Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Resumo para AV1 – Ciência Política Capítulo 1 – Sociedade Política e Origem do Estado A Política e as relações de poder Para alguns, seguindo a linha do grande filósofo da Antiguidade grega, Aristóteles (século IV a. C), a Política não visa apenas possibilitar um modo de vida qualquer (em uma perspectiva mais genérica), ou a troca econômica, ou a segurança, mas sim promover a vida em uma perspectiva específica, ou seja, a denominada “vida boa”. Nessa via, a polis (a cidade) não seria uma associação de residentes de um mesmo lugar que teria por fim evitar injustiças mútuas e facilitar as trocas. Sua finalidade precípua seria viabilizar a “vida boa” (uma vida harmoniosa, na qual os objetivos que justificam a existência de uma vida são: ser feliz e ser útil à comunidade), sendo que as instituições da vida social são os meios para este fim. “Politicagem” - termo que expressa uma forma de agir (corrompida) tem por propósito último atender a interesses pessoais ou trocar favores particulares em benefício próprio. A Política pode ser entendida como tudo aquilo que diz respeito à relação entre os cidadãos (como membros de um corpo social) com seus governantes, quando essa (relação) tem por fundamento um tema do interesse do corpo social (os negócios públicos). Vê-se, então, que Política é algo que se faz em conjunto, ou seja, um indivíduo sozinho em uma ilha não poderá estar envolvido em uma atividade Política, pois ele não teria com quem interagir, e a Política pressupõe esta “interação”. Assim, quando se cumpre (regularmente) o rito procedimental, a decisão política ganha a chancela do direito e passa esta decisão a ter a proteção do Estado, instituição que estudaremos de maneira bastante detalhada. Por isso, deverá ela ser respeitada por todos os membros do corpo social, sob pena de os desobedientes sofrerem as sanções previstas (na lei), aplicadas pelo próprio Estado. A relação entre política e poder Poder consiste na habilidade de os indivíduos ou grupos fazerem valer os próprios interesses ou as próprias preocupações, mesmo diante da resistência de outras pessoas. Às vezes, essa postura envolve o emprego direto da força, como no caso em que autoridades se utilizam da violência para fazer valer o que almejam. “Poder legítimo”: é aquele exercido sob o consentimento daqueles que a ele se submetem. Quando o poder é empregado legitimamente, ou seja, sob o consentimento daqueles a quem cumpre seguir as prescrições estabelecidas, denominamos esse poder de “autoridade”. A ciência política e seu objeto de estudo A Ciência política é uma área do saber dedicada ao estudo dos fenômenos políticos que possibilitam o funcionamento dessas comunidades e a convivência entre os seus membros. É importante que se ressalte que esses fenômenos são passíveis de serem estudados em todas as organizações sociais, sejam elas empresas, sindicatos, igrejas etc. Ela tem a pretensão de estudar e analisar a Política, as estruturas e os processos de governo, utilizando-se de uma abordagem científica, mais precisamente uma abordagem empírica. Esta “cientificidade” é determinante para separá-la da Filosofia política, que se propõe a uma visão de viés especulativo, típica de qualquer área de produção do conhecimento filosófico Alguns acreditam ser impossível uma teoria autenticamente científica no âmbito da Política. Citam como determinantes para embasar essa visão os seguintes motivos: 1. As ações humanas são imprevisíveis, em razão da natureza do comportamento humano, tanto individualmente quanto em grupos; 2. As situações Políticas são demasiado complexas para que alguma análise científica seja capaz de descobrir, e principalmente de medir, todas as variáveis envolvidas no processo e; 3. Como já foi dito, para alguns doutrinadores seria impossível desvincular o observador do peculiar filtro cultural e subjetivo com que analisa o fenômeno político, refletindo-se isso na produção do seu conhecimento. O papel do discurso na construção da vontade coletiva Todo discurso é um discurso de poder, na medida em que todos eles pretendem impor verdades a respeito de um tema específico – seja no âmbito da ciência, da moral, da ética, do comportamento etc. Neste sentido, por muito maior razão é possível reforçar esta visão no discurso político, pois é próprio do discurso político evidenciar sua luta pelo poder. Ele se caracteriza pela construção discursiva que busca o convencimento de um determinado grupo em assuntos de interesse coletivo e vem sendo considerado um pré-requisito de grande importância para o exercício de uma vida política plena. O discurso político tem por característica expressar ideias de forma argumentativa e persuasiva. É de se notar, então, que o discurso político concede visibilidade para o exercício da cidadania, no qual o cidadão procura impor ideias, valores