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0 UNIVERSIDADE FUMEC FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS – FCH MÁRIO LÚCIO DE MOURA ALVES O INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE SOB PRISMA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Belo Horizonte 2010 1 MÁRIO LÚCIO DE MOURA ALVES O INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE SOB PRISMA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Dissertação apresentada como exigência de avaliação do Curso de Mestrado stricto sensu em Direito, na área de concentração em Direito Público. Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta. Belo Horizonte 2010 2 MÁRIO LÚCIO DE MOURA ALVES O INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE SOB PRISMA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Dissertação apresentada como exigência de avaliação do Curso de Mestrado stricto sensu em Direito, na área de concentração em Direito Público, sob orientação do Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta. _____________________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta (Orientador) _____________________________________________ _____________________________________________ 3 AGRADECIMENTO DEUS, obrigado por tudo! Agradeço à minha Família (Cris, Mãe, Pai e Irmãos) e Amigos: Bel, Paulo, Solimar e AMIGOS da LGA, e outros tantos que não caberiam nesta página. Agradecimento especial ao Dr. Murta pela atenção e o apoio que foram valiosos e que serviram de incentivo para a realização do trabalho. 4 RESUMO A compensação tributária é uma das modalidades de extinção do crédito tributário, nos termos do artigo 156, inciso II do CTN – Código Tributário Nacional, estando também prevista no art. 170 e art. 170-A do CTN. A matéria da compensação é regulada por leis ordinárias especificas e pelas normas que regem os processos administrativos no âmbito federal e se sujeita aos princípios constitucionais basilares, denominados direitos fundamentais do processo: Princípios aplicáveis à Administração Pública, Princípio da Legalidade, Princípio do Devido Processo Legal e Contraditório, do Direito de Petição, dentre outros. Assim, as normas de regência da compensação tributária devem ser aplicadas sob o prisma dos princípios Constitucionais, assim como todos os demais ramos do direito estão sob a influência da Constituição Federal no constitucionalismo moderno. Se analisada as normas que regem a compensação tributária em face dos princípios constitucionais, com maior proficiência verifica-se uma explicita violação ao Princípio do Devido Processo Legal. Palavras-chave: Compensação Tributária. Princípio da Legalidade. Inconstitucionalidade. Devido processo legal. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 5 ABSTRACT Tax compensation is one of tributary credit extinction, under article 156, II of National Tax Code, also provided in article 170 and 170-A of the law. The substance of tax compensation is regulated by specific ordinary laws and norms that conduct administrative proceedings in the federal scope and is subject of basic constitutional principles, called fundamental rights of process: Public Administration principles, Principle of Legality, Principle of Due process of law and Contradictory, of the Petition Right, amongst others. Thus, tax compensation rules must be applied under the prism of constitutional principles, as well as all other branches of law are influenced by Federal Constitution in modern constitutionalism. If analyzed the norms that conduct tax compensation in face of constitutional principles, with bigger proficiency we verify a explicit violation of the Due Process of Law principle. Key words: Tax compensation. Principle of Legality. Unconstitutionality. Due Process of Law. Federal Constitution of Brazil, 1988. 6 LISTA DE SIGLAS CNT Código Tributário Nacional CF Constituição Federal DARF Documento de Arrecadação de Receitas Federais INSS Instituto Nacional do Seguro Social LGT Lei Geral Tributaria de Portugal PERD/DCOMP Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação PGFN Procuradoria Geral da Fazenda Nacional SRF Secretaria da Receita Federal SRFB Secretaria da Receita Federal do Brasil 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 8 2 A COMPENSAÇÃO NA TEORIA GERAL DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES .....12 3 A COMPENSAÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA.................................................19 3.1 Breve histórico da compensação em matéria tributária no direito brasileiro ............................................................................................................19 3.2 A compensação em matéria tributária no direito comparado .......................25 3.3 A compensação em matéria tributária, no direito brasileiro contemporâneo .................................................................................................28 3.3.1 A compensação na vigência da Lei n. 8.383/1991 .......................................40 3.3.2 A compensação na vigência da Lei n. 9.430/1996 .......................................43 3.3.3 A compensação de ofício ..............................................................................50 4 O INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO “NÃO-DECLARADA”, CRIADA PELA LEI N. 11.051/2004 ................................................................................................54 4.1 O processo administrativo no âmbito da Receita Federal.............................66 5 O INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: UMA ANÁLISE SOB PRISMA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ................................77 5.1. Do devido processo legal e do contraditório.................................................79 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................94 REFERENCIAS.........................................................................................................99 8 1 INTRODUÇÃO A compensação é instituto que deita suas raízes no Direito Romano e tem origem no direito privado, no campo dos Direito das Obrigações. Como o principal efeito da compensação é a extinção das obrigações entre os sujeitos de uma relação obrigacional, com a evolução do instituto jurídico, ela acabou também por ser incorporada pelo Direito Tributário. A compensação de tributos é matéria que vem sendo debatida pela doutrina e pelos tribunais do País, especialmente, porque, no âmbito do Direito Tributário, ela sempre foi tratada com restrições, principalmente, no que tange à sua aplicação aos casos concretos. Em análise, as diversas legislações que tratam (e trataram) do assunto, são perceptíveis os entraves criados pelos legisladores no intuito de minorar ou quase excluir esse direito do contribuinte. Primeiramente, a compensação foi introduzida no Código Tributário Nacional (artigo. 156, inciso II) como uma exceção à regra geral do pagamento e uma das formas de extinção do crédito tributário. Todavia, ao ser tratada no artigo. 170 do mesmo éditolegislativo, a compensação tributária ficou autorizada, desde que, prevista em lei e que se dê com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do contribuinte contra a Fazenda Pública. Acrescente-se a isso que, com a edição da Lei Complementar n. 104, de 10/01/2001, foi introduzido ao Código Tributário Nacional (CTN) o artigo. 170-A, que proíbe a realização da compensação antes do trânsito em julgado da decisão judicial, na qual discute-se a possibilidade de compensar administrativamente o tributo pago indevidamente. A praticidade da compensação decorre do fato de que o contribuinte, através desse instrumento jurídico, solve o crédito tributário, total ou parcialmente, pelo encontro de contas entre o sujeito passivo e sujeito ativo tributário. Isso evita o moroso e indesejável solve et repete. 9 O artigo. 170 do Código Tributário Nacional que remete à compensação tributária à lei própria, comporta os seguintes dizeres: Art. 170 - A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso, atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Nesses termos, na prática, ter um conhecimento profundo das legislações, inclusive, regulamentares, que dispõem sobre a matéria da compensação no âmbito dos entes federados, ou seja, União, Estados e Municípios, visa evitar os entraves que são costumeiramente impostos pelo fisco aos contribuintes, dentro do procedimento administrativo, no qual se dá requerimento de compensação. Vê-se que, devido à complexidade e à extensão do assunto, é oportuno dizer que a presente dissertação não tem por finalidade esgotar o tema compensação em todas as esferas administrativas, tão somente reserva-se ao estudo e pesquisa da compensação no âmbito da legislação federal. Para este trabalho, aborda-se, primeiramente, a regulação da compensação, através da Lei n. 8.383, de 30/12/1991, com as alterações introduzidas pela Lei n. 9.069/95 e Lei n. 9.250/95. Posteriormente, serão analisados os artigos 73 e 74 da Lei n. 9.430, 27 de dezembro de 1.996, com as alterações da Lei n. 11.051, de 29/12/2004 e Lei n. 11.941, de 27/05/2009, que tratam a matéria da compensação, em nível federal. Sendo necessário observar também que, como a compensação tributária desenrola- se dentro do procedimento administrativo, faz-se necessário e obrigatório o estudo das normas que tratam do processo administrativo tributário para que se evite que os trâmites processuais sofram os entraves que a Administração Pública, rotineiramente, busca causar aos contribuintes. O processo administrativo tributário é, hoje, regulado no âmbito federal pelo Decreto n. 70.235/72 e pela Lei n. 9.784, de 29/01/1999. 