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2014.04.07.AB.Textos 2ª menção.1 a 5

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Faculdade de Ciências Educação e da Saúde - FACES 
"A alma não é mais do que as circunvoluções fisico-químicas de nosso cérebro. Mais 
modernamente, um centro processador de dados traduzido em teologuês." 
Millôr Fernandes (humorista e teatrólogo) 
EVOLUÇÃO DO SISTEMA NERVOSO (SN) 
Dualismo e Monismo 
A curiosidade, característica universal humana, desde os primórdios foi o motor que moveu o 
homem a tentar explicar o mundo em que vive. Assim, nossos ancestrais acreditavam que 
fenômenos naturais eram causados por espíritos animados. Tudo o que se movia o fazia por 
possuir um espírito: animais, o vento, a lua, etc. Com o passar do tempo tal abordagem, que é 
chamada de animismo, foi abandonada em favor de explicações fisícas. 
Contudo, as pessoas ainda acreditam que possuam algo intocável que as anima e que recebe 
diferentes nomes - alma, espírito ou mente. Crença que repousa no fato de que cada um de nós 
está ciente de sua própria existência, ou como diz Damásio, tem um senso do 'eu'. Quando 
pensamos ou agimos, sentimos como se algo dentro de nós estivesse pensando ou decidindo agir. 
Portanto, nos resta perguntar então, como vem sendo feito há séculos, qual é a essência da mente 
humana? Ou, qual a relação entre o espírito e a matéria? Ou ainda, como uma cadeia de processos 
que denominamos mente resulta da atividade do órgão chamado cérebro? 
Tal quebra-cabeça histórico é denominado de questão cérebro-mente, ou corpo-alma. Os 
mistérios dessa questão já na Antigüidade atraíram a curiosidade dos filósofos para tentar 
respondê-la, e mais recentemente os neurocientistas assumiram essa tarefa. 
Duas grandes correntes filosóficas se destacaram na história das idéias quanto ao modo de 
encarar essa questão: o dualismo e o monismo. Para o dualismo existem duas entidades distintas: 
a mente e o cérebro (o espírito e a matéria). Para o monismo tudo no Universo é constituído de 
matéria e energia, sendo a mente apenas uma simples propriedade do cérebro. 
Apesar da relevância da questão, a controvérsia entre filósofos e neurocientistas está longe de 
ser resolvida. Muitos neurocientistas desprezam tal questão e trabalham sem considerar a 
existência dela, pois a mera especulação sobre a natureza da mente é infrutífera. Eles usam uma 
abordagem empírica, prática e monística para estudar a natureza humana. E como diz Damásio: 
"A estranheza do problema da mente consciente é em grande parte reflexo da ignorância, que 
limita a imaginação e tem o curioso efeito de fazer o possível parecer impossível. A 'tecnologia' 
do cérebro é complexa a ponto de parecer mágica, ou pelo menos incognoscível. O surgimento de 
um abismo entre os estados mentais e fenômenos fisico-biológicos resulta da grande disparidade 
entre dois corpos de conhecimento - a compreensão da mente conquistada após séculos de 
introspecção e os esforços da ciência cognitiva versus a especificação neural incompleta que 
atingimos por meio dos esforços da neurociência. Não há razão para supor que a neurobiologia 
não possa transpor esse abismo". 
J 
A origem da Psicofisiologia 
Aquilo que comumente é chamada de Neurociência é na verdade Neurociências. No plural. 
Se for assim, quais são elas e quais os profissionais que lidam com elas? Um modo simples de 
classificá-las seria considerar cinco grandes disciplinas neurocientíficas: 
a) Neurociência Molecular - estuda as diversas moléculas de importância funcional no SN 
(Neuroquímica ou Neurobiologia Molecular); 
b) Neurociência Celular - aborda as células que formam o SN, estrutura e função delas 
(Neurocitologia ou Neurobiologia celular); 
c) Neurociência sistêmica - considera agrupamentos de células nervosas de diversas regiões do 
SN que constituem sistemas funcionais: visual; motor etc .. (quando lida com aspectos 
morfológicos é a Neuro-histologia ou Neuroanatomia, mas quando trata de aspectos 
funcionais é chamada de Neurofisiologia); 
d) Neurociência comportamental - privilegia o estudo das estruturas neurais que produzem 
comportamentos e outros fenômenos psicológicos como o sono, emoções etc. (Psicofisiologia 
ou Psicobiologia); 
e) Neurociência Cognitiva - trata das capacidades mentais mais complexas como a linguagem, 
memória etc. (Neuropsicologia). 
Historicamente a Psicofisiologia, área do conhecimento à qual dedicaremos maior tempo de 
estudo neste semestre sem deixar de lado o conhecimento obtido pelas demais áreas, teve origem 
na Psicologia com a publicação do livro Princípios de Psicologia Fisiológica, W. Wundt, no final 
do século XIX. 
Mais recentemente a investigação em fisiologia do comportamento recebeu o impulso dos 
neurocientistas das demais disciplinas, devido à convicção reinante entre eles de que o 
comportamento é a principal função do SN e a descoberta das bases neurobiológicas dele porá 
um fim no dilema corpo-alma, oferecendo uma explicação sólida para o surgimento da mente a 
partir do cérebro, em breve. 
A história moderna da investigação sobre a fisiologia do comportamento foi escrita por 
psicólogos, que combinaram os métodos experimentais da psicologia com os da fisiologia e os 
aplicaram a questões de interesse de todos os psicólogos, como por exemplo: processos 
perceptivos; controle dos movimentos; sono e vigília; comportamentos reprodutivos, alimentar~s 
e emocionais; aprendizagem; e recentemente, a fisiologia de condições patológicas em humanos, 
como os distúrbios mentais e a adição. Alguns deles serão estudados durante este curso. 
Bases biológicas do comportamento 
O estudo da (ou as especulações sobre) Psicofisiologia tem suas origens na Antigüidade. 
Muitas culturas antigas consideravam o coração como o lugar do pensamento e das emoções, 
porque o movimento dele era necessário para a vida e porque as emoções faziam com que ele 
batesse mais fortemente. Contudo, o grego Hipócrates (460 - 370 a.C.) concluiu que este papel 
deveria ser atribuído ao cérebro, no que não foi acompanhado por outros estudiosos gregos. 
Dando um salto até o século XVII, encontraremos o filósofo e matemático René Descartes 
que, com suas especulações a respeito das funções da mente e do cérebro no controle do 
comportamento, deu início à história da Psicofisiologia. 
Ele acreditava que o mundo era uma entidade puramente mecânica, sendo que os animais que 
o habitavam também eram estruturas mecânicas: tinham o comportamento deles controlado por 
estímulos ambientais. Assim, alguns movimentos do corpo humano eram automáticos e 
involuntários. Por exemplo, ao tocar um objeto quente, retiraríamos o braço imediatamente da 
fonte de estimulação. Por não exigirem participação da mente, Descartes denominou tais ações de 
reflexos (do lat. Reflectere =voltar-se para si mesmo). Neles a energia das fontes externas seria 
recebida pelo SN e refletida sobre o músculo, que poderia se contrair. Como exemplo deste 
raciocínio ele criou o modelo do jovem hidráulico (fig. 1 ). 
Apesar de ser um dualista, ele foi o primeiro a sugerir que existia um elo entre a mente 
humana e o cérebro. Acreditava que a mente controlava os movimentos do corpo, enquanto que o 
corpo, por meio de seus órgãos dos sentidos, fornecia à mente informações sobre o que estava 
acontecendo no ambiente. 
O modelo por ele criado, que teve o mérito de poder ser testado experimentalmente ao 
contrário de especulações puramente filosóficas, não demorou muito para ser refutado. Quem o 
fez foi Luigi Galvani, fisiologista italiano do século XVII, ao descobrir que estimulando 
eletricamente o nervo de uma rã provocava a contração do músculo ao qual ele estava ligado. 
Como esta resposta se dava mesmo quando o nervo e o músculo estavam desconectados do resto 
do corpo, ele inferiu que a contração muscular e a capacidade de conduzir estímulos dos nervos 
eram características desses tecidos. Portanto, o cérebro não inflava os músculos por meio de um 
direcionamentodo líquido pressurizado nos nervos. 
Baseando-se no experimento de Galvani outros puderam estudar as propriedades da 
mensagem transmitida pelo nervo e os mecanismos da contração muscular. Os resultados desses 
esforços deram origem a um acúmulo de conhecimentos sobre a Psicofisiologia. 
Já no século XIX, Johannes Müller um fisiologista alemão apregoava que o avanço no 
conhecimento científico do funcionamento do corpo somente ocorreria pelo uso da 
experimentação (remoção ou isolamento de órgãos dos animais, testando suas respostas a várias 
substâncias químicas e, também, pela alteração do ambiente para verificar como os órgãos 
responderiam). Ele foi o criador da doutrina de energias específicas do nervo. Segundo a qual, 
embora todos os nervos transmitam a mesma mensagem básica - impulso elétrico - nós 
percebemos de formas diferentes as mensagens prpvenientes dos nervos diferentes. Isso porque as 
mensagens ocorrem em canais diferentes, ou seja, a informação sensorial deve ser especificada 
pelo nervo que é ativado em particular (estimular mecanicamente o nervo óptico também gera 
pontos luminosos). Visto que diferentes regiões do cérebro recebem mensagens de diferentes 
nervos este órgão deve ter uma divisão funcional: algumas áreas executam algumas funções, 
enquanto as demais executam outras. 
Ainda no século XIX, o fisiologista francês Pierre Flourens passou a se utilizar a técnica da 
ablação experimental (do lat. Ablatus = retirado), removendo regiões do cérebro de animais, 
observando os comportamentos que eles apresentavam e deduzindo a função de tais regiões 
removidas a partir do que esses animais não podiam mais fazer. 
Pouco tempo depois, Paul Broca, um cirurgião francês aplicou o princípio da ablação 
experimental ao cérebro humano. Ele observava o comportamento de pessoas que sofreram 
traumatismos e tiveram os cérebros danificados. Em 1861, ao realizar uma necropsia no cérebro 
de um homem que havia sofrido um traumatismo e perdera a capacidade de falar, Broca concluiu 
que a região do córtex cerebral, no lado esquerdo do cérebro, executava funções necessárias para 
a fala. Essa área foi denominada de área de Broca (fig. 2). 
