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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA CURSO DE DOUTORADO/MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO FAGNER DANTAS RESUMO: CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004. O AUTOR Ha-Joon Chang nasceu em Seoul, Coréia do Sul, em 1963. Formou-se em Economia pela Universidade Nacional de Seoul, na Coréia do Sul. Conseguiu seu mestrado e doutorado em Economia na Universidade de Cambridge (Inglaterra). Desde então, tem ensinado economia em Cambridge. Além das atividades acadêmicas, atuou como consultor para várias agências internacionais (ONU, Banco Mundial) e para vários países, como Canadá, Japão e Venezuela, sempre na área de Políticas de Desenvolvimento. Vem também publicando e editando, individualmente ou em conjunto, vários livros sobre a temática do desenvolvimento, tendo recebido em 2003 o Prêmio Gunnar Myrdal pelo livro “Chutando a Escada”. A ESTRUTURA DO LIVRO O livro tem 266 páginas, divididas da seguinte forma: quatro capítulos, aos quais se somam a bibliografia e um índice remissivo. A RESENHA Capítulo 1 – Como os Países Ricos Enriqueceram de Fato? O capítulo exerce a função de apresentação do livro. Colocando a questão da pressão que os países em desenvolvimento sofrem dos países desenvolvidos e das instituições internacionais de financiamento para adotar as chamadas “boas práticas” resumidas no Consenso de Washington, o autor afirma que esses mesmos países desenvolvidos não alcançariam sua atual posição caso seguissem as práticas que hoje recomendam. O autor cita o economista alemão Friedrich List como sendo o pai do argumento de que a indústria nascente de um país só consegue se desenvolver a partir da intervenção protetora do Estado. Seu livro “The National System of Political Economy” (1841) é o principal libelo nesse sentido. É de List a ideia de que os países, após usarem uma série de políticas protetoras da sua indústria a fim de alcançarem o desenvolvimento, “chutem a escada” para que outros não a sigam pelo mesmo caminho e se tornem seus concorrentes. Foi o que fez, primeiro, a Grã-Bretanha, no século XIX, e, depois, os Estados Unidos, no século XX. Ou seja, após usarem intensamente políticas protecionistas e intervenções estatais, passaram a condenar essa prática para outros países. O autor busca distinguir a metodologia usada por List, baseada na busca de modelos históricos reais e sua aplicação a problemas contemporâneos reais, e a metodologia da economia neoclássica, baseada em modelos abstratos e situações de equilíbrio ideal e irreal. Aqui, Chang faz uma conexão interessante entre esse método mais realístico e o Institucionalismo Original (que se distingue da Nova Economia Institucional, de nomes como Coase, Williamson e North). Chang afirma que esse método era próprio da Escola Histórica Alemã (que influenciou nomes como Karl Polanyi), que tinha entre seus expoentes nomes como Werner Sombart e Karl Knies. Se Knies não conseguiu catequizar para o método histórico alunos que se tornaram nomes consagrados da Escola Neoclássica como Alfred Marshall e John Clark Bates (que, por sua vez, não conseguiu catequizar ao neoclassicismo seu aluno, Thorstein Veblen, o maior nome do Institucionalismo Original), teve também como aluno Richard Ely, que foi professor de John Commoms, que, junto com Veblen e Wesley Mitchel, forma a santíssima trindade do Institucionalismo Original. Além da vinculação entre a Escola Histórica Alemã e o Institucionalismo Original, Chang refere-se ainda a outras linhas importantes de pensamento. Após a Segunda Guerra Mundial, a questão do desenvolvimento entrou na pauta, dando original à chamada “Economia do Desenvolvimento”, capitaneada por Arthur Lewis, Walt Rostow e Simon Kuznets, que desenvolveram teorias sobre os “estágios” do desenvolvimento. O autor lembra ainda outra figura importante para a discussão, o historiador russo-americano Alexander Gerschenkron e seu conceito de “desenvolvimento tardio”, que implicava na necessária intervenção estatal para o desenvolvimento daqueles países que começaram sua arrancada industrial após a consolidação dos países desenvolvidos. Duas figuras importantes que foram influenciadas pelo trabalho de Gerschenkron foram Albert Hirschman e Charles Kindleberger. O auge da Economia do Desenvolvimento foram os anos 1950 e 1960. (Com os choques do petróleo em 1973 e 1979 e a eleição dos governos neoliberais de Tatcher, em 1979, e Reagan, em 1980, baseada na crítica às intervenções estatais, a Economia do Desenvolvimento perdeu espaço para o neoliberalismo e a metodologia neoclássica, que ignorava a história). Chang faz a seguinte distinção entre políticas e instituições: “instituições são dispositivos mais permanentes, ao passo que as políticas são mais facilmente cambiáveis.” (p. 23). Outra assertiva importante feita pelo autor é que são as diferenças entre as políticas industriais, comerciais e tecnológicas que separam os países mais bem sucedidos na geração de crescimento e mudança estrutural dos demais países. (p. 24). Por fim, afirma que impedir os países em desenvolvimento de utilizar políticas de fomento à indústria nascente constitui grave limitação à sua capacidade de gerar desenvolvimento econômico (p. 26). Capítulo 2 – Políticas de Desenvolvimento Econômico: perspectiva histórica das políticas industrial, comercial e tecnológica. Um dado interessante desse capítulo é o diagnóstico de Bhagwati, trazido pelo autor, de que uma das mudanças mais simbólicas que mostram a adoção, pelos países em desenvolvimento, do ideário neoliberal, foi a aplicação desse ideário durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), pelo fato do mesmo ter sido um dos expoentes da Teoria da Dependência até os anos 1980. Segundo o autor, durante o fim do século XIX houve um período em que prevaleceram regimes liberais de comércio. Esse movimento iniciou-se em 1849 com a abolição das Corn Laws pela Inglaterra, eu já havia alcançado a supremacia econômica. Entre 1860 e 1880, outros países seguiram a mesma linha. A exceção foram os Estados Unidos, que continuaram com tarifas de importação proibitivas para o comércio. O autor destaque que, mesmo as intervenções estatais sendo bastante restritas para os padrões modernos, os Países Atualmente Desenvolvidos (PADs) usaram ativamente políticas industrial, comercial e tecnológica. Entre essas medidas estão