10 Nesse contexto, ainda que a Administração Pública pretenda demonstrar apego ao princípio da legalidade, não só na aplicação das leis que tratam da compensação, como também pelas normas que tratam processo tributário administrativo, não se pode esquecer de que o contribuinte está sob custódia de outros princípios constitucionais, consagrados pela Constituição Federal de 88, especialmente, o princípio do “Devido Processo Legal” (artigo 5º, inciso LV da CF/88), com suas origens no due process of law do Direito comparado, assim compreendido a ampla defesa e o contraditório e, bem assim, o direito de petição independentemente do pagamento de taxas, inserto no art. 5º, XXXIV da CF/88. Centrados, no que celebra a doutrina acerca do due process of law, propõe-se realizar uma crítica especifica ao tratamento dado à compensação nos parágrafos 12 e 13 da Lei n. 9.430/96, diga-se, de constitucionalidade duvidosa, cuja Lei n. 11.051/04 criou a figura da compensação “não declarada”: Art. 74 – [...] 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses: [...] 13. O disposto nos §§ 2o e 5o a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas no § 12 deste artigo. Nota-se que o parágrafo 13, ao expressar que à compensação “não declarada” prevista no parágrafo 12 não se aplica o disposto nos “parágrafos 2o e 5o a 11” do dispositivo legal, oculta, na verdade, falaciosa negativa do duplo grau de recursos na instância administrativa. Ela ainda determina que a compensação “não declarada” não produzirá os efeitos da suspensão da exigibilidade do art. 151, III do Código Tributário Nacional, em face do recurso interposto. Por isso, buscar-se-á demonstrar que o estatuído, nos parágrafos 12 e 13 do art. 74 da lei, que impedem ao contribuinte o exercício do direito de recurso administrativo, previsto no rito processual do Decreto n. 70.235/72, fere a direitos fundamentais explicitados na CF/88, especialmente, do devido processo legal e direito de petição. Os tribunais superiores já debateram o devido processo legal, quando do julgamento da questão que envolvia a exigência de depósito administrativo, como requisito para 11 interposição de recursos na esfera administrativa do conselho contribuintes da Receita Federal1. Entretanto, é na doutrina pátria que se irá “beber” dos ensinamentos no afã de buscar o suporte necessário ao questionamento pretendido, que é a inconstitucionalidade que permeia o dispositivo da lei, que cerceia o direito ao duplo grau de instância administrativa, além de perpassar pelo instituto da compensação em suas normas e seus melindres. O presente trabalho acadêmico tem como referência teórica os ensinamentos de Jürguen Habermas, cuja teoria possibilita o reconhecimento da inconstitucionalidade do édito legal, que excluiu na seara da compensação tributária, o duplo grau recursal administrativo, ferindo o princípio do devido processo legal, no paradigma do Estado Democrático de Direito. 1 Brasil, Supremo Tribunal Federal. ADI- 1.976-7/DF, julgamento em 28/03/2007, DJe-018, divulg.17- 05-2007, publicado 18-05-2007; DJ 18-05-2007, pp. 00064, Ement. Vol. 02276-01, pp. 00079; LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 32-53; RDDT n. 142, 2007, p. 166-176. 12 2 A COMPENSAÇÃO NA TEORIA GERAL DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Para abordar o instituto da compensação, no Direito Tributário, imperativo faz-se perpassar por ele, no âmbito do Direito Civil brasileiro, primeiramente, inserido no art. 1.009 do Código Civil de 1916 e reproduzido, com algumas alterações, pelos artigos 368 do Código Civil 2002, abordando-se, inclusive, a sua origem no Direito Romano. Entretanto, antes de iniciar a explanação acerca do tema em específico, cabe, preliminarmente, conceituar o instituto da compensação no Direito Civil. Para Clóvis Bevilaqua (1958, p. 132), "compensação é a extinção recíproca de obrigações até a concorrência de seus respectivos valores, entre pessoas que são devedoras uma da outra.” Gustavo Tepedino ensina que [...] compensar é pesar dois créditos, um A contra B outro de B contra A, um pelo outro [...] Um vai a um prato; o outro, ao outro prato da balança. ‘A priori’, não há princípio que imponha a compensação. Poderiam subsistir, perante a lei e até contra a vontade de um dos credores, os dois ou mais créditos. Exatamente no conceberem-se nas regras jurídicas ‘a posteriori’, que se lancem contra esse querer, é que se revela o processo histórico do instituto. Os dois ou mais créditos, o crédito e o contracrédito (crédito do devedor) sobrevivem ao último vencimento; só não sobrevivem se a lei diz o contrário e fixa os pressupostos para a não sobrevivência. (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004, p. 669). Para Monteiro (1988), compensação é a extinção de duas obrigações, cujos credores são, ao mesmotempo, devedores um do outro. Como se vê, não há controvérsias quanto ao significado terminológico do instituto da compensação, outrossim, é entendimento pacifico: - pela compensação é que se dá a extinção de obrigações pelo encontro de contas recíprocas entre devedores. Monteiro (1988), em uma retrospectiva histórica, visualiza o nascimento do instituto 13 da compensação, na sociedade romana antiga. A compensação, no Direito Romano, somente ocorria em situações específicas, cominada ao argentarius e ao bonorum emptor, sendo denominada deductio. No caso do argentarius, era lhe imposta a deductio para a compensação do seu crédito contra os débitos seus, porventura existentes a favor daquele de quem tinha para receber. Quanto ao bonorum emptor, era obrigatória a compensação para quando se operasse a aquisição de todo o patrimônio de um devedor obrigado. Afirma Monteiro (1988) que a deductio, entendida como compensação, teve popularizada a sua aplicação por causa de um rescrito da ordem do imperador Marco Aurélio, o qual instituía uma exceção de dolo que ensejava a “anulação” de obrigações, nas quais confluíam créditos e débitos. Desde quando surgiu no âmbito do Direito Romano, a compensação não fora vista com bons olhos. Exemplo disso, eram as restrições casuais às quais se submetia o instituto. Acreditava a sociedade romana que a vinculação compulsória a uma obrigação contrariava a sua tão prezada liberdade. Para Cretella Júnior (1997, p. 343), no antigo Direito Romano, não se conhecia o instituto da compensação imperativa, nessa época, o princípio da independência dos créditos recíprocos. Só havia a compensação num caso: quando o marido obrigado a restituir o dote, tinha de ressarcir-se das despesas feitas para conservá-lo. Tais despesas podiam ser deduzidas do total a ser restituído. Para Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 286), a compensação, em Roma, fundava-se "no princípio da equidade, que não se compadecia com o fato de terem ação, uma contra outra, duas pessoas que fossem ao mesmo tempo credores e devedores reciprocamente’’. Sílvio de Salvo Venosa (2005), buscando também na origem do instituto no Direito Romano, expõe que, em princípio, os romanos apegados ao individualismo e à autonomia extrema da vontade, de início, não conheciam a compensação. Tinham eles por independentes os débitos recíprocos. Tal situação criava problemas sob o aspecto da equidade. Um devedor pagava ao seu credor; este, por sua vez, deixava 14 de pagar ao devedor recíproco. Expunha-se desnecessariamente o crédito à insolvência. De acordo com o autor, era admitida a compensação convencional, acertada entre as partes. Somente, numa época mais moderna do Direito Romano, no final da República, foram encontradas formas de compensação, fora do campo da vontade das partes. Como exemplo, cita-se a compensatio argentari. O banqueiro, que tivesse uma conta corrente com um cliente, era obrigado a compensar o crédito e não cobrá-lo. Tal necessidade resultava da própria prática dos bancos, cujas contas dos correntistas deviam estar sempre atualizadas. A compensação deveria ter por conteúdo o mesmo objeto, só possível por dívidas vencidas. Monteiro (1988) afirma que o preconceito contra o instituto da compensação deu lugar ao senso de justiça dos cidadãos, que perceberam ser a deductio uma forma de atingir a igualdade de maneira célere e menos dispendiosa. Dessa forma foram surgindo outras formas de compensação, a deductio do bonorum emptor. O bonurum emptor era o comprador em bloco de todo um patrimônio, geralmente de pessoa insolvente. Se esse comprador fosse também credor do falido, operava-se a compensação. O magistrado concedia a bonorum ao comprador cum deductione, isto é, somente na diferença dos seus créditos, extinguindo-se os débitos do alienante, porventura existente. Aqui, o débito compensado poderia ter causa diferente, uma vez que todo um patrimônio era alienado. No Direito Romano, também se conhecia a compensação resultante de ações de boa-fé. Seria contra a honestidade não se compensar dívidas recíprocas. A compensação era realizada de forma facultativa pelo magistrado. Daí dizer que se tratava de uma compensação judicial. Era também de conhecimento no Direito Romano a petição recíproca. Quem tivesse um crédito para com seu credor deveria mover contra ele uma mutua petitio (reconvenção). No entanto, foi muito demorada a aceitação da ideia de compensação, no Direito Romano. 