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Rosa Hercoles - Composição da Ação

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anais do 2º.anais do 2º.anais do 2º.anais do 2º. encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança encontro nacional de pesquisadores em dança (2011) (2011) (2011) (2011) Dança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicasDança: contrações epistêmicas 
 
 
www.portalanda.org.br/index.php/anais 
 
 
A Composição da Ação pelo Corpo que Dança 
The Action Composition by the Dancing Body 
 
Rosa Hercoles1 
 
Resumo 
Pensar a dramaturgia como uma instância constitutiva dos processos de criação em dança, é o 
propósito deste estudo. Isto requer um olhar para o corpo que dança que observe as relações 
de sentido que ali se configuram, ou seja, trata-se do modo como o corpo dá existência 
2formal para as questões que pretende discutir. Isto, quando pensado dentro dos domínios da 
construção do conhecimento e da produção de linguagens singulares, requer a investigação e 
o desenvolvimento de soluções possíveis, ou seja, quando se adota a premissa de que a função 
do corpo não é apenas a de ilustrar as questões que a dança comunica, torna-se imperiosa a 
promoção de uma revisão constante de procedimentos criativos habituais. As relações espaço-
tempo que a ação propõe, dadas pelas alterações nos estados da matéria que ocorrem enquanto 
uma dança se apresenta, são fundantes das configurações onde forma e sentido tem sua 
coexistência garantida. Neste campo de proposições se insere os assuntos que dizem respeito 
às especificidades da dramaturgia da dança, que necessariamente envolve a inseparabilidade 
entre corpo e linguagem. 
 
Palavras-chave: Dramaturgia da Dança, Corpo, Cognição e Criação. 
 
 
Abstract 
Think the dramaturgy as a constitutive instance of the creation processes in dance, is the 
purpose of this study. This requires a look at the dancing body that attempts the meaning 
relationships that it configured, in other words, this refer to the way that the body gives formal 
existence to the questions that intend to discuss. This, when considered within the domain of 
knowledge construction and singulars language production, requires the research and the 
development of some possible solutions, or else, when the premise that de body function isn’t 
to illustrate the issues that the dance communicate is adopted, it becomes imperative to 
promote a constant review of usual creative procedures. The space-time relationships that the 
action proposes, established by the matter states changes that occur while a dance is 
 
1 Rosa Hercoles atua como dramaturgista da dança, desde 1997. Seu doutorado em Comunicação e Semiótica, 
PUC-SP, 2005, desenvolve estudos sobre a Dramaturgia da Dança. Sua formação como Eutonista (1990-94) 
contribui para olhar o corpo como meio de comunicação e não, simplesmente como veiculo de transmissão. É 
professora do Curso de Comunicação das Artes do Corpo, PUC-SP, desde 2000; assumindo, também, sua 
coordenação, desde 2008. 
 
2 
 
presented, found the settings where form and meaning has their coexistence guaranteed. This 
field of propositions belongs to the issues that are related to the dance dramaturgy 
specificities, which necessarily involves the inseparability of body and language. 
Keywords: Dance Dramaturgy, Body, Cognition and Creation. 
 
 
 
Quando uma palavra é difundida dentro de um domínio específico, nos deparamos 
com a dificuldade de dissociá-la dos atributos a ela conferidos. Este é o caso do termo 
dramaturgia, historicamente associada ao meio teatral. Esta mesma situação se reproduz com 
o termo coreografia, historicamente proposto dentro dos domínios da dança. Contudo, seu uso 
se estende para outros ambientes, distintos ao da dança, que naturalmente desconhecem a 
evolução de seus paradigmas. P.ex.: filmes de ação usam o termo coreografia para designar o 
sequenciamento dos golpes, durante uma cena de luta. Isto tem alguma coisa a ver com as 
atuais concepções de coreografia em dança? Não, absolutamente nada. Algo precisa ser 
discutido ou demarcado? De modo algum, pois, isto relacionaria as considerações possíveis 
com uma área sobre a qual não se tem o conhecimento necessário e específico para que uma 
discussão fecunda se estabeleça e, sobretudo, que interesse à dança. 
Certamente, a dramaturgia teatral, assim como a da dança, passou por várias 
transformações, apresentando um processo evolutivo próprio, então, o esforço de 
aproximação ou comparação, entre áreas do conhecimento com trajetórias tão distintas, seria 
no mínimo leviano; dado que, a construção dos argumentos correria o risco de transportar 
entendimentos inadequados para as áreas em comparação. Sem dúvida conexões são 
possíveis, mas, isto irá requerer profundas adaptações de ambas às partes. 
Dramaturgia é uma palavra de origem grega que significa a composição do drama, já a 
palavra drama, também do grego drao, significa agir, trata-se, portanto da composição da 
ação. Diferentes áreas artísticas fazem usos distintos desta definição etimológica, mas, aqui se 
fala de dança e, em dança, agir implica na construção de especialidades e competências táteis-
cinestésicas. 
Cognitivamente, o desenvolvimento de habilidades perceptivas distintas percorre 
circuitos neuronais igualmente distintos, tanto na aferência das informações sensoriais quanto 
na eferência dos planos de ação. As vias sensoriais responsáveis pela condução de estímulos 
auditivos, visuais, táteis, cinestésicos, etc.; são multidirecionais e operam simultânea e 
paralelamente (LAKOFF & JOHNSON, 1999). 
3 
 
