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Educação 
Em prisõEs
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Cereja
Centro de Referência
em Educação de Jovens
e Adultos
Organização
Aline Yamamoto
Ednéia Gonçalves
Mariângela Graciano
Natália Bouças do Lago
Raiane Assumpção
A série CEREJA discute, do Centro de Referência em Educação 
de Jovens e Adultos da AlfaSol, é mais uma ação direcionada 
à ampliação da reflexão em torno dos desafios impostos ao 
exercício pleno da cidadania das pessoas analfabetas ou pouco 
escolarizadas, no Brasil e no mundo.
A aposta na pesquisa, na construção compartilhada de saberes 
e na diversidade de estratégias de defesa da democracia como 
alicerce do desenvolvimento humano e social é a expressão fiel 
dos objetivos desta série.
Copyright: Alfabetização Solidária, 2010
Realização:
AlfaSol (Alfabetização Solidária)
 Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos (Cereja)
Superintendente executiva: Regina Célia Esteves de Siqueira
Assessoria Técnica: Ednéia Gonçalves
Assessoria de Comunicação: Claudia Cavalcanti
Coordenação do Cereja: Margarete Rose Rodrigues
Coordenação editorial: Ednéia Gonçalves
Edição e revisão: Claudia Cavalcanti
Projeto gráfico e capa: Kiki Millan / Creatrix Design
Associação Alfabetização Solidária.
Cereja discute : educação em prisões / Associação Alfabetização Solidária; 
[organização de] Aline Yamamoto, Ednéia Gonçalves, Mariângela Gra-
ciano, Natália Lago, Raiane Assumpção. – São Paulo : AlfaSol : Cereja, 
2010. (Cereja Discute ; 1)
128p.
Referências
Vários autores
1. Educação — Brasil 2. Educação nas prisões I. Associação Alfabetização 
Solidária II. Título III. Série
 CDD 365.66
Catalogação na fonte
Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos – CEREJA
Educação 
Em prisõEs
Organização
Aline Yamamoto
Ednéia Gonçalves
Mariângela Graciano
Natália Bouças do Lago
Raiane Assumpção
5
“Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e 
solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, 
sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser 
transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é 
escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem 
escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo 
que, em certas condições, precise falar a ele.” 
(Paulo Freire em: Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à 
prática educativa, 1996)
A série CEREJA discute, do Centro de Referência em Educação de 
Jovens e Adultos da AlfaSol, é mais uma ação direcionada à ampliação da re-
flexão em torno dos desafios impostos ao exercício pleno da cidadania das 
pessoas analfabetas ou pouco escolarizadas, no Brasil e no mundo.
A aposta na pesquisa, na construção compartilhada de saberes e na 
diversidade de estratégias de defesa da democracia como alicerce do desen-
volvimento humano e social é a expressão fiel dos objetivos desta série.
Buscamos em diferentes olhares e experiências o fortalecimento do 
diálogo e a ampliação das possibilidades de análise das temáticas indicadas, 
pois ao propor “discutir” pretendemos expandir a abordagem sem as facilita-
ções da síntese ou do pensamento único.
Para inaugurar esta proposta, trazemos para o centro da discussão a 
Educação em prisões. A escolha do tema na inauguração da série está dire-
tamente ligada ao amadurecimento da visão da educação como direito hu-
mano, e como implicação desta identificação nos juntamos a três Organiza-
ções, parceiras na tessitura de um painel abrangente de posições, experiências 
e vias de aprofundamento da análise da situação educacional dos presos e 
presas brasileiros. Desta forma, AlfaSol, Ação Educativa, Instituto Paulo Freire 
e Ilanud apresentam uma proposta bastante ousada de construção coletiva, 
na qual o processo é parte intrínseca da aposta na equidade: a indicação 
6
dos subtemas é produto de oficina organizada no Fórum Social Mundial 
2009; a indicação dos autores abrange pesquisadores, militantes dos direitos 
humanos, educadores, profissionais, presos e egressos do sistema prisional 
brasileiro; a organização dos relatos e costura das participações envolveu as 
quatro instituições. 
Ao somar vozes, pretendemos consolidar a defesa dos direitos huma-
nos desta população e expandir as ações direcionadas ao estabelecimento de 
um fórum permanente de debate baseado na democracia e defesa da cidada-
nia de todos e todas.
Esta obra é fruto da dedicação de muitos atores: agradeço especial-
mente à Ação Educativa, Instituto Paulo Freire e Ilanud, que compartilharam 
de forma igualmente intensa o compromisso assumido, aos autores que se 
dispuseram a fortalecer a democracia com a veracidade de seus relatos, a Flá-
via Landgraf e à equipe de Avaliação da AlfaSol, que realizaram a transcrição 
do áudio da oficina realizada no Fórum Social Mundial 2009, e a todos que 
se envolveram direta ou indiretamente nas diferentes etapas de elaboração 
deste mosaico.
Considerem aberto o debate!
Regina Célia Esteves de Siqueira
Superintendente executiva da AlfaSol
6
SUMÁRIO
9. INTRODUÇÃO
19. RESPONSABILIDADE SOBRE A EDUCAÇÃO EM PRISÕES
21. Para início de conversa: A sociedade civil e a educação na prisão
Mariângela Graciano
24. O papel (ou responsabilidade) da sociedade civil na garantia dos direitos 
educativos das pessoas encarceradas – Francisco Scarfó
28. Responsabilidade sobre a educação nas prisões: Estado e sociedade civil 
Delzair Amâncio da Silva
31. A educação liberta da subserviência – Vagner Paulo da Silva
33. Comentário: A sociedade civil caminha no fio da navalha em relação
 à educação de pessoas encarceradas – Marcos José Pereira da Silva
37. EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO
39. Para início de conversa: Educação como direito humano 
Ednéia Gonçalves
41. A educação como direito – Moacir Gadotti
45. Há perspectiva de humanização das prisões? – Roberto da Silva
48. Educação como direito humano: um olhar de dentro – C. R.
52. Comentário: Educação nas prisões: entre o nada e a oferta 
de “qualquer coisa” – Denise Carreira
57. ESPECIFICIDADE DE GÊNERO: EDUCAÇÃO DE MULHERES PRESAS
59. Para início de conversa: As mulheres e a educação nas prisões
Mariângela Graciano
62. Educação nas prisões – Maria da Penha Risola Dias
65. Dignidade humana, educação e mulheres encarceradas 
Sonia Regina Arrojo Drigo
68. Mulher, educação, prisão – Rosana da Conceição Souza Pontes Leite
71. Educação de mulheres presas: o olhar de uma egressa – B. B.
74. Comentário: Mulheres encarceradas e o direito à educação: 
entre iniquidades e resistências – Alessandra Teixeira
79. EDUCAÇÃO E SEGURANÇA 
81. Para início de conversa: Prisão e educação – lógicas incompatíveis?
Aline Yamamoto
83. Segurança versus educação – Maurílio de Souza Firmino
84. Educação ou punição – Rowayne Soares Ramos
86. Educação nas prisões – Manoel Rodrigues Português 
91. A educação no contexto do cárcere – Marizangela Pereira de Lima
94. Comentário: Educação e segurança nas prisões
Fabio Costa Morais Sá e Silva
99. EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL 
101. Para início de conversa: O que há de educação em prisões? 
A educação formal e não formal – Raiane Assumpção
103. Educação formal e não formal no cárcere: questões anteriores 
e possíveis caminhos – Mário Miranda Neto
109. Reflexões em torno da educação escolar em espaços de privação 
 de liberdade – Elenice Maria Cammarosano Onofre
112. Educação nas prisões: mais do que reconhecer, é necessário 
 efetivar esse direito com qualidade – Juraci Antonio de Oliveira 
 e Felipe Athayde Lins de Melo
117. A experiência do projeto “Quem somos nós?”: educação não formal 
 em unidadesprisionais femininas da cidade de São Paulo 
 Fernanda Cazelli Buckeridge
119. Comentário: Os desafios da educação escolar e não escolar nas prisões
 Sérgio Haddad
123. SOBRE OS AUTORES
INTRODUÇÃO
11
CEREJA discute
Educação das pessoas encarceradas: 
um direito humano pouco garantido
A educação é um direito humano reconhecido pela Constituição e 
ratificado por documentos internacionais assinados pelo governo brasileiro. 
No entanto, a garantia de acesso à educação ainda não é assegurada a todas 
e todos, sobretudo se olharmos para uma das parcelas mais excluídas da so-
ciedade: as pessoas encarceradas.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de junho de 
2009 apontam que a população carcerária brasileira está perto de 470 mil 
pessoas, dentre homens e mulheres. Ao observar as informações sobre essa 
população, percebe-se que o encarceramento faz parte de um processo de 
exclusão anterior, que passa pela falta do acesso à educação formal: 66% das 
pessoas presas não chegaram a completar o ensino fundamental, sendo que, 
destas, 11,8% são analfabetas.
Ainda que a Lei de Execuções Penais reconheça o direito das pessoas 
encarceradas à educação, esta não é uma realidade nos presídios do país. As 
informações do Depen apontam que apenas 8,4% da população prisional 
têm acesso a alguma atividade voltada à educação, em que se incluem ativi-
dades diversas, que vão da alfabetização e ensino formal, a cursos técnicos 
e não-formais.
