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INTRODUÇÃO Os traumatismos de coluna acometem 15%-20% dos pacientes vítimas de trauma grave e 10%-15% dos casos ocorrem lesões medulares com quadro clínico de tetra ou paraplegia, completa ou in- completa. Muitos traumas de coluna com fratura instável chegam ao pronto socorro sem sinais de défi cit nervoso e em quase 60% dos pacientes que chegam ao hospital com tetra ou paraplegia a sín- drome neurológica é incompleta. Estudos prévios indicam que 10% dos traumas raquimedulares (TRM) apresentam piora do quadro clínico neuro- lógico depois da admissão hospitalar. Devido a tais considerações é oportuno que cada centro elabore protocolos de avaliação e tra- tamento com os seguintes objetivos: a. avaliação inicial das prioridades no que diz res- peito aos princípios de imobilização raquime- dular e do tratamento do potencial TRM; b. diagnóstico das lesões mediante técnicas de imagem mais apropriadas para cada caso; c. prevenção do dano secundário neurológico. AVALIAÇÃO DAS PRIORIDADES Todos os pacientes com trauma grave devem ser considerados, desde a cena até o hospital, como potencial portador de TRM até a completa avalia- ção diagnóstica clínico-radiológica. O controle das vias aéreas, quando necessá- rio, pode ser feito via nasotraqueal às cegas (se a ventilação espontânea está presente), mediante seqüência rápida de intubação orotraqueal man- tendo o alinhamento cervical (SRI), ou com técnica cirúrgica (cricotireoidostomia). A escolha da téc- nica depende do cenário clínico e da experiência do médico atendente, não sendo demonstrada a superioridade de um método (quando realizado 49 Trauma raquimedular corretamente) na prevenção de lesão raquimedular em caso de fraturas cervicais instáveis. A diminui- ção das complicações foi evidenciada em decor- rência da intubação utilizando bloqueador neuro- muscular, que elimina o risco de movimentação do paciente durante a laringoscopia1. Na presença de respiração diafragmática ou na ausência de fl exão ou abdução dos membros su- periores deve-se suspeitar de lesão dos primeiros tratos medulares da coluna cervical. Ocorre con- seqüentemente hipoventilação devendo ser con- siderada a intubação traqueal, se não realizada previamente. O choque é sempre tratado inicialmente com infusão em bolus e reavaliação periódica dos pa- râmetros. Uma vez excluído o choque hemorrágico e na presença de lesão medular com choque neu- rogênico está indicado o emprego de aminas para tratar a vasodilatação de origem simpática. DIAGNÓSTICO A avaliação clínico-radiológica da medula não é um procedimento prioritário, mas de segundo nível. Em caso de instabilidade hemodinâmica e/ou sus- peita de lesão expansiva intracraniana, o estudo da medula é realizado após os exames e procedimen- tos terapêuticos necessários para tais emergências. Neste meio tempo, a coluna é mantida imobilizada e neutra mediante o uso de colar cervical e pran- cha. A lesão medular deve ser estudada ao térmi- no dos procedimentos de emergência segundo os protocolos preestabelecidos e, se possível, antes da recuperação defi nitiva. O médico que recebe o paciente traumatizado com potencial TRM deve responder a duas ques- tões: 1. Quais pacientes devem fazer exame radioló- gico? 50 Capítulo 5 - Trauma raquimedular 5 2. Quais exames devem ser solicitados? A se- guir, está indicado o protocolo de exames diferenciado para os pacientes que estão acordados e avaliáveis clinicamente e para aqueles em coma ou mesmo com impossi- bilidade de avaliação clínica confi ável. Paciente acordado e avaliável clinicamente O axioma para o qual cada paciente com traumatismo acima do plano das clavículas requerem um estudo de imagens raquimedu- lar foi considerado nos últimos anos por dois estudos. O National Emergency X-Radiography Uti- lization Study (NEXUS)2 excluiu do estudo ra- diológico os