3 
Por fim, dois fisiologistas alemães começaram a usar a estimulação elétrica como 
instrumento para compreender a fisiologia do cérebro em 1870. Ao aplicar uma corrente elétrica 
fraca na superficie exposta de um cérebro de cão, eles verificaram que a estimulação de diferentes 
pontos de uma região específica .do cérebro provocava contrações de músculos específicos no 
lado oposto do corpo do animal. No século XX, a fisiologia experimental incorporou muitas 
técnicas novas ao repertório dela, algumas das quais serão apresentadas ao longo deste semestre. 
Aspectos da filogênese do SN · 
Os seres vivos, mesmo os mais primitivos, devem continuamente se ajustar ao meio ambiente 
para sobreviver. Para isto três propriedades do protoplasma (conteúdo celular vivo, formado de 
citoplasma e núcleo) são importantes: irritabilidade, condutibilidade e contratilidade. 
A irritabilidade (propriedade de ser sensível a um estímulo) permite a uma célula detectar 
alterações no meio ambiente. Sabemos que uma célula é sensível a um estímulo quando ela reage 
a ele, por exemplo, dando origem a um impulso que é conduzido através do protoplasma 
(condutibilidade) e determinando uma resposta em outra parte da célula. Esta resposta pode se 
manifestar por um encurtamento da célula (contratilidade) visando fugir de um estímulo nocivo. 
Ex.: a ameba ao ser tocada com a agulha de um micromanipulador afasta-se do ponto onde foi 
tocada. Tendo todas as propriedades do protoplasma a ameba não se especializou em nenhuma 
delas e suas reações são rudimentares (fig. 3). 
Subindo um pouco mais na escala filogenética, em seres como as esponjas (phylum Porifera), 
encontraremos células em que uma parte do citoplasma se especializou na contração e outra, 
situada na superficie, desenvolveu mais as propriedades da irritabilidade e condutibilidade (fig. 
4). Encontramos estas células musculares primitivas no epitélio que reveste os orificios que 
permitem a passagem de água para o interior das esponjas. Substâncias irritantes colocadas na 
água são detectadas por estas células que se contraem fechando os orificios. 
Com o aparecimento de metazoários (animais cujo corpo é formado por numerosas células, 
formando tecidos especializados) mais complicados, as células musculares passaram a ocupar 
posição mais profunda perdendo o contato direto com o meio externo. Ai surgem então, células 
que se diferenciaram para receber estímulos do ambiente, transmitindo-os às células musculares. 
Estas células especializadas em excitabilidade e condutibilidade foram os primeiros 
neurônios, que provavelmente surgiram nos celenterados (phylum Coelenterata - anêmonas do 
mar e águas-vivas, por exemplo). Assim, no tentáculo de uma anêmona existem células nervosas 
unipolares (com um axônio apenas), que fazem contato com células musculares situadas mais 
profundamente (fig. 5). Na extremidade destas células situadas na superficie desenvolveu-se uma 
formação especial denominada receptor (transforma vários tipos de estímulos, fisicos ou 
químicos, em impulsos nervosos). No decorrer da evolução aparecem receptores muito 
complexos para os estímulos mais variados. Nos celenterados, contudo, existe uma rede de fibras 
nervosas, formada principalmente por ramificações dos neurônios da superficie e chamada de 
sistema nervoso difuso, o qual permite a difusão dos impulsos nervosos em várias direções. 
Nos platelmintos (tênia) e nos anelídeos (minhoca) o sistema nervoso difuso é substituído por 
um mais avançado no qual os elementos nervosos tendem a se agrupar em um sistema nervoso 
central (centralização do sistema nervoso). Nos anelídeos, o SN é segmentado, sendo formado 
por um par de gânglios cerebróides e uma série de gânglios unidos por uma corda ventral (cada 
um deles correspondendo a um segmento do animal). Aqui a complexidade de arranjo dos 
neurônios é maior do que a apresentada nos celenterados, uma vez que na epiderme do animal há 
neurônios que através de seu axônio estão ligados a outros neurônios cujos corpos estão situados 
no gânglio. Estes por sua vez possuem um axônio que faz conexão com os músculos (figs. 6A e 
6B). 
Os neurônios situados na superficie, especializados em receber os estímulos e conduzi-los ao 
gânglio são chamados de sensitivos ou aferentes. Aqueles cujos corpos neuronais estão situados 
no interior do gânglio e que se especializaram em transmitir o impulso até o órgão efetuador, no 
caso o músculo, são denominados motores ou eferentes (fig. 6B). 
Aferentes são os neurônios, fibras ou feixes que trazem impulsos de uma determinada área do 
SN e eferentes são os que levam impulsos desta área. Portanto, aferente se refere ao que entra e 
eferente ao que sai de uma determinada área do SN. Assim, neurônios cujos corpos estão no 
cérebro e terminam no cerebelo são eferentes ao cérebro e aferentes ao cerebelo. Deve-se pois 
sempre especificar a área ou órgão do SN em relação ao qual os termos são empregados. Quando 
isto não é feito entende-se que os termos foram empregados em relação ao SNC como nos dois 
neurônios da minhoca acima descritos. 
A conexão entre o neurônio sensitivo e o neurônio motor, nos anelídeos, ocorre através de 
uma sinapse localizada no gânglio. Temos, assim, em um segmento de minhoca os elementos 
básicos de um arco reflexo simples, dispositivo que permite ao animal contrair a musculatura do 
segmento por estímulo sofrido no próprio segmento. Este arco reflexo é denominado de 
intrasegmentar, uma vez que a conexão entre os dois diferentes neurônios envolve apenas um 
segmento (fig. 6B). 
Devemos considerar, contudo, que a minhoca é um animal segmentado e que, às vezes, para 
que possa evitar um estímulo nocivo aplicado em um segmentopode ser necessário que a resposta 
se faça em outros segmentos. Existe para tanto no SN deste animal, um terceiro tipo de neurônio 
denominado neurônio de associação, que faz a ligação de um segmento com o outro (fig.· 7). 
Assim, o estímulo aplicado em um segmento dá origem a um impulso que é conduzido pelo 
neurônio sensitivo até o gânglio, onde seu axônio fará sinapse com o neurônio de associação cujo 
axônio, passando pela corda ventral, estabelece sinapse com o neurônio motor do segmento 
vizinho. Portanto, o estímulo que se iniciou em um segmento teve a resposta manifestada em 
outro. Temos aqui um arco reflexo.intersegmentar por envolver mais de um segmento e também 
duas sinapses e três neurônios (sensitivo, motor e de associação). 
O conhecimento das conexões dos neurônios no SN de anelídeos nos permite entender 
algumas conexões da medula espinhal de vertebrados, inclusive do homem. Também ai vamos 
encontrar arcos reflexos simples, como o reflexo patelar por exemplo (fig. 8). Este reflexo é 
considerado intrasegmentar, apesar de que em mamíferos não existam arco reflexos 
rigorosamente intrasegmentares, como se verificou em gatos onde a menor porção de medula 
espinhal que se pode isolar, mantendo-se sua atividade reflexa, contém dois ou três segmentos. 
Quanto aos neurônios de associação é interessante observar sua evolução. O aparecimento 
destes neurônios trouxe um considerável aumento do número de sinapses aumentando a 
complexidade do SN e permitindo a realização de padrões de comportamento cada vez mais 
elaborados. O corpo deste neurônio permaneceu sempre dentro do SNC e seu número aumentou 
muito durante a evolução. Este aumento foi maior na extremidade anterior dos animais. A 
extremidade anterior dos anelídeos ou mesmo de animais mais evoluídos é aquela que primeiro 
entra em contato com as mudanças do ambiente, quando o animal se desloca. Esta extremidade se 
especializou para exploração do ambiente e alimentação, desenvolvendo um aparelho bucal e 
órgãos de sentidos: olhos, ouvidos, antenas, etc. Paralelamente houve nesta extremidade uma 
concentração de neurônios de associação dando origem aos vários tipos de gânglios cerebróides 
dos invertebrados ou ao encéfalo (do gr. Enképhalon = dentro da cabeca) dos vertebrados. O 
encéfalo aumentou consideravelmente durante a filo gênese dos vertebrados ( encefalização ). Em 
relação com os neurônios de .associação situados .. no encéfalo surgiram as funções psíquicas 
superiores (aprendizagem, memória, linguagem etc;). , 
Aspectos da ontogênese do SN 
Durante a ontogênese podemos analisar o desenvolvimento do SN segundo critérios 
embriológicos ou anatômicos. · 
Divisão segundo critérios embriológicos 
Do ponto de vista embriológico, o SNC dividi-se em prosencéfalo, mesencéfalo, 
rombencéfalo e medula espinhal (figs. 9 e 1 O). 
O prosencéfalo (encéfalo anterior - corresponde ao cérebro na divisão anatômica) é a parte 
que sofre maiores mudanças no decorrer do desenvolvimento embrionário, dando origem as 
seguintes estruturas: te/encéfalo (hemisférios cerebrais, recobertos pelo córtex cerebral) e 
diencéfalo (hipófise, hipotálamo e tálamo). 
O mesencéfalo (encéfalo intermediário) não sofre divisões e é seguido pelo rombencéfalo 
(encéfalo posterior) que se subdivide em: metencéfalo (ponte e cerebelo na divisão anatômica) e 
mie/encéfalo (bulbo na divisão anatômica). Todos estes nomes derivam das estruturas 
embriológicas das quais estas áreas se originam. 
Divisão segundo critérios anatômicos 
Do ponto de vista anatômico, o sistema nervoso é constituído pelos sistemas nervoso central 
(SNC) e periférico (SNP). 
O SNP é constituído por nenJos (feixes de fibras nervosas) gânglios e terminações nenJosas. 
Os nenJos são cordões esbranquiçados que ligam o SNC aos órgãos periféricos. Quando sua 
origem se dá ao nível do encéfalo, ele é chamado de nenJo craniano (12 pares). Se sua origem 
ocorre ao nível da medula espinhal, ele é chamado de nenJo espinhal (31 pares, que 
correspondem aos 31 segmentos medulares existentes - 8 cervicais, 12 torácicos, 5 lombares, 5 
sacrais e 1 coccígeo - fig. 11 ). Relacionando-se com alguns nervos existem certas dilatações 
constituídas principalmente de corpos celulares de neurônios, que são os gânglios. As 
terminações nenJosas, do ponto de vista funcional, são de dois tipos: sensitivas (ou aferentes) e 
motoras (ou eferentes ). 
