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INTRODUÇÃO A toracotomia de reanimação (TR), realizada na sala de emergência, é aquela efetuada no paciente que chega em condições agônicas, como primei- ra manobra, sem nenhum exame complementar diagnóstico. O paciente de eleição para tal proce- dimento apresenta-se sem pulso mensurável, mas com pelo menos um dos seguintes sinais vitais: reatividade pupilar, atividade respiratória espontâ- nea, atividade elétrica cardíaca ou dissociação ele- tro-mecânica (atividade elétrica sem pulso – AESP) registrável pelo ECG. A TR se distingue, portanto, da toracotomia realizada na sala de cirurgia ou na terapia intensiva, várias horas após o trauma. Os objetivos da TR são: descomprimir um tamponamento cardíaco1,2 controlar um sangramento intratorácico ou car- díaco3 controlar embolia gasosa maciça ou fístula bron- copleural4 realizar a clampagem da aorta descendente pa- ra direcionar a circulação para o encéfalo e para o miocárdio, limitando a perfusão subdia frag- mática5,6. O valor da TR é indiscutível, todavia, a análise crítica de algumas variáveis, consideradas fatores prognósticos no curso de uma TR, sugerem uma aplicação seletiva de tais manobras7. Os fatores prognósticos são representados por: mecanismo e sede da lesão presença ou ausência de sinais vitais na chegada a sala de emergência atividade elétrica no momento da toracotomia resposta pressórica a clampagem da aorta Em geral, se evidencia que a TR constitui uma efi caz manobra de reanimação, em especial nos 105 Toracotomia de reanimação paciente agônicos, mas com atividade cardíaca con- servada, conseqüência de trauma penetrante, com lesão única dominável pela primeira incisão (tora- cotomia ântero-lateral esquerda) e que o maior per- centual de sucesso terapêutico é encontrado nos ferimentos por arma branca (20%), seguido pelos ferimentos por arma de fogo (6%)8-10. Ao contrá- rio, a TR não é normalmente efi caz nos pacientes agônicos vítimas de trauma fechado, independen- temente da idade e do mecanismo de trauma11. INDICAÇÕES Com base nas considerações previamente expos- tas, as indicações da TR se dividem em absolutas e relativas. Indicações absolutas 1. Parada cardíaca testemunhada em pacientes com ferida penetrante única e intratorácica, que chegam ao pronto socorro com sinais vitais presentes ou AESP, após um transporte rápido (< 30 min). 2. Hipotensão grave (PAS < 60 mmHg) persistente em ferida penetrante devido a/ao: tamponamento cardíaco embolia gasosa sangramento intratorácico sangramento ativo abdominal. Indicações relativas 1. Hipotensão moderada (PAS < 80 mmHg) refra- tária em feridas penetrantes devido a/ao: tamponamento cardíaco embolia gasosa sangramento intratorácico sangramento ativo abdominal. 2. Hipotensão grave refratária (PAS < 60 mmHg) ou AESP em paciente com trauma fechado com lesão predominantemente torácica. s.santos Highlight 106 Capítulo 9 - Toracotomia de reanimação 9 3. Atividade cardíaca diferente de AESP, no pronto socorro, em pacientes com ferida pe- netrante única e intratorácica. Contra-indicações Ausência de sinais vitais, no pronto socorro, no trauma penetrante ou fechado. TÉCNICA CIRÚRGICA Depois de ter posicionado o paciente em de- cúbito ventral, com os membros abduzidos, a abordagem cirúrgica é representada por uma toracotomia ântero-lateral esquerda ao nível do 4o-5o espaço intercostal. Tal incisão é de fácil execução e pode ser eventualmente estendida para o hemitórax direito (clamshell, butterfl y) para obter uma ótima exposição de toda a ca- vidade pleural e das estruturas mediastinais. Pericardiotomia e tratamento do tamponamento cardíaco Incisão do pericárdio anterior e paralelamen- te ao nervo frênico. Evacuação do líquido pericárdico. Hemostasia temporária: digitopressão do foco de hemorragia do ventrículo ou clampagem parcial do átrio e dos grandes vasos. Sucessi- va aplicação de pontos de contenção em cor- respondência à brecha cardíaca ou nos vasos arteriais. A reparação da lesão na câmara atrial de baixa pressão pode ser efetuada com sutu- ra contínua. Na presença de coração pulsante, a cardiorrafi a deve ser postergada em relação às manobras de reanimação. Ao contrário, em caso de parada cardíaca ou fi brilação ventricu- lar, a sutura deve ser efetuada antes da massa- gem ou da desfi brilação. Controle da embolia gasosa A embolia gasosa é conseqüência de uma fís- tula bronco-artério-venosa, no hilo pulmonar, em feridas penetrantes. O controle cirúrgico é obtido através da clampagem do hilo, seguido de reparação da fístula ou pneumonectomia. Massagem cardíaca interna e clampagem da aorta Nos casos de parada cardíaca ou ocorrência de AESP é necessário efetuar a massagem cardía- ca interna bimanual até a restauração de uma atividade com fi brilação. Se a desfi brilação in- terna (20-30 Joule) não restaura a atividade cardíaca, deve ser realizada a clampagem (ou compressão) da aorta supradiafragmática infe- riormente ao hilo pulmonar esquerdo, com a fi nalidade de otimizar a perfusão coronariana. Se a perda de sangue