subsídios e financiamento públicos, além do não-reconhecimento de patentes estrangeiras. Alcançando a fronteira tecnológica com essas políticas, o passo seguinte desses países é utilizar políticas que impeçam que os outros países os sigam. Medidas como a proibição de transferência de conhecimento entre os países, com controle da migração de profissionais especializados e de exportação de maquinaria, além como a abertura, muitas vezes à força, de mercados nacionais, inibindo a produção nacional. O autor passa então a avaliar estratégias de catch-up (ou seja, estratégias dos países mais atrasados para alcançar os mais avançados) de vários países: 1. Grã-Bretanha Ao sair do período feudal (séculos XIII e XIV), a Grã-Bretanha tinha uma economia atrasada em relação a centros como as cidades de Bruges e Flandres, na região que viria a ser conhecida como Países Baixos. O primeiro exemplo de incentivo estatal para o desenvolvimento da indústria nacional veio no século XIV, com o Rei Eduardo III (1327-77) que fomentou com diversas medidas a indústriatêxtil inglesa no sentido de alcançar o sucesso dos tecelões de Flandres. O impulso oficial continuou com os Tudor (Henrique VII e Elizabeth I, nos séculos XV e XVI). Já no século XVIII, a reforma da legislação mercantil pelo premiê britânico Robert Walpole intensificou mais ainda o fomento a indústria manufatureira. Mesmo após a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, com a Inglaterra ampliando a sua liderança tecnológica sobre os demais países, ela só começou a reduzir seu protecionismo um século depois, com a revogação das Corn Laws, em 1846, processo que se consolidou com a assinatura do acordo anglo-francês de livre comércio, em 1860. Cabe notar, no entanto, que apenas 20 anos depois, em 1880, fabricantes ingleses já cobravam do governo novas proteções. Movimento nesse sentido foi feito em 1903, com a Liga pela Reforma Tributária, liderada por Joseph Chamberlain. Finalmente, as tarifas protecionistas foram reinstituídas em 1932. 2. Estados Unidos A questão do protecionismo nos Estados Unidos é tabu. Não obstante o historiador econômico Paul Bairoch afirmar que os EUA são “a pátria-mãe e o baluarte do protecionismo moderno”, Douglas North, nome consagrado da Nova Economia Institucional afirma que, apesar das tarifas terem se tornado cada vez mais protecionistas após a Guerra da Secessão (1861-1865), é questionável afirmar que elas favoreceram significativamente a expansão da manufatura. O autor, no entanto, não tem dúvida da importância das políticas protecionistas para o desenvolvimento industrial dos EUA. Chang afirma que, após a independência americana (1776), havia o conflito entre o sul agrário, que defendia o livre comércio para favorecer a venda dos seus produtos agrícolas, e o norte manufatureiro, que defendia o protecionismo para favorecer a indústria nascente. Esse argumento tinha como grande defensor Alexander Hamilton, um dos pais fundadores dos EUA e secretário do tesouro americano de 1789 a 1795. O autor lembra que, pelo Relatório do Tesouro sobre as Manufaturas, de 1791, seria Hamilton e não List (cuja obra é de 1841) o pioneiro na defesa da indústria nascente. Até 1812, as tarifas de importação ainda não correspondiam àquelas pensadas por Hamilton para proteger a indústria. Com a Guerra contra a Inglaterra, iniciada em 1812, as tarifas foram aumentadas, inicialmente para cobrir os gastos de guerra. O aumento das tarifas e a própria guerra diminuíram significativamente as importações, o que favoreceu o fortalecimento da produção manufatureira nacional. Assim, em 1816, após o fim da guerra anglo-americana, sob pressão das novas forças manufatureiras, foi sancionada a lei que mantinha o padrão tarifário elevado, agora já não mais tendo os custos de guerra como motivador e sim o fomento à indústria nacional. A tensão entre o sul livre-cambista e o norte protecionista pressionava as tarifas para cima e para baixo, mas novas elevações ocorreram em 1824, 1832 e 1846. A partir dai, houve uma redução nas tarifas, o que caracterizou o período como de “protecionismo moderado” (Paul Bairoch). A vitória de Lincoln, em 1860, foi a vitória do discurso protecionista de Henry Clay e do “sistema americano” de fomento à indústria nacional, em oposição ao “sistema britânico” de livre-comércio. Com a Guerra da Secessão (1861-1865), novo aumento de tarifas reformou o protecionismo, desta vez sob justificativa dos gastos de guerra do governo. Da mesma forma que no fim da guerra anglo- americana, as tarifas foram mantidas no mesmo patamar, agora não mais com a finalidade de financiar os esforços de guerra e sim com fins claramente protecionistas. Em 1913, com a vitória dos democratas, começou-se um movimento no sentido de reduzir as tarifas. Porém, a Primeira Guerra Mundial reduziu o seu impacto real no sentido de aumentar o livre-comércio. Finalmente, como resposta à Grande Depressão de 1929, promulga-se a tarifa Smoot- Hawley, que manteve as tarifas altas. Só depois da Segunda Guerra Mundial e com a supremacia econômica garantida, tal qual a Inglaterra, em 1846, é que os Estados Unidos aderem mais fortemente ao livre-comércio. O autor faz ainda três importantes observações a respeito dos Estados Unidos. Primeiro, que entre os anos de 1830 e 1910, os períodos de maior crescimento da economia americana foram justamente aqueles onde houve mais protecionismo (1870 a 1910, período em que as altas tarifas cobradas durante a Guerra da Secessão foram mantidas para fins protecionistas). Segundo, que mesmo após a Segunda Guerra Mundial, quando o uso de tarifas protecionistas foi abolido porque os EUA já tinham alcançado a supremacia econômica, essa supremacia foi mantida também por intervenções governamentais mais indiretas, como o financiamento de P&D através do complexo militar-industrial (que levou a descobertas comerciais como computadores e internet) e nos setores farmacêutico e biotecnológico, através dos Institutos Nacionais de Saúde. Terceiro, que além das práticas protecionistas, os Estados Unidos também foram berço de toda uma literatura acadêmica de apoio à proteção da indústria nascente. Além dos já citados Alexander Hamilton e Henry Clay, o autor cita nomes como Daniel Raymond (que influenciou o próprio List) e Henry Corey, considerado por Marx e Engels o único economista americano relevante dos anos 1850. 