O inexpressivo número de pessoas presas que têm acesso à educação 
esconde outra realidade ainda mais preocupante: não há, hoje, no país, uma 
normativa que regulamente a educação formal no sistema prisional, o que 
dá margem para a existência de experiências diversas e não padronizadas que 
dificultam a certificação, a continuidade dos estudos em casos de transferên-
cia e a própria impressão de que o direito à educação para as pessoas presas 
se restringe apenas à participação em atividades de educação não-formal, 
como oficinas. 
12
CEREJA discute
13
CEREJA discute
O direito à educação da pessoa privada de liberdade é tratado como 
um benefício e um privilégio, em total contrariedade ao que dispõe a lei.
Partindo desse contexto de precariedade para a garantia de um direito 
humano, quatro instituições formaram um grupo de trabalho e estudos sobre 
educação nas prisões, a princípio como parte de um processo maior relacio-
nado a uma conferência internacional sobre o tema, que a Unesco realiza-
ria. Interrompido o processo relacionado à conferência, a Ação Educativa, a 
AlfaSol, o Instituto Paulo Freire e o Instituto Latino-Americano das Nações 
Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) deram 
continuidade a essa articulação.
Em janeiro de 2009 essas instituições, em parceria com outras organi-
zações da sociedade civil, organizaram uma atividade no Fórum Social Mun-
dial para discutir temas relacionados à educação nas prisões. O conteúdo dos 
debates e o interesse das pessoas motivaram o grupo a dar continuidade às 
discussões ali realizadas por meio de uma sistematização sobre os temas mais 
recorrentes nas falas dos debatedores e participantes: educação como direito; 
educação formal e não-formal; Estado e sociedade civil e sua responsabili-
dade sobre a educação; educação e especificidades de gênero; e educação e 
segurança na prisão.
Em que se constitui o direito à educação das pessoas presas? Como aliar 
experiências de educação não-formal dentro das prisões à garantia do acesso 
à educação formal, com certificação? De que maneira a atuação da sociedade 
civil pode ser colaborativa com a implementação de práticas educacionais, por 
parte do Estado, para a população encarcerada? Por que o acesso à educação 
dentro do ambiente prisional é ainda mais dificultado se pensarmos nas mulhe-
res encarceradas? A educação, de caráter emancipatório, é incompatível com a 
lógica da segurança e do cerceamento que o espaço prisional estabelece?
As questões levantadas na atividade do Fórum Social Mundial e o 
propósito de disseminar os acúmulos construídos sobre a temática da edu-
cação nas prisões fomentaram a organização desta publicação. A proposta é, 
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CEREJA discute
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CEREJA discute
sobretudo, divulgar a necessidade de formular políticas para o tema e, num 
âmbito maior, colaborar para que a população encarcerada tenha garantido o 
seu direito à educação – um direito de todas e todos.
Aline Yamamoto - Ilanud
Ednéia Gonçalves - AlfaSol
Mariângela Graciano – Ação Educativa
Natália Bouças do Lago - Ilanud
Raiane Assumpção – Instituto Paulo Freire
Instituições organizadoras 
AlfaSol (Alfabetização Solidária)
A AlfaSol é uma organização não-governamental, fundada em 1996 
com a missão de contribuir para a redução do analfabetismo e para a amplia-
ção da oferta pública de Educação de Jovens e Adultos no Brasil e no mundo, 
por meio da articulação de uma rede de parceiros, envolvendo Instituições de 
Ensino Superior (IES), redes sociais, organizações não-governamentais, em-
presas, governos (municipais, estaduais e federal) e pessoas físicas.
Cinco dimensões da atuação da AlfaSol são determinantes para a efe-
tivação do direito de todos à educação, defendido pela instituição:
•	 Atuação	local:	Imersão no contexto sociocultural do aluno.
•	 Capacitação	 de	 educadores	 locais: Possibilidade de formação de 
agentes efetivos de transformação social de longo prazo, advindos 
da própria comunidade atendida, construindo condições de autossus-
tentabilidade para ações educativas futuras.
•	 Parceria	com	Instituições	de	Ensino	Superior	(IES):	União de esfor-
ços que possibilita um intenso intercâmbio entre o saber constituído 
em bases acadêmicas e o conhecimento construído pelos alunos em 
seu contexto sociocultural.
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CEREJA discute
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CEREJA discute
•	 Mobilização	em	torno	do	direito	de	jovens	e	adultos	à	escolarização	
contínua	e	de	qualidade: Indicação a gestores da possibilidade con-
creta de desenvolvimento de ações de ampliação da escolaridade glo-
bal do município e estado, incluindo a Educação de Jovens e Adultos 
dentre as prioridades do ensino fundamental e médio. 
•	 Avaliação:	Desenvolvimento de sistema de avaliação contínua, visando 
aprimorar o processo de atuação e informar à sociedade, de maneira 
próxima e sistemática, os resultados do trabalho desenvolvido pela 
Organização nas comunidades atendidas. Esse processo abarca todas 
as etapas e aspectos do atendimento.
Ação Educativa
Fundada em 1994, a Ação Educativa tem por missão atuar pela ga-
rantia universal do direito à educação pública de qualidade, a afirmação dos 
direitos da juventude e a promoção dos direitos de acesso e produção à cul-
tura. Sua atuação é orientada para a busca e fortalecimento da justiça social, 
democracia participativa e o desenvolvimento sustentável no Brasil.
Para realizar essa missão, a Ação Educativa combina diferentes es-
tratégias: ação local e experimentação pedagógica; formação e capacitação 
de jovens, educadores e outros agentes sociais; fomento a manifestações 
artísticas e culturais de grupos, articulação e participação em redes e fó-
runs em âmbito local, nacional e internacional; promoção de campanhas de 
sensibilização e mobilização; pesquisa e difusão de informações e conheci-
mentos; promoção de debates e intercâmbio, produção de materiais educa-
tivos, assessoria a órgãos públicos, exigibilidade social e jurídica de direitos 
educativos e da juventude, lobby e advocacy junto aos poderes executivo, 
legislativo e judiciário. 
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CEREJA discute
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CEREJA discute
A opção por combinar essas diversas estratégias constitui a própriaidentidade da Ação Educativa. Reunir os diferentes, promover o diálogo e a 
colaboração é a principal marca do estilo de atuação da entidade.
A Ação Educativa procura também, de forma sistemática, integrar a 
intervenção nas áreas da educação, juventude e cultura a um campo mais 
amplo de organizações da sociedade civil e movimentos sociais que atuam 
em defesa dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. 
Instituto Paulo Freire
O Instituto Paulo Freire (IPF) é uma organização social sem fins lu-
crativos, criada em 1991 e fundada oficialmente em 1º de setembro de 1992. 
Está sediado no Brasil, mas articulado com uma rede internacional de pessoas 
e instituições distribuídas em mais de 90 países e em todos os continentes. 
A finalidade do IPF é dar continuidade e reinventar o legado de 
Paulo Freire. Esse propósito tem sido realizado por meio de pesquisas, 
promoção de espaços de reflexão e socialização (fóruns, seminários, en-
contros, dentre outros), formação, acompanhamento, sistematização e 
gestão compartilhada de planos, programas e projetos nos campos da 
educação, da cultura e da comunicação. 
O objetivo do IPF é contribuir para a efetiva transformação social, 
na perspectiva da autonomia dos sujeitos e da radicalidade da democracia 
política, econômica, social e cultural. Para construir essa mudança é neces-
sário fazer uma “leitura” do mundo, analisar e interpretar os limites e as 
potencialidades, a correlação de forças históricas e políticas, para dar o passo 
necessário e possível.
Para o desenvolvimento das ações, as equipes do IPF partem do re-
ferencial teórico-metodológico freiriano e do contexto social e histórico em 
que atuam. A concepção de ser humano de Freire permeia toda a práxis – 
16
CEREJA discute
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CEREJA discute
interpretado como ser inacabado, incompleto e inconcluso, mas com uma 
vocação ontológica de desenvolver-se na plenitude de suas potencialidades. A 
compreensão desta constante reformulação dos sujeitos como seres históricos 
potencializa o seu poder de transformar a realidade, à medida que interpreta 
as ações empreendidas nas relações sociais dos diferentes grupos que a cons-
tituem. Na dialética de suas relações com o outro, a partir do reconhecimento 
de similaridades e diferenças, o indivíduo completa-se mediante o processo 
de socialização.
Estes são os motivos pelos quais a metodologia adotada é necessa-
riamente dialógica. Por meio da organização de fóruns de diálogo, concebi-
dos por Freire como Círculos de Cultura, são criados espaços em que se dá o 
encontro entre os sujeitos do conhecimento. A sustentação da interpretação 
da realidade como algo mutável, sujeito à reformulação e intervenções, se 
dá na própria construção do conhecimento — um ensinar e aprender con-
comitante e coletivo. É nessa realização processual que ocorre a avaliação, 
o acompanhamento e a intervenção político-pedagógica. Os registros e a 
sistematização das práticas, das reflexões e proposições têm sido instru-
mentos operacionalizadores.
Fundamentado nesse referencial teórico-metodológico, o IPF rea-
liza ações e desenvolve projetos junto a determinados governos, aos mo-
vimentos sociais e ONGs, em que desempenha diversos papéis, tais como: 
articulação, gestão, formação de formadores, definição de metodologia 
educativa, análise e redefinição curricular, atuação em campanhas, em 
fóruns e agendas de mobilização.
