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Processos de Conformação Mecânica – Aula 02 A metalurgia da deformação Prof. Leandro Entringer Falqueto E-mail: leandro.falqueto@hotmail.com 1 – Introdução • Os processos de conformação mecânica exigem, cada vez mais, uma boa plasticidade dos materiais. • Neste segmento, os materiais devem se deformar facilmente, mantendo-se resistentes o suficiente para suportar os esforços devidos aos estiramentos e dobramentos sucessivos requeridos pelo processo de conformação. • Isso faz com que seja necessário estabelecer um bom compromisso entre a conformabilidade (trabalhabilidade) e a resistência mecânica. – Conformabilidade ou trabalhabilidade é a capacidade dos materiais deformarem-se plasticamente em um processo de conformação sem ruptura. • Porém, a conformabilidade e a resistência são propriedades mecânicas conflitantes. • Diversos estudos têm sido feitos numa tentativa de se contornar este conflito, nos quais novos materiais estão sendo desenvolvidos em variados segmentos da indústria de transformação. • Os aços ARBL (alta resistência e baixa liga) são exemplos de materiais de alta conformabilidade. • O desenvolvimento de novos materiais, com potencial para atender o compromisso entre essas propriedades conflitantes, é um promissor campo de estudo e requer conhecimentos específicos de duas áreas distintas: a metalurgia física e a metalurgia mecânica. 2. Tipos de deformação • A alteração das formas ou propriedades dos materiais são obtidas por processos que envolvem a deformação das ligações químicas. • As tensões, necessárias à essa deformação, têm origem: – Carregamento externo; – Temperatura; – Transformações de fases; – Defeitos estruturais; – Presença de partículas de segunda fase. σ ε σ ε Material dúctil Material frágil • Deformação elástica: não há quebra de ligações químicas e a deformação é reversível. • Deformação plástica: há quebra de ligações químicas, deslizamento de planos cristalinos e recomposição das ligações. A deformação é quase toda irreversível. 3. Deformação plástica em monocristais • Para entender a deformação plástica como processo, é necessário conhecer os mecanismos de deformação que atuam em um cristal quando submetido a um carregamento externo. • O modelo cristalográfico que mais compatibiliza com os processos mecânicos e metalúrgicos, em geral, é o modelo atômico de Bohr, de esferas rígidas. • Levando em conta que os cristais são constituídos por esferas rígidas, fica fácil admitir que a deformação só ocorre nas regiões e superfícies que demandam uma menor energia. • A deformação plástica deve ocorrer por cisalhamento de planos densos e espaçados entre si, nos quais as interações eletrostáticas são mais fracas. • Os planos de baixos índices de uma rede cristalina, geralmente os compactos, são suficientemente rígidos e oferecem menor resistência ao cisalhamento. • Logo, eles serão preferenciais para o processo de deformação. • Isso não significa que não existam outros planos, além dos compactos, pelos quais possa ocorrer a deformação plástica. • Geralmente, o deslizamento ocorre nas direções de maior densidade linear do plano de referência, sendo estas direções chamadas direções compactas. 3.1. Sistemas de deslizamento • A conformação plástica ocorre sempre por deslizamento de planos de baixo índices e em direções particulares dos cristais, normalmente as compactas. • O conjunto de planos e direções que demandam os menores valores de energia para deformação são chamados sistemas de deslizamento de um cristal. Mas, de quais cristais estamos falando? Quais planos? 3.1.1. Sistemas cristalinos • Um material cristalino é aquele que os átomos são organizados de forma periódica ou repetitiva. • Algumas propriedades dos sólidos cristalinos dependem da estrutura cristalina, que representa a forma com a qual os átomos estão organizados. • Existem 7 tipos de células unitárias ou sistemas cristalinos: cúbico, tetragonal, romboédrico, hexagonal, ortorrômbico, monoclínico e triclínico. • 2 deles são encontradas na maioria dos metais comuns: – Cúbica (nas configurações CCC ou CFC); – Hexagonal. Cúbica de corpo centrado – CCC Cúbica de face centrada - CFC Hexagonal compacta - HC 3.1.2. Cristalografia • Posições cristalinas são pontos representados na célula cristalina. • Direções cristalográficas são representadas por um vetor entre duas posições cristalográficas. • Planos cristalográficos são planos que cortam uma célula unitária. (a) Plano (001); (b) Plano (110); (c) Plano (111). • Densidade atômica planar (DAP): – Corresponde à densidade volumétrica de átomos em um plano. • Densidade atômica linear (DAL): – Corresponde à densidade de átomos em uma linha. • Os planos que apresentam o maior valor de DAP, para uma estrutura cristalina, são considerados planos compactos. • O mesmo vale para os valores de DAL, sendo que, neste caso, temos as direções compactas. 