O processo envolve, primeiramente, a transdução de informações físico-químicas em 
informações eletro-químicas, tarefa realizada por receptores de sensibilidade altamente 
especializados, excitáveis frente à pressão, tração, toque, sons, luz, etc. Uma vez transduzidas, 
as informações são conduzidas, por vias neurais específicas, às áreas primárias de 
processamento (visuais, auditivas, somatosensoriais, motoras, etc.), até aqui, as informações 
correm paralelamente, sem cruzamentos. Após a classificação destas informações, pelas áreas 
primárias, elas seguem seu curso e nos níveis superiores de processamento são colocadas em 
relação, de modo que a experiência perceptiva seja vivenciada como um fenômeno único. 
Cabe esclarecer que não se trata do modelo clássico estímulo-resposta, ou seja, uma 
informação desencadeando um único e definitivo plano de ação. As sensações não cessam e 
os planos de ação são constantemente atualizados, a cada milésimo de segundo (DAMÁSIO, 
1994). Os órgãos de sensibilidade não são passivos, simplesmente informantes do cérebro, 
mas sim, ativos, dado que são seletivos, ou seja, a percepção decide quais informações vão 
seguir seu curso e quais serão descartadas. Os disparos eletro-químicos ocorrem dentro do 
princípio do tudo ou nada, a relevância da informação, num dado momento, é que rege estas 
ocorrências. Além disto, a percepção continua atuando ininterruptamente no sentido de 
adequar os planos de ação em curso. Isto tudo esta condicionado àquilo que um aparato 
perceptivo pode reconhecer, ou seja, às competências adaptativas de uma espécie. 
 
Nosso enorme sistema metafórico conceitual é construído por um processo de 
seleção neural. Certas conexões neurais entre as redes da fonte ativada e o 
domínio de destino são primeiramente estabelecidas pelo acaso e depois tem 
seu peso sináptico aumentado através de disparos recorrentes. Quanto mais 
estas conexões são ativadas, mais peso é adicionado, até que conexões 
permanentes sejam forjadas (LAKOFF & JOHNSON: 1999: 57). 
 
 
A fala, a escuta, o olhar, o movimento, todas são ações realizadas pelo corpo, mas, deacordo com a citação acima, as vias neurais que são mais utilizadas tornam-se mais rápidas e 
eficientes na transdução, condução e planejamento, durante os constantes ciclos de 
percepções-ações. O uso destes circuitos faz com que se especializem. Por esta razão, o cantor 
é capaz de modular a voz, o músico de distinguir notas em ruídos, o pintor de reconhecer 
nuances inimagináveis e o artista da dança de manipular as qualidades formais do movimento. 
O ato de se movimentar envolve o tato e os sistemas: sensório-motor e vestibular, 
responsáveis pela regulação do uso da força e pelas noções de localização e orientação 
espaciais. Já o ato de dançar requer a especialização destas ações por meio da conquista de 
4 
 
uma maior eficiência na condução e no processamento das informações provenientes dos 
órgãos sensoriais do movimento (proprioceptores e gravito-inerciais). Isto resulta na 
possibilidade da proposição de relações espaço-temporais distintas, que dizem respeito às 
transformações dos estados da matéria, ou seja, da carne. 
 
ESPAÇO-TEMPO – A síntese do espaço e do tempo, tal como efetuada pela 
física relativista, segundo a qual o onde depende do quando e inversamente. 
Advertência: espaço e tempo estão intimamente relacionados, mas não lhes é 
dado transformar um no outro. Por exemplo, a taxa de variação com respeito ao 
tempo não é a mesma que a taxa de variação com respeito à posição. O espaço-
tempo pode ser considerado a estrutura básica de todos os eventos, ou 
mudanças de estados das coisas materiais. Daí, se não há matéria não há 
espaço-tempo. Este ponto de vista á inerente à teoria geral da relatividade, que 
é a teoria padrão da gravitação (BUNGE, 2002: 123). 
 