Ao considerar a educação como um ato político, como afirma Paulo 
Freire, o IPF busca, por meio de suas ações e dinâmica institucional, atu-
ar junto à formação dos indivíduos, para sua conscientização como agente 
histórico, fundamentado na práxis, em que ação e reflexão constituem mo-
mentos correlacionados para o aprofundamento da consciência crítica e da 
transformação social. 
16
CEREJA discute
17
CEREJA discute
Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do 
Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud)
O Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do 
Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) foi fundado em 1975 e tem sua 
sede na Costa Rica. Trata-se de um órgão regional que compõe a Rede do 
Programa de Prevenção do Crime e Justiça Criminal das Nações Unidas, ligada 
ao Conselho Econômico e Social da ONU. 
O escritório brasileiro do Ilanud foi criado em 1997 e atua em três 
grandes áreas: justiça juvenil e sistema socioeducativo, justiça criminal e sis-
tema penitenciário e prevenção da violência e segurança pública. Suas ativi-
dades se traduzem em duas formas de atuação: produção de conhecimento 
(pesquisas, diagnósticos, avaliações) e difusão do conhecimento (atividades 
de formação, capacitação, publicações etc.).
A missão do Ilanud é colaborar para o fortalecimento do Estado de 
Direito no Brasil, com respeito aos direitos humanos, buscando a preservação 
da paz e do desenvolvimento social. Nesse sentido, o Ilanud busca promover e 
apoiar os Estados e a sociedade civil nos seus esforços de prevenção ao crime, 
efetivação de reformas nos mecanismos de controle social, modernização da 
legislação e democratização do sistema de administração da justiça.
O Instituto orienta suas ações adotando os princípios preconizados 
pelas Nações Unidas relativos à prevenção ao crime e à violência, ao trata-
mento do recluso, ao funcionamento da justiça penal e à utilização de armas 
de fogo — sempre de acordo com os padrões estipulados pelos instrumentos 
internacionais de proteção à pessoa humana.
RESPONSABILIDADE 
SOBRE A EDUCAÇÃO EM PRISÕES
21
CEREJA discute
Para início de conversa
A sociedade civil e a educação na prisão
Mariângela Graciano
O tema da participação da sociedade civil nas práticas educativas 
desenvolvidas em espaços de privação de liberdade suscitou um interes-
sante debate.
De um lado, profissionais da educação apontavam para o risco de 
o Estado transferir para as organizações sua responsabilidade de ofertar a 
educação. Mais do que uma questão de princípio, esta ação fragiliza a cons-
trução de políticas educacionais do interior das prisões, por serem pontuais 
e dispersas e destituídas de orientações públicas. Além disso, foi apontado o 
risco de os gestores substituírem as ações de educação escolar pelas práticas 
não-escolares que, do ponto de vista econômico, são muito mais “baratas”.
De outro lado, representantes de organizações e pessoas da sociedade 
em geral ponderaram a necessidade de se entender que a educação, quando 
destinada à formação integral dos indivíduos, extrapola a educação escolar, 
responsabilidade do Estado. As práticas de profissionalização, arte-educação, 
formação para e em direitos humanos e tantos outros temas podem e devem 
ser compartilhadas entre Estado e sociedade civil. 
Em relação à possível transferência de recursos públicos para organiza-
ções privadas por meio dessas ações, foi apontada a necessidade de criação de 
critérios públicos e transparentes para a celebração de convênios e parcerias, 
bem como de mecanismos de acompanhamento de sua realização. Aliás, esta 
observação é válida para toda transferência de recursos públicos para a inicia-
tiva privada relacionada ao sistema prisional. 
No entanto, há que se considerar outros dois aspectos da participação 
da sociedade no campo da educação nas prisões. A primeira delas é a sua 
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CEREJA discute
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CEREJA discute
reduzida atuação na mobilização pelo reconhecimento do direito à educação 
das pessoas privadas de liberdade, e pela implementação de políticas que 
concretizem tal direito. Apenas muito recentemente há registros de ações 
desta natureza.
O alheamento da sociedade também pode ser verificado na sua invisi-bilidade na produção científica do País. Apenas a partir de 2000 começam a 
ser produzidas dissertações e teses com foco na educação de pessoas jovens 
e adultas encarceradas.
Por fim, é preciso destacar que a presença da sociedade civil no am-
biente prisional é de fundamental importância para exercer o controle social 
sobre a ação repressora do Estado. Promovendo atividades educativas ou não, 
as organizações têm a responsabilidade de tornar pública a realidade cons-
truída no interior dos muros e celas, buscando contribuir para o respeito aos 
direitos humanos.
Neste contexto de exercício da cidadania por meio da aproximação do 
ambiente prisional, alguns desafios se impõem. O primeiro deles é a necessária 
construção de um sistema público de informações sobre o sistema prisional 
em geral, e da educação nas prisões, em particular. Sem dados abrangentes 
e confiáveis, é impossível tanto a formulação de políticas públicas quanto o 
monitoramento das ações do Estado.
Há também que se estabelecer mecanismos institucionais para a de-
núncia de violações de direitos identificadas por educadoras e educadores, 
sejam vinculados ou não a organizações da sociedade civil.
O maior e mais estimulante desafio colocado à sociedade civil, no 
entanto, talvez seja o de sensibilizar a própria sociedade sobre os direitos 
educativos das pessoas encarceradas, e a necessária ação do Estado para 
garanti-los.
Alguns autores explicam a insensibilidade social para com as horríveis 
condições das prisões brasileiras em razão da classe social da população car-
cerária – são pessoas pobres, em sua maioria negras e homens.
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CEREJA discute
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CEREJA discute
De acordo com estes autores, durante a ditadura militar, quando os 
filhos e filhas da classe média experimentaram o tratamento do cárcere sob a 
denominação de “presos políticos”, houve mobilização social. Os maus tratos 
a essas pessoas indignaram e continuam indignando a sociedade brasileira.
A mesma solidariedade, no entanto, não se estende aos presos e presas 
chamados “comuns”. E as pessoas que ousam contestar o tratamento indigno que 
lhes é dispensado são, depreciativamente, chamadas de “defensoras de bandidos”.
Neste contexto, a mobilização pela educação nas prisões é, sem dúvi-
da, também uma necessária atuação em defesa dos direitos humanos – tarefa 
de todas as pessoas.
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CEREJA discute
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CEREJA discute
O papel (ou responsabilidade) da sociedade civil na 
garantia dos direitos educativos das pessoas encarceradas
Francisco Scarfó
A educação nas prisões, como um direito humano, exige um conjunto 
de ações, tanto no âmbito do Estado como da sociedade civil, para que se 
concretize plenamente e esteja ao alcance de todas as pessoas presas.
Sabemos que a prisão é, por definição, um ambiente hostil para ga-
rantir devidamente os direitos, e o acesso à educação não está livre dessa 
situação restritiva.
Neste cenário, há responsabilidades e funções de protagonismo a se-
rem desenvolvidas pelo Estado e pela sociedade civil para garantir o direito 
à educação.
Cabe lembrar que o Estado, em relação a qualquer direito humano, 
tem a obrigação de realizar ações para promover, garantir, respeitar e proteger 
tais direitos. Isto ocorre por meio de políticas integradas e intersetoriais que 
favoreçam o gozo dos direitos e, quando isso não acontecer, deve promover 
políticas que revertam a realidade.
Ocorre, no entanto, que muitas vezes o Estado não possui no interior 
de sua estrutura os mecanismos e, às vezes, a normativa que regula e reforça 
o gozo do direito, ainda mais quando se trata de privação de liberdade. A 
prisão não costuma estar presente na agenda pública do Estado, tampouco a 
garantia de direitos nesse contexto, dentre os quais o da educação. 
Por sua vez, apesar de a maioria dos órgãos públicos de controle das 
prisões considerar o tema da educação, às vezes há problemas mais urgentes ou 
violações de direitos humanos, como tortura ou superlotação, que adiam, em 
alguma medida, o tratamento específico ou a análise da situação educacional.
Assim, poderíamos dizer que uma das primeiras ideias que surgem a 
respeito do papel que a sociedade civil pode desempenhar é o de procurar 
colocar em foco, na agenda pública, a questão da educação nas prisões.
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CEREJA discute
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CEREJA discute
Isto leva a uma série de estratégias integrais e intersetoriais, de curto, 
médio e longo prazos, que vão desde pesquisa, produção de relatórios, visitas, 
projetos educativos, publicações, participação nos meios de comunicação, 
bem como na academia, dentre outras coisas, que chamem a atenção tanto 
do Estado como da sociedade em geral sobre o valor da educação nas prisões.
Com o objetivo de evidenciar a situação da educação, o papel da so-
ciedade civil em relação ao direito à educação, tem, a meu ver, duas linhas de 
ação concretas: promoção e monitoramento.
A promoção inclui ações de intervenção que levam ao fortalecimento 
da educação pública nas prisões e não a uma competição entre ONGs e esco-
las públicas. Lembremos que o direito à educação é uma obrigação do Estado, 
que deve garanti-lo pelo sistema de educação formal.
Neste ponto, a sociedade civil pode dar muitas ideias e realizar ações 
de educação não-formal, que façam com que as pessoas presas tenham 
acesso a conhecimentos e experiências de formação enriquecedoras, que 
muitas vezes a educação formal, por sua estrutura e lógica escolarizante, 
não faz. Acontece que muitas vezes o Estado substitui sua responsabili-
dade de oferecer educação formal pelo trabalho de uma ONG (geralmente 
programas de alfabetização ou similar) para reduzir seus custos na hora de 
garantir o direito.