3. Alemanha Diferentemente da imagem protecionista que tem, a Alemanha é apontada pelo autor como tendo uma influência muito menor do protecionismo tarifário no seu desenvolvimento econômico. A tarifa aduaneira foi moderada até 1834, quando subiu por conta da criação da União Aduaneira. Em 1862, com o acordo de livre-comércio com a França, e em 1870, com a redução da alíquota do aço, as tarifas iniciaram um movimento de redução generalizada. Esse movimento foi detido por Otto Bismarck, em 1879, que aumentou muito as tarifas, como resultado da aliança entre a aristocracia rural e o empresariado da indústria pesada. Porém, fora esse aumento, não houve proteção adicional, senão à agricultura e alguns setores-chave da indústria pesada. Porém, o uso pouco significativo da proteção tarifária não revela uma visão laissez-faire do governo alemão. Outras medidas, principalmente intervenções governamentais de concessão de monopólios, subsídio à exportação e recrutamento de mão-de-obra especializada foram usadas para fomentar a indústria nacional. Entre o fim do século XVIII e começo do século XIX, empresários-burocratas dinâmicos como Graf von Reden e Peter Beuth beneficiaram-se do apoio governamental, inclusive para fazer espionagem industrial e copiar tecnologias estrangeiras, a fim de garantirem o avanço da indústria alemã. Outras duas intervenções governamentais ajudaram indiretamente a indústria nacional: o financiamento estatal das rodovias e a reforma educacional, que direcionou o ensino para a ciência e a tecnologia. A partir de 1840, com a indústria nacional mais consolidada, o governo alterou o foco de seu apoio, deixando de ter um papel mais diretivo e assumindo um papel mais orientador. No período do Segundo Reich (1870-1914), o desenvolvimento do setor privado e o fortalecimento da aristocracia rural na burocracia estatal levou à desarticulação da capacidade interventora do Estado alemão. Por outro lado, o proteção tarifária levou à formação de cartéis, o que permitiu um aumento na capacidade de investimento privado, gerando uma indústria inovadora. 4. França A França, segundo o autor, também é sempre apresentada como intervencionista. Porém, essa conclusão aplica-se ao período pré-revolucionário e ao pós-Segunda Guerra Mundial.Antes da Revolução (1789), a política econômica francesa foi caracterizada pelo colbertismo (alusão a Jean-Baptiste Colbert, ministro da fazenda de Luís XIV) altamente intervencionista. Somente após a Revolução e com a queda de Napoleão, é que a França adota um regime de laissez-faire que perdurou até a Segunda Guerra. Assim, se considerado um período de 1821 a 1913, a Inglaterra teve tarifas protecionistas maiores do que a França na maior parte do tempo (de 1821 a 1875), o que nega a ideia da França como Estado caracteristicamente intervencionista em comparação com a Inglaterra. A exceção dessa fase liberal da França, o período de Napoleão III (1848-1870), foi marcado por várias medidas de incentivo à indústria e registrou a única fase de crescimento do período. Já em 1860, com a assinatura do tratado de livre-comércio com a Inglaterra, o liberalismo sentou raízes. Essas só seriam revistas após a Segunda Guerra Mundial, quando o Estado francês adotou uma política industrial e , com isso, conseguiu ultrapassar a Inglaterra em termos produtivos. 5. Suécia. Outro país que, como a Inglaterra, é considerado um exemplo de economia liberal, a Suécia, segundo o autor, também não passou incólume à adoção de práticas protecionistas e de apoio à indústria local. Em 1816, foi promulgada uma lei tarifária fortemente protecionista. De 1830 a 1875, essas tarifas foram sendo reduzidas. Porém, já em 1880, voltaram a crescer e em 1930 a Suécia era o segundo país de maior proteção à indústria (perdendo apenas para a Rússia). Segundo o autor, foi essa proteção proporcionou o crescimento da economia sueca nas décadas seguintes. Além dos tradicionais subsídios e tarifas protecionistas, o autor chama atenção para outro método característico do apoio governamental à indústria nacional: as parcerias público-privadas, mais significativas que as tradicionais práticas colaborativas alemãs. Chang afirma que essas parcerias resultaram em gigantes como a ERICSON e a ASEA. Essa política de parceria teve sua manifestação política na eleição do Partido Socialista em 1932 e da celebração do pacto histórico entre sindicatos e associações patronais. (Certamente próximo à ideia de corporatismo defendida por Phillipe Schmiter e de autonomia enraizada, defendida por Peter Evans). Foi essa associação entre patrões e empregados que levou ao sucesso da indústria sueca após a Segunda Guerra Mundial. 6. Bélgica A Bélgica também é apontada como um país caracterizado pelo livre-comércio, graças à sua supremacia tecnológica em algumas indústrias já no início do século XIX. De fato, o autor reconhece que, de 1860 até a Primeira Guerra Mundial, a Bélgica exibiu um regime fortemente livre-cambista. Porém, a supremacia tecnológica que permitiu isso deriva de forte protecionismo e apoio à indústria local nos anos anteriores. Durante todo o século XVIII e até a década de 1850, a Bélgica foi sede de várias medidas de proteção à industrial nacional. 7. Holanda A Holanda teve ao longo do século XVII uma supremacia naval e comercial que rivalizava com a britânica. Porém, não transformou isso em supremacia industrial, como fez a Inglaterra. O autor enumera várias razões para isso, inclusive a proposta por List de que a Holanda não foi capaz de criar as instituições e políticas públicas necessárias ao desenvolvimento industrial. O único momento de exceção a essa paralisia da indústria holandesa foi durante o reinado de Guilherme I (1815-1840), que lançou mão de várias medidas de apoio à indústria nacional. Em 1840, o país retornou à política laissez-faire, só a abandonando após a Segunda Guerra Mundial, quando passou a praticar, sobretudo após 1963, uma política industrial ativa. 