto (dT) a cada dez anos. Deve-se, entretanto, evitar a aplicação desnecessária de doses nos indivíduos já adequadamente vacinados mesmo nos casos de acidentes de risco [tabela 19], pois a repetição freqüente poderá resultar em reações de hipersensibilidade indesejáveis. Tabela 19: BRASIL. MS. Secretaria de Vigilância em Saúde Esquema para tratamento profilático do tétano - Conduta em ferimentos suspeitos História de vacinação prévia contra tétano A Risco mínimo de tétano Ferimentos superficiais, limpos, sem corpos estranhos ou tecidos desvitalizados Risco elevado de tétano Ferimentos profundos ou superficiais sujos, com corpos estranhos ou tecidos desvitalizados; queimaduras; feridas puntiformes ou por armas brancas e de fogo; mordeduras; politrauma- tismos e fraturas expostas. V VACINA(dT) IGHAT ou SAT CUIDADOS COM A FERIIMENTOA VACINA(dT) IGHAT ou SAT CUIDADOS COM A FERIMENTO Incerta ou menos de 3 doses S Sim* Não 3 doses ou mais, sendo a última dose há menos de 5 anos Não Não 3 ou mais doses, sendo a última dose há mais de 5 anos e menos de 10 anos Não Não 3 ou mais doses, sendo a última dose há 10 ou mais anos Sim Não Limpeza e desinfecção, lavar com soro fi siológico e substâncias oxidantes ou antissépticas e debridar o foco de infecção --- Sim*** sim Não Não Sim (1 reforço) Não Sim (1 reforço) Não**** Desinfecção, lavar com soro fi siológico e substâncias oxidantes ou antissépticas e remover corpos estranhos e te- cidos desvitalizados. Debridar o ferimento e lavar com água oxige- nada ***Vacinar e aprazar as próximas doses, para complementar o esquema básico. Esta vacinaçãovisa proteger contra o risco de tétano por outros fe- rimentos futuros. Se o profissional que presta o atendimento suspeita que os cuidados posteriores com o ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com SAT ou IGHAT. Quando indicado o uso de vacina e SAT ou IGHAT, concomitantemente, de- vem ser aplicados em locais diferentes. ****Para paciente imunodeficiente, desnutrido grave ou idoso, além do reforço com a vacina está também indicada IGHAT ou SAT. Mais recentemente, uma formulação de dT associada ao componente acelular (pa) da coqueluche (dpaT) foi desenvolvida para uso em adolescentes e adultos e preliminarmente liberada para uso como dose isolada de reforço. Particularmente útil para abordagem de contactantes em caso de surtos e para assegurar imunidade em profissionais de saúde e contactantes domiciliares de crianças menores de um ano com esquema vacinal incompleto para coqueluche (antes do primeiro reforço). Embora não liberada para uso em gestantes, poderá ser utilizada no pós-parto imediato. Eventos adversos Os eventos adversos associados à vacina dT são habitualmente discretos. As reações mais comuns (dor, vermelhidão e induração) são relacionadas ao local de aplicação da vacina. Eventualmente, pode ocorrer febre nas primeiras 72 horas após vacinação. Reações alérgicas graves (anafilaxia) são raras. O componente da coqueluche, presente na DPT, pode @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 83 desencadear sonolência e choro prolongado e mais raramente, convulsões e síndrome hipotônica (perda do tônus muscular, sudorese fria e diminuição da resposta aos estímulos). Contra-indicações e precauções A ocorrência de reação alérgica grave a qualquer uma das vacinas ou a seus componentes contra-indica a aplicação de doses subseqüentes. A instalação de encefalopatia nos primeiros sete dias após vacinação contra-indica a utilização do componente coqueluche. É prudente adiar a vacinação em indivíduos com doença aguda grave ou crônica descompensada. Vacinas contra a poliomielite A vacinação básica para a poliomielite faz ainda parte do calendário da infância em praticamente todos os países do mundo. Apesar da progressiva eliminação da poliomielite de extensas áreas geográficas com a vacinação sistemática de rotina e com as campanhas anuais, ainda persistem focos endêmicos com transmissão ativa do poliovírus, notadamente na África e na Índia. A persistência destes focos, num momento de grande facilidade de movimento de pessoas, acaba por representar risco de reintrodução da doença em locais de onde a mesma já foi eliminada, o que justifica a manutenção da vacinação. Em geral recomendam-se três doses no primeiro ano de vida e pelo menos um reforço de seis a doze meses após a última dose. Duas vacinas são utilizadas contra a poliomielite, a OPV (Sabin) que é uma vacina oral (vírus atenuado) e a IPV (Salk modificada), que é injetável (vírus inativado). Ambas produzem imunidade contra os três sorotipos do poliovírus e têm