15 Venosa (2005) entende que houve uma regressão na evolução verificada no Direito Romano, quando se fala do Direito Medieval. No Direito Medieval não existia compensação. Num sistema em que a justiça era antes um negócio bastante rentável mais que um instrumento de pacificação social, dispensar os serviços judiciais era impossível. O senhor feudal, sujeito acima do bem e do mal, era, por direito, detentor da competência para a resolução de qualquer impasse entre as pessoas, sendo vedado o que se conhece como “autocomposição”. Contudo, de todo litígio resolvido, obtinha o senhor feudal uma parcela, a si atribuída por seus serviços, decotada do valor discutido. Para Venosa (2005), a compensação somente ressurgiu por previsão do Direito Canônico, produzindo reflexos nas legislações. Na França, na Inglaterra e na Alemanha, o instituto da compensação ganha previsão, sendo que em cada país ele é tratado de forma diferente. No Direito Francês, a compensação é impositiva e independe da vontade do credor. Assim, basta o devedor apresentar os seus créditos contra o seu credor para que as dívidas recíprocas se compensem. No Direito Inglês, somente o juiz é capaz de impor a compensação, e não a lei, como prevê o Direito Francês. Já no Direito Alemão, é necessária a manifestação judicial ou extrajudicial da parte interessada para a operação da compensação, em similitude com do Direito Francês. Verifica-se, assim, que grande parte do nosso Direito Civil espelha-se no Direito Alemão, ou seja, nosso legislador buscou no código germânico inspiração para a aplicação da compensação. No Brasil, quando enquadrada a situação da lide, na previsão legal para a compensação, esta operar-se-á impositivamente, ainda que contra ela se insurja o credor. É importante mencionar o instituto da compensação, na Antiguidade. Entretanto, seu estudo não será aprofundado. As breves considerações, acerca da compensação na Antiguidade, têm por escopo uma melhor compreensão de sua evolução no paradigma atual, precisamente, contrastando o Código Civil, de 1916 com no atual 16 Código Civil, de 2002 (Lei n. 10.406, de 10/02/2002). Para Tepedino (2004), a função da compensação está exatamente em promover um encontro de contas entre credor e devedor, reciprocamente, afetados pelos seus débitos e créditos, evitando que haja circulação de valores (moeda/obrigações equivalentes) e de forma a simplificar o pagamento. Pela compensação, “duas obrigações se extinguem”, o que repercute, também, na economia processual. Isso evita atos processuais inúteis, como interposições de ações de cobrança e, mais do que isso, a compensação garante àquele devedor, que é também credor, que pagou por uma dívida, que não se submeta ao risco do não recebimento, no caso do outro credor, que é seu devedor, que entre em insolvência, ou seja, garante ao credor- devedor o recebimento sem que necessite concorrer com outros credores. Para Monteiro (1998), a compensação, no Direito Civil, é ainda dividida em legal, convencional ou judicial. A legal é imposta de forma soberana, pela força da lei, per si, e independe do consentimento dos cidadãos, cujas situações sejam legalmente previstas. Já a convencional é o oposto, pois não é imposta às partes,mas, sim, resulta de mútuo consentimento, de acordo formulado pelos próprios devedores e credores. A judicial, a seu turno, assim como a compensação legal, substitui a vontade das partes, sendo o juiz o agente responsável por determiná-la. O Código Civil 2002, assim como previa o Código Civil de 1916, exige também como pressupostos para que a compensação se realize que esta ocorra “entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.” (art. 369) Tais requisitos para a compensação no antigo Código Civil de 1916, afirma Monteiro: [...] seus pressupostos são em número de quatro: a) reciprocidade das dívidas; b) que elas sejam líquidas; c) que sejam vencidas; d) que sejam homogêneas. O primeiro requisito diz respeito, por conseguinte, à reciprocidade das dívidas. Urge que um débito do devedor corresponda crédito deste contra o credor. Se o credor nada deve ao seu devedor, não há que se cogitar de compensação. O segundo requisito é concernente à liquidez das dívidas. Só dívidas líquidas são compensáveis. Por dívida líquida se entende a obrigação certa, quanto à existência, e determinada, quanto ao objeto. O pressuposto da liquidez era determinado pelos práticos sob a fórmula ‘an, quid, quantum debeatur’. No primeiro caso (‘an debeatur’), a incerteza e respeitante ao 17 crédito na sua existência de fato e não de direito; a incerteza sobre o ‘quid debeatur’ concerne ao objeto e surge quando se duvida da sinceridade do documento, quando não há título comprobatório, este é obscuro, ou existe erro ou outro vício do consentimento; o ‘quantum debeatur’ consiste na quantidade da prestação devida. É o elemento mais importante e sintetiza todos os demais. Considera-se líquida a dívida que se determina pela natureza, qualidade e quantidade, e que se expressa através de número certo ou de uma cifra. Se a obrigação depende de prévia apuração, liquidação ou verificação pelos meios regulares de direito, deixará de ser liquida e não autorizará a compensação. “Se o suposto crédito do devedor contra o respectivo credor depende ainda de prévio reconhecimento judicial, ilíquido será para os fins do citado art. 1.010. (MONTEIRO, 1988, p. 301). Dessa forma, alguns imperativos revelam-se como requisitos para que se efetue a compensação: liquidez, qualidade e quantidade, ou seja, se a obrigação depende de prévia apuração, liquidação ou verificação pelos meios regulares de direito, deixará de ser liquida e não se autorizará a compensação. Para Bevilaqua (1958), dívida liquida é aquela que é certa, quanto à existência e determinada, quanto ao seu objeto. Nela determinam-se, de modo claro, a qualidade, a quantidade e a natureza do objeto devido. O artigo 1.533, do Código Civil, de 1916, trazia o conceito de liquidez. Assim, preconizava: Art. 1.533. Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto. Contudo, o Código Civil de 2002 não especifica, em seus dispositivos, o conceito de liquidez, na forma como previa o Código Civil, de 1916, em seu art. 1.533. É esse o entendimento de Tepedino. Existe uma tendência dos códigos modernos, como da jurisprudência, seja a atenuar a condição de liquidez das dívidas, como requisito obrigatório para compensação. [...] O Código insiste nesse ponto. Poderia ter a lei ressalvado, pelo menos, os débitos que, embora ilíquidos, sejam de fácil ou rápida liquidação, tais como os que dependam de simples cálculos aritméticos. Para Venosa (2005), o requisito para que as dívidas sejam “vencidas”, vincula 18 certeza, exigibilidade e exige que o crédito tenha materialidade e validade indiscutíveis quando compensadas entre si, pois, uma dívida, mesmo que vencida, pode, em tese, não ser exigível em face de um vício, por exemplo, e, por conseqüência, não será admissível a sua compensação contra créditos do suposto devedor. Para Tepedino, as dívidas vencidas, as quais dispõem o art. 369, do Código Civil, de 2002, referem-se às dívidas exigíveis que tal “requisito de exigibilidade” justifica-se pela natureza do instituto, quando atenta-se em que, sendo este um duplo pagamento fictício, só poderia ser oposto contra créditos de que pudesse demandar a execução. (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004). Ainda segundo o autor, uma dívida antes do vencimento, em que esteja estipulada uma obrigação, será tão somente uma obrigação do devedor, todavia, não será exigível, sendo necessário que as dividas sejam homogêneas, e que haja fungibilidade dos créditos/débitos, pois, não sendo da mesma espécie, as dívidas não se compensam. (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2004). Como bem destaca Venosa, [...] dinheiro compensa com dinheiro. Determinada mercadoria compensa-se com mercadoria da mesma espécie. Não se compensam objetos da mesma natureza, mas de qualidade diversa. Por exemplo, não se compensa gado de raças diferentes [...] Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, objeto das duas prestações, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato. (2005, p. 308). Revela-se, assim, que alguns conceitos trazidos do Direito Civil, pertinentes à compensação civil, tais como: seus requisitos de liquidez, certeza, exigibilidade, fungibilidade, quando são bem analisados, podem (devem) ser trazidos para o campo do Direito Tributário e serão de grande valia para os estudos sobre a compensação em matéria tributária, pois os conceitos do direito privado, especialmente, os quesitos da “liquidez” e “certeza” foram recepcionados pela lei tributária da compensação, nos termos inseridos no art. 170 do CTN, tema a ser tratado no próximo tópico. 