8. Suíça A Suíça é caracterizada por uma industrialização muito precoce, logo depois da Revolução Industrial inglesa. Assim, passou a desenvolver tecnologias que a colocaram na vanguarda de algumas indústrias, o que, entre outros fatores, como a exiguidade territorial, teria desestimulado o uso de políticas protecionistas. Apesar dessa característica livre-cambista, o autor chama atenção para o fato da Suíça não ter adotado uma lei de patentes, medida que beneficiou a indústria local, que roubava tecnologia da Alemanha para proporcionar vantagens competitivas industriais. Após falar desses países individualmente, o autor começa a tratar de grupos de países, iniciando pelo Japão e os Novos Países Industrializados do Extremo Oriente. No caso do Japão, destaca-se a abertura forçada do seu comércio pelos Estados Unidos em 1854. Mesmo com a Revolução Meiji (1868) abrindo caminho para a modernização do país, esse não pode usar a proteção tarifária, por conta dos acordos comerciais firmados em 1858 e que perduraram até 1911. Porém, o governo lançou mão de outras medidas de proteção à indústria nacional. A primeira delas foi a criação de empresas estatais em quase todos os setores industriais. Mesmo sendo posteriormente vendidas para o setor privado, tais empresas continuaram recebendo apoio do governo. Apesar do fraco desempenho dessas empresas estatais, pesquisadores como Thomas Smith afirmam que elas foram importantes para criar uma cultura industrial e lançar as sementes das indústrias-chave do futuro japonês. O Estado também investiu na construção de infraestruturas para facilitar o desenvolvimento industrial. Além disso, investiu na transferência de tecnologias e na contratação de consultores estrangeiros. Cabe destacar também a incorporação de diversas instituições voltadas para o desenvolvimento industrial que, apesar das diferentes origens nacionais, foram sendo adaptadas ao modelo japonês de desenvolvimento. Com o fim dos acordos comerciais, em 1911, o governo japonês promoveu uma ampla reforma tarifária de cunho protecionista. O autor destaca que, a exemplo da Alemanha e da Suécia do fim do século XIX e começo do século XX, o Japão optou por uma proteção tarifária seletiva (mantendo uma tarifa média moderada e tarifas altas para algumas indústrias-chave) ao invés de uma proteção tarifária genérica, como Estados Unidos, Rússia e Espanha, no mesmo período. A partir de 1920, o governo passou a incentivar as fusões e a formação de cartéis para evitar a concorrência predatória e ganhar economias de escala. A partir da década seguinte, em função da crise econômica de 1929 e dos esforços de guerra, o Estado passa a intervir ainda mais na economia, criando as bases do que seria a sua política industrial no pós-guerra. Com essa política, o Japão alcançará um crescimento extraordinário até a década de 1970. Segundo o autor, há um forte debate sobre as causas do crescimento econômico japonês e dos demais países asiáticos. Segundo ele, a conclusão desse debate é que, com exceção de Hong Kong, todos os demais países se beneficiaram de políticas industriais ativas. Outra conclusão é de que os países asiáticos não copiaram simplesmente as políticas industriais usadas anteriormente pelos países desenvolvidos. Essas políticas foram aprimoradas pelos países asiáticos, atuando o governo de forma muito mais coordenada que os daqueles países. Por fim, uma última diferença foi a ênfase dada nos países asiáticos à qualificação do capital humano, através da educação. Sem entrar em maiores detalhes, o autor também rebate as críticas de que as crises econômicas que atingiram a Ásia na década de 1990 foram resultados das políticas industriais ativas utilizadas após a Segunda Guerra Mundial. O autor mostra diversas evidências que negam qualquer relação de causa e efeito entre as políticas industriais e a crise asiática. A seguir, o autor avalia a relação da Grã-Bretanhacom as suas colônias e as medidas tomadas para impedir o avanço destas. Primeiro, estimulava-se a produção primária nas colônias a fim de que a manufatura fosse desestimulada do ponto de vista econômico. Além disso, algumas atividades manufatureiras eram proibidas de serem exercidas nas colônias. Naquelas atividades de manufatura que não eram proibidas, proibia-se a exportação para a Grã-Bretanha, se essas representassem concorrência para as indústrias inglesas. Por fim, as colônias eram proibidas de usarem tarifas protecionistas. Para além das colônias britânicas, o autor dedica-se a estudar como os PADs impediram o avanço industrial de outros países. A principal estratégia era a imposição, aos países menos desenvolvidos, de acordos de livre-comércio desfavoráveis. O autor chama a atenção para semelhança entre a imposição de baixas tarifas no passado e a “sugestão” atual das agências de desenvolvimento de que os países endividados baixem suas tarifas para, estimulando o livre-comércio, melhorarem o seu desempenho. O autor dedica-se também ao estudo das tentativas inglesas de impedir o avanço dos próprios concorrentes europeus. Essas tentativas não lançavam mão de medidas tão abusivas quanto a imposição de acordos comerciais desfavoráveis, mas sim de medidas mais internas, como o controle à emigração de profissionais especializados (que levavam para outros países os segredos tecnológicos ingleses) e a exportação de maquinaria (com o mesmo fim de impedir o conhecimento da tecnologia). A resposta das nações menos desenvolvidas foi incentivar a espionagem industrial e todo o tipo de subterfúgio para conseguir acesso ás tecnologias britânicas. Na metade do século XIX, com o avanço das tecnologias inglesas, essa não poderia mais ser transferida mediante trabalhadores especializados ou mesmo através da importação de maquinaria, o que levou a Grã-Bretanha a abolir as restrições a esta movimentação. A única forma de transferência passou então a ser diretamente através do dono da tecnologia, mediante as regras de patente. Isso levou à formação do primeiro regime de patentes, com as convenções de Paris (1883) e de Berna (1886) sobre a propriedade dos direitos internacionais, já sobre pressão não só da Grã-Bretanha, mas de outros países tecnologicamente avançados, como Estados Unidos e França. A instauração desse regime não impediu, no entanto, que patentes fossem quebradas, mesmo em países desenvolvidos, ainda no século XX. Após esses exames das estratégias de desenvolvimento industrial de países ou grupo de países, o autor passa a enumerar os mitos e fatos acerca dessas estratégias: 1. Fato – quase todos os países bem-sucedidos valeram-se de políticas industriais ativas quando estavam em processo de desenvolvimento; 2. Fato - Suíça e Holanda desenvolveram-se com políticas francamente liberais; 3. Mito – Grã-Bretanha, Suécia e Estados Unidos como exemplos de livre- cambismo; 4. Mito – França e Alemanha como exemplos de intervencionismo estatal; 5. Fato - O