 
Nem tudo que ocorre no corpo se submete à manipulação pela intencionalidade. 
Contudo, as ações do corpo em movimento são ocorrências que chegam à autopercepção 
(localização, aceleração, angulação, alinhamento, força, etc.), portanto, passíveis de serem 
manipuladas. A especialização sensório-motora capacita o corpo a reconfigurar as 
propriedades inerentes ao movimento, tais como: amplitude, intensidade, duração, trajetória, 
peso, fluxo, etc. 
Neste recorte, a dramaturgia da dança se relaciona, em primeira instância, à 
habilidade de agenciar as condições atuais, sempre circunstanciais, do corpo; bem como, os 
desdobramentos de suas ações por meio do redimencionamento de suas propriedades. Trata-
se, portanto, do modo como se dá existência formal às discussões pretendidas. Cabe lembrar 
que a incompletude faz parte da natureza de toda e qualquer linguagem, assim, existem 
questões que encontram ambientes favoráveis em uma linguagem e não em outras, dadas as 
suas limitações simbólicas. 
Dar existência a algo implica, precisamente, na descoberta de conexões formais 
adequadas entre a idéia e a ação. Porém, não se trata da imposição de um significado 
impróprio a uma ação, mas sim, do reconhecimento dos significados que a ação contém. Isto 
quando aplicado à linguagem da dança significa assumir que a comunicação por meio do 
movimento apresenta limitações, recortadas pelas possibilidades de significação de sua 
fisicalidade. Não há uma conexão imediata entre idéia e movimento, o processo de dar 
existência formal para uma questão temática sempre será mediado pelas qualidades materiais 
5 
 
do corpo, isto envolve, necessariamente, procedimentos de resignificação desta idéia inicial, 
no e pelo corpo. 
Esta proposição nos encaminha para o entendimento de que não basta recombinar os 
materiais que já constituem algum vocabulário de movimentos, adquiridos por meio de algum 
tipo, ou vários, de treinamento. Algo da ordem da mudança se faz necessário quando o que se 
objetiva diz respeito à pesquisa e à produção de linguagens singulares. Ou seja, outros 
acordos entre as informações que constituem o corpo são imprescindíveis, a recombinação 
daquilo que o corpo já conhece não dá conta de tratar de todo e qualquer assunto. 
Para que alguma forma de movimento se consolide como linguagem, se faz necessário 
a aquisição de traços estáveis que favoreçam o seu reconhecimento e garantam a transmissão 
da informação de um ambiente para outro. Mas, embora uma linguagem carregue a tendência 
de se estabilizar, não se pode assumir que os léxicos previamente consolidados sejam 
polivalentes. Pois, a co-dependência entre forma e sentido condiciona o que pode ser 
comunicado, aquilo que o corpo executa coloca em discussão algo circunstancial e não 
universal. 
Isto nos leva à questão da não-premeditação do movimento. Talvez, este seja um dos 
maiores desafios a ser enfrentado durante o processo de criação, dado que, existem 
preferências cognitivas que se apresentam com considerável predominância, condicionando as 
operações que envolvem a formatação dos modos de ação de todo e qualquer corpo, dançante 
ou não. 
Cada gesto, cada ação ou movimento traz encarnado, na sua execução, o seu 
significado. Assim sendo, para que uma maior eficiência comunicativa se estabeleça aquilo 
que o corpo já sabe necessita ser problematizado, pois, o ato de pesquisar pressupõe um 
investimento constante na construção de meios que favoreçam a descoberta de algo que ainda 
não se sabe. Quanto mais conhecido um comportamento, mesmo aqueles que apresentam uma 
alta taxa de complexidade, mais distante ele se encontra do ato criativo. (CALVIN, 1998). 
A partir desta premissa, a dramaturgia da dança também se relaciona à razão das 
escolhas, ou seja, o porquê da seleção de certas propriedades materiais para compor as ações 
que, por sua vez, são constitutivas e fundantes das características e especificidades da 
linguagem investigada. Trata-se, portanto, de um exercício crítico constante que promova o 
reconhecimento das relações entre forma e sentido que a ação carrega, ou pode carregar. 
Outro desafio, de igual relevância, pede pela dissolução da crença de que o modo 
como nos movimentamos soluciona todo e qualquer problema, ou responde a qualquer 
questão. Como se a solução encontrada fosse – A – solução, e não apenas uma possibilidade 
6 
 