3.1.3. Densidade atômica • O deslizamento é mais provável em planos e direções compactas, pois nestes casos a distância que a rede precisa se deslocar é mínima. • Dependendo da simetria da estrutura, outros sistemas de deslizamento podem estar presentes. Plano não compacto Plano compacto • Considerando um cristal hipotético de base b e altura a, sob uma tensão τ: • Para o deslocamento do átomo de referência, a tensão τ apresenta um comportamento senoidal: 4. Tensão de cisalhamento teórica Átomo de referência • Quando o átomo de referência está na posição 1, ele está na posição instável, ou seja, qualquer tensão aplicada, por menor que seja, deslocará ele para a posição 0 ou 2. • Assim, para manter ele na posição 1, o deslocamento deve ser freado, utilizando uma tensão contrária. • Por isso, pode-se admitir que a tensão teórica de cisalhamento tem comportamento senoidal e vale: • Para pequenos deslocamentos, o temos: • Assim: • Por definição, temos que: – G o Módulo de Elasticidade – γ a deformação cisalhante, dada por γ = x/a • Substituindo na equação anterior: • Grande parte dos metais cúbicos apresentam G entre 104 e 105 MPa, logo, τmáx estará entre 10 3 e 104 MPa. • Porém, em alguns monocristais metálicos foram encontrados valores experimentais de τmáx entre 10 e 100 MPa. • Como justificar tal discrepância? Resposta: Os materiais não são perfeitos como imaginávamos neste modelo e a deformação de um cristal não pode ser restrita a um simples cisalhamento entre planos. Os defeitos existentes interagem durante a deformação facilitando o cisalhamento entre planos, justificando os baixos valores. 5.1.1. Defeitos pontuais • São defeitos que abrangem a vizinhança de poucos átomos. • Eles podem se apresentar como: – Vazios, que são importantes para os processos de difusão; – Átomos substitucionais; – Átomos intersticiais. Mecanismos de endurecimento 5.1.2. Defeitos de linhas (discordâncias) • São defeitos que se propagam no cristal como linhas ou sob a forma de uma rede bidimensional. • Eles podem se apresentar como: – Aresta • um plano extra de átomos que termina no interior do cristal. – Hélice (espiral) • A região anterior e superior do cristal é deslocada uma distância atômica para a direita em relação a porção inferior. – Mista • Exibe componentes de ambos os tipos. Aresta Espiral Mista • As discordâncias fazem parte dos mecanismos de deformação,auxiliando inicialmente o cisalhamento entre planos. • Com a continuidade da deformação, essas discordâncias passam a interagir entre si, com outros defeitos do cristal ou com partículas de segunda fase, gerando barreiras que elevam a tensão necessária à continuidade da deformação. • Esse aumento contínuo da tensão produzido pela formação de barreiras é o que chamamos de encruamento. 6. Mecanismos de deformação plástica • Antes de mais nada, a deformação plástica ocorrerá quando a tensão limite de escoamento do material for ultrapassada. • Ela deixa de ser proporcional à tensão aplicada, como acontece com a deformação elástica. • Logo, a lei de Hooke não é mais válida. • Mecanismos de deformação plástica podem ser: – Deformação por deslizamento; – Deformação por maclação; 6.1. Deformação por deslizamento • Quando a tensão aplicada supera o limite de escoamento do material, há um deslizamento de blocos, uns sobre os outros, ao longo dos planos de escorregamento. • Ao aplicar uma tensão de cisalhamento sobre dois planos paralelos um plano deslizará sobre o outro • Em decorrência da aplicação de uma força num cristal, este sofre cisalhamento em diversos planos paralelos. • A interação desses planos de deslizamento com a superfície do cristal produz as linhas de deslizamento, que se agrupam em bandas de deslizamento. 6.2. Deformação por maclação • Maclação é um processo associado a um defeito de plano conhecido como contorno de macla. • Nesse processo, os átomos localizados em planos sucessivos movem-se em distâncias diferentes. • Ao final da maclagem, a rede cristalina se altera de tal forma que uma metade dela é a imagem em espelho da outra. Contorno de macla • A tensão para que ocorra maclagem deve ser menor que a necessária para produzir deslizamento. • A importância da maclação está em colocar novos sistemas de deslizamento em orientações favoráveis em relação ao eixo da tensão tornando possível o deslizamento adicional. • Este é um processo importante no caso da deformação de metais com poucos sistemas de deslizamento. • Estágio I – Nesta região a deformação ocorre em um único sistema de planos de deslizamento. – Não há interação entre as discordâncias. 6.3. Encruamento em monocristais • Estágio II – Deformação em mais de um sistema de deslizamento. – Surgem interações entre discordâncias que dificultam a deformação. – O comprimento de deslizamento é encurtado e o encruamento cresce quase que linearmente. • Estágio III – A taxa de encruamento decresce. – Este estágio depende da temperatura, pois o aumento de temperatura promove a aniquilação de discordâncias por escalagem e deslizamento cruzado. 