Japão teve o seu intervencionismo estatal limitado por restrições externas (acordos de livre-comércio que proibiam a proteção tarifária); 6. Fato – apesar de usarem políticas industriais ativistas para alcançarem o desenvolvimento, os PADs advogam políticas exatamente contrárias (livre- comércio) para que os países em desenvolvimento. O autor inicia a conclusão do capítulo afirmando que apesar da influência da proteção tarifária à indústria nascente para o desenvolvimento industrial dos PADs, o uso de diferentes arranjos de medidas variadas (subsídios, parcerias, investimento em educação, etc) faz com que não se possa falar em uma “receita universal” de desenvolvimento industrial. Outra conclusão interessante é que, por um lado, ao mesmo tempo em que as políticas industriais ativas de outrora eram muito primitivas se comparadas com aquelas que são possíveis hoje, esse conjunto mais sofisticado de políticas industriais ativas contemporâneas são justamente as que estão sendo proibidas pelos organismos internacionais, como a OMC. Mas, por outro lado, como a distância entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento é muito mais agora do que no início da utilização de políticas industriais ativas, essas precisariam ser muito mais intensas hoje do que antigamente. Capítulo 3 – Instituições e Desenvolvimento Econômico: a “boa governança” na perspectiva histórica. O autor inicia comentando a pressão dos países desenvolvidos e das organizações financeiras internacionais para que os países em desenvolvimento adotem as chamadas “instituições de boa governança”. Essas reúnem questões como: democracia; burocracia e judiciário limpos e eficientes; forte proteção ao direito de propriedade privada (inclusive intelectual); boa governança empresarial (divulgação de informações e existência de uma Lei de Falências); e instituições financeiras bem desenvolvidas. Ao lado dessas, mas menos citadas, estão condições como um bom sistema financeiro público e boas instituições previdenciárias e trabalhistas. Diante das críticas quanto a adoção à força dessas instituições pelos países em desenvolvimento, o autor se pergunta qual a melhor alternativa para desenvolver instituições de boa governança adaptadas à natureza de cada país. A primeira alternativa seria descobrir quais são as instituições adequadas. Porém, isso nem sempre dá certo, como mostra a experiência de ajuste estrutural tanto em países latino-americanos como nas antigas economias socialistas. Uma segunda opção seria deixar que as instituições se desenvolvessem naturalmente, de acordo com o avanço de cada país. No entanto, isso pode demorar mais do que os países em desenvolvimento estão dispostos a esperar, além de não haver certeza do desenvolvimento das melhores instituições, por conta de fatores externos que influencia o desenvolvimento nacional. A terceira opção é a defendida pelo autor, qual seja, a de aprender com a história das nações desenvolvidas. Assim, o autor propõe estudar o desenvolvimento de cada um dos itens das chamadas “instituições de boa governança” nos PADs: 1) democracia. O autor afirma que a história ensina que esta a democracia fortalece o desenvolvimento econômico. No entanto, lembra que o caminho de consolidação da democracia nos PADs foi tortuoso e conviveu durante muito tempo com fraudes e processos eleitorais seletivos. Em comparação, a evolução da democracia dos países em desenvolvimento foi bem menos acidentada. 2) burocracia. Ter uma burocracia eficiente é condição para o desenvolvimento econômico. O conceito de burocracia eficiente, no entanto, não é unívoco. Inicialmente o conceito estava vinculado à linha weberiana, de uma burocracia rígida, com carreiras de longo prazo e uma condução estritamente normativa. Mais recentemente, a chamada Nova Administração Pública vem pleiteando uma burocracia mais flexível, focada em resultados, em carreiras mais curtas. Independente da concepção de burocracia eficiente, o fato é que a evolução dessa nos PADs também foi tortuosa. Assim, essa evolução foi marcada pela venda de cargos públicos e o tratamento desses como propriedades pessoais e privadas. Além disso, eram comuns casos de distribuição de cargos a correligionários e nepotismo. Essa situação perdurou entre os PADs até fins do século XIX. Algumas mudanças pioneiras no sentido de modernizar e profissionalizar a burocracia começaram a ocorrer ainda no século XVIII, na Prússia de Guilherme I, em 1713. Na Grã-Bretanha, as mudanças só começaram a aparecer em 1860 e nos Estados Unidos, em 1880. 3) judiciário. A discussão do Judiciário independente como condiçãopara o desenvolvimento econômico não é tão unívoca quanto as anteriores. O autor aponta que um Judiciário muito independente sofre de escassez de legitimidade democrática, o que faz com que alguns países como os Estados Unidos opte por elegerem parte dos seus funcionários judiciários. Para o autor, a qualidade do Judiciário não deve ser visualizado apenas na sua independência em relação ao governo, mas sim no profissionalismo dos seus membros, na qualidade dos seus julgamentos (que não devem estar atrelados apenas ao império da lei, mas deve considerar também valores sociais mais amplos) e no custo de administração do sistema. Segundo o autor, um Judiciário de qualidade, sob qualquer aspecto, esteve longe da realidade dos PADs até o fim do século XIX e mesmo no início do século XX. 4) regimes de direito de propriedade. O autor inicia questionando a ideia de que a qualidade desses regimes está na inviolabilidade dos direitos de propriedade, uma vez que historicamente a preservação desses direitos já se mostrou nociva ao desenvolvimento, assim como a sua quebra já se mostrou positiva. Assim, importa menos para o desenvolvimento a proteção absoluta de todos os direitos de propriedade do que a definição adequada de quais direitos devem ser protegidos e sob que condições essa proteção deve ocorrer. Ainda discutindo os regimes de direito de propriedade, o autor afirma que o primeiro sistema de patentes foi criado em Veneza, em 1474. Esse, como os outros que o seguiram, eram extremamente falhos na definição da originalidade que se queria proteger. Apesar disso, com a difusão pelos países, começou a pressão por um regime de propriedade intelectual internacional. Apesar da criação desse sistema internacional, a violação de patentes ainda era rotineira entre os PADs em pleno século XX. 