entre tantas outras. Aqui nos deparamos com a necessidade do desapego de vocabulários 
congelados, pois, soluções não deveriam ser entendidas como definitivas e absolutas, mas 
sim, como ocorrências borbulhantes em constante estado de precipitação. 
Assim, em segunda instância, a dramaturgia pode ser pensada como o campo da 
dúvida, onde por meio da problematização dos materiais existentes instala-se a possibilidade 
de encontrar formas de comunicação que não sejam apenas apêndices ilustrativos das 
discussões pretendidas, mas sim, formas autônomas e potentes. Cabe ressaltar que escolhas 
similares, quando em linguagens e corpos distintos, produzirão outras relações entre forma e 
sentido e, portanto, outras dramaturgias. Bem como, quando diferentes áreas artísticas se 
aproximam, as dramaturgias se borram nas relações de sentido possíveis, entre elas. 
A idéia de que a dramaturgia é uma instância central que tudo organiza ou que 
pertence a alguém que a define constitui-se enquanto equívoco, na medida em que, adota o 
entendimento de que existem procedimentos externos aos processos criativos que o 
condicionam, ignorando os acordos singulares que cada corpo irá formular frente a uma 
mesma proposição. 
Para que a imprecisão deste tipo de abordagem se dissolva, se faz necessário olhar 
para a evolução das reflexões promovidas, ao longo da história da dança. Nelas, constata-se 
que, pensar a dramaturgia da dança pede pelo questionamento das possibilidades e 
atribuições conferidas ao corpo que dança. Nas discussões ocorridas, destacam-se duas 
premissas recorrentes: 
1) o conteúdo não é algo que se agrega ao corpo em movimento,como elemento 
ilustrativo, mas sim, que ele é parte constitutiva de toda e qualquer ação; 
2) o corpo não tem a função de legendar algo que não esteja ocorrendo em sua própria 
materialidade. 
Estas premissas revogam as visões estanques sobre dramaturgia que pensam o 
movimento como um meio incapaz de transmitir seus conteúdos, necessitando, então, que 
algo da natureza da tradução se agregue a sua execução. 
Noções hegemônicas acerca da execução dos movimentos, também, necessitam ser 
iluminadas pela dúvida. É preciso perguntar se o comprometimento do corpo está totalmente 
direcionado à realização da ação, ou se ele está raptado pela construção de uma imagem desta 
ação. É importante entender que esta imagem não é de natureza pictórica, mas sim, tátil-
cinestésica, isto se relaciona aos comportamentos musculares adquiridos, produzindo um tipo 
particular de impostação que permeia todas as ações. 
7 
 
Quando corpos são expostos aos treinamentos consolidados, surgidos e condicionados 
aos processos de construção de alguma linguagem, não se aprende somente um modo de 
organização dos movimentos, juntamente com isto, se adquiri entendimentos acerca do corpo 
que dança, do movimento, da cena e do mundo. Inevitavelmente, estes entendimentos 
permeiam a ação. Isto nos leva a questão da representação/interpretação do movimento, o 
corpo não precisa legendar o que está fazendo para se comunicar, o simples fazer já 
comunica. 
Quando estamos mergulhados em algum processo criativo, na maioria das vezes, o 
exercício da problematização fica comprometido. Por esta razão, algumas produções integram 
a figura do dramaturgista aos seus processos de criação, tarefa que se diferencia do 
coreógrafo e do diretor artístico por desempenhar uma função especificamente crítica e 
dialógica. Estabelecendo relações colaborativas que pressupõe olhar para a obra do modo que 
ela pede, onde não cabem juízos pré-concebidos, mas sim, a observância da potência 
comunicacional que as relações entre forma e sentindo apresentam. As escolhas estéticas não 
cabem ao dramaturgista, o campo de sua atuação se restringe ao questionamento destas 
escolhas, no sentido de atentar para a coerência das relações lógicas que emergem do próprio 
fazer. 
Nos anos 90, questões relativas à dramaturgia configuraram-se como campo de 
estudos para a dança contemporânea, ocorrências que resultaram na edição de uma Nouvelle 
de Danse
3 inteiramente dedicada a este assunto, publicação que reuniu vários profissionais e 
artistas de distintas áreas do conhecimento para refletir sobre dança e dramaturgia. Esta 
discussão, iniciada entre criadores belgas, nos anos 80, disseminou-se por toda a Europa, 
constituindo-se como marco para o estabelecimento de mais uma especialidade profissional 
na área da dança; fazendo surgir o dramaturgista em dança, com suas atribuições crítica e 
dialógica junto aos processos criativos. Todavia, reconhecer a ocorrência destas reflexões não 
implica na dedução de que a dança, ao longo de sua história, nunca havia considerado as 
questões que estas discussões envolvem. Ao contrário, os questionamentos apresentados, na 
edição mencionada, carregam traços nitidamente anacrônicos. 
Embora a incorporação de um dramaturgista, ou mesmo, a adoção da nomenclatura – 
dramaturgia da dança seja recente, a reflexão sobre os domínios da dramaturgia, ou seja, a 
capacidade comunicativa do corpo pelo movimento, sempre foi um assunto pautado pelos 
 
