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CURSO DE PSICOLOGIA – 8° SEMESTRE Disciplina: Psicologia Jurídica Professor: Nazir Rachid Filho Aspectos gerais relacionados a Psicologia e o Direito – abrangência, atuação e método. A semelhança entre a Psicologia e o Direito pode ser apontada em função da visão de homem como sujeito único, responsável por seus atos e condutas com capacidade para modificá-los, com foco na relação com o meio. Entretanto, a concepção de homem e a natureza dos fatos podem ser apontadas como eixos divergentes destas ciências. Algumas produções literárias tem sido elaboradas para tentar melhor entender esta relação, afinal, o homem é ao mesmo tempo o sujeito que elabora as leis e as utiliza nos julgamentos dos fatos e, também, é o que protagoniza o ato jurídico passível de julgamento e aquele quem analisa os eventos relacionados. Carvalho (2007) destaca que até a Idade Média, a religião desempenhava uma função fundamental na discriminação e julgamento das atitudes humanas. Mas, com a complexifícação das relações entre os indivíduos, o Direito foi estimulado a estabelecer maior diversidade de leis que organizassem os vários contratos estabelecidos entre as pessoas e que, também, considerassem os progressos ocorridos em outras ciências, os quais poderiam contribuir no entendimento de alguns comportamentos desviantes, assim como os criminais. Principalmente neste campo, a psiquiatria forense passa a ser importante parceira dos magistrados na análise de crimes, procurando identificar alterações das funções mentais que pudessem estar relacionadas ao ato em julgamento. No entanto, a psiquiatria da época não dispunha de instrumentos suficientes para avaliação mais específica e detalhada das características psíquicas. Por outro lado, no final do século XIX, a Psicologia foi reconhecida como ciência e vinha predominantemente pesquisando e desenvolvendo instrumentos para a investigação da memória, pensamento, entre outras funções mentais. É dessa forma que a Psicologia se aproximou do Direito, auxiliando nos processos periciais que forneciam subsídios ao juiz na determinação da pena a ser cumprida. Inicialmente, parece ter sido baseada em estudos relacionados a “Psicologia do Testemunho”, posteriormente no ideário positivista, o psicólogo tinha por principal função a emissão de laudos e pareceres periciais, estes baseados no psicodiagnóstico, feitos a partir de entrevistas e testes psicológicos (ALTOÉ, 2001). No Brasil, após o regime militar com a promugação da nova Constituição Federal a partir década de 80 a Psicologia Jurídica ganhou um amplo espaço social. Os primeiros psicólogos a atuarem junto à justiça encontraram nas varas de família, criminais e da infância e juventude, demandas amparadas no modelo pericial. Mas, estes profissionais logo perceberam a necessidade de implementação de outras formas de atuação que considerassem a cidadania, os direitos humanos e a saúde dos indivíduos envolvidos com a justiça. Com as transformações que acompanham a Pós-Modernidade, encontra-se no final do século XX e início deste século, panorama no âmbito jurídico caracterizado por alto índice de criminalidade, aumento de crianças em situação de risco e de CURSO DE PSICOLOGIA – 8° SEMESTRE Disciplina: Psicologia Jurídica Professor: Nazir Rachid Filho adolescentes com prática infracional, dificuldades nos processos de adoção. além das constantes dissoluções e reconstruções de vínculos familiares. Todas estas situações implicam em atuações do poder judiciário, no qual certamente não está só envolvido um ser de direito, mas também um ser psicológico. Entretanto esta relação apresenta pontos divergentes, entre eles o entendimento de voluntariedade e responsabilidade, o que reflete na compreensão de motivação e liberdade, para a Psicologia algumas razões teriam uma explicação razoável na história de vida de cada indivíduo, o que ajuda a contextualizar o entendimento. Certezas e verdades são pontos bastante abrangentes. A pluraridade da Psicologia (diversas formas