O SNC está localizado dentro da cavidade craniana (encéfalo) e do canal vertebral (medula 
espinhal). Sendo que o encéfalo é ainda subdividido em: cérebro, cerebelo e tronco cerebral. O 
cérebro predomina ·no SNC dos vertebrados superiores e o , tronco cerebral forma a base de 
sustentação do cérebro e do cerebelo (conectado dorsalmente a ele) daí o seu nome - tronco. 
Divisão segundo critérios funcionais 
É uma terceira fonna de separannos o SN. Segundo este critério o SN pode ser dividido em 
SN da vida de relação ou somático e SN da vida vegetativa ou visceral. 
O sistema nervoso somático é aquele que relaciona o organismo com o meio ambiente. Este 
sistema apresenta um componente aferente e outro eferente. 
O sistema nervoso visceral é aquele que se relaciona com a inervação e o controle das 
estruturas viscerais, sendo que também ele é composto de uma parte aferente e outra eferente. Seu 
componente eferente é denominado SN Autônomo, podendo ser subdividido em simpático e 
parassimpático. 
1) BRANDÃO, M.L. Psicofisiologia:' São Paulo: Atheneu, 1995; 
2) CARLSON, Neil R. Fisiologia do Comportamento. 7ª ed. São Paulo: Editora Manole Ltda, 
2002. 
3) DAMÁSIO, Antonio R. Como o cérebro cria a mente. Rev. Scientific American Brasil, 2004, ed. 
especial, nº 4, p.6-11. 
4) MACHADO, Angelo. Neuroanatomia funcional. 2º ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2000. 
5) LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de Neurociência. São 
Paulo: Atheneu, 2001. 
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Temas para estudo sobre Evolução do SN 
Apostila e Cap. 1 - Carlson 
"Somos animais racionais, sociais, às vezes inteligentes e de hábitos, costumes e manias. Temos 
uma grande atração pela repetição. Isso não é bom. Mas é a maneira de nos protegermos contra a 
incerteza, o mistério e a finitude da vida." 
Tostão (médico e psicanalista) 
1) Defina o animismo. 
2) Diference as correntes filosóficas do Monismo e Dualismo quanto à questão cérebro-mente. 
. . 
3) Defina cada urna das e iências que compõem as N eurociências e os profissionais que atuam 
nelas. 
4) Como definir a Psicofisiologia? E o que motivou o recente crescimento das pesquisas nesta 
área? 
.. ·~ 
5) Faça um resumo sobre o histórico àe desenvolvimento da Psicofisiologia desde a Antigüidade 
até os tempos atuais, no que tange às principais inovações surgidas. 
6) Descreva, de forma completa, as principais alterações sofridas pelo SN durante a filogênese. 
7) O que são neurônios 2ensitiv0s, 011. aferr;ntr::i? E o::; motores, ou eferentes? 
8) Descreva o que é um arco-reflexo e de quais tipos ele pode ser. 
9) O que é um neurônio de associação e on~e ele pode ser encontrado? 
1 O) Diferencie filo de ontogênese. 
Faculdade de Ciências da Saúde - FACS 
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"Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável." 
Sêneca (escritor e filósofo romano) 
ORGANIZAÇÃO BÁSICA DO SISTEMA NERVOSO (SN) 
Estrutura do neurônio 
Embora diferindo muito na forma e nas dimensões (fig. 1), os diversos tipos de neurônios 
existentes no sistema nervoso (SN) possuem várias características comuns. Todos eles são 
cercados por uma membrana especializada (capaz de gerar e propagar impulsos elétJ.icos) e 
compostos por quatro regiões morfologicamente definidas (fig. 2): 
a) Corpo celular (ou soma) - centro metabólico da célula; 
b) Dendritos (do gr. déndron = árvore) - numerosos prolongamentos que s~ ramificam n 
partir do soma, como galhos de uma árvore, e cuja principal função é receber os sürnis Jc 
outras células neurais; 
c) Axônio (do gr. áxon =eixo)- de modo típico o soma só origina um axônio, prolongamcni·.:J 
tubular que surge de região especializada do corpo celular, denominada c~m-z ltXÔ1!;~:;: -
local onde são gerados os potenciais d e ação, ou sinais celulares. Trata-se <la pr~.:10ipt• 1 
unidade condutora do neurônio, capaz de conduzir sinais elétricos por distânci::·.: q:;t: 
variam de curtas (O, lmm) até longas (2m). Muitos axônios se dividem em vários ra1i:::::; e, 
assim, conduzem informação para diferentes alvos. 
d) Terminações pré-sinápticas - próximo ao seu final o axônio se divide em ramos :n::i~o 
finos que irão estabelecer contato com outros neurônios. O ponto de contato entre 
neurônios é denominado de sinapse. A célula transmissora de um sinal é designada como 
célula pré-sináptica, enquanto a célula que recebe o sinal é a célula pós-sináptica. 
Dilatações especializadas nas extremidades das ramificações axônicas atuam como locais 
de transmissão nas células pré-sinápticas. Essas terminações pré-sinápticas h:~·:.> ~:~~ 
comunicam anatomicamente com a célula p6s-sináptica. Ao contrário, as <luas célula3 ~ão 
separadas na sinapse, por um espaço chamado de fenda sináptica. 
Um neurônio típico recebe milhares de conexões sinápticas ·que se situam principal.1Le:1te 
sobre os dendritos (sinapse axo-dendrítica - por convenção, o elemento pré-sináptico ~ 
identificado primeiro) e o corpo celular (sinapse axo-somática) - (fig. 2). Existem também, eJU 
menor número, terminações pré-sinápticas que se apóiam sobre o axônio (sinapse axo-axônica) ou 
sobre terminações pré-sinápticas de outros neurônios (sinapse axo-sináptica) - (fig.3). Apesar de 
suas características peculiares, deve ainda ser mencionada a junção neuromuscular - placa motora 
- que ocorre entre uma terminação pré-sináptica e uma fibra muscular esquelética, e que será 
estudada no próximo capítulo. Nesses casos estamos tratando das sinapses químicas, as quais 
j 
envolvem substâncias transmissoras, os neurotransmissores, na mediação da comunicação entre os 
neurônios. 
Há também sinapses elétricas que, presentes em pequeno número no corpo de mamíferos, 
servem como s incronizadores c elulares e são encontradas no S N ( gliócitos adultos e neurônios 
imaturos), no figado e no coração. Morfologicamente, trata-se de uma região de aproximação entre 
duas células que em determinadas situações se acoplam formando poros na membrana celular. 
Através dos quais passam íons, conduzindo potenciais elétricos de uma célula a outra. 
Independentemente da forma, do tamanho; da bioquímica de seu transmissor ou de sua função 
comportamental, os neurônios podem ser descritos por um modelo generalizado que apresenta 
quatro regiões funcionais: um componente local de entrada (receptivo); um componente integrador 
(de gatilho - componente decisório d o neurônio); um componente condutor ( sinalizador) e um 
componente de saída (secretor- liberação de um transmissor)-(fig.4). 
Sinapses excitatórias ou inibitórias 
As sinapses químicas podem ser de dois tipos: excitatórias ou inibitórias. A excitatória atua no 
sentido de provocar uma descarga no neurônio receptor, descarga esta que se propaga pelo axônio 
deste último. É conhecida pela sigla PPSE - potencial pós-sináptico excitatório. A inibitória atua 
no sentido de inibir a descarga e é denominada: PPSI - potencial pós-sináptico inibitório. 
Imaginemos que um neurônio do SNC que é constantemente bombardeado por entradas sinápticas 
de outros neurônios. Por exemplo, um neurônio motor que receba 10.000 terminações nervosas. 
Algumas são excitatórias e outras inibitórias, podendo reforçar ou cancelar umas as outras (fig. 5). 
Essas entradas competitivas são integradas no neurônio pós-sináptico por um processo de 
integração neuronal. Processo esse que envolve a decisão de disparar um sinal (potencial de 
ação), e reflete ao nível celular, a tarefa que confronta o SN como um todo: a tomada de decisões. 
Uma célula, a qualquer momento tem duas opções: disparar ou não disparar (fig. 5). 
Anatomia fisiológica da fibra nervosa 
Afibra nervosa, que tem seu início no cone axônico, é formada por duas partes: uma central, o 
axônio; e um envoltório isolante, chamado de bainha de Schwann (ou também de bainha de 
mielina), que é formado pela sobreposição de camadas concêntricas de uma substância lipídica 
chamada de mielina, que apresenta cor branca. Esta bainha é interrompida a intervalos regulares, 
dando origem aos nódulos de Ranvier (figs. 6 A e B). Assim, a bainha que apresenta característica 
lipídica, e por isso é pouco condutora de íons, serve como excelente isolante elétrico para o axônio 
em toda a sua extensão. Exceto nos pontos correspondentes a esses nódulos, que permitem que ele 
entre em contato com o LEC, o que é essencial para a condução do impulso nervoso. Este tipo de 
transmissão das fibras mielínicas é denominado de condução saltatória, e apresenta duas 
vantagens: ganho de velocidade e economia de energia, em oposição à condução eletrônica das 
fibras amielínicas (fig. 7). 
Todas as fibras que possuem estrutura semelhante à descrita anteriormente são chamadas de 
fibras mielínicas (elas permitem propagação em alta velocidade do impulso nervoso, podendo 
atingir valores de até 120 m/s). Processos neurais que exigem rapidez de conexão, como os ajustes 
posturais, o reflexo de retirada frente a um estímulo lesivo etc., são supridos por fibras mielínicas. 
A maioria das fibras nervosas, entretanto,· não possui bainha de mielina, sendo chamadas de 
fibras amielínicas (velocidade mais lenta napropagação de impulsos, ficando na ordem de 1 a 3 
mls). Atendem aos processos neurais que não necessitam de grande velocidade e precisão, como o 
controle dos movimentos no tubo digestivo,. sinais de tato grosseiro de todas as partes da pele etc. 
Apesar da baixa velocidade estas fibras apresentam como vantagem em relação as mielínicas o 
fato de ocuparem menos espaço. 
Organização do SN 
O SN é formado por células, as quais .estão agrupadas de forma organizada. Posto que a 
anatomia do SN é o estudo desta organização, é útil conhecer como as células dão às diferentes 
partes do SN seu aspecto característico. 