19 3 A COMPENSAÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA 3.1 Breve histórico da compensação em matéria tributária no direito brasileiro A compensação tributária é tema de grandes debates no meio jurídico, doutrinário e jurisprudencial. Em uma análise histórica, percebe-se que, devido à complexidade da legislação tributária, os debates em torno da questão despertam muitos questionamentos sobre as modalidades da compensação em matéria tributária. O certo é que o instituto foi recepcionado pelo Código Civil, de 1916, que estabeleceu previsões acerca da compensação, em matéria tributária. Dispunha o artigo 1.017 do Código Civil, de 1916. Art. 1.017. As dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios também não podem ser objeto de compensação, exceto nos casos de encontro entre a administração e o devedor, autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda. Com efeito, tal dispositivo legal estabelece exatamente a vedação à realização de compensação de dívidas fiscais dos entes União, Estados e Municípios, salvo o encontro de contas, autorizado em leis específicas. A proibição legal à realização da compensação de dívidas fiscais deu-se sob o fundamento da primazia do interesse público, cuja arrecadação destina-se a custear os serviços públicos essenciais e não poderia ficar prejudicada, em face de interesse de um particular. Maria Helena Diniz (1995, p. 670) comentando o art. 1.017, do CC/16, aduz que: [...] nega-se compensação se uma dívida for de natureza fiscal, quer da União, quer dos Estados, quer dos Municípios, a não ser a lei a admita, porque a arrecadação fiscal se destina a custear serviços públicos, e o particular não assistirá o direito de lesar interesse público, invocando a compensação (RT, 431:219). Também pactua do mesmo entendimento Akselrad (1999, p. 25). 20 [...] na análise das normas ditadas pelo Código Civil, a regra mais antiga relacionada com o instituto da compensação, direcionada especificamente à matéria tributária, é aquela contida no art. 1.017 do mencionado Codex.Essa regra, editada em 1916, sob os impactos quer do início do século, como da própria República, e sob império de vetusta Carta Constitucional, e ainda dos conceitos emprestados à doutrina alienígena, dava prevalência ao interesse fazendário mais do que ao do particular ou aspecto social e, teoricamente, vedava a compensação em matéria dita fiscal, embora ressalvada a hipótese daquilo que o Código definiu como “encontro de contas” entre a administração e o devedor, desde que autorizada por lei ou regulamento da Fazenda. Havia ainda os que de forma simplista apenas afirmavam que “[...] não se pode compensar as dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios, a não ser que a lei permita (Cód. Civ., art. 1.017).” RODRIGUES, 1988/1989, p. 256). Para Hugo de Brito Machado (2000), no contexto atual as restrições previstas no Código Civil de 1916, sobre as modalidades de compensação são injustificáveis, a compensação é direito assegurado pela Constituição da Republica. É esse o entendimento do autor: [...] a exclusão da Fazenda Pública, que implica autorizá-la a exigir o pagamento de um tributo, mesmo sendo devedora inadimplente do respectivo contribuinte, é redobrada injustiça, além de ser uma imoralidade. E, em sendo assim, a norma excludente é inconstitucional, porque contraria o art. 3º, inciso I, e o art. 37 da Constituição Federal. (MACHADO, 2000, p. 159). Nessa perspectiva, há que se perquirir quanto a constitucionalidade dos dispositivos restritivos do Código Civil de 1916, sob a ótica dos princípios que devem nortear os atos da Administração Pública, quais sejam, princípios da moralidade, legalidade e eficiência administrativa. Ressalte-se que a referida lei foi revogada, todavia, serve de pano de fundo para analisar o instituto da compensação tributária, no século passado, frente ao que ocorre com a compensação tributária nos dias atuais. Aliomar Baleeiro (1987), talvez seja o autor que melhor faz uma prospecção de como vem sendo aplicado o instituto da compensação tributária, no direito brasileiro, 21 desde o Código Civil de Clóvis Beviláqua (Código Civil 1916), apontando o que ficou conhecido como “apólices de dívidas públicas estaduais”2, muito utilizadas no início do século. Alguns trechos da obra merecem ser transcritos, não só pelo cunho didático, mas também, pelo fato de que suas observações parecem atuais, em relação aos artifícios legais, usualmente engendrados pelo Estado para não pagar o que deve ao cidadão. Cabe de passagem analisá-los. As dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios também não podem ser objeto de compensação, exceto nos casos de encontro entre a administração e o devedor, autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda. Do mesmo modo, o art. 17, do dec.-lei n.. 960, de 1938, que regia os executivos fiscais, e o art. 26 do velho Código de Contabilidade pública (dec. n. 4.536, de 28-1-1922). Mas, no direito anterior, alguns Estados, excepcionalmente, admitiam que ‘coupons’ de juros de apólices em atraso pudessem ser recebidos em pagamento de impostos. Em época recuada, a Bahia recebia apólices de sua dívida pública, ao par, como parte do pagamento do imposto de transmissão ‘causa mortis’, o que, aliás, permitia ao contribuinte ganhar a diferença entre o valor nominal pelo qual os títulos eram recebidos e o da cotação inferior na Bolsa. São Paulo aceitou os ‘bonus rotativos’ vencidos de sua dívida flutuante. E a União compensou imposto de renda com os comprovantes desse tributo quando restituível. Essa modalidade de compensação poderá ser erigida em garantia e tentação dos subscritores das apólices, para prevenção e remédio da hipótese de não serem pagos os títulos ou resgates nos vencimentos. No mínimo, um incentivo à subscrição. O dec.-lei n.. 195, de 24-2-67, art. 12, § 4º, prevê a liquidação dos créditos tributários resultantes de contribuição de melhoria com títulos da dívida pública emitidos, especialmente para financiamento da obra pela qual foi lançada, estabelecendo que se tomarão esses papéis pelo valor nominal, se o preço do mercado for inferior. Na história financeira do Brasil, sobretudo a dos Estados e Municípios, ainda por escrever-se, ressalvada a contribuição valiosa de Castro Carreira, no fim do século passado, e de A. O. Viveiros de Castro, nos primeiros anos deste, há capítulos melancólicos de verdadeira bancarrota das burras públicas. Nas primeiras décadas deste século, sobretudo durante a 1ª. Grande Guerra, alguns Estados, inclusive os menos pobres, suspenderam os pagamentos de fornecedores, funcionários, magistrados e até depositantes de suas Caixas Econômicas, durante dezenas de meses, levando-os ao desespero. E viu-se o quadro de fornecedores de carne, alimentos outros e remédios a hospitais, orfanatos e quartéis, ou empreiteiros de obras, que 2 "O título da dívida pública, como é sabido, pode revestir-se da forma de apólices, bônus, letras do Tesouro, bilhetes, cupões ou obrigações. Representam obrigações do Tesouro, em face de empréstimos voluntários ou compulsórios, a curto ou longo prazo, compondo a chamada dívida flutuante ou consolidada." (PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 166). 22 não podiam pagar seus compromissos nem suas dívidas tributárias, porque o Governo lhes não pagavas, por sua vez, velhos débitos de muito vencidos e não coberto por juros. A compensação, às vezes, fazia-se por imperativo de consciência ou de equidade das autoridades, disfarçadamente, mediante quitações recíprocas no mesmo ato, sem movimento de dinheiro. No Direito Fiscal, a compensação é condicionada ao discricionarismo do Tesouro Público. Mas o sujeito passivo só poderá contrapor seu crédito ao crédito tributário, como direito subjetivo seu, nas condições e sob as garantias da lei. Finalmente, o art. 161, da Emenda 1/1969, admite que, até o limite de 50% do débito pelo imposto territorial rural, sejam aceitos os títulos da dívida pública emitidos pela desapropriação de terras destinadas à reforma agrária. [...] A inaplicabilidade da compensação em matéria de tributos, na mesma esteira do art. 1.017 do Código Civil, de 1916, também está prevista no art. 54 da Lei n. 4.320/1964. Estabelece o artigo 54 da Lei n. 4.320/1964, Art. 54. Não será admitida a compensação da observação de recolher rendas ou receitas com direito creditório contra a Fazenda Pública. A despeito da Lei n. 4.320/1964 tratar-se de norma com hierarquia de lei complementar, que dispõe hodiernamente sobre normas de Direito Financeiro, verifica-se que seu art. 54 encontra-se, parcialmente revogado pelo Código Tributário Nacional, que é norma posterior também com status de lei complementar. A Lei n. 5.172/1996 – Código Tributário Nacional estabeleceu, em seu art. 156, inciso II, a compensação como forma de extinção do crédito tributário, sendo que o art. 170 do mesmo diploma legal remeteu à lei ordinária a competência para estabelecimento das regras sob as quais se darão a compensação em matéria tributária. Destarte, o art. 54 da Lei n. 4.320/1964 tornou-se incompatível com as determinações dos arts. 156 e 170 do Código Tributário Nacional, lei de mesma hierarquia. Nesse sentido: A revogação foi tácita, porquanto o art. 170 da lei posterior (Lei n. 5.172/66) é incompatível com o artigo. 