de entender um fato), esbarra na singularidade do Direito (necessidade de um posicionamento), gerando por vezes um tratamento pouco confiável ou de pouca sustentabilidade em suas argumentações. O cumprimento de prazos e padrões exigidos pelo Direito esbarram na dificuldade de previsão destes por parte da Psicologia, por outro lado as respectivas terminologias específicas podem resultar em conflitos de interpretação ou em dificuldades de adaptação. O profissional de psicologia no campo que lhe compete a prática profissional dentro do judiciário desenvolve atividades tais como: proceder à avaliação de seu “cliente” elaborando o estudo psicológico, com finalidade de subsidiar e assessorar a autoridade competente dos aspectos psicológicos de sua vida familiar, institucional e comunitária, para que o magistrado possa decidir e ordenar as medidas cabíveis; realiza entrevistas psicológicas individuais e familiares, além de devolutivas; aplica técnicas psicométricas e projetivas; observação lúdica de crianças, para compreender e analisar as problemáticas apresentadas. O psicólogo realiza ainda estudo de campo, através de visitas domiciliares, em abrigos, escolas e outras instituições, para realizar o diagnóstico situacional e a compreensão psicodinâmica dos envolvidos em estudo. Procede a encaminhamento para psicodiagnóstico, terapia e atendimento especializado, realizando acompanhamento de casos, bem como, emite laudos técnicos, pareceres e relatórios psicológicos, além de fornecer indicadores para a formulação de programas de atendimento relacionado à medida de proteção socioeducativas, auxiliando na elaboração de políticas públicas e quando necessário, participa de audiências judiciais. Desta forma elabora prognóstico propondo procedimentos a serem aplicados. Vale a ressalva que, neste caso, o cliente da Psicologia difere da experiência clínica, onde a procura espontânea deixa de existir. Não há a apresentação natural do sujeito, que quase sempre é encaminhado e tem as intervenções ocorridas dentro de instituições jurídicas, na maioria das vezes. O alvo da avaliação centraliza-se na busca do foco determinado pelo sistema legal do nexo de causalidade a um dado fato, isto é, tenta explicar as razões de um fato avaliando a dimensão e as consequências da ação. A resposta poderá ficar obscura ou omitida em razão da representatividade da situação com o fato, em face da ideia de punição. É uma mudança de postura quanto a conduta investigativa a ser adotada. Embora algumas situações CURSO DE PSICOLOGIA – 8° SEMESTRE Disciplina: Psicologia Jurídica Professor: Nazir Rachid Filho demandem um acompanhamento mais intenso ou próximo, isto não é garantido com a avaliação. O examinador passa a ocupar uma postura mais distante, pois necessita questionar de forma frequente e mais incisiva fatos que porventura estejam duvidosos, que não se sustentam ou àqueles aos quais se contradizem. Segundo pesquisa realizada por Kiss, Scharaibe e Oliveira (2007), um dos objetivos do atendimento psicossocial não está relacionado à questão da veracidade dos fatos, pois tal situação é uma questão judicial, mas está ligada a qualidade psíquica, tentar entender o psiquismo dessa situação, pessoa ou família, o que pode ser representado pela falta de agilidade na resposta dos serviços e também um fator inibidor a adesão do serviço de atenção psicossocial. Em alguns casos a entrevista não é o único instrumento capaz de colher estas informações, possivelmente em função da resistência apresentada pelo usuário, por vezes, a utilização de um instrumento auxiliar como um teste psicológico pode auxiliar a uma melhor compreensão da dinâmicado indivíduo ou mesmo a respeito do entendimento de seu comportamento. “Sendo assim, levam-se em consideração fatores psicológicos envolvidos em uma situação, objeto de intervenção judicial, ajudando a contribuir para a prevenção de equívocos no julgamento de ações humanas” (FÁVERO, MELÃO & JORGE, 2005). França (2004) coloca que a psicologia jurídica deve ir além da investigação da