Neste sentido, é essencial que exista uma lei que estabeleça as respon-
sabilidades do Estado e da sociedade civil organizada. Isto para que se possa 
exigir, tanto de uma como de outra parte, o cumprimento dessa responsa-
bilidade assumida referente ao direito à educação nas prisões. Isto deve ser 
alcançado através de acordos, protocolos etc. que coloquem em evidência os 
compromissos assumidos, os modos de atuação, e que, definitivamente, torne 
seu cumprimento exigível judicialmente.
Em relação ao monitoramento, no âmbito do Protocolo Facultativo 
contra a Tortura das Nações Unidas (aprovada em 2002), há um espaço 
bem concreto de participação e missão da sociedade civil em termos de 
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monitoramento (controle) das prisões e garantia de direitos. Nesse sentido, 
é fundamental que as organizações da sociedade civil envolvidas com a 
educação na prisão possam desenhar ações que destacam a situação da 
educação nas prisões e até se possa pensar numa judicialização do pedido 
de acesso e fruição do direito.
Neste aspecto, é fundamental ter em vista os avanços legislativos que 
tornem o direito judicializável. Certamente, não existem protocolos, deci-
sões ou mecanismos judiciais claros que permitam a queixa ante a restrição 
ou violação do direito à educação nas prisões. Não se pode esquecer que o 
Estado também deve facilitar o acesso à justiça e, neste ponto, é essencial 
reconhecer a existência de mecanismos de reivindicação ágeis e que estejam à 
disposição para que as pessoas presas possam exigir seus direitos — e é aí que 
a sociedade civil pode ser protagonista de uma ação de acompanhamento e 
assessoramento perante a queixa.
Além disso, pode-se pensar em obter compromissos públicos não só 
do executivo, mas também do poder legislativo e judiciário para o desenvol-
vimento e fortalecimento do direito à educação nas prisões.
Será tarefa da sociedade civil organizar, conjuntamente com agências 
de fiscalização,ações legais e judiciais mais pertinentes para cobrir esta lacu-
na, ou, na sua falta, fortalecê-la.
Outro aspecto que se soma aos dois anteriores é o trabalho em rede, 
isto é, um trabalho com outras organizações para uma ação mais robusta e 
de impacto contra as paredes que caracterizam a prisão.
Assim, o Estado deve estar convencido do valor da sociedade civil para 
participar de um trabalho conjunto ou complementar que permita trocar in-
formações ou avaliar o progresso da educação nas prisões.
Isso impulsiona um amplo e democrático acesso à informação, bem 
como um marco normativo específico que regulamente a participação. Acre-
dita-se, com isso, que a situação educativa, escolar e não-escolar, melhoraria 
se contasse com um sistema de informação pública que permitisse orientar 
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não só as decisões que concretizam a política pública e penitenciária para o 
direito à educação nas prisões, mas que também permitisse à sociedade civil 
atuar de maneira complementar e reforçar as medidas tomadas pelos Estados, 
seja na perspectiva de monitoramento e de promoção do direito.
Portanto, dadas as dificuldades em garantir o direito à educação nas 
prisões, a sociedade civil pode contribuir muito em termos de vigilância, pro-
moção; de alguma forma, sua ação terá um impacto positivo sobre a educa-
ção que o Estado promove (pouco ou muito), mas também levará a abrir a 
prisão, tornando-a mais democrática, mais humana. 
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Responsabilidade sobre a educação nas prisões: 
Estado e sociedade civil 
Delzair Amâncio da Silva
“Art.205 – CF de 1988: A educação, direito de todos e dever do Estado 
(...), será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao 
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e 
sua qualificação para o trabalho.” 
A sociedade, decerto, é potencialmente a sociedade civil organiza-
da: sindicatos, igrejas, associações, comissão de direitos humanos, ONGs etc. 
A educação como processo de reconstituição da experiência é atributo da 
pessoa humana e, por isso, tem que ser comum a todos, incluindo pessoas 
encarceradas. Nesse processo, a sociedade civil torna-se corresponsável. Nada 
mais coerente. O Estado é um dos grandes responsáveis, senão o maior deles, 
por toda deformação da pessoa que deságua no crime. 
O direito à educação de pessoas presas está assegurado em normas na-
cionais e internacionais. A realidade, porém, demonstra que ainda há um lon-
go caminho a ser percorrido. No Brasil, apenas 18% dessas pessoas estudam. 
“Não diria que o sistema está falido, o qualifico como caótico... 80% não 
trabalham e 82% não estudam...” (deputado Domingos Dutra, em: http://
notícias.uol.com.br, de 19/12/2008). Desigualdades econômicas e sociais, au-
sência de oferta de uma educação de qualidade e ineficiência de políticas pú-
blicas colaboram para uma desenfreada produção em série dessa população. 
 A desigualdade tem sido marca da diversidade brasileira. O país chega 
ao século XXI com grandes déficits na alfabetização e na Educaçao de Jovens 
e Adultos (EJA). Conforme dados do Pnad (2006): a) o IBGE registrou 14,4 
milhões de analfabetos com 15 anos ou mais: no Nordeste (20,7%), Norte 
(11,3%), Centro-Oeste (8,3%), Sudeste (6,0%) e Sul (5,7%); b) desses analfa-
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betos, 69,4% eram negros; e c) 22,2% de analfabetismo funcional de 15 anos 
ou mais. Em termos absolutos, 30,5 milhões: no Sul e Sudeste a taxa era de 
16,5%, Nordeste (34,4%), Norte (25,6%) e Centro-Oeste (20%) (Documento-
Base Nacional Preparatório à VI Confintea, 20, 2008, Brasília). São indicado-
res de uma população com baixa escolaridade. Para ela, os piores postos de 
trabalho, as piores condições de moradia e saúde, quando existem. São as 
principais vítimas de violências múltiplas. Este é o mesmo perfil de pessoas 
que superlotam as prisões brasileiras. Tal cenário exige esforços dos gestores 
públicos, educadores e sociedade civil para garantia da oferta educacional 
adequada às especificidades de cada público. 
Produção e efetivação de políticas para a educação nas prisões é res-
ponsabilidade de governos. Os fóruns de EJA, os movimentos ligados aos 
direitos humanos, de mulheres, de afro-descendentes, dentre outros, exercem 
papel inquestionável na proposição de diálogo e na construção de alternati-
vas que resultem em políticas públicas destinadas aos excluídos. Todavia, o 
diagnóstico da realidade das prisões demonstra desarticulação entre as ações 
governamentais (MEC, MJ, SEE, dentre outras esferas de governo) e ausência 
da sociedade civil, o que dificulta o desenvolvimento de políticas públicas 
eficientes para a educação desses sujeitos. 
Diante dos desafios enunciados, é imprescindível que a educação nas pri-
sões se integre a um sistema nacional de educação, capaz de garantir o acesso, a 
permanência, a conclusão e a qualidade de ensino compatível com a demanda. 
 Quanto aos recursos humanos, ainda há um grande desafio. Destaca-
se a importância de reconhecer a necessidade de profissionais habilitados e 
concursados em quantidade suficiente com garantia de formação inicial e 
continuada. Não só para educadores, mas para todos que direta ou indireta-
mente atuam no atendimento a esses sujeitos.
 Discutir educação nas prisões exige ainda, rever recursos orçamentá-
rios e financeiros, destinados ao sistema público com controle social e passí-
vel de prestação de contas à União e a tribunais de contas.
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O compartilhamento de ações contribui, decisivamente, para o cum-
primento do direito à educação de qualidade e a sua oferta efetiva aos sujei-
tos que a demandam. Ao Estado compete: a) assegurar a ampliação do direito 
à educação básica pública, gratuita e de qualidade na modalidade EJA, inte-
grada à formação profissional, preferencialmente; b) ampliar mecanismos de 
divulgação e conscientização do direito à Educação de Jovens e Adultos nas 
prisões; c) programar ações afirmativas de geração de trabalho e renda que 
contribuam para a superação da desigualdade socioeconômica dos educan-
dos; d) garantir a certificação dos educandos, estimulando que o Conselho 
Nacional de Educação aprove parecer que trate a temática. 
À sociedade civil compete: a) propor políticas de acesso e permanência 
nos três segmentos da EJA com perspectivas de qualificação para o trabalho e 
ingresso à universidade pública e gratuita, incluindo, também, possibilidades 
de práticas alternativas de ensino e aprendizagem; b) fiscalizar com rigidez 
a oferta de cursos de curta duração e a distribuição de certificados sem efe-
tividade e qualidade; c) participar na construção, monitoramento e controle 
social das políticas públicas para a educação nas prisões em todos os níveis 
de governo, além de propor soluções para irregularidades verificadas; d) for-
talecer a participação das famílias e estimular a criação de grupos de apoio. 
Portanto, Estado e sociedade civil têm o dever de proporcionar opor-
tunidades para o exercício digno da liberdade. O Estado existe para garantir 
o acesso de todos aos serviços essenciais. Sendo a educação elemento fun-
damental do processo de construção da cidadania, sua tarefa e o seu projeto 
político não podem ser contrários a isso, tampouco deixá-la à revelia.