5) governança empresarial. O autor inicia questionando a ideia de que a responsabilidade limitada, inventada para estimular investimentos arriscados, seja favorável ao desenvolvimento econômico, uma vez que podia estimular o risco excessivo (denominado hoje “risco moral”). Apesar desse estímulo perigoso, a responsabilidade limitada foi adotada por praticamente todos os países como uma condição para o seu desenvolvimento econômico. Em 1811, os Estados Unidos aprovaram a primeira lei de responsabilidade generalizada. Em 1822, a primeira sociedade por cotas de responsabilidade limitada foi fundada na Bélgica. A prática seguiu com a Suécia (1844) e a Inglaterra (1856). Ainda com relação à governança empresarial, o autor fala da instituição da Lei de Falências. O modelo de lei de falência ideal também não é unívoco, havendo o modelo americano, que favorece o devedor; o modelo inglês, que favorece o credor; e o modelo francês, que favorece o empregado. Porém, concorda-se que ter uma lei de falências eficiente é condicionante para o desenvolvimento econômico. Inicialmente, a lei de falência foi pensada para proteger o credor do empresário inescrupuloso e desonesto. Porém, com sua evolução, a lei de falência passou a integrar a ideia de que fatores externos ao empresário podem leva-lo à falência, sendo também desenhada para salvaguardar o empresário. Essa mudança no viés da lei (de socialização dos riscos da atividade empresarial) foi, segundo o autor, tão importante quanto a invenção da responsabilidade limitada para a dinamização da economia. Ainda no mesmo tópico, o autor trata da divulgação de informações. Apesar do consenso em torno da importância da transparência empresarial para o desenvolvimento econômico, as instituições criadas pelos PADs nesse sentido continuavam péssimas em pleno século XX. Exemplos de leis que criaram boas instituições de transparência foram as da Alemanha (1884), da Noruega (1910), dos Estados Unidos (1933) e da Inglaterra (1948). O último subitem do tópico da governança empresarial é a lei de concorrência. Leis antitrustes realmente eficientes só apareceram no século XX nos PADs. Nos Estados Unidos, apesar do Sherman Antitrust Act ser de 1890, sua aplicação só se efetivou com Roosevelt, em 1902. Na Alemanha, a lei efetiva veio apenas em 1933; na Inglaterra, em 1956; e na França, em 1986. Leis que procuravam antes monitorar o comportamento monopolista do que impedi-lo são exemplificadas pelas leis norueguesa (1953) e dinamarquesa (1955). 6) instituições financeiras. O desenvolvimento das instituições financeiras nos PADs foi extremamente tardio, só se podendo falar de um sistema bancário integrado em meados do século XX. Foi só nesse período que os bancos assumiram a função de instituições profissionais de crédito, pois, até então, esse era concedido mais com base em relações pessoais. Com relação à figura do Banco Central, apesar de ser hoje uma unanimidade a sua necessidade para o desenvolvimento, isso não era tão óbvio no início do capitalismo mundial. Muitos achavam que, como a sociedade por cotas de responsabilidade limitadas, os Bancos Centrais, na condição de salvaguardar o sistema financeiro, abriria espaço para o risco moral excessivo por parte dos investidores. Dai a sua instituição também ter sido demorada nos PADs. O primeiro BC foi o sueco (1688), porém só passou a funcionar como tal (com monopólio da emissão de moeda) em meados do século XIX, mesmo caso dos demais BCs europeus. Nos Estados Unidos, apesar de formalmente criado em 1913, o BC (Federal Reserve) só passou a atuar realmente após a Crise de 1929. Quanto à regulamentação de títulos, apesar de Keynes, entre outros, argumentar que o capitalismo funciona melhor quando o mercado de capitais tem um papel secundário, hoje a ortodoxia afirma que ele é uma peça fundamental do desenvolvimento. O que torna a tarefa da sua regulamentação ainda mais importante. As tentativas nesse sentido começaram na Inglaterra (1697), mas foram fracassando ao longo dos anos. Tentativas mais sólidas ocorreram na esteira da crise de 1929, tanto nos EUA (1933) quanto na Inglaterra (1939). Por fim, o autor fala das instituições financeiras públicas. O autor inicia falando das dificuldades tanto dos PADs, antigamente, quanto dos países em desenvolvimento na atualidade. Esse dificuldade vinha da falta de legitimidade que a população atribuía aos impostos que eram cobrados. O Imposto de Renda, por exemplo, foi implantado de forma permanente na Inglaterra apenas em 1842, sob fortes protestos, Nos EUA, a mesma batalha ocorreu em 1884, inclusive com a Suprema Corte entendendo ser o imposto inconstitucional. Assim, esse só seria adotado em 1913. 7) bem estar social e legislação trabalhista. A última das “instituições de boa governança” discutidas pelo autor, a questão do bem estar entrou na pauta até mesmo de instituições como o FMI e o Banco Mundial, que entendiam serem elas prematuras para os países em desenvolvimento por conta de um possível agravamento do déficit público. Porém, com o aumento das crises econômicas por conta da desregulamentação da economia, agora tais instituições já afirmam a importância de uma “rede de seguridade” nesses países. Para além de “paraquedas” em momentos de crise, o autor defende a ideia de que instituições de bem estar social podem gerar desenvolvimento econômico no momento em que melhoram a produtividade da força de trabalho, reduzem as tensões sociais e dão legitimidade e estabilidade ao sistema político, proporcionando um melhor ambiente de negócios. Apesar desses aspectos positivos, o autor levanta algumas questões cruciais que devem balizar a construção das instituições de bem estar como o impacto sobre a autoestima e a ética do trabalho daqueles que recebem os benefícios; a capacidade de administração justa e eficiente do sistema de benefícios,evitando fraudes; e a recepção negativa que pode ter a necessidade de criar impostos para alimentar o sistema de benefícios. Em perspectiva histórica, o autor afirma que até 1870, as instituições de bem estar social dos PADs eram precárias e estigmatizam os beneficiados, excluindo-os, em alguns casos, do direito a voto, por exemplo. Em função da pressão das classes populares, da ampliação do sufrágio e da atuação dos sindicatos, instituições de bem estar mais adequadas foram sendo criadas nos PADs a partir do fim do século XIX, tendo a Alemanha sido pioneira. No