54 da lei anterior (Lei n. 4.320/64), hipótese de 23 revogação prevista no art. 2º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), foi parcial porquanto se restringiu à compensação de créditos tributários, não se aplicando, ‘ipso facto’, às receitas públicasde outra natureza que, malgrado a repulsa da doutrina e o tradicionalismo histórico, continuam sob a égide do art. 54 da Lei 4.320/64 3 Quanto aos artigos citados do Código Tributário Nacional, que demandam um estudo mais aprofundado, estes serão tratados em tópicos seguintes. Cumpre salientar que muito recentemente, sob os auspícios do Código Civil de 2002, houve uma tentativa de o legislador pátrio inserir novas regras que autorizavam a compensação de tributos, a partir da inserção do art. 3744, no novo Codex, prevendo a aplicação das regras da compensação civil à compensação de dívidas fiscais e parafiscais. Entretanto, o dispositivo legal do Código Civil 2002 foi precocemente revogado pela Medida Provisória n. 104/2003, em razão de verdadeiro atropelo ao processo legislativo, conforme observa Daniel Perachhi (2007), em sua tese de mestrado, senão veja-se: Note-se que a tarefa de revisão do direito civil brasileiro começara em 1969, com a constituição de Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, presidida por Miguel Reale e composta por notáveis juristas. Todos os trabalhos sempre tiveram como garantia a mais completa publicidade, incentivando-se a discussão entre todos os segmentos da sociedade. Da entrega do primeiro texto do Anteprojeto, em 1972, até a sanção da Lei n. 10.406, em 10/01/2002, trinta anos de debate profícuo, sério e democrático se passaram. Contudo, nada disso foi levado em consideração. Ainda durante a ‘vacatio legis’ do Código, o Presidente da República, valendo-se de instrumentos despótico, unilateral e enfadonho (Medida Provisória) expressamente revogou o artigo 374 em questão (art. 44 da Medida Provisória 75, de 24.10.2002). A MP 75/02 foi submetida ao Congresso Nacional que deveria deliberar a sua conversão em lei, no prazo de sessenta dias, nos termos do art. 62, § 3º da Constituição de 1988 (no texto que lhe foi conferido pela Emenda Constitucional n. 32/01, que alterou o regime das MP’s, com o intuito de frear a sana legislativa do Poder Executivo). Pois bem. A MP 75/02 foi rejeitada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, através do Ato de 18/12/02, publicado no DOU de 19/12/02. Diante da 3 João Luiz de Moraes Barreto, citado por MACHADO JÚNIOR, J. Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. 24. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: IBAM, 1991, p. 98. 4 “Art. 374. A matéria de compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste capítulo.” 24 rejeição, cessa a eficácia da MP 75/02, voltando a vigorar o artigo 374 do CCB, pois as MP’s, por natureza, são provisórias e sujeitas a conversão em lei pelo Congresso Nacional. Atropelando a rejeição, o Poder Executivo editou nova Medida Provisória (MP n. 104, de 09/01/2003, antevéspera da entrada em vigor do novo CCB) reiterando a matéria. Essa segunda MP foi convertida na Lei n. 10.677/03. Contudo, a MP 104/03 padece do vício de inconstitucionalidade formal, que acaba de afetar inexoravelmente a Lei n. 10.677/03. Com efeito, o § 10º do artigo 62 da Constituição de 1988 veda a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. A rejeição da MP 75/2002 deu-se em 18.12.02, fora, portanto, do período da sessão legislativa ordinária, que já se encerrara. O Presidente da República estava proibido pelo § 10º do artigo 62 da CF/88, acima referido, de editar MP tratando de matéria rejeitada pelo Congresso, antes de iniciar-se a 52ª Legislatura, em 01/02/03, ou sua primeira sessão legislativa, em 15/02/03. Já ao editar a MP 104/03, o Presidente da República inova, apresentando os motivos para justificar a revogação de artigo do Código Civil, em atropelo ao processo legislativo. Na exposição de Motivos n. 26, são apontados os seguintes fatores: a) a norma em causa é inconstitucional, porquanto inserta em âmbito temático constitucionalmente reserva a lei complementar, a teor do art. 146, III, ‘b’, da Constituição de 1988: b) ademais, a norma é contrária ao interesse público, porquanto revoga a atual legislação sobre compensação de crédito e débitos tributário, legislação esta que é atenta às especificidades da matéria tributária, comprometendo, ainda, a estabilidade fiscal. A revogação do artigo 374, segundo demonstramos, é inconstitucional. [...] Segundo propugnamos, o artigo 374 do CCB é salutar. Em uma escala crescente de especialização, teríamos os já referidos artigos 156, II e 170 do CTN a cumprir a exigência constitucional da lei complementar; em seguida, o CCB disciplinaria com maior minudência a matéria, sempre que houvesse compatibilidade com a legislação superior (Constituição e CTN), preenchendo o espaço reservado à lei pelo art. 170 do CTN; por último, cada ente federativo (União, Estado, Distrito Federal e Municípios) poderia elaborar leis específicas dentro da sua competência, pormenorizando a compensação dos tributos de sua esfera. [...] Com a vigência do artigo 374 do CCB restaria assegurado o direito do contribuinte à compensação quando, p. ex., inexistisse lei específica em determinado Estado ou Município autorizando a compensações de seus tributos. [...] Assim, sempre restaria a disciplina normativa do CCB, aplicada com atenção às especificidades do crédito tributário, através da expedição de regulamentos e instruções normativas. [...] (PERACHHI, 2007, p. 100). Apesar de a revogação do art. 374 do Código Civil 2002 estar, até certo ponto, maculada, esta não será abordada mais profundamente, tendo em vista que a matéria da compensação tributária é tratada pelo Código Tributário Nacional e regulamentada por leis ordinárias, e, especialmente, porque parte considerável da doutrina e da jurisprudência já considera sua revogação como válida. Pode-se constatar que a compensação de dívidas fiscais, sob a égide do Código Civil, de 1916, fora vedada no art. 1.017. Também o art. 54 da Lei n. 4.320/1964 25 inadmitia a compensação tributária. Entretanto, com a criação do Código Tributário Nacional, Lei n. 5.172/1966, reconheceu-se a compensação como causa de extinção do credito tributário (artigo 156), tendo, por sua vez, derrogado o art. 54 da Lei n. 4.320/1964. O art. 170, caput, também do Código Tributário Nacional, conferiu autorização à lei ordinária para autorizar a compensação, desde que fosse com créditos líquidos e certos, vencidos e vincendos oponíveis pelo contribuinte (sujeito passivo e detentor do crédito) contra a Fazenda Pública. A matéria de compensação de tributos necessitava de previsão legal autorizativa (art. 170 Código Tributário Nacional), entretanto o instituto nunca foi preocupação dos diversos governos autoritários. As decisões políticas eram tomadas no sopesar de interesses e de forma discricionária, somente com o rompimento desses regimes, no ano de 1991, é que a matéria foi regulamentada, no direito tributário brasileiro. Assim, verificar-se-á, primeiramente, antes de adentrar na compensação tributária no direito brasileiro, como o instituto é tratado em legislações do direito comparado, uma vez que eles sempre se assentaram no direito civil, com foco no interesse público. 3.2 A compensação em matéria tributária no direito comparado Como já foi abordado, a compensação, como forma de extinção de obrigações, facilita muito os pagamentos, evitando-se o deslocamento de débitos, contribuindo, assim, para a não insolvência recíproca das partes. Essas características da compensação, como instituto de extinção de créditos recíprocos, têm como escopo promover um equilíbrio nas relações contratuais, entretanto, a compensação no direito comparado sempre foi alvo de análise, sob o ponto de vistados conceitos do direito civil. Ela teve a sua origem, especialmente, no Direito Romano, mas, sua aplicação no ramo do direito financeiro é sempre vista com ressalvas, em face do interesse público pela arrecadação. Nesse sentido, Machado (2005, p. 482-3), buscando no Direito Argentino o trecho da 26 obra do autor argentino Giuliani Fonrouge5, admite haver uma tendência dos ordenamentos jurídicos modernos a reconhecer a compensação. As legislações divergem-se no caráter de que algumas preveem que ela realize-se de forma ampla (dívidas de qualquer natureza) e, outras limitam a reconhecer a compensação somente entre créditos e dívidas tributárias. Nesse caso, sempre preservam-se o interesse público da arrecadação e a manutenção das atividades básicas do estado. Veja-se: La tendência de los ordenamentos tributários modernos se manifiesta em favor de La compensación, uma veces com caráter amplio y otras com limitación a créditos y duedas tributarias exclusiamente. Así, por ajemplo, El Ordenamento aleman permite que los contribuyentes compensen ‘pretendiones tributarias com contraprestaciones incontrovertibles o fijadas com fuerza jurídica (AO, § 124); y también com amplitud, autorizan La compensación La Ley Tributaria espoñola (art. 68), El Código Tributário Del Brasil (art. 170) e El Código ecuatoriano (art. 26). Verifica-se também que art. 406 do Código Tributário Peruano, que muito se assemelha ao que previa a redação original da Lei n. 9.430/96, que a compensação dava-se através de requerimento do contribuinte com quaisquer tributos, desde que administrados pela Secretaria da Receita Federal e de mesma espécie e destinação constitucional. A matéria será discorrida adiante. Os comentários do doutrinador peruano a este respeito são: La compensación es un derecho Del contribuyente; pero se debe tener em cuenta que nos es un derecho ilimitado, porque utiliza La expresión condicional u opcional a favor de la Administración tributaria. La Norma dice ‘podra compensare’, no dice ‘deberá compensar-se. Además, tiene con requisito formal, para que proceda La compensación, que se trate de 5 FONROUGE, Giuliani. Derecho financeiro. 