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A educação liberta da subserviência
Vagner Paulo da Silva
De acordo com Foucault (1987), a prisão também se fundamenta pelo 
papel de “aparelho para transformar os indivíduos”. Quando lemos esta cita-
ção de Foucault, percebemos o grande abismo entre elae a realidade. Minha 
experiência de trabalho em penitenciárias femininas e masculina só ratifica 
este abismo.
Quando iniciei com o projeto de incentivo à leitura como ferra-
menta de inclusão social, deparei com uma situação inusitada: todas as 
atividades de cunho educacional eram praticadas como obrigações ou 
como forma de obter algum benefício jurídico, sem que houvesse prazer 
na sua execução.
Com o andamento do projeto, observei que todas as atividades de-
senvolvidas em caráter não-oficial (yoga, teatro, dança, oficinas de escritas e 
palestras), tinham uma grande adesão por parte das reeducandas, sendo que 
era visível a apropriação da proposta.
Percebi neste caminho que ações educacionais formais ou não formais 
têm um grande resultado quando utilizadas de uma forma em que se faça 
ouvir a voz dos agentes participantes. O exercício de reflexão e questiona-
mento só colabora com este crescimento.
Acredito que o desenvolvimento de atividades que privilegiem a edu-
cação e a cultura tenham grandes resultados quando vistas como instrumen-
to de reflexão, mudança e provocação.
Todas estas atividades, em uma sociedade que prima pelo imediatis-
mo, infelizmente parecem não mostrar resultados, mas quando olhadas sem 
imediatismo, encontramos um manancial de desenvolvimento e mudanças, 
que pode e deve diminuir este abismo da realidade carcerária brasileira.
Ao olharmos hoje para nossas prisões, provavelmente vemos o re-
sultado de vários anos de desmando, autoritarismo, desigualdades sociais, 
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corrupção, impunidade, descaso com a educação e com problemas e polí-
ticas de saúde tratados através de políticas de segurança pública.
Para revertermos ou minimizarmos essa situação é preciso mostrar às 
pessoas envolvidas a importância da educação como ferramenta de mudan-
ças profundas, a partir das quais possamos olhar para esta ferida e tocá-la, 
até expurgar seu pus. 
Será esta a maneira para cicatrizar e começar um tratamento onde 
uma parte não comprometa o todo? É olhar para a educação como a chave 
que abre as portas da liberdade.
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Comentário 
A sociedade civil caminha no fio da navalha 
em relação à educação de pessoas encarceradas
Marcos José Pereira da Silva
Os papéis de grupos e pessoas que desenvolvem práticas educativas 
em espaços de privação de liberdade não são definidos previamente. Dife-
rentes perspectivas adotadas por estes sujeitos orientam sua atuação nesse 
espaço e dão forma e conteúdo ao papel por eles desempenhado, e precisam 
ser bastante debatidas. Vejamos.
Primeiro, o papel da sociedade civil deve ser compreendido a partir da 
relação que estabelece com o que compete ao Estado em relação à política 
pública de educação. O Estado desempenha um papel insubstituível e fun-
damental para efetivação da educação, pois somente ele pode assegurar o 
cumprimento ou exercício do direito à educação de modo universal para to-
das as pessoas e garantir dotação orçamentária própria oriunda dos impostos 
arrecadados de contribuintes. 
É preciso considerar também que as práticas educativas da sociedade 
civil em relação à educação e, em especial, nos espaços de privação de liber-
dade, precisam ser tratadas na lógica da construção de políticas públicas de 
qualidade, as quais abordem a questão das desigualdades social, econômica 
e política e das discriminações etnicorraciais e de gênero, flagrantemente 
observadas junto à população encarcerada. 
A presença necessária da sociedade civil no ambiente prisional pode 
facilitar o controle social sobre a ação do Estado na promoção da educação 
de qualidade para as pessoas encarceradas. Frente ao dilema da ação educati-
va direta ou ação em defesa de direitos, a sociedade civil consegue superá-lo 
quando articula as duas ações. Deste modo, o papel da sociedade civil adquire 
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uma dimensão maior, mesmo circunscrito ao pequeno espaço de intervenção 
de uma prática educativa específica, como observado em algumas experiên-
cias que consideram as estratégias de emancipação e liberdade das pessoas 
encarceradas, por exemplo, na Pastoral Carcerária e Instituto Terra, Trabalho 
e Cidadania (ITTC).
Esta presença nos espaços do cárcere é fundamental para o desenvol-
vimento de uma educação, seja ela no ensino escolar ou não. 
O fundamental é que a educação vivenciada tenha como referência as 
pessoas detidas e as suas estratégias de superação daquela condição. A com-
preensão deste tipo de educação ajuda-nos a sair do falso dilema entre papel 
da sociedade civil versus papel do Estado. O mais adequado é falarmos de 
processos de educação política, seja como práticas de grupos que intervêm no 
ambiente prisional e disputam a orientação sobre o Estado, seja como ações 
educativas a partir do próprio Estado. Estes processos de educação política 
influenciam o Estado e as redes de sujeitos sociais excluídos e encarcerados 
e organizações que apoiam suas estratégias de sobrevivência e superação das 
violações aos direitos humanos. Esta educação é compreendida como ação de 
reflexão educacional, cultural, exercitada política e historicamente em con-
textos econômicos, políticos, culturais e sociais específicos. Por isso estamos 
falando de uma educação que associa processos educativos a estratégias po-
líticas e sociais das classes subalternas. É necessariamente educação política 
como prática de educação popular.
A mesma exclusão e carência de educação de qualidade são vivencia-
das fora dos espaços da prisão. Há uma relação entre a exclusão vivida por 
pessoas com a mesma origem dentro ou fora da prisão. 
É no mínimo temerário falar que a sociedade civil desenvolve práti-
cas educativas mais enriquecedoras ou de formação integral porque trabalha 
com conteúdos reflexivos, vivências e aspectos culturais que levam as pessoas 
encarceradas a problematizar sobre seu papel, construir autoestima etc. Se 
a sociedade civil estiver articulada na construção de uma educação política, 
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provavelmente desempenhará um papel fundamental na transformação da 
vida das pessoas privadas de liberdade, do sistema carcerário e da política de 
segurança pública.
Outra afirmação comum é que o Estado desenvolve nestes espaços 
educação bancária, que reproduz a dominação porque é mais rígida e tem 
um currículo predeterminado. As políticas de educação na prisão não preci-
sam ser descontextualizadas nem alijadas das estratégias dos encarcerados, 
das pessoas e organizações que apostam em sua transformação. A escola 
de qualidade para as classes populares é a que permite integração com o 
conhecimento produzido pela humanidade e ajuda-os a exercerem a crítica 
autônoma frente ao que veem e vivem. O conhecimento científico não é por 
si só um reforço à desigualdade nem uma solução mágica para superação das 
desigualdades e discriminações. 
O problema do financiamento também fica menor se olharmos menos 
para a falta ou destinação de recursos para práticas educativas escolarizadas 
ou não escolares. O mesmo direito à educação escolar de qualidade deve 
orientar a conquista do estudo das artes, do desenvolvimento do corpo e da 
expressão corporal, enfim, do que é chamado de arte-educação. O Estado 
que mantém as pessoas não encarceradas apartadas de atividades culturais, 
esportivas, artísticas também as mantém longe da educação de qualidade. As 
periferias são a continuidade dos presídios, e os presídios são a continuida-
de das periferias. Uma das diferenças fundamentais é apenas que uma tem 
grades e trancas e a outra está lutando para romper as trancase prisões que 
negam políticas públicas para o desenvolvimento do ser humano e da socie-
dade sustentável. A exclusão é a mesma. O Estado também desenvolve políti-
cas públicas na tentativa de superar esta situação. Quero dizer que há várias 
estratégias políticas recortando e dando forma ao Estado, não monolítico e 
passível de ser disputado sempre.
A atuação da sociedade civil nas prisões algumas vezes ocorre por 
meio de parcerias com o poder público, envolvendo transferência de recursos. 
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A sociedade civil não pode deixar de debater sobre as formas de acesso aos 
recursos públicos necessários para a construção das políticas públicas de qua-
lidade, inclusive para seu monitoramento e avaliação. As ONGs e movimentos 
sociais em várias redes, como a Associação Brasileira de ONGs (Abong), têm 
assumido uma postura de diálogo para que o Estado adote critérios transpa-
rentes na contratação de seus serviços; a criação de fundos públicos geridos 
de modo paritário pela sociedade e Estado tem aparecido como uma possibi-
lidade. Há muitos editais abertos para repasse de recursos públicos. As ONGs 
e movimentos assumem o desafio de realizar uma boa gestão dos contratos, 
convênios e termos de parceria a eles confiados. 
A sociedade civil caminha no fio da navalha, basicamente, por dois 
motivos. Se age apenas no pontual, sem incorporar as estratégias dos su-
jeitos sociais e políticos com os quais se relaciona no fazer educativo, pode 
legitimar violações de direitos. Se impõe a si o papel de realizadora da 
educação escolar, não consegue implementar um sistema de educação com 
a qualidade e escala necessárias de um sistema público de educação. Mas, 
também, se recusa atuar nos espaços de privação de liberdade, temendo, 
com sua ação, legitimar práticas institucionais de violação de direitos, ab-
dica da possibilidade transformar o conhecimento da realidade em subsídio 
para a intervenção social.
Dada a especificidade do ambiente, ao pensar a educação no cárcere, 
parece mais apropriado falar de educação política, no sentido de uma edu-
cação que vise a emancipação das pessoas, implementada pelo Estado e pela 
sociedade civil. 