que toca a regulamentação do trabalho infantil, o autor afirma que hoje a uma pressão grande dos PADs para que os países em desenvolvimento erradiquem esse tipo de trabalho. Porém, além da hipótese de tais pressões servirem apenas para estigmatizar os países pobres, criando sanções comerciais que dificultam ainda mais o seu desenvolvimento, existe o fato de que os PADs utilizam extensivamente o trabalho infantil no seu processo de desenvolvimento, levando um tempo muito maior para erradica-lo, não justificando o imediatismo exigido dos países em desenvolvimento. Tendo decorrido o início da Revolução Industrial (final do século XVIII até meados do século XIX), foi somente no final do século XIX que medidas efetivas de erradicação do trabalho infantil passaram a ser aplicadas nos PADs. Não obstante os EUA tenham sido precoces nessa tentativa (1840), foi somente em 1938 que foi aprovada uma lei efetiva nesse sentido. Quanto à regulamentação da jornada de trabalho, essa só apareceu de forma efetiva no século XX. Finalizado esse estudo detalhado de cada instituição, o autor faz uma síntese dos principais achados quanto à evolução dessas instituições nos PADs, separando as constatações por fases históricas: Instituições de Boa Governança 1820 - Começo da Industrialização. 1875 – Aceleração da Industrialização 1913 – Consolidação da Industrialização Sufrágio Universal INEXISTENTE INEXISTENTE INCIPIENTE Burocracia Profissional INEXISTENTE (com exceção de alguns estados alemães) INCIPIENTE INEFICIENTE Proteção ao Direito de Propriedade INEFICIENTE INEFICIENTE -------------------- Responsabilidade Limitada INCIPIENTE GENERALIZADA -------------------- Transparência empresarial INEXISTENTE INEXISTENTE INEFICIENTE Lei de Falência INEFICIENTE INEFICIENTE -------------------- Lei de Concorrência INEXISTENTE INEXISTENTE INEXISTENTE Bancos Privados INCIPIENTE INCIPIENTE INCIPIENTE Banco Central Efetivo INEXISTENTE INEFICIENTE INEFICIENTE Regulamentação de Mercado de Capital INEFICIENTE INEFICIENTE INEFICIENTE Imposto de Renda permanente INEXISTENTE INCIPIENTE INCIPIENTE Instituições de bem estar social INEXISTENTE INCIPENTE (com exceção da Alemanha) GENERALIZADAS Obs: Interessante o fato do autor ter dado ênfase ao desenvolvimento do judiciário, mas não o ter incluído nessa periodização. O autor passa então a enumerar as hipóteses de causas para um processo tão lento dessa evolução nos PADs: 1) muitas instituições deixaram de ser adotadas ou, quando o foram, mostraram-se ineficientes porque eram insustentáveis (não havia recursos suficientes para administrá-las e impô-las). Por exemplo, instituições de bem estar social; 2) tornando-se sustentáveis, enfrentaram ainda a resistência daqueles que sairiam perdendo com a sua institucionalização. Por exemplo, o imposto de renda permanente; 3) superada a resistência mais aguerrida, faltava ainda uma perfeita compreensão da lógica econômica por trás dessas institucionalizações. Por exemplo, resistência à ideia do Banco Central pela hipótese de aumento do risco moral; 4) entendida a lógica econômica; ainda subsistia alguns preconceitos culturais contra certas instituições. Por exemplo, o voto feminino; 5) por fim, superados os aspectos anteriores, restava o fato da interdependência institucional, que impedia que uma instituição fosse criada enquanto outra não fosse. Por exemplo, sem uma cobrança efetiva dos impostos, não há como pagar uma burocracia profissional; porém, sem uma burocracia profissional, não há como fazer uma cobrança efetiva de impostos. Após toda essa análise, a conclusão a que chega o autor é de que, tendo demorado tanto a evolução institucional nos PADs, não há justificativa para que esses exijam que os países em desenvolvimento percorram o mesmo caminho em menos de uma década. Para reafirmar isso, o autor compara, utilizando a renda per capita dos PADs no final do século XIX e início do século XX e dos países em desenvolvimento no ano de 1992, os estágios de desenvolvimento institucional em que se encontravam países de nível de desenvolvimento semelhante (O autor usa renda per capita como nivelador do desenvolvimento, o que não parece muito adequado quando se tem índices como o IDH. Talvez a falta de algo como um IDH no final do século XIX leva-se a escolha de um índice mais generalizável historicamente). Por exemplo, a Grã-Bretanha de 1820 tinha uma renda per capita ligeiramente superior a da Índia de 1992. Porém, quando se compara a existência e efetividade das instituições de boa governança nos dois países, a Grã-Bretanha fica bem abaixo da Índia. O mesmo acontece quando se compara a Itália de 1875 com o Paquistão de 1992 ou os EUA de 1913 com o México de 1992. Assim, os PADs conseguiram se desenvolver partindo de um patamar institucional muito inferir ao que hoje eles querem impor como condição inicial para os países em desenvolvimento, sendo que estes já dispõem de uma estrutura que eles não tinham quando começaram seu processo de desenvolvimento. Capítulo 4 – Lições para o Presente. O autor inicia apontando que o problema comum enfrentado pelas economias em catch- up é que a passagem para atividades de maior valor agregado não ocorrem naturalmente, uma vez que existem discrepâncias entre o retorno social e o retorno do investidor quando esse investe em atividades de ponta. Dai a necessidade de criar instituições que reduzam essa discrepância (quando o Estado oferece garantias ao investimento privado) ou, no limite, a elimina (quando o Estado assume a atividade diretamente). Porém, soluções institucionais gerais podem não dar o resultado esperado no tempo desejado, o que faz o autor defender uma política de intervenção mais enfocado e ágil. Para ele, os países bem sucedidos são justamente os que adaptam suas políticas às mudanças de situação. Afirma ainda que, se os PADs usaram políticas intervencionistas, a sua recomendação de que os países em desenvolvimento hoje devem usar políticas pró-mercado está em discordância com sua própria história. A hipótese do autor é que a única justificativa dessa recomendação é que os PADs querem, na verdade, “chutar a escada” por onde subiram, impedindo assim que outros países os seguiam. Para rebater essas hipóteses, teria que haver provas de que as políticas corretas de outrora não mais corretas pois os tempos mudaram. As duas décadas de fraco crescimento durante as quais os países em desenvolvimento usaram