manifestação da subjetividade, isto é, do estudo do comportamento, e se preocupar também com as consequências das ações jurídicas para o indivíduo. Atualmente o trabalho do psicólogo jurídico, além da tradicional perícia, ganhou novas modalidades como, por exemplo, informar, apoiar, orientar e acompanhar os casos atendidos nos diversos âmbitos do sistema judiciário. Há uma crescente preocupação com a promoção da saúde mental, assim como uma valorização do trabalho interdisciplinar, grupo de estudo (para aprofundamento das questões teóricas necessárias a casos particulares), estudo de caso, entre outros (ALTOÉ, 2001). Algumas variações da aplicabilidade da Psicologia Jurídica: Psicologia jurídica e o Direito de família: o psicólogo pode atuar como perito oficial, designado pelo juiz, e também como perito contratado por uma das partes, com a função de acompanhar o trabalho do perito oficial. Atua em casos de separação, disputa de guarda, destituição do pátrio poder e regulamentação de visitas. Psicologia jurídica e o Direito cível: o psicólogo atua em casos de interdição, indenizações, entre outras ocorrências. Psicologia jurídica do trabalho: atuação em casos de acidentes de trabalho, indenizações. CURSO DE PSICOLOGIA – 8° SEMESTRE Disciplina: Psicologia Jurídica Professor: Nazir Rachid Filho Psicologia jurídica e o Direito penal: na fase processual, a atuação é basicamente em exames de insanidade mental. Psicologia judicial ou do testemunho: investiga a validade dos testemunhos, tanto em processos criminais, de acidentes ou acontecimentos cotidianos. Psicologia penitenciária: o psicólogo pode atuar na execução das penas restritivas de liberdade e restritivas de direito. Bonfim (1994) afirma que as atividades exercidas nas penitenciárias geralmente são regidas por legislações específicas e consistem essencialmente em elaboração de laudos criminológicos, avaliação de personalidade, nível intelectual, motor e potencial educacional, através principalmente do uso de testes psicológicos, recomendação de linhas de tratamento mais adequadas a cada caso, realização de entrevistas de devolução ao sentenciado e orientação a detentos e seus familiares. Psicologia policial e das forças Armadas: o psicólogo atua na seleção e treinamento geral ou específico de pessoal das polícias civil, militar e do exército. Vitimologia: é o ramo da psicologia jurídica que busca o estudo, intervenção no processo de vitimização e a criação de medidas preventivas. Mediação: baseia-se na ideia de que as próprias partes envolvidas são as mais aptas a solucionar o conflito, com a ajuda de uma pessoa imparcial. Trata-se de uma intervenção inovadora nos processos judiciais. Em estudo conduzido por Bonfim (1994), destacam-se os conhecimentos considerados necessários ao psicólogo que atua no campo jurídico: Noções básicas de Direitos Humanos e Institucionais, inclusive os direitos das crianças e adolescentes, mulheres, idosos, dentre outros específicos; Relacionados às instituições penais, envolvendo a legislação e a atuação do psicólogo nas Comissões Técnicas de Classificação; Referentes às varas cíveis, criminais, Justiça do Trabalho e da Família; Sobre a violência, especialmente direcionada a mulher, crianças e adolescentes, assim como ações junto às delegacias especializadas; Sobre elaboração de laudos e perícias psicológicas no assessoramento judicial, incluindo psicodiagnóstico, técnicas de exame e entrevistas; Sobre aconselhamento psicológico e técnicas psicoterápicas. Fávero, Melão e Jorge (2005), reproduzindo um comunicado publicado no DOJ, de 2004, sobre as atribuições do psicólogo jurídico, coloca, entre outras: Proceder à avaliação de crianças, adolescentes e adultos, elaborando o estudo psicológico, com a finalidade de subsidiar ou assessorar a autoridade judiciária no conhecimento dos aspectos psicológicos de sua vida familiar, CURSO DE PSICOLOGIA – 8° SEMESTRE Disciplina: Psicologia Jurídica Professor: Nazir Rachid Filho institucional e comunitária, para que o magistrado possa decidir e ordenar