2. ed. Buenos Aires: DEPALMA, 1970, v. 1, p. 560. 6 Artículo 40.- COMPENSACIÓN La deuda tributaria podrá ser compensada, total o parcialmente, por la Administración Tributaria con los créditos por tributos, sanciones e intereses pagados en exceso o indebidamente y con los saldos a favor por exportación u otro concepto similar, siempre que no se encuentren prescritos y sean administrados por el mismo Órgano. Tratándose de tributos administrados por la Superintendencia Nacional de Administración Tributaria - SUNAT, los deudores tributarios o sus representantes podrán compensar únicamente en los casos establecidos expresamente por ley, siempre que no se encuentren prescritos. Respecto de los demás pagos en exceso o indebidos, deberán solicitar a la Administración Tributaria la devolución, conforme a lo dispuesto en los Artículos 38 y 39. Disponível em: http://www.congreso.gob.pe/ntley/Imagenes/DecretosLegislativos/00816.pdf Acesso em 19 jan. 2009 27 tributos administrados por El mismo organismo.7 Do Direito de Portugal, pode-se aferir que o Código Civil Português (art. 853º/1) exclui a compensação, salvo quando a lei o autorize. A Lei Geral Tributaria de Portugal – LGT, em seu artigo 408 que prevê o pagamento e outras formas extinção das prestações tributárias, admite a dação e a compensação como formas de extinção do crédito tributário, desde que nesses casos haja previsão legal. Prevê, ainda, a prescrição e decadência (artigo 48º e 45º da Lei Geral Tributaria, respectivamente) como formas de extinção da relação jurídica. Comentando o dispositivo da lei portuguesa Peracchi (2007, p. 178) relata que: [...] seria mais coerente que a LGT desde logo autorizasse a compensação, inclusive delineando em termos gerais seu âmbito de incidência – mo o faz o artigo 170 do CTN que, inclusive, prevê a compensação de créditos vincendos, mas com a ressalva de remeter à lei a sua disciplina, como o faz a LGT Assim defluiria do corpo da LGT um direito subjetivo à compensação.[...] Já a LGT peca ao incluir a compensação no artigo 40 que trata do ‘pagamento’ da prestação pecuniária. Entendemos que houve um retrocesso na técnica legislativa empregada. Por outro lado, o Capítulo IV do Título I da LGT refere à ‘extinção da relação jurídica tributária', mas talvez a referência à extinção do 'crédito tributário' tivesse sido mais acerta, pois pode acontecer de, extinto o crédito pelo pagamento ou outro modo, permanece a relação jurídica tributária em algum dos seus aspectos. De outra mão, a LGT, ao referir à compensação, sem precisar o seu âmbito, remete o interprete ao Código Civil português em busca dos contornos do instituto. Assim, os requisitos da compensação no direito civil aplicam-se, com as devidas temperanças, à compensação no direito tributário português. Reciprocidade, exigibilidade e fungibilidade (homogeneidade) já foram tratados anteriormente, de modo que apenas se procederá às devidas adaptações tendo em vista as especificidades da relação jurídica tributária. Por outro lado, o problema da liquidez será analisado pormenorizadamente. [...] 7 BENITES. Elio Pimentel. Código Tributário – Estúdio Teórico-practico. Lima: Marasol, 1993, p. 65. 8 Lei Geral Tributária de Portugal, DL 398/98, de 17 de dezembro. Artigo 40º. Pagamento e outras formas de extinção das prestações tributárias 1 - As prestações tributárias são pagas em moeda corrente ou por cheque, débito em conta, transferência conta a conta e vale postal ou por outros meios utilizados pelos serviços dos correios ou pelas instituições de crédito que a lei expressamente autorize. 2 - A dação em cumprimento e a compensação são admitidas nos casos expressamente previstos na lei. 3 - Os contribuintes ou terceiros que efectuem o pagamento devem indicar os tributos e períodos de tributação a que se referem. Acesso em 15/01/2009 http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=253&tabela=leis 28 O autor faz, ainda, críticas por não ter sido a matéria da compensação tratada no Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT (Decreto-lei 23/97), porquanto, deveria ter sido no direito material e não direito adjetivo. Vejamos: [...] O CPPT, em seus artigos 89º e 90º - que correspondem aos artigos 110º-A e 110-B do revogado CPT, aditados pelo Decreto-lei 23/97 – autoriza a compensação em termos gerais, excepcionando a regra do artigo 853º, I, 'c' do Código Civil português. Sendo regra de exceção, não comporta alargamento de seu âmbito de aplicação por via da integração analógica. É importante frisar que com o advendo do CPT revogado surge inauguralmente em Portugal um ´direito subjetivo geral´ à compensação de tributos, mas é de se questionar o porquê da disciplina da matéria em um código que regula o processo tributário, quando a temática da extinção das obrigações é nitidamente afeita ao direito material. A opção legislativa é repetida com o advento do CPPT. Temos assim, no corpo do referido diploma, norma ´heterotópica´ a prever a compensação no direito tributário. Subsistem, no panorama legislativo atual, dois regimes de compensação no sistema do CPPT; i) a compensação praticada ex officio. por iniciativa da administração fiscal, prevista no artigo 89º; ii) a compensação por iniciativa do contribuinte, disciplinada no artigo 90º do referido diploma legal. [...] (PERACCHI, 2007 p. 179). Por óbvio pretendeu-se apenas trazer à baila algumas legislações do direito comparadocom o fim único de melhor ilustrar a presente dissertação. Entretanto, é no direito brasileiro que aprofundar-se-á, no estudo desse instituto. 3.3 A compensação em matéria tributária, no direito brasileiro contemporâneo Primacialmente, cumpre mencionar que o Código Tributário Nacional lista as diversas modalidades de extinção do crédito tributário, em cujo dispositivo de lei destaca-se o pagamento e a compensação. Determina o artigo 156 do Código Tributário Nacional. Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento; II – a compensação; O art. 156, inciso I, do Código Tributário Nacional, prevê primeiramente o “pagamento” como causa extintiva do crédito tributário, e, sendo tributo, pela 29 definição legal, prestação pecuniária (ex vi o art. 3º do Código Tributário Nacional), fica claro, desde logo, tratar-se de prestação em dinheiro, nos termos do art. 162 do mesmo Codex. (MACHADO, 2005, p. 83). Assim, o pagamento pressupõe a entrega de uma quantia em dinheiro ou valor equivalente, para que se dê a extinção do crédito tributário. Com efeito, além do pagamento, verifica-se no dispositivo do texto a “compensação” como forma de extinção do crédito tributário, dentre outras causas. A problemática envolve a redação do art. 156, caput. Constata-se que a lei tributária, ao arrolar as formas de extinção do crédito tributário, equivocou-se, pois deveria ter feito referência à extinção da “obrigação tributária”, assim como o fez a lei civil9, Crédito, como se sabe, é distinto de obrigação, e, consequentemente, a extinção do “crédito tributário” não implica necessariamente na extinção da “obrigação”. Para Hugo de Brito Machado (2008), a terminologia extinção de crédito e extinção da obrigação não se confundem. Segundo o autor, há hipóteses em que se extingue o crédito tributário sem a correspondente extinção da obrigação tributária. Nesse caso, subsistirá o direito da Fazenda em constituir outro crédito mediante novo lançamento. Notadamente, a lei estabelece uma hipótese de incidência (um fato gerador), que, ocorrida no mundo real, faz nascer uma relação jurídica tributária: – o dever do sujeito passivo (contribuinte) pagar e o direito do sujeito ativo (Estado) receber. Dá- se ai nascimento da “obrigação tributária”. Nas palavras de Hugo de Brito Machado a obrigação tributaria corresponde: 9 CC/02: “Art. 368. [...] as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.” 