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EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO
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Para início de conversa
Educação como direito humano
Ednéia Gonçalves 
“Toda pessoa tem direito à instrução (...). A instrução será 
orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade 
humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e 
pelas liberdades fundamentais.” 
Declaração Universal dos Direitos Humanos – Artigo 26
O reconhecimento da educação como um direito humano implica direta-
mente na análise das condições de garantia de seu exercício ao longo da vida de 
todos e todas, independentemente do contexto ou ambiente em que se inserem. 
A consolidar esta ideia, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) reco-
nhece e se apropria positivamente da diversidade de percursos no processo de 
ensino e aprendizagem das pessoas jovens e adultas, impondo aos educadores 
da modalidade o desafio do atendimento às necessidades básicas de aprendi-
zagem de um público caracterizado pela riqueza da diferença.
A transposição da premissa da equidade para o âmbito da oferta pú-
blica de EJA encontra desafios imensos, que vão da superação da educa-
ção compensatória que identifica a EJA como o ambiente de “correção do 
descompasso” da história escolar dos sujeitos, à exigência de educação de 
qualidade para todos por toda vida (inclusive nas prisões), segundo a qual o 
reconhecimento da cidadania de presos e presas é o ponto de partida para 
a defesa de seus direitos educativos: “As pessoas presas devem gozar dos 
direitos assim como os cidadãos e cidadãs que não são privados de liberdade 
– exceto pela liberdade de ir e vir” (Francisco Scarfó).
A consolidação de uma proposta consistente de educação em pri-
sões exige aprofundamento na compreensão das bases em que se sustenta 
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e se relaciona a lógica da educação e da segurança dentro e fora das ins-
tituições penais.
Os sistemas penitenciários organizam-se, tradicionalmente, em torno 
dos imperativos da punição/proteção da sociedade e trabalho/reabilitação, 
construindo para tanto uma estrutura de funcionamento fundada basica-
mente na privação da liberdade. Neste ambiente, a oferta de EJA em todos 
os níveis de ensino é uma realidade distante e normalmente descolada das 
demandas gerais da sociedade por educação de qualidade e na contramão do 
reconhecimento de todos os jovens e adultos como sujeitos de aprendizagem.
Incluir presos e presas no grupo de “todos” é também reconhecer que 
a educação em prisões não é educação de prisioneiro (Marc De Maeyer, 2006), 
“mas a educação permanente de todos aqueles que têm alguma ligação com a 
prisão (...)”, o que nos leva a incluir no rol das demandas educativas a forma-
ção permanente de profissionais, as condições de infraestrutura nos ambientes 
destinados à educação (dentre eles a oferta de materiais, inclusive de incentivo 
à leitura) e a organização dos “tempos” com o estabelecimento de rotina ade-
quada ao projeto que se apresenta. Sobretudo a interlocução entre o sistema 
educacional e de justiça deve prever e favorecer a oferta contínua de educação 
em todos os níveis, com todas suas implicações organizacionais e formativas.
A diversidade de experiências desenvolvidas nos Estados brasileiros de-
monstra que é longo o caminho a ser percorrido – da visão da educação em 
prisões como “programa de reabilitação” até a apropriação da educação como 
exercício de direito, não privilégio, e no Brasil passa pela defesa da remição 
da pena pelo estudo e pela retomada das discussões iniciadas por MEC, Mi-
nistério da Justiça e sociedade civil, no âmbito das “Diretrizes Nacionais para 
a Educação em Prisões”. Este pode ser um caminho concreto em direção ao 
fortalecimento do ideal de todos que, dentro ou fora das prisões, lutam por 
sua humanização.
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A educação como direito
Moacir Gadotti
Parece-me fundamental que, na perspectiva da conquista do direito 
à educação “para todos”, sejam incluídas as pessoas privadas de liberdade. 
Negar-lhes esse direito é negar-lhes a possibilidade de se reintegrarem à 
vida social.
Quando falamos de educação, já não discutimos se ela é ou não ne-
cessária. Parece óbvio, para todos, que ela é necessária para a conquista da 
liberdade de cada um e o seu exercício da cidadania, para o trabalho, para 
tornar as pessoas mais autônomas e mais felizes. A educação é necessária 
para a sobrevivência do ser humano. Para que ele não precise inventar tudo 
de novo, necessita apropriar-se da cultura, do que a humanidade já produziu. 
Se isso era importante no passado, hoje é ainda mais decisivo, numa socieda-
de baseada no conhecimento.
O direito à educação é reconhecido no artigo 26 da Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos como direito de todos ao “desenvolvimento pleno 
da personalidade humana” e para fortalecer o “respeito aos direitos e liberda-
des fundamentais”. A conquista deste direito depende do acesso generalizado 
à educação básica, mas o direito à educação não se esgota com o acesso, a 
permanência e a conclusão desse nível de ensino: ele pressupõe as condições 
para continuar o estudo em outros níveis.
O direito à educação não se limita às crianças e jovens. A partir desse 
conceito devemos falar também de um direito associado, o direito à educa-
ção permanente, em condições de equidade e igualdade para todos e todas. 
Como tal, deve ser intercultural, para garantia da integralidade e a inter-
setorialidade.Esse direito deve ser assegurado pelo Estado, que estabelece 
prioridade à atenção dos grupos sociais mais vulneráveis. Para o exercício 
desse direito o Estado precisa aproveitar o potencial da sociedade civil na 
formulação de políticas públicas de educação e promover o desenvolvimento 
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de sistemas solidários de educação, centrados na cooperação e na inclusão. 
Como afirma István Mészáros (2005:65), “o papel da educação é soberano, 
tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar 
as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente 
dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social meta-
bólica radicalmente diferente”. Para ele, é preciso desenvolver novas formas de 
educação que recuperem o sentido mesmo da educação, que é conhecer-se a 
si mesmo e ser melhor como ser humano, aprendendo por diferentes meios, 
formais e não-formais. 
O neoliberalismo concebe a educação como uma mercadoria, reduzin-
do nossas identidades às de meros consumidores, desprezando o espaço pú-
blico e a dimensão humanista da educação. O núcleo central dessa concepção 
é a negação do sonho e da utopia, não só a negação ao direito à educação 
integral. Por isso, devemos entender esse direito como direito à educação 
emancipadora. Este tem sido, por exemplo, o esforço desenvolvido pelo Fó-
rum Mundial de Educação (FME). Opondo-se ao paradigma neoliberal, o FME 
propõe uma educação para um outro mundo possível (Gadotti, 2007), que é 
uma educação para o sonho e para a esperança. Para defender suas propo-
sições, o FME pretende congregar cada vez mais pessoas e organizações em 
torno de uma plataforma mundial de lutas em defesa do direito à educação 
emancipadora, contra a mercantilização da educação.
O direito à educação não pode ser desvinculado dos direitos sociais. 
Os direitos humanos são todos interdependentes. Não podemos defender o 
direito à educação sem associá-lo aos outros direitos. A educação que o FME 
defende não está separada de um projeto social, da ética e dos valores da di-
versidade e da pluralidade (Moncada, 2008). Em Nairobi (Quênia), em janeiro 
de 2007, foi aprovada a “Plataforma Mundial de Educação”, com um calen-
dário mundial de ações coletivas globais por uma alternativa ao projeto ne-
oliberal, que inclui “lutar pela universalização do direito à educação pública 
com todas e todos os habitantes do planeta, como direito social e humano de 
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aprender, indissociável de outros direitos, e como dever do estado, vinculando 
a luta pela educação à agenda de lutas de todos os movimentos e organismos 
envolvidos na construção do processo do Fórum Social de Educação (FSE) e 
do Fórum Municipal de Educação (FMS)”. Na ocasião, o FME adotou como 
método de trabalho cruzar essa plataforma com a agenda de lutas de outros 
movimentos e organizações da sociedade civil. 
Faço questão de me reportar aqui a um dos maiores estudiosos atuais 
da questão do direito à educação: Agostinho dos Reis Monteiro (1999). Para 
ele, o direito à educação “é um direito prioritário porque é o direito mais 
fundamental para a vida humana com dignidade, liberdade, igualdade, cria-
tividade” (In: FME, 2007:129). Ele distingue educação e direito à educação. 
Para ele a educação é fundamentalmente uma forma de poder: “A educação 
é mesmo o maior dos poderes do homem sobre o homem (…). O direito à 
educação é um direito novo a uma educação nova, com educadores novos 
e em escolas novas... direito a toda a educação, isto é, a todos os níveis e 
formas de educação, segundo as capacidades e interesses individuais e tendo 
em conta as possibilidades e necessidades sociais (…), e a uma educação que 
proporciona todas as aprendizagens necessárias ao pleno desenvolvimento da 
personalidade humana, com suas dimensões afetiva, ética, estética, intelec-
tual, profissional, cívica, por meio de métodos que respeitam a dignidade e 
todos os direitos dos educandos” (In: FME, 2007:126-127). 