eficácia comparável. Independentemente da vacina utilizada no esquema básico (oral ou injetável), não se indica habitualmente reforços periódicos após os 5 anos de idade. A utilização da vacina em adultos restringe-se a situações particulares como é o caso de viajantes que se dirigem a áreas com risco de transmissão, como o Continente Africano e sudeste Asiático. Para os que foram previamente imunizados, indica-se uma dose de reforço que poderá ser feita com qualquer uma das formulações da vacina. Para os adultos que nunca foram vacinados, indica-se o esquema completo, recomendando-se que, preferencialmente, pelo menos as duas primeiras doses sejam feitas com a vacina com o vírus inativado (IPV ou Salk modificada). Os indivíduos saudáveis que recebem a Sabin podem, muito raramente, desenvolver poliomielite induzida por mutação ("reversão") dos próprios vírus atenuados componentes da vacina, principalmente quando recebem a primeira dose. Os indivíduos com imunodeficiência, além do risco maior de poliomielite vacinal, podem eliminar o vírus pelas fezes por períodos prolongados (meses, anos), o que facilita a ocorrência de mutação ("reversão") e constitui um risco para pessoas não vacinadas. Em uma situação de baixa cobertura vacinal na população, o vírus vacinal mutante pode levar a uma epidemia de poliomielite, como já ocorreu no Egito (1983-1993) e mais recentemente na República Dominicana e no Haiti. Eventos adversos Os eventos adversos associados à vacina da poliomielite inativada, quando ocorrem, são habitualmente discretos. As reações mais comuns (dor, vermelhidão e induração) são relacionadas ao local de aplicação da vacina. Reações alérgicas graves (anafilaxia) são raríssimas. Não há relato de fatalidades. O evento adverso mais temido da vacina oral atenuada é a poliomielite vacinal. O risco de poliomielite vacinal é significativamente maior em pessoas com imunodeficiência, causada por doença ou medicamento, e também é algo maior para os adultos em geral quando comparado às crianças. @ Cives – Centro de Informação em Saúde para Viajantes 84 Contra-indicações e precauções A vacina oral contra a poliomielite está contra-indicada em pessoas com imunodeficiência e também em contactantes desses indivíduos, que devem ser vacinados com a vacina inativada injetável. Tanto a vacina oral quanto a injetável estão contra-indicadas em indivíduos que tenham apresentado reação alérgica grave à dose prévia da respectiva vacina ou a seus componentes. É prudente adiar a vacinação em indivíduos com doença aguda grave ou crônica descompensada. Vacinas contra o sarampo, a caxumba e a rubéola A profilaxia contra o sarampo (measles) é habitualmente feita em associação com a caxumba (mumps) e a rubéola (rubella), utilizando-se a vacina MMR ou tríplice viral. Trata-se de uma vacina produzida com vírus atenuados. A administração simultânea destes componentes é tão eficaz (>95%) quanto o uso de cada vacina isolada. A MMR deve ser administrada por via sub-cutânea preferencialmente após o primeiro ano de vida, recomendando-se mais recentemente a aplicação de uma segunda dose, geralmente feita entre 4 e 6 nos. Os adultos susceptíveis a essas doenças também devem receber a vacina. São considerados susceptíveis os indivíduos que não foram vacinados adequadamente e que não tiveram a doença. Eventos adversos Os eventos adversos com a MMR são geralmente desprovidos de gravidade, como febre (5-15%) e manchas avermelhadas (rash) na pele (5%), que surgem entre o 5o e o 12o dia após a vacinação. Pode ainda ocorrer dor nas articulações e discreto aumento da parótida (em razão do componente da caxumba). Os para-efeitos mais graves, como encefalite associada ao componente do sarampo (<1:1000000 de doses) e púrpura associada ao componente da rubéola, são raríssimos e consideravelmente menos freqüentes que os mesmos agravos decorrentes da infecção natural. Não há relatos de reações anafiláticas fatais. Contra-indicações e precauções A MMR está contra-indicada durante a gravidez e em imunodeficientes. Contudo, admite-se o uso da vacina em indivíduos infectados pelo HIV em áreas de elevada prevalência de sarampo. A MMR está contra-indicada em indivíduos que tenham apresentado reação alérgica grave a dose prévia da vacina ou a qualquer de seus componentes. No caso de antecedentes de reações alérgicas leves à vacina ou a qualquer um dos seus componentes (incluindo ovo, neomicina e gelatina), caberá ao médico responsável a decisão de vacinar. Deve-se, em razão de possível interferência na indução de
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