30 [...] a relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular em crédito" (MACHADO, 2007, p. 149). Ainda de acordo com o autor: [...] a lei descreve um fato e atribui a esse o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrendo o fato,que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível,nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito (no sentido de direito subjetivo)são efeitos da incidência da norma. O direito do Estado, ao qual se refere, permite exigir uma prestação pecuniária do contribuinte, obrigação tributária, que se constitui pelo lançamento ou auto- lançamento e denomina-se “crédito tributário”, sendo o último um dos elementos da obrigação tributária consumada.10 Todavia, proclama-se a exata compreensão, a par da redação do art. 156 do Código Tributário Nacional, de referir-se o indigitado dispositivo legal à extinção da obrigação tributária11 e não do crédito tributário. Entrementes, determina também o dispositivo do Código Tributário Nacional, além do pagamento e da compensação, outras formas de extinção da obrigação tributária, a exemplos, a transação, a remissão, a prescrição e a decadência, a conversão de débitos em renda, a consignação em pagamento, a dação em pagamento de bens imóveis, dentre outras. 10 Assenta CONRADO (2003, p. 86): “[...] pela literalidade do Código Tributário Nacional (notadamente, pela combinação de seus arts. 139, 142, 'caput', e art. 156), essa talvez não fosse a conclusão esperada, senão de que a obrigação tributária surgiria com a ocorrência, no mundo fenomênico, do fato gerador (imponível), ao passo que o crédito tributário viria à tona em momento posterior, precisamente com a produção do 'lançamento', instituto do qual não podemos deixar de falar, ainda que o façamos perfuctoriamente, na justa tentativa de expressas as razões que nos demovem a contrariar a impressão deixada pelo Código Tributário Nacional.” 11 CONRADO (2003, p. 95) referindo ao art. 156 do CTN diz que “[...] Pretendendo dispor sobre a matéria em foco, 'modos de extinção da obrigação tributária’, é bem de ver que o Código Tributária Nacional, por seu art. 156, fez uso da expressão 'crédito tributário', que constituiria, a seu turno apenas um dos elementos do todo, que é a obrigação tributária. Se é certo, portanto, que o legislador, nessa linha de raciocínio, deveria ter feito uso do conceito de ‘obrigação’, cobrar reconhecer, aqui, que as causas extintivas alinhadas no corpo do aludido dispositivo dizem, isso sim, com essa última categoria.[...[” 31 Cumpre anotar que existem outras formas de extinção das obrigações adotadas pelo direito privado que não foram incluídas no art. 156 do Código Tributário Nacional, como, por exemplo, a novação e a confusão previstas no Código Civil Brasileiro de 2002. (ROSA JR, 2005, p. 621). Conforme arremata Rosa Junior: [...] duas constatações resultam da leitura do art. 156 do Código Tributário Nacional. A primeira, que o rol das causas de extinção do crédito tributário deve ser entendido ‘numerus apertus’ porque, além dos casos referidos no dispositivo legal, a confusão também extingue o crédito tributário. A segunda, que o termo ‘referido no inciso I do art. 156 corresponde a pagamento em sentido ‘estrito’, ou seja, cumprimento da prestação objeto da obrigação. As demais hipóteses elencadas no mesmo dispositivo legal consubstanciam modalidade indiretas de extinção da obrigação, vale dizer, pagamento em sentido ‘lato’, que significa a extinção da obrigação por outro meio que não seja o cumprimento exato da prestação que consiste no objeto da obrigação. (ROSA JR., 2005, p. 623-4). Hugo de Brito Machado adverte que o rol de modalidades de extinção do crédito tributário é exemplificativo: [...] “rol não é exaustivo. A extinção do crédito tributário pode decorrer, embora seja excepcional, de causa outras, como a confusão, que ocorre quando a mesma pessoa assume as condições de devedor e de credor. Assim, se a União assume a propriedade de herança jacente, opera-se a confusão e se extinguem os créditos tributário que porventura tenha contra o autor da herança [...].(MACHADO, 2005, p. 302). O Código Tributário Nacional, depois de prever, no inciso II do artigo. 156, a compensação como causa extintiva do crédito tributário, voltou a tratar do assunto no art. 170, assim redigido: Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, nãopodendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do seu vencimento. O preceito legal em referência não disciplinou, ele próprio, os requisitos para que se 32 opere o encontro de contas entre contribuinte e Fisco, deixando as definições acerca da procedimentalização da compensação aos legisladores ordinários. Dessa forma, o Código Tributário Nacional deu aos legisladores o mais amplo poder de legislar em matéria de compensação tributária, incluindo aí o poder de não legislar, quando suas leis simplesmente nada prevêem a respeito da compensação como forma de extinção do crédito tributário, permitindo, ainda, que dito instituto se dê nas condições e sob as garantias que a lei estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa. Um. Quando o art. 170 do CTN diz: "a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, autorizar a compensação", trata-se de ato vinculado da autoridade, reside no aspecto de a lei estabelecer os requisitos e condições para a sua realização. Neste caso, estando o contribuinte dentro das condições estipuladas pela lei, a Fazenda não poderá negar a compensação. Dois. Quando o art. 170 do CTN diz: Dois. Quanto ao art. 170 do CTN, diz: "a lei pode, [...] ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa autorizar a compensação", trata-se de ato discricionário, no qual a lei remete à administração fiscal o arbítrio da apreciação de conveniência ou oportunidade da medida. Moraes assim compreende o instituto: [...] as legislações modernas consagram três sistemas de compensação: “a) compensação legal, em que a compensação produz efeitos apenas por força da lei; b) compensação judicial, em que a compensação não se realiza de pleno direito, mas apenas via judicial; c) compensação por declaração, que diverge das outras duas. O ordenamento tributário adotou, conforme vemos, o sistema da compensação legal, embora exigindo um ato declaratório por parte da autoridade administrativa. A compensação deve ser autorizada em lei especial e somente será possível quando autorizada e nas condições que estipular. [...] Haverá, então, um encontro de contas entre o sujeito passivo e o sujeito ativo tributário, com a extinção do crédito tributário, parcial ou totalmente. O contribuinte, no caso, possui contra a Fazenda Pública um crédito derivado de outra relação jurídica, com a qual solve o seu débito tributário. Essa compensação não se opera automaticamente, sendo necessária para tal, a participação da autoridade administrativa. O crédito do contribuinte deve ser reconhecido pela administração. O contribuinte, por sua decisão, 33 não pode realizar a compensação. Admite o Código Tributário Nacional que a lei do poder tributante estipule “condições” e “garantias” a serem observadas na compensação do crédito tributário, que deverão ser obedecidas. [...] O reconhecimento do crédito do sujeito passivo há de ser feito por ato administrativo. A função da administração e apenas ‘declaratória’. Assim, a extinção do crédito tributário, por compensação, não se opera ‘ipso jure’, mas, já vimos, diante de um pronunciamento da autoridade administrativa, que autoriza a compensação. “A lei pode... atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação. (MORAES, 1997, p. 453-5). Em virtude da liberdade concedida aos legisladores para dispor sobre a matéria, as leis ordinárias federais que regem a questão estabeleceram ser a compensação um direito subjetivo do contribuinte, oponível contra o Fisco, independentemente da vontade de seus agentes. Assim, a compensação é um direito potestativo do contribuinte e não uma benesse concedida graciosamente pelo Fisco, cujo exercício a ninguém prejudica nem beneficia, sendo simples encontro de contas. Verifica-se que o Código Tributário Nacional contemplou a compensação de forma ampla, entretanto, as leis que vêm sendo criadas ou alteradas acabam por restringir ao máximo o alcance do instituto, provocando grandes entraves e dificultando imensamente o deferimento de compensações legalmente previstas, conforme se verá adiante. Cumpre notar que a compensação tributária também fundamenta-se na utilidade e na equidade. A finalidade da compensação é evitar uma desnecessária operação de cobrança dos créditos, evitando-se o dispêndio de tempo e evitando-se desnecessária burocracia. A finalidade econômica (utilidade) da compensação tributária consiste em evitar a propositura de milhares de ações de repetição de indébito, na medida em que é o próprio Estado que arca com o pagamento de procuradores, juízes e demais funcionários da Justiça, em causas que se arrastam por anos a fio, além do pagamento de honorários advocatícios para os patronos dos contribuintes. Logo, 34 através da compensação, evitam-se estas despesas desnecessárias, as quais oneram ainda mais o Fisco, no pagamento das repetições, economizando tempo gasto em um processo e evitando-se a burocracia. Oportuno lembrar o Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, então Juiz Tourinho Neto, acerca da disposição e vontade do Governo, no pagamento dos seus débitos, cujas palavras ainda são oportunas: [...] o Governo é um mau pagador, senão um pagador relapso, daí não se ter como certo que os cofres públicos suportarão os ônus de uma eventual condenação. Receber do Governo é um suplício. (Apelação Cível n. 94.01.11819-1-MG, TRF Primeira