Neurônios e glia 
As células tronco de um embrião dão origem a dois tipos primitivos de células do SN: 
neuroblastos e espongiblastos (um blasto é uma célula imatura). 
1 - Neuroblastos: transformam-se em neurônios (do gr. neúron = nervo) ou células nervosas, a 
unidade funcional do SN. Suas funções são: 
a) receber e integrar a informação que chega a ele, vinda de receptores sensoriais ou de outros 
neurônios; 
b) e transmitir informação para outros neurônios ou órgãos efetores (figs. 2 e 4). 
Possuem uma estrutura, especializada para o desempenho dessas funções, comum a todos os 
tipos de neurônios: corpo celular ou soma; prolongamentos do tipo - dendritos ou axônio; e 
terminações pré-sinápticas (fig. 2). Embora isto ocorra, a diversidade dos tipos neuronais é muito 
grande. E com base no número de prolongamentos originados no corpo celular, os neurônios são 
classificados em três grandes grupos que vêm a ser (fig. 1 O): 
a) unipolares - têm lllil só prolongamento e diferentes segmentos dele atuam como: superfícies 
receptivas ou terminações liberadoras; característicos do SN de invertebrados. Também existem 
em vertebrados nos gânglios do SN autonômico (fig. lOA); 
b) bipolares - têm dois prolongamentos funcionalmente especializados - os dendritos levam 
informação para a célula, e o axônio transmite esta informação para outras células. Exº: células da 
retina (sensorial). Células sensoriais de tato, pressão e dor que conduzem informação para a 
medula são exemplos de células bipolares denominadas de pseudo-unipolares (figs. lOB e C); 
c) multipolares - têm um axônio e muitos dendritos, sendo o tipo mais comum no S N de 
vertebrados. Ex05: neurônio motor da medula espinhal; célula de Purkinje do cerebelo; e célula 
piramidal do hipocampo (fig. lOD). 
2 - E spongioblastos: transformam-se em células gliais (do gr. glia = grude, cola), as quais 
cercam os neurônios e estão em número cerca de 10 a 50 vezes maior do que eles no SN do3 
vertebrados. Embora seu nome derive da palavra grega para cola, elas não mantêm unidas outras 
células, contudo são consideradas como tendo diversas funções vitais, entre elas: 
a) atuam como elementos de sustentação, dando firmeza e estrutura ao cérebro; 
3 
b) dois tipos de células da glia produzem mielina, a bainha isolante que recobre a maioria dos 
axônios de maior calibre; 
c) algumas células da glia têm a função de remover os detritos após lesão ou morte neuronal; 
d) durante o crescimento cerebral, certas classes de células gliais guiam a migração dos 
neurônios e dirigem o crescimento do axônio; 
e) certas células da glia participam da criação de um revestimento, especial e semipermeável, 
criando uma barreira hematoencefálica que impede o acesso de substâncias tóxicas ao 
cérebro; 
f) algumas células da glia têm participação na nutrição dos neurônios. 
Existem três tipos predominantes de células da glia no SN de vertebrados: oligodendrócitos, 
células de Schwann e astrócitos (figs. 8 A, B e C). Vejamos as características delas agora: 
a) oligodendrócitos e as células de Schwann - são células pequenas, com número 
relativamente oequep0 G.e prolongamentos. Essas células exercem a importante função de isolar 
eletr--~ . .i- ''".;Saxônios, enrolando-os em espiral com a bainha de mielina. 
Os oligodendrócitos, só encontrados no SNC, são capazes de envolver em média 15 axônios 
cada um (fig. 8A). As células de Schwann, que ocorrem só no SN periférico, enrolam-se em torno 
de um axônio apenas (fig. 8B). Estes dois tipos de células também diferem, em certo grau, em sua 
composição química. 
b) astrócitos - são os mais numerosos no SN e têm como função atuarem como elementos de 
proteção, uina vez que formam uma barreira seletiva semipermeável entre o sistema circulatório e 
os neurônios do encéfalo e da medula espinhal - a . barreira hematoencefálica (fig. 8C). Outra 
função atribuída a eles é a de nutrição dos neurônios. 
Enfoques ao estudo da anatomia 
Os neuroanatomistas podem estudar as estruturas cerebrais com qualquer um dos quatro 
enfoques principais. 
1 - Comparado (Filogenético): consiste em descrever a evolução do cérebro desde o primitivo 
cordão dos animais simples com forma de verme até o "nó emaranhado", grande e complexo, que 
é a cabeça do homem. ' . 
Posto que hão se desenvolvido novos tipos de comportamento como conseqüência ·da evolução 
de uma nova protuberância (neocórtex - pensamento, linguagem etc.), pode-se conseguir indícios 
acerca das funções das novas áreas relacionando a estrutura ao comportamento. 
A nomenclatura neocórtex (do gr. néos = novo), estrutura que nos mamíferos é mais 
desenvolvida e especificamente nos primatas superiores, deve-se ao fato dela ter surgido mais 
recentemente no curso da evolução. Est:rUtura esta que está relacionada aos comportamentos 
superiores, como pensamento, linguagem etc. 
Já o hipocampo, denominado estrutura subcortical por estar localizado abaixo do neocórtex, 
possui estrutura celular do tipo cortical. Esta surge na escala zoológica ao nível dos animais 
vertebrados mais pruwtivos (peixes, por exemplo), sendo chamado portanto de arquicórtex (do gr. 
arch =primazia) e estando ligada ao comportamento emocional, uma vez que faz parte do sistema 
límbico. 
E por fim, o córtex rinencefálico (rinencéfalo = cérebro olfatório) cuja função é olfativa, é 
também filogeneticamente antigo (surgindo nos anfibios), embora mais recente que o arquicórtex, 
e por isso sendo chamado de paleocórtex (do gr. palaiós = antigo, primitivo). 
2 - Do desenvolvimento (Ontogenético): descreve as mudanças de estruturas e tamanhos do 
cérebro durante o desenvolvimento de um indivíduo. 
Este enfoque permite verificar se o desenvolvimento de novas estruturas pode ser relacionado 
com comportamentos que surgem. E.g.: os neuropsicólogos supõem que o córtex dos recém-
nascidos é imaturo, especialmente em comparação com o resto do SN. Assim, considera-se que 
relacionar o desenvolvimento do córtex com·a aparição de um comportamento é um método eficaz 
para descobrir suas relações estruturais e funcionais. 
3 - Citoarquitetônico: consiste basicamente em descrever a arquitetura das células - diferenças 
de estrutura, ·tamanho, forma e conexões, e sua distribuição nas diferentes partes do córtex 
cerebral. Este tipo de enfoque passou a existir no início do século XX, liderado pelo anatomista 
Brodmann, que descreveu diferenças na estrutura celular de diversas áreas do córtex e construiu 
mapas que ilustram a topografia destas diferenças. Estes mapas têm grande valor pois se 
correlacionam muito bem com os mapas que ilustram as diferenças funcionais nas áreas cerebrais. 
Usando este método Brodmann descreveu 52 áreas, funcionalmente distintas, no córtex cerebral 
humano. 
4 - Bioquímico: tornou evidente que núcleos que enviam expansões a outras áreas celulares 
contêm substâncias bioquímicas peculiares que têm um papel especial na comunicação 
intercelular. Ex. vias nigro-estriatal ou mesolímbica e dopamina (DA). 
Isto permitiu que se pudesse relacionar a atividade destes sistemas com os distintos aspectos do 
comportamento. E também, que se associassem anormalidades no funcionamento destes sistemas 
com alguns tipos anormais de comportamento. Por exemplo,as pessoas que sofrem do mal de 
Parkinson têm níveis baixos de dopamina, enquanto que as que sofrem de certos tipos de 
esquizofrenia têm altos níveis desta substância química. 
E por fim, a medida que o conhecimento a respeito destes sistemas bioquímicos aumente 
também aumentará a nossa compreensão da forma pela qual atuam as drogas psicotrópicas. 
BIBLIOGRAFIA 
1) KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H. & JESSEL, T.M. Fundamentos da neurociência e do 
comportamento. Rio de Janeiro, Ed. Prentice-Hall do Brasil, 1997. 
2) KOLB, R & WHISW AN, I.Q. Fundamentos de Neuropsicologia Humana. Barcelona. Editorial 
Labor, 1986. 
3) GRAEFF, Frederico G. Drogas psicotrópicas e seu modo de ação. São Paulo. EPU, 1990. 
Temas para estudo sobre Organização básica do SN 
Apostila 
"A pessoa pode mentir com a boca, mas com o ar afetado que vem junto ela não obstante diz a 
verdade." 
Nietzsche (filósofo) 
1) Desenhe as partes que compõem um 'neurônio e descreva as funções desempenhadas em cada 
uma delas. 
2) Descreva os tipos de conexões sinápticas que podem ocorrer e as partes neuronais envolvidas. 
3) O que é sinapse e quais os componentes nela envolvidos? 
4) Diferencie sinapses químicas das elétricas. 
5) O que é cone axônico e qual função ele cumpre nos neurônios? 
6) Descreva as regiões funcionais componentes de um neurônio. 
7) Diferencie PPSE de PPSI. 
8) O que é o processo de integração neuronal e em qual parte do neurônio ele ocorre? 
9) Onde começa e do que pode ser formada uma fibra nervosa? 
1 O) Do que é formada e qual a função da bainha de mielina? E o que são os nódulos de Ranvier? 
11) Diferencie fibras mielínicas de amielínicas. 
' 
12) Diferencie a condução eletrônica da saltatória, e quais as vantagens apresentadas por ambas? 
13) Quais as funções desempenhadas pelos neurônios? 
14) O que são as células gliais e quais funções elas cumprem? 
15) Quais os tipos predominantes de gliócitos no SN de vertebrados? 
16) Defma o que é barreira hematoencefálica. 
6 
t 
A. Célula unipolar B. Célula bipolar 
--Axõnio 
~ Corpo celular J--
Célula~ da retina 
_,~ 
D. Três tipos de células llipolares 
--Axõnio 
1 
\ 
' Neurõnio mo~ da medula espinha! 