Ao estabelecermos como prioridade de atendimento do direito à edu-
cação os grupos sociais mais vulneráveis, devemos incluir aí as pessoas anal-
fabetas e também as privadas de liberdade. O analfabetismo representa a 
negação de um direito fundamental. Não atender ao adulto analfabeto é 
negar duas vezes o direito à educação: primeiro na chamada idade própria e, 
depois, na idade adulta. Não há justificativa ética nem jurídica para excluir os 
analfabetos do direito de ter acesso à educação básica. No Brasil temos quase 
meio milhão de presos e apenas 18% deles têm acesso a alguma atividade 
educacional. Nos países mais pobres tem sido assim: a educação nas prisões 
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raramente é reconhecida como um direito. Depende, muitas vezes, da boa 
vontade da direção de cada estabelecimento e dos meios humanos e finan-
ceiros para garantir esse direito. Uma sensibilização em relação a essa pro-
blemática é essencial, e esta publicação certamente irá contribuir para isso. A 
educação das pessoas privadas de liberdade deve ser integrada à campanha 
mundial pelo direito à educação. 
Referências bibliográficas
FME, 2007. Memória do Fórum Mundial de Educação: alternativas para construir um 
outro mundo possível. Coordenação, organização e texto de Stela Rosa. Brasília: MEC/
INEP.
GADOTTI, Moacir, 2007. Educar para um outro mundo possível. São Paulo: Publisher 
Brasil.
MÉSZÁROS, István, 2005. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo.
MONCADA, Ramón, 2008. El foro mundial de educación: espacio y proceso de diálogo y 
movibización internacional por el derecho a la educación. Medellin (mimeo). 
MONTEIRO, Agostinho dos Reis, 1999. O direito à educação. Lisboa: Livros Horizonte.
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Há perspectiva de humanização das prisões?
Roberto da Silva
Desde o Projeto Humanização das Prisões, em 1984, venho partici-
pando, discutindo, ensaiando experiências e testando hipóteses de trabalho 
no sistema penitenciário paulista. Acompanhei várias gestões, vi gerações 
nascerem e morrerem dentro e em torno da prisão, colecionei conquistas e 
experimentei retrocessos. Na pesquisa “Reconstituição da trajetória de Insti-
tucionalização de uma geração de ex-menores”, defendida em novembro de 
1997, na USP, apresentei evidências de que a criminalização de crianças órfãs 
e abandonadas na Febem, instituição criada pelo regime militar, fora uma 
obra deliberada, e que as estruturas de custódia de crianças e adolescentes e 
de adultos constituíam, na verdade, subsistemas de um amplo e gigantesco 
aparato jurídico, policial e administrativo de controle social, retroalimentan-
do-se um ao outro e assegurando padrões de reprodução das condições de 
marginalidade social, de criminalidade e de violência. O Estatuto da Criança 
e do Adolescente interrompeu esta lógica, separando a custódia de crianças e 
adolescentes, e destes em relação ao adulto, ainda que tenham surgido diver-
sas iniciativas que visavam a reconstituir os vasos comunicantes que faziam 
da Febem um mecanismo de alimentação direta das prisões. Em dezembro de 
1998, quando concluí minha tese de doutorado na USP, intitulada “A eficácia 
sociopedagógica da pena de privação da liberdade”, o Brasil contava com 512 
unidades prisionais, taxa de encarceramento da ordem de 108 presos por 100 
mil habitantes e uma população de aproximadamente 170 mil presos. Em 
março de 2009, quando concluí minha livre-docência na mesma USP, a taxa 
de encarceramento subira para cerca de 180 presos por 100 mil habitantes, o 
número de unidades prisionais chegara a mais de mil e a população prisionalultrapassara meio milhão de pessoas. Mudou o perfil do preso brasileiro, mas 
não mudaram os discursos sobre o crime, a pena e a finalidade da prisão. 
Permanece estável a taxa de reincidência criminal, que as previsões apontam 
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entre 60 e 85% diante da absoluta falta de registro e a ausência de estudos 
que investiguem a progressão criminológica. As taxas de ocupação da mão 
de obra do preso, seja pelo trabalho (26%) ou pelo estudo (17%), são despre-
zíveis. De certa forma, foram inibidas as tentativas de privatização da prisão 
no Brasil, ainda que os discursos favoráveis ainda persistam; são tímidas as 
iniciativas no âmbito das parcerias público-privadas, e o mesmo ocorre com 
a terceirização, sobretudo em função dos altos riscos inerentes ao negócio; o 
preso continua sem exercer o direito de voto; a aprovação do Plano Nacional 
de Saúde no Sistema Penitenciário, em 2002, ainda não saiu do papel; tenta-
se aplicar, por analogia com o trabalho, a remição da pena pela educação, 
repetindo todos os erros, vícios e distorções do modelo vigente, e a edu- 
cação no sistema penitenciário ainda não integra a política educacional 
brasileira. Finda a gestão Nagashi à frente da Secretaria da Administração 
Penitenciária em São Paulo, caíram por terra os avanços mais significativos 
do sistema penitenciário brasileiro, permanecendo a figura nefasta do Regi-
me Disciplinar Diferenciado e as restrições de direitos aos autores de crimes 
ditos hediondos. Excetuadas as experiências de gestão comunitária da prisão, 
a criação de um único presídio industrial e a inovação arquitetônica trazida 
pelos Centros de Ressocialização em São Paulo em nada contribuíram para 
a evolução na diversificação da oferta de postos de trabalho nas prisões, na 
oferta de educação obrigatória, pública e gratuita e no atendimento de saúde 
no sistema penitenciário. A emergência da discussão sobre educação em pre-
sídios e a remição da pena por meio dos estudos, não obstante a perspectiva 
de ampliação e de efetiva aplicação do direito à educação, não inovam neces-
sariamente as concepções dominantes sobre o significado do crime, da pena 
e da prisão. A sociedade brasileira e suas instituições não dão demonstração 
pública de que estejam dispostos a substituir o conceito de crime contra o 
patrimônio pelos conceitos mais consentâneos com a contemporaneidade, 
como crime de lesa pátria e crime contra a humanidade, mesmo sabendo que 
menos de 10% das pessoas atualmente presas precisariam efetivamente estar 
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atrás das grades e que a impunidade nos crimes de corrupção, de apropriação 
do patrimônio público, de malversação de verbas e uso do poder em benefício 
próprio é mais danosa ao conjunto da sociedade do que todo o volume de 
roubos e furtos cometidos ao longo dos nossos 500 anos de história.
O atual perfil da população prisional no Brasil aponta evidências que 
sugerem dever ser a prisão uma instância que ajude no processo de sociali-
zação incompleta a que foram submetidos seus atuais habitantes, pois falha-
ram a religião, a família, a escola, a comunidade, a sociedade, o Estado e o 
mercado de trabalho em proporcionar condições de desenvolvimento digno e 
integral para crianças e adolescentes que precocemente encontram nas prá-
ticas delituosas formas mais rápidas de satisfazer necessidades insatisfeitas. 
Isso significa que a prisão deve ser, sobretudo, um lugar seguro para quem 
precisa viver ali, e que a cultura prisional vigente precisa ser imediatamente 
substituída por uma cultura pedagógica que ofereça condições para o ama-
durecimento pessoal, o despertar das potencialidades humanas e o desenvol-
vimento de habilidades e capacidades valorizadas socialmente.
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Educação como direito humano: um olhar de dentro 
C. R.
Diante de uma situação constrangedora e humilhante, não só para 
mim, mas para a minha família, me vi sozinha num vale sombrio, gelado e 
cheio de maldade por todos os lados e fui sentenciada a 20 anos de reclusão 
por um crime que não cometi. Nessa total angústia e sofrimento eu só tinha 
duas opções: jogar para o alto todos os meus sonhos e me entregar à de-
pressão que me levaria à morte ou lutar com toda a minha força, com todo o 
meu amor pela minha mãe, pelo meu filho e por Deus, sobretudo. Claro que a 
atitude mais fácil seria a primeira, mas mesmo com minha pouca força decidi 
pela segunda e fui adiante.
Embora onde me encontrava não tivesse nenhuma ajuda em nenhum 
sentido, continuei com minha decisão e não sabia como começar. Até que 
fui removida para a penitenciária feminina da capital em 2004. Ao chegar lá, 
soube que havia escola, trabalho, cursos e remição. 
Assim que tive uma oportunidade, logo nos primeiros dias, me inscrevi 
na escola, afinal eu havia estudado até 2º ano do 2º grau e faltava pouco para 
eu concluir o colegial. Mas para mim o mais importante era ocupar o meu 
tempo com coisas úteis, manter a minha mente, o meu cérebro funcionando 
de forma correta.
Comecei a trabalhar e a estudar. Porém, para minha surpresa, a escola 
era “usada” como um local de encontro entre presos dos quatro pavilhões 
apenas para conversar, quase ninguém se interessava em aprender alguma 
coisa de verdade, e as que queriam aprender tinham que se esforçar muito, e 
a maioria desistia no meio do caminho, infelizmente.
Sempre que eu tinha alguma dúvida eu questionava e nem sempre ob-
tinha uma resposta satisfatória, então procurava na precária biblioteca livros 
e mais livros. Só assim conseguia, sozinha, entender certas matérias. Muitas 
vezes minha mãe mandava livros para mim.
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Me sentia desencorajada e por várias vezes pensei em desistir de estu-
dar, mas isso seria fracassar. 
Durante quase quatro anos na PFC, vi muitas alunas concluírem seus es-
tudos e nem sequer sabiam escrever corretamente seus nomes. Muitas presas me 
pediam para escrever cartas para elas, eu escrevia e sempre perguntava o porquê 
de elas não irem à escola para aprender ler e escrever, já que teriam que permane-
cer no cárcere por alguns anos, e as respostas eram sempre as mesmas, me diziam 
que os professoras não ensinavam direito, que escreviam algumas palavras na 
lousa para que elas copiassem sem nem sequer saber o que estavam copiando. 