Região, Rel. Juiz Tourinho Neto, julgamento 30/05/2994, DJ 16/06/1994)12 Cumpre ainda frisar que o legislador infraconstitucional introduziu o art. 170-A ao Código Tributário Nacional, através da LC n. 104/2001, cuja redação prescreve: Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. Com efeito, o contribuinte que pagou tributo indevido tem o direito de pedir à autoridade administrativa para compensar o que pagou indevidamente, pois o crédito tributário, regularmente constituído pelo lançamento, é que o contribuinte oferece para compensação. É nesse sentido o entendimento de Hugo de Brito Machado, O art. 170-A, do Código Tributário Nacional, refere-se à compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo. Pode parecer que abrange a compensação no âmbito do lançamento por homologação, porque se reporta ao ‘aproveitamento de tributo’. À luz do elemento sistêmico a ser considerado na interpretação, todavia, pode-se concluir que não é assim. Tendo-se em vista o Código Tributário Nacional, em seu conjunto, conclui-se que a compensação a que se refere o art. 170-A só pode ser a mesma a que se refere o art. 170 do Código. Em outras palavras, a compensação referida nesse dispositivo é a que se destina a extinguir crédito tributário, vale dizer, dívida de tributo já objeto de lançamento tributário e, portanto, dotada de liquidez e certeza. Efetivamente, pode o contribuinte que pagou tributo indevido pedir à 12 http://arquivo.trf1.gov.br/default.asp?processoX=9601030395 Acesso em: 02 set. 2009. 35 autoridade administrativa para considerar extinto o crédito tributário por compensação com o que pagou indevidamente. Como o crédito tributário, regularmente constituído pelo lançamento, é líquido e certo, líquido é aquele que o contribuinte oferece para compensação, consubstanciado no pagamento indevido, há de ser igualmente líquido e certo. É que a compensação em tais condições pretendida pelo sujeitopassivo extingue o crédito tributário. Daí por que, nesse caso, quando a compensação se faz com crédito tributário, não é razoável admitir-se a utilização de um crédito do contribuinte a respeito do qual exista ainda alguma pendência. Em outras palavras, não é razoável admitir-se a compensação antes do trânsito em julgado da sentença que afirma o direito à restituição. Se o contribuinte ingressou em juízo contra a cobrança do tributo, e ainda não dispõe de decisão judicial com trânsito em julgado que afirme haver sido o mesmo pago ‘indevidamente’, a autoridade administrativa está proibida, pelo art. 170-A do Código Tributário Nacional, de admitir a compensação do respectivo crédito. Essa interpretação fica mais clara quando identificamos, no contexto do art. 170-A do Código Tributário Nacional, qual é o objeto da ‘contestação judicial pelo sujeito passivo’, referida naquela norma, e qual é a decisão com trânsito em julgado, também naquela norma referida. (MACHADO, 2005, p. 500-1, v. III). Nesse aspecto, a ordem jurídica pátria não trouxe inovação, no âmbito da compensação tributaria. Seus ditames, na verdade, já defluiam da interpretação conjunta do art. 151, inciso IV13 e art. 156, inciso II, do Código Tributário Nacional14, posto que, sendo a compensação uma forma de extinção do crédito tributário, sendo este um evento definitivo, a provisoriedade da medida liminar deve ser questionada, já que é uma modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito. Cabe anotar, ainda, que o entendimento perpetrado pelo artigo 170-A já foi pacificado na jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da edição da Súmula 212 que assim dispõe: Súmula 212. A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar. A matéria foi também contemplada no novo diploma de regência do Mandado de Segurança, Lei n. 12.026/2009. 13 “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: [...] IV- a concessão de medida liminar em mandado de segurança;” 14 “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: [...] II – a compensação;” 36 É o que se extrai seu artigo 7º, parágrafo 2º da referida lei, Art. 7º. [...] § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Originária do direito civil, nesta mesma concepção foi trazida e adaptada ao direito tributário, a compensação de dívidas tem como efeito a extinção da obrigação para os co-devedores. Cumpre apontar que, no âmbito tributário, tal instituto figura como causa possível de extinção do crédito tributário. Outra diferença, que é característica da compensação, no direito tributário, é que esta decorre de autorização de lei específica, que, conforme se verá adiante, dar-se- á no âmbito de um procedimento administrativo, plenamente vinculado, enquanto que, no Direito Civil, a compensação, depende somente de ato volitivo ou previsão contratual.15 Machado esclarece que [...] é sabido que obrigação e crédito, no Direito privado, são dois aspectos da mesma relação. Não é assim, porém, no Direito Tributário brasileiro. O Código Tributário Nacional distinguiu a obrigação (art. 113) do crédito (art. 139). A obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo não é ainda determinado e o seu sujeito passivo ainda não está formalmente identificado. Por isso mesmo, a prestação respectiva ainda não é exigível. Já o crédito tributário é um segundo momento na relação de tributação. No dizer do Código Tributário Nacional, ele decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta (art. 139). Surge com o lançamento, que confere à relação tributária liquidez e certeza. (MACHADO, 2007, p. 150). Inobstante a compensação estar prevista no Código Tributário Nacional como exceção ao “pagamento” para fins de extinção de uma obrigação tributária para com o Fisco, há de se pressupor também a existência de um direito subjetivo que o contribuinte detém contra o Estado passível de ser compensado pelo encontro das 15 “[...] Conquanto atinente à teoria geral geras obrigações, é bom que se ressalte, ..., que a compensação, no específico campo tributário só se opera mediante lei que a autorize, [...] ” (CONRADO, 2003, p. 97). 37 contas, ou seja, compensação das dívidas recíprocas. Para Paulo Cesar Conrado, (2003, p 97), a compensação não é apenas um “procedimento” ratione legis, em conformidade com o artigo 170 do Código Tributário Nacional, em que dar-se-á o encontro de contas entre os devedores recíprocos (contribuinte e Fisco) para extinção das obrigações recíprocas. Há de pressupor que a compensação decorrerá de uma relação jurídica “híbrida”16 e preexistente. A relação jurídica tributária que inicia-se com a ocorrência do fato gerador da hipótese de incidência, ou seja, nascida a obrigação para o contribuinte, este tem o dever inexorável de pagar o crédito tributário ao Estado. Lado outro, a relação jurídica onde o Fisco tem a obrigação de restituir ao contribuinte. Pode-se compreender que, embora o Fisco não desembolse qualquer valor em virtude da compensação, certo é que o contribuinte vê satisfeita a pretensão de adimplemento de seu crédito perante a Fazenda, uma vez que os valores que lhe eram devidos são canalizados para o pagamento de dívida tributária perante o mesmo ente federativo. Logo, ainda que por trilha diversa, não há dúvidas de que a compensação também provoca a satisfação da dívida do Fisco. Ainda para Paulo Cesar Conrado (2003, p 108), a compensação do art. 156 do CTN não é somente forma extintiva do crédito tributário, decorre também do encontro de contas das dívidas recíprocas que se fecham numericamente até o limite no qual se compensem. Se de um lado a obrigação tributária é débito do contribuinte, noutra 16 Com efeito, se se considerar a essência da compensação (que supõe a existência de obrigações recíprocas, uma neutralizando a outra), impende convir que o fenômeno de que cuidamos não pode esgotar-se com só extinção da obrigação tributária. Usando outro falar, teríamos, então, que a compensação é fenômeno manifestamente “híbrido”, pois que supõe a inevitável preexistência de duas relações-base, em cujo bojo a posição dos sujeitos encontrar-se-ão invertidas, uma tendência a fulminar a outra. Pois é exatamente isso que faz a compensação tributária uma modalidade extintiva das obrigações tributárias completamente diferentes das demais anunciadas pelo art. 156 do Código Tributário Nacional: nela, compensação, o direito subjetivo do Fisco (crédito tributário) e o dever jurídico do contribuinte (débito tributário) desaparecem (desaparecendo, via de consequência, a própria obrigação tributária) porque anulados pela existência de um débito do Fisco e de um correspondente crédito do contribuinte. Diferentemente do que sugere o art. 156 do Código Tributário Nacional, portanto, a compensação não pode ser encarada como forma de extinção da obrigação tributária, sendo dotada, em rigor, de potência que se volta contra um’outra relação jurídica, a ‘relação de débito do Fisco’. (Paulo Cesar Conrado, in Compensação Tributária e Suspensão da Exigibilidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n 94, p. 106. idem CONRADO, 2003, p. 108). 38 ponta o direito do contribuinte é oponível à Fazenda, por ser um “débito do Fisco”. Muito mais do que extinguir o crédito tributário, a compensação
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