C. Célula pseudo-unipolar 
--Axônio 
central 
--Prolongamento 
único bifurcado 
- Corpo celular 
Axônio periférico 
-- para pele e 
músculos 
Célula de PlJrkinje do cerebelo 
Sulco 
mediano dorsal 
Por ta lateral 
__..j'""'"""'...,.. ..... 1 ___ -1 
Cervical .. 
Cenricaft 
B> 
Ponta C® ventral Fissura Torácico 
mediana ventral Torácico 
A Fr&l, q 
e 
Lombar 
Sacro 
Sacro Fissura média ventral 
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Desenvolvimento da bainha de. . 
mielina no sistema nervoso periférico 
1 
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Camada das 
membranas de células 
deSchwann 
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1mm de comprj 
Mielinização no sistema nervoso central 
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Filamenlos do•ciloesquetelo no~ 
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Nodo de A:amiet-
Componente Neutônio 
sensorial 
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Condutor 
Saída 
Neurônio 
molar 
-Axõnio 
Fibra ... 
~ 
'00{ mV ·jt-
Sinapses 
axodendriticas 
Membran9 ~ 
sináptica 
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~ 
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Neur.ônlo pós-
sináptico 
~ t-
Jiotenci11 de 8çio f PA) Despola~ PA 
9~ 
+ + + ~ Sinapse - + - -:7 
excitatória 8 10 ~ . -=·~·-~ 9 
SinapR 
e, 
'l e + + Slna,s& ~ l- _,_ 
Inibitória ~ . .\ -
- + 
·- + .., 
-1. + ~ @ + 
iOºf Jc ------c:.c.c:c: mV ..- --Inibição ~ F1~5 
ªA HiperpolariUçãcio 
Modelo 
de neurônio 
·- ----·---.------~ .--·-· ·-.. ·::- ·--.--·-- ---·--··------------~-----~/:II~I{:t·.·--· ,: ______ .:... .... -·----------·-··-·-. 
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UR\6.:1 tJlt L JJ f\ 
f ~OF? .' A lEY A-M) Q{; \ ft'J-T P .. ·~ . · .. (})> j) frf4: Z~ J OK /o~ CAPÍTULO 3 
-· .. ··: 
SABER O PRINCIPAL 
Resumo 
O neurônio é a unidade sinalizadora do sisteáa n~rvoso. É uma). 
célula especializada, com vários prolongamentos para ~r~cepção de si-
nais e um único para a emissão de sinais. Sua estrutui;a interna é seme-
lhante à das demais células animais, com algÚmas peCÜÍiaridades próprias 
de sua natureza sinalizadora. · ' 
. '.~ 
A natureza integradora do neurônio é çpnferidapQrsua mewbrana .. , 
plasmática. Esta é uma estrutura especializada na prpduÇão e na propa~ ·• 
gação de impulsos elétricos. Sua caraéterística maisjmportante é a prer l 
sença de diferentes tipos de canais iônicos, macromoléculas embuticffiS!~;~~foi;;·f~ . 
na membrana capazes de filtrar seletivamente a pass11gem de íons.p~··. 
dentro e para fora do neurônio. ·: ". ·' . '\i•. 
Numa situação hipotética de "repousô'funcional",·'O neurõnio apre-
senta um estado constante chamado poténdal de repohsp da célufa ner-
vosa. Como em)odas as células, o 'ihteriSf ;do :Oeurôn'io e négatiyo Jm 
relação ao exterior, uma diferença de potencial mantida constante pelo •"• . ·.·· . 
contínuo fluxo de íons através da II1emb~na. · '.i( • · ·'~~:·:~~;;; : 
O sinal elétrico que o neurônio utilizá como unidade de informa:ª~º·•"'"'. ~i 
é o impulso nervoso ou potencial de ação. Este é um episódio 111wt0 
rápido de inversão da polaridade da membrana, produzido pela,abert@-a 
seletiva e consecutiva de canais de Na+ ê K+, causando'um.i~~d~IS~o-.,, 
fluxo iônico através da membra:fia que pr~voca a inversão de ;§ua pol~­
dade elétrica. O potencial de a,?ão é pro~agável ª?' longo do axôniie, 
portanto, conduzido de uma éxfremidad~ 'à outra do neurônio. 1 ~ 
O sistema nervoso não é constituído ápenas de neurônios ,.mas t&ffi- 1 
) <''Ç,-l'-:'9:.;:-., l'i;~" 
bém de uma outra família de células chamadas coletivamente de neutó!·"'" J; ,, 
glia. A neuróglia é um conjun,to polival~nte de c~lulas n~ô neuro"is, 
cujas funções permitem garanf.ii,' a infra-~.strutura para o pihcionamito 
dos neurônios. S.ão funçõys cl~s gliócitÔ~ a nutrifão .dbs neurôni · 
absorção de substâncias do'Tue~ externo '1tzinho ao.mlurônio e su ";;;<·~-11e· 
formação em substâncias .~~e~~a ele, o;fjsolain,lBfo,da me1li,1lrana 
axônios, a defesa imunitáriã dÓ,sistema rltervoso é muitas outr~~--
i::. ~!~~ /f}' . ~~.~:.:.· i 
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.,. ~ .""'1'' ••• 
/ 
~ ~ i I __,.,u.--~---!L.___r_L/ 
I 
As UNIDADES DO SISTEMA NERVOSO 
Talvez uma das características mais marcantes do 
tecido nervoso seja a extrema variedade - morfológi-
ca e funcional - das células nervosas. Há neurônios de 
todas as formas possíveis e imagináveis. Igualmente, 
há neurônios participando das mais diversas funções 
do organismo. Tome1~os o exemplo do córtex cere-
bral, e dentro dele, para sermos mais restritos, consi-
deremos a região auditiva, ou seja, aquela que recebe 
e interpreta as informações vindas dos ouvidos. A Fi-
gura 3.1 mostra um desenho feito pelo neuro-histolo-
gista espanhol Santiago Ramón y Cajal, no início do 
século XX, representando neurônios corados com sais 
de prata no córtex auditivo do gato. Observamos célu-
las cujos corpos têm a forma de pirâmides, outros que 
parecem estrelas ou pequenos grãos, outros ainda alon-
gados como os antigos fusos de tecelagem, e assim 
por diante. Alguns dos nomes que identificam esses 
neurônios foram criados com base na sua semelhança 
com objetos de observação comum: células piramidais, 
estreladas, granulares, fusiformes etc. Outras vezes 
receberam adjetivos descritivos de sua posição ou for-
ma: horizontais, bipolares, multiformes. E, ainda, al-
guns foram associados aos nomes dos pesquisadores 
que primeiro os observaram: célulasde Cajal-Retzius, 
de Martinotti etc. 
,,-
Recentemente, os neurobiólogos puderam conhe-
cer muitas funções desses neurônios auditivos. Des-
cobriram células que ''percebem" tons simples, outras 
que só respondem a combinações de tons, outras ainda 
que preferem sons cuja freqüência é modulada no tem-
po, e assim por diante. A especificidade funcional das 
células auditivas é tão grande, que já foram descober-
tos neurônios que "percebem" sons complexos que têm 
significado comportamental, éomo sons de alerta, de 
agressão e de aproximação sexual, específicos de cada 
espécie animal. Se pensarmos que essa variedade fun-. 
cional existe também em regiões visuais, olfativas, lin-
güísticas, motoras etc., poderemos imaginar a extensão 
fantástica dessa multiplicidade de funções. 
Entretanto, há uma importante propriedade que 
é comum a todos os tipos neuronais, e ela é um dos 
temas deste capítulo: a capacidade de gerar sinais elé-
tricos que funcionam como unidades de informação. 
Praticamente todos os neurônios são excitáveisº , e 
os impulsos elétricos que eles produzem os tomam 
verdadeiros microcomputadores que contêm e pro-
cessam informações a respeito do ambiente externo 
ou interno, comandos para a ação muscular ou a ati-
vação de glândulas e complexos códigos que veicu-
lam pensamentos, memórias, emoções etc. Adiante 
veremos como os neurônios são capazes de prodlizir 
esses sinais. 
...... Figura 3.1. O histologista espanhol Santiago Ramón y Caja\ 
foi um dos primeiros a identificar os diferentes tipos de neurônios, 
que ele mesmo desenhou ao microscópio. Este desenho representa 
as células nervosas do córtex cerebral de um gato. As células A, B, 
C, F e G são piramidais de diferentes tamanhos, enquanto E, L e M 
são estreladas. Os axônios estão assinalados por diminutas letras a, 
e algumas das camadas corticais estão indicadas por números à 
esquerda. Reproduzido de S. Ramón y Cajal (1955) Histologie du 
Systéme Nerver.ix de /'Homme & des Vertébrés. Instituto Ramon y 
Cajal, Espanha. 
A segunda classe de células~presentes no siste-
ma nervoso, que compõem coletivamente a neur~­
glia, possui menor variedade morfológica e 
funcional, mas sua importância não pode ser depre-
ciada. Como os neurônios, os gliócitos ou células 
da glia (Figura 3.2) recebeip. também nomes descri-
tivos de sua forma, ou denominações associadas a 
seus descobridores: astrócitos são os que se pare-
cem a astros do céu, segundo os primeiros histolo-
gistas a observá-los; oligodendrócitos são os que 
possuem poucos prolongamentos, como indicam as 
raízes gregas do termo (oligos significa "pouco"; 
déndron significa "ramo de árvore"). As células da 
glia participam da "infra-estrutura" do tecido ner-
voso: fornecem um arcabouço de sustentação para 
os neurônios, conduzem nutrientes do sangue para 
'1.· . 
67 
CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS 
as células nervosas, controlam as concentrações de 
íons no meio extracelular, armazenam glicogênio, 
participam dos mecanismos de cicatrização e de 
defesa em caso de lesão ou de infecção do tecido 
nervoso, fornecem uma capa isolante aos axônios e 
desempenham outras tantas funções. Como se pode 
concluir, suas furições são "de retaguarda'', ou seja, 
garantem as condições básicas para que os neurôni-
os possam exercer sua atividade sinalizadora. 
Os neurônios e os gliócitos operam coordena-
damente (ver o Quadro 3.2). A separação de suas 
funções é apenas um recurso didático. A estreita co-
operação entre as duas classes de células do tecido 
nervoso pode ser avaliada quando o tecido é agredi-
do e lesado, pois nesses casos a glia contribui para 
bloquear ou diminuir a degeneração da célula ner-
vosa, e em alguns casos facilita a regeneração e a 
restauração funcional. 