7. Aspectos metalúrgicos da mecânica do contínuo • Os materiais empregados na conformação mecânica da indústria são policristalinos e, na condição de não deformados, são isotrópicos. • A isotropia de propriedades, que se justifica pela aleatoriedade da orientação dos grãos, simplifica as análises dinâmicas dos processos de conformação. • Desse modo, é possível aplicar os critérios de escoamento com base na teoria da plasticidade, considerando-se o material como um meio contínuo. • Como já visto, as deformações de um monocristal dependem do tipo de estrutura cristalina e seus sistemas de deslizamento, da tensão de cisalhamento e da mobilidade de discordâncias. • Nos materiais policristalinos, a complexidade dos mecanismos de deformação torna difícil a previsão analítica das propriedades do material com alto grau de precisão. • Por isso, parâmetros como tensão de escoamento, alongamento máximo ou taxa ideal de deformação para o processo de conformação são determinados experimentalmente. 8. Influência dos contornos de grãos • Um material policristalino é composto por vários monocristais juntos, com uma interface contendo uma grande densidade de defeitos. • Nesse contexto, os monocristais são chamados de grãos e a interface de contornos de grãos. • Esses contornos tem função restritivas à deformação e, devido à esse efeito, os grãos individuais não se deformam como monocristais isolados. • Apenas o efeito do contorno (restrição) não explica o comportamento nos materiais policristalinos. • Para entender a dificuldade em deformar um grão através dos seus contornos é preciso considerar o grau de desorientação e a energia elástica associada a ele. – Pequena desorientação entre grãos: há baixa desordem quando a desorientação é menor que 1 °. Assim, haverá baixa energia elástica nesta região. – Grande desorientação entre grãos: há grande desordem e alta energia elástica. Desse modo, este contorno é bastante rígido e, pela grande quantidade de defeitos, tende a transformar-se numa região preferencial para transformações de fase. • A presença de segunda fase no contorno de grão tende a aumentar ainda mais a rigidez do material. Representação de contornos de grãos de baixo ângulo. Comparando o deslocamento de direções compactas entre os dois casos 9. Influência do tamanho de grãos • Observa-se, experimentalmente, que a plasticidade de um material policristalino aumenta a medida que o tamanho de grão diminui. • Quanto menor o tamanho do grão, mais homogênea é a deformação. Isso porque, com gradientes menores de deformação, os efeitos destas distribuem-se mais facilmente pelo interior dos grãos. • Por isso, busca-se formas variadas de refino do grão, aumentando a plasticidade dos materiais. 10. Trabalhabilidade dos metais e ligas • Trabalhabilidade, como já explicado, é a capacidade do material em deformar-se plasticamente sem fraturar. • A medida que o material é conformado, ocorre o encruamento, o que diminui a plasticidade. • Quando a conformação ocorre a frio, há um aumento contínuo do encruamento. – Desse modo, a trabalhabilidade do material fica condicionada à utilização de tratamentos térmicos intermediários. • Quando a conformação se dá a quente, a restauração da microestrutura ocorre simultaneamente à deformação. 11. Limite de temperatura no PCM • No caso de processos a quente, o valor da temperatura de pré-aquecimento deve ser estimado, levando em conta o aumento natural na temperatura do material durante a deformação. – Esse aumento da temperatura é diretamente proporcional a taxa de deformação com a qual o material é deformado. • Outro aspecto importante a se levar em conta é a dissipação de calor pela ferramenta. • Desse modo, para que o material se mantenha na temperatura acima da recristalização, é necessário que o calor gerado pelo material seja, no mínimo, igual ao calor dissipado pela ferramenta. 12. Tensão de escoamento no PCM • A tensão de escoamento é a tensão mínima para manter o material escoando. • Ela é fortemente influenciada por parâmetros como a taxa de deformação e a temperatura durante os processos de conformação. • Durante o trabalho a frio, essa tensão varia em função da deformação devido ao encruamento do material. Por isso, nesses casos, seu valor é instantâneo. • No caso dos ensaios a quente, a tensão de escoamento é constante e dependente unicamente da temperatura. Gráfico de tensão versus deformação, que ilustra o fato de a tensão de escoamento ter valores instantâneos durante o trabalho a frio. 13. Condição de escoamento • A condição de escoamento, de modo analítico, requer combinações de diversas relações algébricas baseadas na teoria da plasticidade. • Os critérios mais bem aceitos são o de Tresca e o de Von Mises. • SegundoTresca: – O escoamento é iniciado quando a tensão de cisalhamento máxima atinge o valor do cisalhamento uniaxial. • Neste mesmo caminho, Von Mises propôs um critério equivalente, porém matematicamente mais simples de ser trabalhado. • De acordo com Von Mises: – Um material isotrópico começa a se deformar quando a energia de distorção por unidade de volume do material é, no mínimo, igual a energia de deformação por unidade de volume do mesmo material quando submetido a escoamento em um ensaio de tração uniaxial. • Considerando o estado plano de tensões, no qual σ3 = 0, temos: σ1 e σ2 = Tensões aplicadas ao material; σE = Tensão de escoamento do material.
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