Que realidade triste, ainda mais por saber que era uma presa que lecionava.
Eu morei numa cela com uma senhora com mais de 60 anos que era 
analfabeta, ela já estava presa há uns seis anos e sempre foi à escola, co-
piava tudo direitinho, perguntava o que estava copiando e a professora, que 
também estava reclusa nesta unidade, dizia que era apenas para ela copiar. 
Muitas vezes ela voltava para a cela com os olhos cheios de lágrimas e se 
sentindo triste e humilhada por ser analfabeta.
Nesse momento eu decidi ensiná-la, e todos os dias, quando voltáva-
mos para a cela à noite, em torno das 19 ou 20 horas, nós nos uníamos, e 
eu a ensinava com muita paciência o que ela deveria aprender na escola: ler 
e escrever. Para dizer a verdade, eu nem acreditei que aquela senhora apren-
deu muito mais comigo, em 6 meses, o que não havia aprendido em 6 anos. 
Hoje ela sabe escrever o próprio nome e consegue até mesmo escrever uma 
cartinha para suas filhas.
Muitas pessoas criticam o fato de a maioria dos presos não estudarem, 
sendo que nas unidades (não em todas) há escola. Mas deveriam ver com seus 
olhos como é precária a educação no presídio.
E consegui concluir meus estudos em uma prova do ENCEJA, porém 
até hoje não consegui o meu certificado, ou seja, de que adiantou? Como 
irei prestarvestibular sem um certificado do 2º grau? Impossível. E isso já vai 
completar um ano.
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Muitos políticos dizem que uma sala de aula cheia é uma cela no 
presídio vazia. E muitos dizem que existe reeducação no presídio, mas só 
existe mesmo para aqueles que batalham muito, pois incentivo à educação de 
verdade neste lugar não existe.
Algo que me intriga muito é o fato de as aulas durarem uma hora ou 
duas apenas, sem livros, sem apostilas, sem organização, sem respeito.
Sendo que existem muitas presas que desejam, sim, estudar, aprender 
e crescer, mas em várias situações são criticadas e humilhadas. Digo isso por-
que eu mesma já fui motivo de risada de agentes da unidade que diziam não 
acreditar que eu iria para a escola estudar, num tom bem irônico. Percebe-se 
bem que ninguém tem levado a sério a educação no presídio. Como reintegrar 
essas pessoas, como ajudá-las verdadeiramente? Tenho certeza de que ficar 
durante 2 horas no máximo numa sala de aula, conversando sobre assuntos 
pessoais e jogando conversa fora, não é a forma certa.
Quantas vezes fui à aula e nem abri o caderno, nem ouvi nada de útil, 
somente “conversa fiada”. Esta está sendo a realidade atual.
Aqui onde me encontro hoje, no semi-aberto, pensava que seria dife-
rente, mas é a mesma coisa. Gostaria muito que tudo isso mudasse, mas teria 
que mudar tudo, tenho certeza que iria valer a pena e que muitas pessoas 
aproveitariam o incentivo real e não ilusório e precário. 
Um curso que eu fiz foi o do CDI, onde não aprendi quase nada. 
Não faltava às aulas, ficava perguntando tudo, mas não tinha respostas. 
Tinha que fazer desenhos e pintá-los. Apenas digitei um texto. Só isso. 
Aprendi computação sozinha trabalhando na unidade diante de um com-
putador e sendo “curiosa”, pois se eu dependesse das aulas para aprender, 
seria em vão.
Apesar de todos esses relatos, eu posso dizer que se eu consegui apren-
der algo e manter a minha cabeça ocupada com aprendizado, foi porque eu 
lutei muito, sozinha. Mas não quero ser ingrata, pois ao menos existem salas 
de aulas e eu sou muita grata a isso, só o que falta são pessoas competentes e 
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com vontade de verdadeiramente mudar essa situação vergonhosa que acon-
tece no sistema prisional. Existem pessoas dispostas a estudar, a aprender e a 
crescer. Só faltam pessoas dispostas a ensinar com mais dedicação.
Claro que nem todos os professores são iguais, não posso ser injusta, 
afinal, por mais que tenha faltado mais ensino, algumas pessoas, inclusive eu, 
conseguimos aprender um pouco. Mas precisa melhorar, e muito.
Torno a repetir que conheci professores que ensinaram e que gosta-
riam de fazer mais pelos presos, mas não tinham como, por falta de recursos, 
e não por falta de vontade e de amor à profissão e ao ser humano.
E eu ainda sonho em cursar uma faculdade!!
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Comentário
Educação nas prisões: entre o nada e 
a oferta de “qualquer coisa”
Denise Carreira
Dor, angústia, desespero, negligência e ignorância. A experiência de 
Cristina Rodrigues, encarcerada do sistema prisional paulista, na luta co-
tidiana por ver garantido o direito à educação, lateja de forma intensa e 
expõe o frágil lugar da educação nas prisões brasileiras. Um direito, como 
lembrado pelos professores Moacir Gadotti e Roberto da Silva, previsto na 
legislação nacional e na normativa internacional, e desrespeitado na maior 
parte das unidades prisionais do país, com raríssimas exceções.
O quadro fica mais dramático quando consideramos que Cristina ainda 
vive em uma unidade prisional na qual existe algum atendimento educacional, o 
que não é a realidade para mais de 80% dos presos e das presas do país. Diante de 
tantas dificuldades, obstáculos e fragilidades, estudar e querer aprender exigem 
esforço e determinação titânicos por parte dos alunos e alunas na prisão:
“Me sentia desencorajada, e por várias vezes pensei em desistir de es-
tudar, mas isso seria fracassar. Durante quase quatro anos na PFC, vi muitas 
alunas concluírem seus estudos e nem sequer sabiam escrever corretamente 
seus nomes. Muitas presas me pediam para escrever cartas para elas, eu es-
crevia e sempre perguntava o porquê de elas não irem à escola para aprender, 
ler e escrever, já que teriam que permanecer no cárcere por alguns anos, e as 
respostas eram sempre as mesmas, me diziam que as professoras não ensina-
vam direito, que escreviam algumas palavras na lousa para que elas copiassem 
sem nem sequer saber o que estavam copiando. Que realidade triste, ainda 
mais por saber que era uma presa que lecionava.”
A solidariedade, o compromisso e a valorização dos conhecimentos 
dos alunos e alunas, base de qualquer proposta educativa que se pretenda 
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transformadora, acabam sendo apropriados pela lógica de negação e da pre-
carização do atendimento educacional que imputa aos presos e às presas a 
responsabilidade pela aprendizagem em meio a condições tão adversas:
“Eu morei numa cela com uma senhora com mais de 60 anos que 
era analfabeta. Ela já estava presa há uns seis anos e sempre foi à escola, 
copiava tudo direitinho, perguntava o que estava copiando e a professora, 
que também estava reclusa nessa unidade, dizia que era apenas para ela co-
piar. Muitas vezes ela voltava para a cela com os olhos cheios de lágrimas e 
se sentindo triste e humilhada por ser analfabeta. Nesse momento eu decidi 
ensiná-la, e todos os dias, quando voltávamos para a cela à noite, em torno 
das 19h-20h, nós nos uníamos e eu a ensinava com muita paciência o que 
ela deveria aprender na escola: ler e escrever. Para dizer a verdade, eu nem 
acreditei que aquela senhora aprendeu muito mais comigo, em seis meses, o 
que não havia aprendido em seis anos. Hoje ela sabe escrever o próprio nome 
e consegue até mesmo escrever uma cartinha para suas filhas.”
Mesmo assim, em meio a tanta aridez, a esperança e o sonho de alguns 
e algumas resistem. Cristina lembra alguns professores e professoras que fize-
ram a diferença em sua trajetória educacional dentro da prisão e do fato de até 
hoje não ter recebido o certificado decorrente da sua aprovação, há mais de 
um ano, pelo Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e 
Adultos (Encceja), referente ao ensino médio. Sem ele, Cristina não pode lutar 
por mais um sonho: o de chegar ao ensino superior, “cursar uma faculdade”.
A voz de Cristina revela a perversidade da educação vista como um 
privilégio nas unidades educacionais e parte da lógica de punição, situação 
apontada por vários estudos e pelo recente documento1 da Relatoria Na-
cional para o Direito Humano à Educação, da Plataforma DHESCA Brasil, 
elaborado por mim e pela assessora Suelaine Carneiro. Segundo o relatório, 
a educação:
1 A íntegra do Relatório Educação nas Prisões Brasileiras está disponível nos sites 
www.dhescbrasil.org.br e www.acaoeducativa.org.br
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•	 é algo estranho ao sistema prisional. Muitos professores e professoras 
afirmam sentir a unidade prisional como um ambiente hostil ao tra-
balho educacional;
•	 constitui-se, muitas vezes, em “moeda de troca” entre, de um lado, 
gestores e agentes prisionais e, do outro, encarcerados, visando a ma-
nutenção da ordem disciplinar; 
•	 enfrenta o conflito cotidiano entre a garantia do direito à educação e 
o modelo vigente de prisão, marcado pela superlotação, por violações 
múltiplas e cotidianas de direitos e pelo superdimensionamento da 
segurança e de medidas disciplinares;
•	 é descontínuo e atropelado pelas dinâmicas e

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