0 NEURÔNIO É A UNIDADE SINALIZADORA DO SISTEMA NERVOSO 
A FORMA E OS COMPONENTES 
DA CÉLULA NERVOSA 
Todo neurônio possui um corpo celular ou soma, 
onde estão concentradas as principais organelas intra-
..,._ Figura 3.2. Cajal desenhou também gliócitos. Neste caso, estão 
representados os astrócitos (C) e os oligodendrócitos (D) do cerebelo. 
As células B são neurônios (conhecidos como células de Purkinje), 
com um axônio marcado pela letra a. Outros elementos estão 
assinalados por letras diferentes. Reproduzido de S. Ramón y Cajal 
(1955) Histologie du Systéme Nerveux de l 'Homme & des Vertébrés. 
Instituto Ramon y Cajal, Espanha. 
68 
celulares. O diâmetro do soma pode variar mais de 1 O 
vezes de uma célula a outra, desde alguns micrôme-
tros até cerca de cem. As células granulares do cerebe-
lo, por exemplo, têm cerca de 6µm, enquanto as células 
de Purkinje, suas vizinhas, podem atingir 80 mm. Es-
sas dimensões conferem aos neurônios, individualme-..-
te, volumes da ordem de 105µm3, que no entanto 
representam apenas uma minúscula fração do volume 
celular total, já que quase todos eles possuem longos e 
numerosos prolongamentos que emergem do soma. Os 
prolongamentos neuronais ou neuritos são o axônio, 
geralmente único, e um ou mais dendritos. Esses dois 
tipos de prolongamento conferem ao neurônio uma 
polaridade que é essencial à sua função. O axônio vei-
cula os sinais de saída do neurônio, isto é, as informa-
ções que esse neurônio gera e conduz a outras células. 
Os dendritos, por sua vez, recebem as informações que 
chegam, provenientes de outros neurônios. A r.egião 
de contato entre um axônio e outro neurônio é a si-
napse, tema principal do próximo capítulo. Os neuri-
tos é que expressam fortemente a extrema variedade 
morfológica das células nervosas. O axônio pode ser 
muito curto e simples, como o de um cone (Figura 3 .3 ), 
célula da retina especializada em captar a energia lu-
minosa que penetra no olho. O axônio dessa célula tem 
poucos micrômetros de comprimento, e termina em 
uma intumescência muito simples. No outro extremo 
está o axônio de um tipo de motoneurônio da medula 
espinhal (Figura 3.3), que comanda os músculos dos 
pés: seu comprimento no homem pode atingir um me-
tro (cerca de 20.000 vezes o diâmetro do soma), e ele 
se ramifica muitas vezes comunicando-se com outros 
neurônios e com várias células musculares. No lado 
dos dendritos, a variedade é também muito grande. O 
dendrito do cone, que mencionamos há pouco, é único 
e curto como o axônio (Figura 3.3). Já os motoneurô-
AS UNIDADES DO SISTEMA NERVOSO 
rüos medulares possuem vários dendritos emergindo 
do soma. Cada um deles se ramifica várias vezes nas 
proximidades do corpo celular (Figura 3.3), formando 
o que se conhece como árvore ou campo dendrítico, 
que na verdade compõe a região "receptiva" do neurô-
nio, ou sej!l, aquela que recebe as informações dos 
outros neurônios. A Figura l.8C apresenta um exem-
plo extremo de complexidade dendritica, o da célula 
de Purkinje do cerebelo, cuja árvore é tão ramificada 
que permite o contato de 200.000 fibras aferentes! 
Essas numerosas variedades morfológicas das células 
nervosas não são casuais, mas, sim, representam adap-
tações da forma neuronal às diferentes funções exerci-
das pelos neurônios. 
A B 
de três camadas (lâminas), sendo a central elétron-lú-
cida (transparente aos elétrons), e as duas de fora elé-
tron-densas (opacas ao feixe de elétrons). Essa 
constituição laminar reflete a estrutura molecular da 
membrana, que é formada por uma dupla paliçada de 
lipídiosº, dentro da qual flutuam proteínasº de dife-
rentes tipos e funções (Figura 3.4B). Não é só a borda 
externa da célula nervosa que é envolvida por mem-
brana. Como todas as células, o neurônio também pos-
sui um complexo sistema de cisternas envolvidas por 
membranas de constituição e estrutura muito semelhan-
te à da membrana plasmática. Essas cisternas têm como 
função gerenciar o tráfego interno das moléculas sin-
tetizadas sob comando genético. Além disso, o núcleo 
V 
..... Figura 3.3. Atravésdos desenhos de Cajal podemos comparar os cones da retina de um peixe (A), assinalados pela letra 
a à esquerda (em vermelho), com os motoneurônios da medula espinhal de um pinto (B), indicados pelas letras a, à direita, 
também em vermelho. Outros elementos estão representados por letras diferentes (em preto). No desenho, o dendrito do cone 
aponta para cima, enquant9 o axônio aponta para baixo. Os dendritos dos motoneurônios emergem em todas as direções, e o 
axônio está assinalado pela letra h. A modificado de S. Ramón y Cajal (I 972) The Structure of the Retina. Charles C. Thomas, 
EUA. B modificado de S. Ramón y Cajal (1955) HistiJlogie du Systeme Nerveux de l'Homme & des Vertébrés. Instituto 
Ramón y Cajal, Espanha. 
O neurônio, com seus prolongamentos, é uma uni-
dade completamente envolvida por uma membrana que 
separa o compartimento intracelular do extracelula'r 
(ver no Quadro 3.1 como se chegou a essa certeza). 
Como veremos, essa separação não isola totalmente o 
interior do neurônio do meio extracelular. Muito pelo 
contrário, sua permeabilidade seletiva permite inten-
' sas trocas de íons entre esses dois compartimentos, e é 
exatamente essa propriedade que torna possível a ge-
ração e a condução de sinais bioelétricos. A membra-
na plasmática aparece ao microscópio eletrônico como 
..• uma fita contínua que envolve a célula sem interrup-
ções (Figura 3.4A). Examinando-a em grande aumen-
to, os morfologistas verificaram que ela é constituída 
e muitas organelas celulares são também delimitados 
por membrana com as mesmas características da mem-
brana plasmática. 
O citoplasma e o núcleo compõem todo o interior 
da célula nervosa (Figura 3.4A). Não se deve imagi-
nar que o citoplasma seja constituído exclusivamente 
de um liquido no qual flutuariam as organelas intrace,. 
lulares. Sua constituição é bem mais complexa. Na 
verdade, o citoplasma é composto p0r um meio líqui-
do denso (quase uma gelatina, chamada citosol) e por 
proteínas organizadas n~ forma de fibrilas, que com-
põem o citoesqueleto. É o-citoesqueleto que mantém a 
fonna peculiar de cada neurônio. É ele também que 
69 
CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS 
permite a grande mobilidade dos neurônios jovens 
durante o desenvolvimento, que são capazes de mi-
grar das regiões germinativas para sítios distantes do 
organismo embrionário, além de emitir, alongar e re-
trair ativamente seus prolongamentos. Além disso, o 
citoesqueleto constitui um sistema de transporte de 
moléculas sinalizadoras, nutrientes, fatores tróficosº 
e até mesmo vesículas membranosas, que se movem 
do soma até a extremidade dos neuritos e no sentido 
oposto. 
O citoesqueleto compõe-se de três estruturas prin-
cipais: os microtúbulos, os neurofilamentos (ou neu-
rofibrilas) e os microfilamentos (Figura 3.5). Os 
microtúbulos (Figura 3.5A, C) são estruturas tubula-
res de 25-28 nanômetros de diâmetro (lnm = I0·9m), 
compostas por uma proteína estrutural chamada tubu-
lína e outras associadas conhecidas pela abreviatura 
inglesa MAP (de microtubule-associated protein). A 
segunda estrutura do citoesqueleto - o aeurofilamento 
- tem dimensões um pouco menores que o microtúbu-
lo (cerca de 1 Onm de diâmetro) e compõe-se de dife-
rentes proteínas enroladas em trança (Figura 3.5B, D). 
Finalmente, bem mais finos são os microfilamentos, 
com cerca de 3-5nm de diâmetro e uma estrutura mais 
simples composta poi: uma proteína chamada actína, 
que tem papel importante nos movimentos celulares 
(Figura 3.5E). A importância do citoesqueleto pode 
ser avaliada ao considerarmos os graves defeitos fun-
cionais que podem surgir no cérebro dos indivíduos 
idosos portadores da demência de Alzheimer0 , cujas 
B 
proteínas fibrilares apresentam alterações degenerati-
vas e se acumulam desorganizadamente em novelos 
no citoplasma neuronal (ver o Capítulo 2). 
O citosol é como uma sopa protéica na qual se 
difunde uma multidão de macromoléculas diferentes, 
geralmente proteínas e especialmente enzimasº. A 
maioria dessas proteínas é sintetizada sob o comando 
dos ácidos nucléicosº, e 1:1sualmente encontram-se no 
citosol em trânsito para serem incorporadas ao citoes-
queleto, às organelas intracelulares e ao núcleo. 
Dentre as organelas que se localizam no soma dos 
neurônios, a maior é o núcleo. O núcleo é o local onde 
se aloja a maior parte (mas não a totalidade) do DNA e 
grande parte do RNA do neurônio. Pode ser facilmen-
te identificável ao microscópio eletrônico (Figuras 
3.4A e 3.6A), delimitado pela membrana ou envelope 
nuclear. A membrana nuclear na verdade forma um 
sistema de cisternas aplanadas, dispostas em placas 
separadas que se continuam com o retículo endoplas-
mático (Figura 3.6A, B). Os locais de separação entre 
as placas constituem amplos poros através dos quais 
ocorre intensa transferência de ácidos nucléicos e pro-
teínas entre o núcleo e o citoplasma. Como a grande 
maioria dos neurônios dos indivíduos adultos torna-se 
incapaz de se dividir após uma certa etapa do desen-
volvimento, o DNA nuclear encontra-se disperso den-
tro do núcleo (Figura 3.6A) e nunca se agrupa para 
formar os cromossomos tão característicos da célula 
em metáfaseG. Entretanto, é no núcleo que ocorre a 
Canal 
iônico 
Membrana 
plasmática 
trilaminar 
..,.._ Figura 3.4. Ao microscópio eletrônico (A), apenas parte do neurônio pode ser vista, porque a ampliação é muito grande e o corte que 
precisa ser feito é muito fino. A foto mostra um neurônio da retina de um macaco, vendo-se o seu grande núcleo (Nu) e um dendrito (De) 
emergindo do soma. A membrana plasmática (mp) envolve toda a célula, e sua estrutura trilaminar está representada esquematicamente em 
B, contendo uma proteína complexa (neste caso, um canal iônico) flutuando no seu interior. A cedida por Marília Zaluar Guimarães e J. Nora 
Hokoç. 