pacientes avaliáveis clinicamente que respeitem os cinco critérios seguintes: es- tado normal de consciência, ausência de ten- são sobre a linha mediana cervical posterior, ausência de défi cit neurológico focal, ausência de intoxicação e ausência de lesão dolorosa que distraia o paciente. A sensibilidade dos critérios NEXUS é em torno de 99% com um valor preditivo negati- vo de 99,8%. Posteriormente, o Canadian C- SPINE and CT Head (CCC) Study3 obteve uma sensibilidade de 100% (sem falso negativo) excluindo dos critérios a lesão dolorosa e o es- tado de intoxicação, considerando a avaliação muito sugestiva e inserindo a indicação de es- tudo radiológico para idade acima que 65 anos, mecanismo signifi cativo de trauma (queda > 1 m ou > 5 passos, carga axial, velocidade eleva- da, báscula, ejeção, veículo esportivo, bicicleta) e incapacidade de rotação da cabeça para os dois lados a 45º. A maioria dos centros hoje em dia faz o es- tudo radiológico cervical dos pacientes acor- dados e avaliáveis clinicamente nas seguintes situações: presença de sinais neurológicos, dor sobre a linha média cervical posterior, idade acima de 65 anos ou artrose pré-existente, me- canismo de risco (segundo CCC) e incapacida- de de rotação cervical a 45º. Nos traumas graves os pacientes apresen- tam pelo menos um dos critérios de lesão de coluna cervical (em especial aqueles ligados ao mecanismo do evento). Sendo assim, na práti- ca, todos os pacientes que preenchem critérios de trauma grave fazem sempre um método de estudo da coluna cervical. No que concerne à técnica do estudo mais adequado da coluna cervical (Algoritmo 1), ini- cialmente faz-se três projeções: látero-lateral (LL), ântero-posterior (AP) e transoral (TO) para o processo odontóide. Faz-se esta última projeção após a retirada do colar cervical, uma vez verifi cada a ausência de lesões nas proje- ções LL e AP, solicitando ao paciente para abrir a boca e manter o alinhamento cervical5. Nos casos onde não se visualiza a transição cérvico-torácica pode-se repetir a projeção LL com o paciente usando colar cervical e promo- vendo a tração nos membros superiores. Se com esta manobra não for possível obter um bom exame (às vezes devido à coexistência de outro trauma) faz-se uma tomografi a dirigida aos segmentos suspeitos de lesão. A TC diri- gida está indicada para melhor defi nir uma suspeita de lesão detectada na radiografi a ou para aprofundar o estudo diante de uma sinto- matologia inexplicável. Se uma TC de crânio já está programada é oportuno estender o estudo até as primeiras vértebras cervicais no lugar da projeção TO. Nos casos de dor e incapacidade funcional para a remoção do colar, apesar dos exames negativos, é necessário manter o colar cervical por 7-10 dias e fazer a terapia antiinfl amatória e miorrelaxante para garantir a resolução da contratura muscular. Se depois desse período a dor persistir, está indicada à prova motora funcional em fl exão e extensão ou a RNM para estudar eventuais lesões ligamentares com ins- tabilidade (listese) vertebral6. Na presença de um défi cit neurológico é sempre indicada a RNM que visualiza a medula e estuda cada tipo de lesão (seção, hematoma medular ou extradural, compressão por frag- mento ósseo, herniação de disco, lesão liga- mentar com listese e lesão vascular)7. A RNM recebe um caráter de urgência em casos de le- são medular incompleta ou progressiva e que pode indicar a necessidade de uma descom- pressão medular cirúrgica. O estudo da coluna tóraco-lombar (TL) no paciente acordado é sempre necessário quan- do há défi cit neurológico, tumefação ou dor na avaliação clínica durante o rolamento e tam- bém na presença de lesão na região cervical (em 10% dos casos ocorrem lesões vertebrais em mais de um sítio). Por outro lado, alguns dos mecanismos de trauma com critérios CCC 51 Capítulo 5 - Trauma raquimedular 5Algoritimo 