2
 Dossiê – Danse et Dramaturgie. Nouvelle de Danse nº 31, Contredanse, Bruxelles, 1997. 
 
8 
 
coreógrafos, ao longo de toda a história da dança. Mas, somente a partir do séc. 18, a questão 
das possibilidades de significação do corpo, pelo movimento, entra em discussão de modo 
mais sistemático. 
Durante todo o período das danças da corte (1400-1800), atribuía-se ao corpo em 
movimento uma função puramente educativa, ou seja, cabia a ele a veiculação dos 
comportamentos sociais aceitáveis e cabíveis aos nobres, em suas relações hierárquicas. Mas, 
com a queda da monarquia, a discussão do que se expressa, ou melhor, de como o corpo se 
expressa pelo movimento adquiri outros contornos. 
Funções decorativas, ornamentais e ilustrativas passam a ser questionadas. Cabendo a 
Jean Georges Noverre (1727-1809), a formulação balizadora para entendermos a dramaturgia 
da dança, nos ensinando que técnica e expressividade co-existem no corpo que dança. Não 
havendo, portanto, a necessidade de agregar algo da natureza da tradução das intenções para 
que o movimento comunique as questões que o fundam. 
Contudo, somente na passagem da dança moderna para a dança contemporânea os 
entendimentos propostos se consolidam. O recorte da expressividade foi substituído pelo da 
proposição de alguma discussão, relacionando-se, portanto, ao estudo acerca dos meios, dos 
materiais e das formas de comunicação passíveis de serem corporificadas; isto em meio à 
produção de linguagens diversas. Assim, quando a dança, nos anos 90, reedita de modo 
atualizado a reflexão sobre sua dramaturgia, consequentemente, pauta questões relacionadas à 
autoria; pois, a singularidade dos corpos irá promover relações e soluções igualmente 
singulares. 
A hipótese, aqui defendida, é a de que refletir sobre dramaturgia em dança implica no 
estudo da inseparabilidade entre: as possibilidades materiais do corpo, os significados que as 
ações e os movimentos trazem encarnados, os modos de organização/ordenação inerentes ao 
fazer e, obviamente, as discussões e entendimentos que este fazer comunica. Estes elementos 
constitutivos fundam a tríade dramatúrgica corpo-ação-linguagem. 
 
Bibliografia 
 
BUNGE, M. 2002. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Perspectiva. 
CALVIN, W. H. 1998. Como o Cérebro Pensa – a evolução da inteligência, ontem e hoje. 
Rio de Janeiro, Rocco. 
DAMÁSIO, A. 1994. O Erro de Descartes. São Paulo, Companhia das Letras. 
9 
 
DEACON, T. W. 1999. The Symbolic Species – the co-evolution of language and the brain. 
New York, W.W. Norton & Company. 
GOLDFIELD, E. C. 1995. Emergent Forms – origins and early development of human action 
and perception. New York, Oxford, Oxford University Press, 1995. 
HERCOLES, R. 2005. Formas de Comunicação no Corpo – novas cartas sobre a dança. 
PUC-SP, Tese de Doutorado. 
_____________. 2010. Epistemologias em Movimento. Sala Preta Revista de Artes Cênicas, 
ECA, 2010. 
LAKOFF, G. e JOHNSON, M. 1999. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its 
challenge to western thought. New York, Basic Books. 
PAIS, A. 2004. O Discurso da Cumplicidade – dramaturgias contemporâneas. Lisboa, 
Calibri. 
PINKER, S. 2002. O Instinto da Linguagem – como a mente cria a linguagem. São Paulo, 
Martins Fontes. 
PRIGOGINE, I. 1996. O fim das certezas. São Paulo, Unesp.

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