70 
AS UNIDADES DO SISTEMA NERVOSO 
transcnçao, i"sto é, a síntese de moléculas de RNA 
mensageiro (mRNA), que formam réplicas perfeitas 
de segmentos do DNA destinadas à síntese de proteí-
nas. E é justamente através dos poros do envelope nu-
clear que os mRNAs passam para o citoplasma, onde 
se reúnem a pequenos g>;ânulos chamados ribossomos 
(Figura 3.6B). Os ribot?somos vão se associar em se-
qüência ao mRNA, formando os polissomos, e vários 
destes se ligarão à superficie externa do retículo endo-
plasmático, dando-lhe um aspecto rugoso característi-
co (Figura 3.6.<'.\.). Nos polissomos ocorre a traqução 
(Figura 3.6C), ou seja, a síntese de proteínas do neu-
rônio. O retí~ulo endoplasmático rugoso é muito pro-
e 
nunciado nos neurônios devido à intensa atividade de 
síntese protéica dessas células, e pode ser identificado 
em preparações histológicas coradas como grânulos de 
aspecto "tigróide" (assim os descreveram os histolo-
gistas do século passado!) cujo conjunto ficou conhe-
cido como substância de Nissl (Figura 3. 7). 
Algumas proteínas recém-sintetizadas vão difun-
djr de volta ao núcleo, outras ficam no citosol para 
serem incorporadas às organelas citoplasmáticas, e um 
terceiro grupo é armazenado no interior do retículo para 
ser posteriormente transportado aos prolongamentos 
do neurônio e até secretado para o meio extracelular. 
Do retículo endoplasmático brotam pequenas vesícu-
E 
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..,... Figura 3.5. Os elementos do citoesqueleto podem ser identificados ao microscópio eletrônico dentro de um axônio cortado transversal (A) 
ou longiludinalmente (B). A organização molecular dos elementos do citoesqueleto foi decifrada por técnicas bioquímicas (C-E). Os microtúbulos 
são formados por 13 protofilamentos de tubulina formando um cilindro (C). Os neurofilamentos são constituídos por muitas unidades fibrilares 
mais finas trançadas entre si (D), e os microfilamentoscompõem-se de duas seqüências helicoidais de moléculas globulares 'âe actina (E). Fotos 
A c B cedidas por Ana M. B. Martinez, do Departamento de Histologia e Em_briologia do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. 
71 
® 
CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS 
·' H1sróR1Ã E ourRAs H1sróRiÁs ; ~ - -, - ";-
Quadro 3.1 
De que é Feito o Cérebro: 
Teia Única ou Células."lndividuais? 
Suzana Herculano-Houzer 
ários Prêmios Nobel são divididos por dois ou três pesquisadores, e nisso o Nobel de Medi-
cina e Fisiologia de 1906 não teve nada de excepcional: contemplou dois histologistas que 
contribuíram para o entendimento da estrutura e organização do sistema nervoso, um com a 
··~~ criação de um método histológico re•'Olucionário, e o outro com sua aplicação. Só que os 
dois laureados defendiam teorias completamente opostas. Pior ainda: um deles, o espanhol Santiago 
Ramón y Cajal (1852-1934), havia usado a coloração desenvolvida pelo outro, o italiano Camillo 
Golgi ( l 84}-1926), exatamente Pl]I'3.jogar por terra aTeoria Reticular que este defendia. Não é de se 
espantar·qlie:Golgi teiJhàusado.séÜ: discÜrso da nôite'.da. premiação para atacar a nova teoria do seu 
advérsâilO... ..... . . :.-:. '." 
.:: ·, ·---: ' ·' ·--~-\·: 
. A c()loràção criada por Golgi em 1872 tinha a prÔ,priedade fantástica de corar, dentre os milhões 
de células eilÍ Jlffi bloco de .tecido, somente umas poli~as, que acumulavam um precipitado de prata 
que delineava sua forma completamente. Usando sua:llova coloração, Golgi alegava poder demons-
trar verdadeiras redes de células nervosas interliga~ continuamente, como se fossem um sincício, 
isto é, uma grande célula ramificada com muitos núbl~os. 
EID: .18~7; Cajal to-
mou conhecimentó da col~raÇiÍ~::(i~ Ô6lgi e dos 
argurri~ytos.deste, .• Cajal 
defe~4i~:~ª. t~?ria. Çelu- .. · · 
lar de. Schwann, que pre~ 
via que também o cére-
bro deveria ser compos-
to por células individua-
lizadas. Muitos neurolo-
gistas relutávam em 
aceitar que es~a teoria se 
aplicassetambém ao sis-
tema nervo só, e preferi-
am defendera c~amada 
"teoria .teticiilar" como ~! ~fllt~1~~ 
;; ·• ~~1~~~s;:~f.~.&1,°.~M:iv•.•··~1.~a.?u.'·9a·1?s .. ~.-f' ; · 
.•· .~:, . . ·,• .,: .... ~::·· . .'.~: '· \ Gb. ·· ·· · ·.·.········ .. · ···· · · ~;:~':.rot~I~: dó. ' 'ai•t·: ·. ·B • , .. • . '~DdS~R.tC~al:(~l~9~9:.lr)fRil.~l~,L~~~ .. ·.• ;e· estudo·)J.isfológico 4Õ. .. lllº~~~;·,;~":ler~~~~~f?ª1s. e . ªJ ·. •· eco ectionsoJ711Y !,e.MIT · ..• 
;" / .· .:f .•;;·.;. Pr1S'_'~~i/d . . . •· · ••"' . 
72 
AS UNIDADES DO SISTEMA NERVOSO 
sistema nervoso, "a obra-prima da 
vida". Cajal via na compreensão da 
organização do cérebro uma peça vi-
tal à construção de uma "psicologia 
racional", e exultou com seu sucesso 
inicial usando preparações de células 
dissociadas. 
O aproveitamento do método de 
Golgi por Cajal foi intensificado pela 
sua decisão de adôtar·o sistema ner-
voso ainda em des'envolvimento 
com~ seu principal objeto de estu-
do.· Em desenvolvimento, as células 
nerv'osas, ainda pequenas, mostram-
se _integralmente achn}croscópio. em 
uma úD.ica lâmina,. e. mesmo circui-
tos inteiros podem s~r estudados. Em 
suasjnvestigações nlÍnuciosas Cajal 
·· obserirou que não. há· continuidade, 
mas ~im contigüidade entre células 
·. cerebiais, ao coD:t~~li.() do que deferi:. 
. ·• dia GOlgi{Figura):~e\ls contatos são 
<orga~izados: as fibras nervosas ter-
. inin~µf sobre o c6i:i)ô ~elular e os 
dendiitos ·de outr~~ 6élulas, forman-
_do camirihos de cc>fi:Ci{i'ção bem deli-
.. mitàdos, coerentemente com as 
·.· evi4~ri,9ias g4e ~ ~elir~fisiologia co-
.. /:meÇava a descó~rif::;:).,: · 
•> ·-·· · !"9'.trabálho ci~:.ç*J~ifoi sintetiza~ 
.· do tii:(Teoria Ne:ui°órialdo siste~a n~r-
voso, ainda aceiÍa'.ej~ \'árias vez~~ 
confirmada. Tudo com base na col()- · 
las que depois se fundem com outro sistema de cister-
nas citoplasmáticas que compõem o aparelho de Gol-
gi. Deste brotam outras vesículas, que finalmente serão 
transportadas pelos microtúbulos do axônio e dos den-
dritos, em direção às extremidades. o conteúdo desses 
sistemas de cisternas e vesículas é fom1ado por enzi-
mas que regulam a síntese de neurotransrnissoresG 
pelos próprios neurotransmiswres e por componente~ 
da membrana plasmática destinados aos neuritos no 
interior dos quais ocorre menos síntese de proteí~as. 
Do aparelho de Golgi brotam também pequenas orga-
nelas citoplasmáticas chamadas lisossomos, que con-
têm enzimas capazes de decompor as moléculas já 
utilizadas pela célula nas suas unidades menores, para 
que estas possam ser reutilizadas na síntese de novas 
moléculas e, portanto, na renovação das organelas. . 
Duas outras organelas existentes no soma neuro-
nal devem ser mencionadas. A primeira é a mitocôn-
dria, muito importante para a vida de todas as células 
pelo fato de realizar a fixação do oxigênio e a síntese 
de moléculas de alta energia, que irão alimentar as re-
ações químicas necessárias à vida do neurônio. A se-
gunda é o peroxissomo, uma organela semelhante ao 
lisossomo, mas que contém uma proteção contra o pe-
róxido, subproduto altamente oxidante que resulta da 
degradação molecular. Acredita-se que as mitocôndri-
as e os peroxissomos sejam remanescentes evolutivos 
de microrganismos que um dia no passado remoto in-
corporaram-se à célula eucariotaG, criando com ela uma 
relação de interdependência que ficou preservada ao 
longo da evolução subseqüente . 
Os dendritos que emergem do soma neuronal 
muitas vezes formam uma verdadeira árvore em tor-
no deste, que aumenta pronunciadamente a superfí-
cie da célula nervosa, tomando-a capaz de receber 
maior número de contatos provenientes de outros 
neurônios. Ainda maior aumento de área receptiva 
resulta das numerosas espinhas que existem nos ra-
mos dendriticos de alguns tipos ne-uronais (Figura 
3.8A, B). As espinhas são pequenas projeções com 
uma esférula na extremidade, sobre as quais se for-
mam contatos sinápticos (Figura 3.8C-E). Recente-
mente, tem-se atribuído às espinhas dendriticas grande 
importância funcional porque se verificou que elas 
constituem microcompartimentos privilegiados que 
concentram íons e pequenas moléculas influentes na ·· 
transmissão de informação entre os neurônios. Alén\ 
disso, o padrão de espinhas de um neurônio se modi-
fica dinamicamente com a aprendizagem e com cer-
tas doenças mentais, fazendo supor que elas 
desempenham um papel importante nas mais altas 
funções neurais. 