1 Paciente avaliável clinicamente * Sinais neurológicos, idade > 65 anos, dor linha mediana cervical posterior, mecanismo de risco ** Se indicado estudo da coluna TL Não Sim Não Não Sim Sim Sim Não Não Não Sim Sim Sim Não Parar Paciente avaliável clinicamente Critérios NEXUS, CCC* Rotação da cabeça a 45º? Adequada? Fratura? Dor em fl exão ou extensão Instabilidade ligamentar? Consulta neurocirúrgica – ortopédica RX cervical AP, LL, TO (Rx TL AP e LL)** TC dirigida Manter colar cervical por 7 dias e reavaliação clínica Prova funcional ou RNM Parar Dor em fl exão ou extensão? Parar Parar Consulta neurocirúrgica-ortopédica 52 Capítulo 5 - Trauma raquimedular 5 (em especial o mecanismo axial, acidente em alta velocidade) sugerem o estudo da coluna tóraco-lombar mesmo na ausência de elemen- to clínico signifi cativo devido à elevada asso- ciação com lesão. A coluna TL é estudada em duas projeções radiológicas (AP e LL). Eventualmente a TC di- rigida a região suspeita completa ou aprofunda o estudo, assim como a RNM em casos de dé- fi cit neurológico. Atualmente a mielotomografi a encontra apli- cação somente no estudo das raízes nervosas (défi cit neurológico segmentar), sobretudo no nível dos plexos ou nos suspeitos de fístula li- quórica conseqüente a trauma penetrante. Portanto, a radiografi a tradicional e a tomo- grafi a são exames de escolha para a avaliação esquelética, enquanto a RNM é a metódica ideal para o estudo da medula e dos ligamentos. Paciente não avaliável clinicamente Nos pacientes em coma ou sem possibilidade de avaliação clínica (Algoritmo 2) é sempre in- dicado o estudo de toda a coluna. A região cer- vical é estudada com as radiografi as tradicionais AP e LL integrada com o estudo tomográfi co da porção occipital até C3, com reconstrução sa- gital e coronal. Em consideração a difi culdade de visualização da transição cérvico-torácica é indicada também uma tomografi a entre C6 e T3. Protocolo de paciente avaliável clinicamente Algoritmo 2 Paciente não avaliável clinicamente Sim Não TC dirigida Rx cervical AP e LL TC C1-C3 com reconstrução coronal e sagital TC C6-T3 TL AP e LL Paciente não avaliável clinicamente Adequado? Fratura? Paciente avaliável dentro de 24 horas Consulta neurocirúrgica- ortopédica, possivelmente RNM Manter colar cervical e imobilização no leito RNM medular cervical Parar Não Não Sim Sim 53 Capítulo 5 - Trauma raquimedular 5 Uma alternativa seria estender o estudo to- mográfi co a toda a coluna cervical e as três primeiras vértebras torácicas, excluindo a ra- diografi a tradicional nos casos de prováveis procedimentos de emergência devido a rapi- dez do método. A coluna tóraco-lombar (TL) é estudada em duas projeções (AP e LL) e eventualmente TC dirigida para os segmentos em dúvida de lesão ou mal visualizados. Na ausência de dados clinicamente relevan- tes, a identifi cação de eventuais lesões medula- res e ligamentares podem ser obtidas somente mediante RNM. A RNM é realizada de imedia- to nos casos de potencial lesão medular (isto é, para visualização de uma obstrução ou uma deformação do canal medular) ou mesmo ins- tabilidade evidenciada na radiografi a ou na TC. Mesmo nos casos onde a TC é negativa é acon- selhável a RNM para excluir lesão ligamentar, assim como em todos os casos nos quais não ocorra o despertar dentro de 24 horas. Ocorrendo o despertar de um coma e a pos- sibilidade de avaliação clínica (dor em fl exão ou extensão) deve-se manter, neste meio tem- po, os procedimentos de imobilização (mesmo que ocorra evidente desconforto para a enfer- magem ou possível atraso no tratamento de uma lesão). Recentes estudos sugerem a utilização, como exame de screening, da TC helicoidal em toda a coluna vertebral para os casos de trauma grave, devido a velocidade de execução e a maior acu- rácia diagnóstica em alguns sítios (em especial junção atlânto-occipital e as