políticas neoliberais pró-mercado (1980 e 1990) mostram o contrário, ou seja, que as políticas erradas de outrora continuam erradas atualmente. Por outro lado, as duas décadas anteriores (1960 e 1970), onde predominaram políticas intervencionistas (keynesianas nos EUA, de bem estar social na Europa e desenvolvimentistas no Brasil) mostram crescimento mais alto, ou seja, que as políticas corretas de outrora se mantém como as políticas corretas ate hoje. Outro aspecto interessante levantado pelo autor é que aschamadas “instituições de boa governança” recomendadas pelos PADs como causa do seu desenvolvimento econômico são, na verdade, consequências desse desenvolvimento. (Além do autor não detalhar essa assertiva, na página seguinte afirma que os dados históricos mostram que, efetivamente, ao menos uma parte da aceleração do crescimento dos PADs tenha ocorrido em razão do aprimoramento da qualidade das instituições.) O autor ressalta que, não obstante possa se discutir quais são as instituições corretas para cada país e em cada momento histórico, tudo leva a crer que o aprimoramento das instituições ajuda no desenvolvimento nacional. O erro estaria em definir a priori quais seriam essas instituições (Banco Central independente? Proteção rígida ao direito de propriedade intelectual? etc) e, principalmente, o curto prazo dado pelos PADs para sua absorção pelos países em desenvolvimento. Porém, para o autor, instituições boas só funcionariam com políticas boas. Assim, para que as instituições possam resultar em desenvolvimento, é necessário que sejam direcionadas por políticas voltadas para o desenvolvimento. O autor apresenta três objeções que podem ser oferecidas ao seu argumento de que os PADs, ao recomendarem as “instituições de boa governança” independente dos países em desenvolvimento terem ou não tem políticas adequadas para seu uso, estão na verdade “chutando a escada” do desenvolvimento: 1) os países em desenvolvimento são obrigados a adotar as instituições recomendadas pelos países desenvolvidos por causa da força econômica e política desses. O autor discorda dessa obrigatoriedade (porém, não mostra como resistir à força que ele mesmo reconhece que os PADs tem); 2) os países em desenvolvimento são obrigados a adotar as instituições porque essa é a vontade dos investidores internacionais, sem os quais, esses países não tem como sobreviver. Para essa objeção, o autor tem um belo argumento. Ela afirma que se os investidores condicionassem os seus investimentos à existência das “instituições de boa governança” recomendadas pelos PADs, eles nunca investiriam numa ditadura como a chinesa. O que interesse para esses investidores é lucratividade, muito mais atrelada a fatores como tamanho do mercado e taxas de crescimento do que com a independência do Banco Central ou com a existência de um judiciário honesto (E quando isso significa risco de expropriação do capital investido ou interferência política no controle inflacionário? É discutível que investidores produtivos, que vão aportar capital significativo em um país não considere tais aspectos). Além disso, a adoção de instituições deve se basear no que ela representa em termos de desenvolvimento interno da economia e não em investidores internacionais. Assim, se a institucionalização de uma proteção rígida de direitos intelectuais vai representar perdas para a economia nacional, ele não deve ser realizada, mesmo que esse seja o desejo declarado dos investidores internacionais. Como demostra o argumento anterior, se a economia crescer, os investidores virão, independente das instituições. (E quando o desenvolvimento econômico depende do aporte de capital internacional? Mesmo o Brasil, com enormes recursos, precisou do capital multinacional para dar sua arrancada econômica. Se a necessidade desse fosse simplesmente ignorada, será que o avanço econômico seria o memso?) Um terceiro contra-argumento é de que investidores inteligentes sabem que instituições não funcionam por si só. Se a sua implantação for exigida em países que claramente não tem condições de, em curto prazo, tirá-las do papel, o tiro pode sair pela culatra e acabar prejudicando seus investimentos. Por fim, cabe observar que, ao recomendar um “pacote universal de instituições”, as instituições internacionais estariam esquecendo o básico: de que cada país vai precisar de instituições diferentes e vai institucionalizá-las com velocidades diferentes, a depender do grau de avanço das suas instituições originais. Apostar cegamente numa “receita pronta” não teria lógica. 3) as “instituições de boa governança” adequadas surgiram apenas no século XX. Assim, seu desempenho não deveria levar em consideração processos que ocorreram nos PADs antes da consolidação do padrão adequado dessas instituições. O autor concorda plenamente com esse argumento. Apenas afirma que, apesar dos países em desenvolvimento de hoje estarem em situação institucional bem melhor que os PADs no começo da sua trajetória, não há lógica em afirmar simplesmente que agora basta os países em desenvolvimento institucionalizarem as versões adequadas que os PADs levaram décadas ou séculos para alcançar. Se não é razoável imaginar que os países em desenvolvimento vão demorar 100 a 150 anos para alcançar o padrão efetivo das instituições dos PADs, imaginar que farão isso em 5 a 10 anos é igualmente inverossímil. O autor então parte para suas considerações finais. Primeiro, afirma que mesmo correndo o risco de, como afirmam a ortodoxia liberal, as políticas intervencionistas degenerarem numa rede de burocratismo e corrupção, isso não deve servir para condená-las eternamente ao ostracismo. Assim, o autor sugere que os organismos internacionais como FMI e Banco Mundial não condicionem seu apoio aos países em desenvolvimento à institucionalização de um conjunto fixo de instituições de boa governança, devendo observar a realidade de cada país. E, fazendo isso, reconhecer que países mais atrasados economicamente devem poder lançar mão de políticas mais intervencionistas, hoje proibidas por esses organismos. Trata-se, ao fim e ao cabo, de proceder estudos mais detalhados para saber quais as instituições adequadas para o desenvolvimento de cada país e, uma vez identificadas essas instituições, planejar a sua implantação dentro de um prazo realístico e não a toque de caixa. Salvador, 28/12/2011.
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