73 
® 
CEM BILHÕES DE NEURÔNIOS 
~ Figura 3.6. A membrana nuclear é contínua com o sistema de cisternas do neurônio (setas vermelhas em A). As cisternas participam 
ativamente da síntese de proteínas. Os RNA mensageiros (mRNA) são sintetizados no núcleo a partir do DNA (B), e exportados pelo citoplasma, 
onde se associam aos ribossomos para formar os polissomos (C). É nestas estruturas que ocorr~ a síntese das proteínas citoplasmáticas, 
mitocondriais e vesiculares. Foto em A cedida por Ana M.B. Martinez, do Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Ciências 
Biomédicas da UFRJ. 
Praticamente todos os componentes do soma neu-
ronal estão presentes nos dendritos, especialmente na-
queles mais calibrosos que emergem do soma. Nos 
ramos mais finos dimllf UÍ ou desaparece a substância 
de Nissl, assim como o aparelho de Golgi e os micro-
túbulos do citoesqueleto. 
O axônio emerge do soma através de uma re-
gião funcionalmente especializada chamada cone de 
implantação, segmento inldal ou zona de disparo. 
Como veremos adiante, essa região é muito excitável, 
e é nela que aparece o impulso nervoso que será poste-
riormente conduzido ao longo do axônio na direção 
de sua extremidade. O axônio é uma parte do neurônio 
de grande importância pelo papel que exerce como 
condutor dos impulsos nervosos. Historicamente, axô-
nios de animais invertebrados(como as lulas) foram 
~ Figura 3.7. A chamada substância de Nissl recebeu esse nome em homenagem ao psiquiatra alemão Franz Nissl 
( 1859-1919), o primeiro a revelá-la utilizando anilinas. O método de Nissl foi aplicado pelos primei.ros histologistas 
e ainda é rotineiramente utilizado. A célula em A é um motoneurônio da medula do coelho, desenhado por Cajal. Um 
corpúsculo de Nissl é assinalado pela letra b, a letra e denota estruturas mais finas do citoplasma, d assinala o núcleo, 
e e a mostram dendritos. A foto em B mostra neurônios piramidais do córtex de um hamster, corados pelo método de 
Nissl e fotografados ao microscópio óptico. A reproduzido de S. R. Cajal (1955) Histologie du Systéme Nerveux de 
l'Homme & des Vertébrés. Instituto Ramón y Cajal, Espanha. 
74 
AS UNIDADES DO SISTEMA NERVOSO 
,.._ Figura 3.8. As espinhas dendriticas são diminutas protrusões que emergem de um tronco dendritico principal (A). As 
fotos A, B e C são sucessivas ampliações (retângulos brancos) de uma célula preenchida com um corante fluorescente, 
vista ao microscópio óptico. Os circulos brancos em B assinalam espinhas dendriticas. A foto C mostra uma delas em 
grande ampliação. A foto D mostra um corte ultrafino visto ao microscópio eletrônico, ilustrando uma sinapse (seta) de um 
terminal axônico (à direita) com uma espinha (à esquerda). A foto E representa o molde metálico de um dendrito visto ao 
microscópio eletrônico de v~rredura, apresentando uma espinha dendritica íntegra e inúmeros "talos quebrados" de espinhas 
(setas vermelhas). D modificado de A. Peters et ai. (1976) T11e Fine Structure ofthe Nervou.S System. W.B. Saunders Co .• 
EUA. E modificado de K.M. Harris et ai. (1992) Joumal of Neuroscience 12: 2685-2705. fotos A, B e C cedidas por 
Monica Rocha, do Departamento de Farmacologia do-Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. 
os modelos experimentais que possibilitaram a com-
preensão dos mecanismos moleculares geradores dos, 
sinais elétricos neuronais. A membrana do axônio re-· 
cebe o nome particular de axolema, embora sua estru-
tura e sua função não sejam muito diferentes daquelas 
dos dendritos. O mesmo se pode dizer do citoplasma, 
que no axônio recebe o nome particular de axoplasma. 
No axoplasma - como no citoplasma dos dendritos 
mais finos - não existe o retículo endoplasmático ru-
goso que constitui a substância de Nissl. Por isso, as 
técnicas histológicas comuns (chamadas técnicas de 
Nissl) revelam apenas os corpos celulares e os ramos 
dendríticos mais calibrosos (Figura 3. 7), mas não os 
axônios. Num corte histológico corado pela técnica de 
Nissl, os feixes de fibras apresentam-se com uma ima-
gem "negativa", isto é, sem cor, mostrando-se apenas 
por contraste com as regiões que contêm os corpos ce-
lulares. O axoplasma, entretanto, contém mitocôndrias 
esparsas, vesículas em trânsito e microtúbulos, neurofi-
lamentos e microfilamentos. Os microtúbulos são es-
senciais à concretização de uma importante função de 
comunicação entre o soma e as extremidades do axô- .· .. 
nio: o fluxo axoplasmático. 
O fluxo axoplasmático é um movimento contínuo 
de moléculas ou de organelas membranosas que utili-
zam os microtúbulos como trilhos (Figura 3.9). O flu-
xo pode partir do soma em direção às extremidades do 
axônio, caso em que se denomina fluxo anterógrado, 
75 
@ 
CEM BILHÕES DE NEURÓNIOS 
ou então das extremidades em direção ao soma, caso 
em que se denomina fluxo retrógrado. O fluxo ante-
rógrado tem três componentes. Um deles é mais rá-
pido, transportando vesículas com movimentos 
saltatórios à velocidade média de cerca de 400µm/dia. 
As vesículas se ligam aos microtúbulos por meio de 
pontes de cinesina, uma proteína que as "empurra" 
para a frente utilizando energia proveniente do me-
tabolismo oxidativo, mas sem depender da síntese 
de proteínas que ocorre no soma. É através do fluxo 
anterógrado rápido que o soma alimenta as extremi-
dades do axônio com as substâncias necessárias para 
sintetizar mais membrana. Isso é muito importante 
para axônios em crescimento, seja durante o desen-
volvimento ou durante proeessos regenerativos, mas 
também ocorre em axôniÕs adultos, que apresentam 
Movimento ; 
anterógrado ' 
Vesículas 
Cinesina 
V 
Microtúbulos 
uma renovação ·contínua de suas membranas (turno-
ver, como se diz no jargão técnico). Além disso, atra-
vés do fluxo anterógrado rápido, os neurotransmissores 
e outras moléculas utilizadas na comunicação interce-
lular chegam às extremidades do axônio, onde são se-
cretadas para o meio extracelu lar. Os dois outros 
componentes do fluxo anterógrado são mais lentos e 
carreiam proteínas do citoesqueleto que serão utiliza-
das nos terminais: um deles se movimenta a 0,2-
2,5mm/dia, e o outro com o dobro dessa velocidade. 
O fluxo axoplasmático retrógrado, por sua vez, uti-
liza também o sistema de microtúbulos como tri-
lhos, carreando fragmentos de membrana e outras 
moléculas dentro de lisossomos para degradação ou 
reutilização no soma neuronal. A molécula motora, . 
neste caso, é diferente e chama-se dineína. 
Síntese e 
vesiculação 
( 
r""",..-
Transporte 
axoplasmático 
anterógrado 
Secreção do 
neurotransmissor 
Citoesqueleto 
(microtúbulos) 
Transporte 
axoplasmático 
retrógrado 
Reciclagem 
de membrana 
.,._ Figura 3.9. Os microtúbulos são componentes do citoesqueleto do neurônio que desempenham papel importante no transporte de 
organelas e substâncias ao longo do axônio, nos dois sentidos: do soma ao terminal (transporte anterógrado), e vice-versa (transporte 
retrógrado). O detalhe à esquerda mostra vc_sículas sendo transportadas ao longo dos microtúbulos pela ação de uma proteína motora 
associada a eles, a cinesina. 
76 
AS UNIDADES DO SISTEMA NERVOSO 
Muitos axônios. tanto no sistema nervoso central 
como no sistema nervoso periférico, são envolvidos 
por uma cobertura isolante composta por lipídios e 
proteínas, chamada bainha de mielina (Figura 3.5). No 
SNC. a bainha de mielina é produzida pelos oligoden-
drócitos, e no SNP pelas células de Schwann°. A dife-
rença entre o SNC e o SNP quanto à bainha de mielina 
não se resume ao gliócito que a produz, mas se esten-
de à sua composição molecular. Recentemente, desco-
bri u-se que há proteínas na mielina central que 
bloqueiam o crescimento regenerativo de axônios le-
sados. Essas proteínas não existem na mielina perifé-
rica, e é isso que explica por que os axônios periféricos 
são capazes de regeneração, enquanto os axônios cen-
trais não são. 
Na sua extremidade distal, o axônio pode se ramifi-
car profusamente, formando uma arborização terminal 
chamada telodendro. Cada ramo do telodendro, por sua 
vez, fonna múltiplos botões sinápticos que se encon-
tram apostos aos dendritos ou ao soma de outros neurô-
nios, formando as sinapses. Essas estruturas de 
comunicação entre neurônios são o tema do Capítulo 4. 
A MEMBRANA E OS SINAIS ELÉTRICOS 
DO SISTEMA ~ERVOSO 
Talvez seja um exagero dizer que a membrana é 
o constituinte mais importante do neurônio, já que 
muitos outros constituintes são essenciais à vida e ao 
funcionamento da célula nervosa. Mas é certo, pelo 
menos, que a membrana do neurônio apresenta uma 
propriedade muito particular que o distingue da mai-
oria das células do organismo. Essa propriedade -
excitabilidade - permite que o neurônio produza, 
conduza e transmita a outros neurônios os sinais elé-
tricos em código que constituem a linguagem do sis-
tema nervoso. 
A descoberta dessa propriedade dos neurônios - a 
capacidade de gerar sinais elétricos - foi feita ainda 
no século XIX pelo fisiologista alemão Emil DuBois-
Reymond ( 1818-1896), antes mesmo de se conhecer~ 
existência do~ .. neurônios. Os mecanismos biofisicos 
subjacentes, entretanto, só foram revelados 100 anos 
depois. Desde o início se compreendeu que

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