e projetos, recorrendo à força que possuem as palavras. Dá-se a gênese a um verdadeiro processo de sedução em que se se utilizam recursos estéticos (construções metafóricas, imagens, jogos linguísticos etc.). Valendo-se da persuasão e da eloquência, tem por pretensão influenciar decisões que se projetam para o futuro. Persuasão é uma estratégia de comunicação que consiste em utilizar recursos lógico-racionais ou simbólicos de forma a induzir alguém a aceitar uma ideia, uma atitude, ou mesmo realizar uma ação. O discurso político tem por finalidade persuadir o outro, de maneira a fazer com que a opinião de quem discursa se imponha, mesmo que o propósito buscado seja tão somente o de obter a aprovação e admiração da plateia. Assim, para que este objetivo seja atingido, é necessário que a argumentação envolva não somente raciocínio, mas também eloquência, de forma a seduzir, recorrendo também a afetos e sentimentos. As componentes do discurso político Quando nos defrontamos com os conceitos de “convicção” e “persuasão”, retornamos à velha tensão entre dois tipos de argumentação: o logos e o pathos. O primeiro tipo (convicção) pertence ao puro raciocínio e funda-se sobre as faculdades intelectuais, estando voltado para o estabelecimento de verdade. Neste caso, obtém-se a persuasão através de argumentos que levam o auditório a acreditar que a perspectiva do orador é correta. Imaginemos, por exemplo, que estejamos diante de um debatedor cujas linhas argumentativas sejam tão convincentes que nos rendemos aos seus motivos e razões. O segundo tipo pertence aos sentimentos (hoje em dia, diríamos “ao afeto”) e funda-se sobre os deslocamentos emocionais, estando voltado para o auditório. Assim, aquele que discursa deverá ser capaz de produzir um discurso que empolgue e impressione os ouvintes, que mobilize seus sentimentos e emoções (alegria, tristeza, orgulho, desejo etc.). Observemos que, neste caso, não é a força dos argumentos, mas a maneira como são transmitidos, buscando- se arrebatar a plateia pela emoção. Aos dois tipos logos, de um lado, e pathos, de outro, é preciso acrescentar um terceiro, o ethos. Este é um tipo de argumentação em que o discurso do orador põe em destaque as virtudes do seu caráter. A persuasão é obtida quando o discurso é proferido de maneira a deixar no auditório a impressão de que o caráter do orador concede dignidade, confiança e credibilidade. Imaginemos que estamos diante de um grande conhecedor de uma determinada temática: neste caso, é a própria pessoa do orador (com sua reputação) que concede ao seu discurso grande credibilidade. A capacidade do discurso político de atingir seus objetivos depende da habilidadedo sujeito em equilibrar com maior destreza as três formas de argumentos (logos, ethos e pathos). Capítulo 2 – Principais linhas teóricas sobre a origem do Estado As teorias naturalistas Para os naturalistas, a cidade precede a família e até mesmo o indivíduo, tendo em vista que responde a um impulso social natural do ser humano. A cidade (polis) é o fim (telos) e a causa final da associação humana, segundo afirmou Aristóteles em uma de suas obras políticas mais relevantes (Ética a Nicômaco). O precursor e, certamente, o mais importante nome dentre os que defendem a teoria naturalista é Aristóteles. Afirma o grande filósofo grego que “o homem é por natureza um animal social”, ou seja, é a sua natureza que o leva à política. Assim, em Aristóteles, o que nós estamos denominando por Estado é uma instituição natural, necessária e que decorre da natureza humana. É, também nesta via, uma consequência de movimentos naturais de coordenação e harmonia, sendo que suas finalidades seriam: segurança da vida social, regulamentação da convivência entre os homens e promoção do bem-estar coletivo. A ideia de sociabilidade natural em Aristóteles é tão marcante, que entende ele que a escolha pessoal pela vida reclusa e sem contato com outros homens somente seria possível para dois tipos (extremos) de ser humano: a) ou por aquele caracterizado pela vileza, pela barbárie e ignorância total diante dos fatos da vida; b) ou – no outro extremo – por aquele caracterizado pela pureza do ser, pelo desapego incondicional, em um estado de quase santidade ou divindade. Como sabemos, estes dois tipos ideais não existem. Aristóteles influenciou fortemente a maneira de pensar de importantes pensadores como, por exemplo, Santo Tomás de Aquino. As linhas contratualistas O Contrato hobbesiano Enquanto a paixão pela glória e a vaidade levam à guerra, a paixão pela conservação da vida faz com que o homem procure a paz com seus semelhantes. Embora naturalmente egoísta e mau, o homem é também racional. Não um tipo qualquer de racionalidade, mas sim um tipo de racionalidade calculadora, consequencialista, na qual se mede a relação custo/benefício para se atingir um determinado fim. Em