ocorre em sede diferente do hemitórax esquerdo ou do pericárdio, reali- zam-se os procedimentos segundo a seqüên- cia: (a) são completadas as manobras de reani- mação, massagem e clampagem da aorta até a restauração do ritmo cardíaco; (b) posiciona-se um dreno torácico direito e, se positivo para sangue, estende-se a toracotomia contralate- ralmente; (c) realiza-se LPD e, se positivo para sangue, realiza-se a laparotomia. RISCO DE CONTAMINAÇÃO DA EQUIPE A realização da TR, pelo tipo de paciente nos quais é efetuada, expõe os médicos a um ele- vado risco de contrair infecções por vírus como HIV, hepatite B e hepatite C12. É, portanto, in- dispensável a utilização de todos os dispositi- vos de proteção (capotes impermeáveis, luvas, calçados, gorros, máscaras, óculos ou viseiras, e propés). Tais considerações devem ser levadas em conta antes da realização de uma TR num paciente com possibilidade de sobrevida nula. COMPLICAÇÕES As lesões iatrogênicas, em decorrência da TR, podem ocorrer em todos os órgãos intratorá- cicos, compreendendo lacerações cardíacas, pulmonares, esofágicas, lesões do nervo frêni- co, da aorta e seus ramos para estruturas me- diastinais. Entre os pacientes que sobrevivem à TR, a morbidade é relativa ao derrame pleural recorrente, infecção de parede, pericardite e síndrome pós-pericardiotomia. Ocorre, ainda, um elevado percentual de pacientes com dé- fi cit neurológico permanente, relacionado ao grau de hipoperfusão cerebral durante a fase de hipotensão. ALGORITMO A seqüência de decisão para a realização de to- racotomia de reanimação, na sala de emergên- cia, é representada nos Algoritmos 1 e 2. Ocorrendo trauma fechado predominan- temente torácico no paciente agônico e, so- bretudo, na fase pré-hospitalar, é realizada a reanimação cárdio-pulmonar avançada (RCP/ ACLS) para a presença de sinais vitais ou de 107 Capítulo 9 - Toracotomia de reanimação 9 Não Sim Algoritmo 1 Algoritmo para a decisão pela toracotomia de reanimação no trauma fechado predominantemente torácico Considerar suspensão**** Sim Sim Sim Não Não Não Avaliação primária na cena: paciente que não se estabiliza* Sinais vitais presentesTransporte Toracotomia de reanimação RCP avançada** RCP avançada** Outros traçados Considerar suspensão**** Outros traçados Sinais vitais presentes na sala de emergência ECG com DEM*** DEM*** no ECG (FC > 40) Considerar transporte * tratar causas removíveis (via aérea, pneumotórax hipertensivo); ** Reanimação cárdio-pulmonar avançada; *** Dissociação eletro- mecânica; **** Se fi brilação ventricularou taquicardia ventricular levar em consideração a desfi brilação. atividade elétrica. A TR deve ser realizada, se no momento da reavaliação, na sala de emergên- cia, é confi rmada a presença de sinais vitais ou dissociação eletromecância em pacientes com lesão predominantemente torácica. A possibili- dade de sobrevivência é inferior a 2% e, muitas vezes, com défi cit neurológico permanente. Nos traumas penetrantes, se as manobras de reanimação cárdio-pulmonar foram inicia- das na fase pré-hospitalar, há indicação de TR em todos os casos onde há presença de sinais vitais ou AESP durante a reavaliação, na sala de emergência. A TR também é indicada na au- sência de sinais vitais, mas com atividade elé- trica nos pacientes com ferida torácica única e transportados rapidamente com manobras de RCP em toda a fase extra-hospitalar. Bibliografi a 1. Beall AC Jr, Diethrich EB, Crawford HW, et al. Surgical management of penetrating cardiac injuries. Am J Surg 1966;112:686-692. 2. Breaux EP, Dupont JB Jr, Graham TC, et al. Cardiac tamponade following penetrating medias tinal injuries: improved survival with early pericardiocentesis. J Trauma 1979;19:461- 466. 3. Graham TC, Mattox KL, Beall AC Jr, et al. Pene- trating trauma of the lung. J Trauma 1979;19: 665-669. 4. King MW, Aitchison JM, Nel JP. Fatal air em- bolism following penetrating lung trauma: an autopsy study. J Trauma 1984; 24:753-755. 5. Baker CC, Thomas AN, Trunkey DD. The role of emergency room thoracotomy in trauma. J Trauma 1980;20: 848-855. 108 Capítulo 9 - Toracotomia de reanimação 9 Não Sim Algoritmo 2 Algoritmo para a decisão pela toracotomia de reanimação no trauma penetrante Sim Sim Sim Sim Não Não Não Não Não Sim Avaliação primária na cena: paciente não estabilizado Sinais vitais presentes RCP avançada Toracotomia de reanimação RCP avançadaTransporte Outros traçados Considerar suspensão Considerar suspensão Ferida única no tórax DEM no ECG (FC > 40) DEM no ECG Ferida única no tórax (com outros traçados no ECG) Sinais vitais presentes na sala de emergência 109 Capítulo 9 - Toracotomia de reanimação 9 6. Millikan JS, Moore EE: Outcome of resuscita- tive thoracotomy and descending aortic occlu- sion performed in the operating room. J Trauma 1984;24:387-392. 7. Baxter BT, Moore EE, Moore JB et al. Emergency department thoracotomy following injury: criti- cal determinants for patient salvage. World J Surg 1988;12:671-675. 8. Boyd M, Vanek VW, Bourguet CC. 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