as medidas cabíveis; Exercer atividades no campo da psicologia judiciária, numa abordagem clínica, realizando entrevistas psicológicas, individuais, grupais, de casal e família, além de devolutivas; aplicar técnicas psicométricas e projetivas, observação lúdica de crianças, crianças/pais, para compreender e analisar a problemática apresentada elaborando um prognóstico; propor procedimentos a serem aplicados; Realizar estudo de campo, através de visitas domiciliares, em abrigos, internatos, escolas e outras instituições, buscando uma discussão multiprofissional, intra e extra equipe, para realizar o diagnóstico situacional e a compreensão psicodinâmica das pessoas implicadas na problemática judicial em estudo; Realizar o acompanhamento de casos objetivando a clareza para definição de medida, avaliando a adaptação criança/família; reavaliando e constatando a efetivação de mudanças; verificando se os encaminhamentos a recursos sociais e psicológicos oferecidos na comunidade, e a aplicação das medidas de proteção e socioeducativas foram efetivados; Promover a prevenção e controle da violência intra e extra familiar, institucional contra crianças e adolescentes e de condutas infracionais; Fornecer indicadores para formulação de programas de atendimento, relacionados a medidas de proteção socioeducativas, na área da Justiça da Infância e Juventude, auxiliando na elaboração de políticas públicas, relativas à família, à infância e à juventude. Para Refletir... (sobre o ideal de justiça) Em seu trabalho sobre Crime organizado Juarez Cirino dos Santos, destaca “é um antigo discurso do poder contra determinados inimigos internos com diferentes denominações, como, indicam situações históricas conhecidas. O Novo Testamento informa que a doutrina de Cristo ameaçava o poder dos sacerdotes do Templo – e apesar de ele dizer que seu Reino não era deste mundo e que deviam dar a César o que era de César, foi crucificado. Quando Cristo chega ao poder como o cristianismo da Igreja Católica, o inimigo interno é o herege: as fogueiras da inquisição queimaram milhares de hereges na Idade Média, como mostra “O Nome da Rosa” de Humberto Eco, por exemplo. No Brasil - Colônia os inimigos internos eram os libertadores: enforcaram Tiradentes, líder do crime organizado contra a Coroa Portuguesa. Sob o fascismo, os judeus eram a nova face do crime organizado... e o resultado foi o Holocausto. No período das ditaduras militares do Brasil, Argentina e Chile, por exemplo, os comunistas são os inimigos internos – como resultado, as prisões, a tortura e os assassinatos em massa. Hoje, as ossadas descobertas no Brasil, as mães da Plaza de Mayo na Argentina e o processo contra Pinochet no Chile mostram onde estava o crime organizado – ou quem eram os verdadeiros criminosos.” REFERÊNCIAS BONFIM, E. M. Psicologia social, psicologia do esporte e psicologia jurídica. In: ACHCAR, R. Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. CURSO DE PSICOLOGIA – 8° SEMESTRE Disciplina: Psicologia Jurídica Professor: Nazir Rachid FilhoCARVALHO, M. C. N. Contribuições para a Formação de Psicólogos Jurídicos: uma década de experiências. Artigos de Psicologia Jurídica FÁVERO, Eunice Teresinha et.al (Orgs). O Serviço Social e a Psicologia no Judiciário. Construindo Saberes Conquistando Direitos. São Paulo: Cortez, 2005. ALTOÉ, S. Atualidades da psicologia jurídica. Revista de Pesquisadores da Psicologia no Brasil (UFRJ, UFMG, UFJF, UFF, UERJ, UNIRIO). Juiz de Fora, Ano 1, Nº 2, julho-dezembro 2001. Disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/psicologia_juridica.pdf. Acesso em 28/12/2007. FRANÇA, F. Reflexões sobre a psicologia jurídica e seu panorama no Brasil. Psicologia: Teoria e Prática. São Paulo, vol. 6, nº 1, 73-80, 2005. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 28/12/2/2007. KISS, Ligia Bittencourt et al. Possibilidades de uma rede intersetorial de atendimento a mulheres em situação de violência – Sielo, São Paulo, 20 de Setembro, 2007.
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