primeiras vérte- bras torácicas) favorecidas pela reconstrução coronal, sagital e tridimensional. De acordo com a maioria dos autores8, essa abordagem é reservada aos pacientes com evi- dência de múltiplos traumas em sítios diversos e nos quais a tomografi a já está indicada para o estudo de eventuais lesões de vísceras torácicas e abdominais. Assim, se previne uma excessiva exposição à radiação (cerca de 10 vezes mais em relação à radiologia tradicional), já que a maioria dos pacientes é jovem. Ademais, considerando-se o elevado per- centual de super triagem (30%-40%) permiti- da entre os pacientes vítimas de trauma grave e triados pelo pré-hospitalar, muitos pacientes com traumas menores serão submetidos a exa- mes tomográfi cos. PREVENÇÃO DO DANO SECUNDÁRIO A prevenção do dano secundário obtém-se, antes de tudo, através de uma correta avalia- ção das prioridades. De fato, a manutenção da adequada oxigenação e perfusão em pacientes com lesão medular, assim como as vítimas de trauma cerebral, melhoraram signifi cativamen- te o prognóstico. Existem outros tratamentos do tipo farma- cológico para diminuir a infi ltração linfocitária e de macrófagos na medula lesada e reduzir o dano secundário da ativação infl amatória. Nos anos 80 e 90, os resultados do National Acu- te Spinal Cord Injury Study (estudo NASCIS 1, 2 e 3)9 evidenciaram que a administração de metilprednisolona em altas doses (30 mg/ Kg em bolus e 5,4 mg/Kg nas 23 horas suces- sivas), se iniciado dentro de 3 horas desde o momento do trauma, era capaz de melhorar a função sensitivo-motora dentro de 6 semanas a 6 meses. Se iniciada tardiamente, a terapia deveria ser prosseguida por 48 horas para ob- ter os mesmos resultados, com aumento das complicações sépticas. Nenhum outro agente, até hoje, testado nos trials clínicos obteve resultados análogos e su- cessivos estudos com metilprednisolona não confi rmaram o efeito favorável deste fárma- co. Ao contrário, existem evidências de maior incidência de infecção respiratória e urinária, sobretudo nos pacientes idosos. Portanto, a metilprednisolona é hoje considerada uma op- ção terapêutica utilizada na maioria dos cen- tros, em casos de lesão medular incompleta ou agravamento, recomendando iniciar um bolus nas primeiras 3 horas do trauma. Bibliografi a 1. Li J, Murphy Lavoie H, Bugas C, et al. Complica- tions of emergency intubation with and without paralysis. Am J Emerg Med 1999;17:141-143. 2. Hoffman JR, Mower WR, Wolfson AB, et al. Va- lidity of a set of clinical criteria to rule out in- jury to the cervical spine in patients with blunt trauma. N Eng J Med 2000;343:94-99. 3. Stiell IG, Wells GA, Vandemheen K, et al. The Ca- nadian cervical spine radiography rule for alert and stable trauma patients. JAMA 2001;286: 1841-1848. 4. Bandiera G, Stiell IG, Wells GA, et al. The Ca- nadian C-spine rule performs better than un- structured physician judgment. Ann Emerg Med 2003;42:395-402. 54 Capítulo 5 - Trauma raquimedular 5 5. Diliberti T, Lindsey RW. Evaluation of the cer- vical spine in the emergency setting. Who does not need an x-ray? Orthopedics 1992;15:179-183. 6. Brady WJ, Moghtader J, Cutcher D, et al. ED use of fl exion-extension cervical spine radiography in the evaluation of blunt trauma. Am J Emerg Med 1999;17:504-508. 7. Hall AJ, Wagle VG, Raycroft J, et al. Magnetic resonance imaging in cervical spine trauma. J Trauma 1993;34:21-26. 8. Mirvis SE. Spinal imaging. In: Browner BD, Jupiter JB, Levine AM, Trafton PG (eds): Skel- etal trauma-Basic Science, Management and Reconstruction (Third edition), Philadelphia, Saunders, 2003, pp 708-745. 9. BrackenMB, Shepard MJ, Holford TR, et al. Ad- ministration of methylprednisolone for 24 or 48 hours or tirilizad mesylate for 48 hours in the treatment of acute spinal cord injury. JAMA 1997;277:1597-1604.
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