Hobbes, a lei natural é a grande fonte inspiradora para que os homens busquem um contrato fundador não apenas da sociedade civil, mas também do Estado. Por meio deste contrato os homens acordam renunciar reciprocamente aos seus direitos naturais sobre todas as coisas, entregando seu poder a um soberano. Como se pode observar, o Estado seria, então, a encarnação de um indivíduo (ou assembleia) que exerceria o poder político. Nesta linha, o poder político é criação humana, constituindo uma pessoa artificial (o Leviatã). A ordem política é uma construção artificial, fruto da racionalidade calculadora do homem. Uma das características mais importantes do contrato hobbesiano é o fato de ser redigido e assinado por todos em proveito de um terceiro. Com isso, queremos dizer duas coisas importantes: a) que se trata de uma delegação de poder expressa por cada um daqueles que formarão o corpo social, a fim de que, cada um, abdicando de seu direito de se autogovernar, autorize o soberano a governa-lo, sempre na condição de que os demais contratantes façam o mesmo; b) que o governante escolhido não é signatário do acordo, mas a pessoa que receberá a delegação para o exercício do poder delegado. De toda forma, é de observar que a soberania do Estado é absoluta porque é resultado da renúncia de direitos ilimitados do indivíduo em favor do governante. Por isso, nenhum dos sujeitos (participantes do acordo) estará autorizado a censurar qualquer ação do Estado, porque cada um autorizou previamente essa ação, reconhecendo-a como sua. A finalidade do estado em Hobbes Assim, o Estado, em Hobbes, tem tripla finalidade: 1. Representar os cidadãos, pois, personificando aqueles que a ele (Estado) livremente delegaram todos os seus direitos e poderes, encontra legitimada a submissão de todos à sua autoridade soberana; 2. Assegurar a ordem, ou seja, garantir a segurança de todos, monopolizando o uso da força estatal; 3. Ser a única fonte da lei, porque a soberania, sendo absoluta, dita o que é justo e o que é injusto. A possibilidade da queda do soberano e o surgimento de um novo Contrato Por último, não podemos deixar de ressaltar que este dever de obediência a que se refere Hobbes não é eterno ou insuperável. O dever de obediência termina quando uma ameaça pesa sobre a vida (principalmente) ou mesmo sobre a liberdade. A incapacidade do soberano de manter a ordem, a segurança e, consequentemente a vida, geraria o direito de cada um (individualmente) utilizar-se de seus meios privados de defesa aos seus direitos naturais, o que transportaria o indivíduo de volta ao estado de natureza. Ora, seguindo as linhas até aqui desenvolvidas, isso desencadearia novos conflitos, mas novamente a racionalidade levaria a um novo pacto e à escolha de um novo soberano, levando em consequência a uma nova associação estatal. Locke e a fundamentação do Estado liberal O Estado de natureza em Locke Ao ordenar que cada um conserve a sua própria vida, mas que também não lese a dos outros, a lei natural pressupõe um estado de natureza na qual, diferentemente do estado de natureza hobbesiano, a violência não é a regra. Pelo contrário, a paz é a regra e a guerra a exceção que quebra a harmonia da relação homem natureza e cujos responsáveis são as paixões e o dinheiro. Por isso, podemos afirmar que em Locke o estado de natureza não é um estado de luta, mas um estado de cooperação fundado sob o signo da racionalidade humana. Destes pressupostos, podemos extrair um dos pontos basilares da teoria lockeana; em estado de natureza os homens possuem direitos inatos à vida, à propriedade e à liberdade, bem como a faculdade de castigar qualquer ofensa. Essa concepção que tanto destaque deu à liberdade e à propriedade fundamentará as bases do chamado Estado liberal e encontra em Locke um dos principais teóricos. O contrato, a origem do poder político: realização do direito natural Para Locke, como a fraqueza humana levaria a comportamentos contra natura e a lei não-escrita (lei natural) está sujeita a contestação, os homens decidiram cindir a sua comunidade em sociedades civis particulares, a fim de salvaguardar os seus direitos naturais (à felicidade, à liberdade, à igualdade, à propriedade). Ou seja, o que realmente se almeja com a criação do estado civil (político) por meio de um contrato social é, no fundo, obter maior garantia e respeito aos direitos naturais, aperfeiçoando o sistema de sanção aos que os violassem. O contrato em John Locke tem sua origem apenas no conjunto dos indivíduos que preferiram a vida civil à condição natural, aceitando abrir mão do seu direito natural de fazer justiça pelas próprias mãos, para confiar tal direito a uma organização estatal (estado civil). Porém, um dado de suma importância no contrato imaginado por Locke é que, contrariamente ao indicado em Hobbes, ao entrar na sociedade civil, o indivíduo não aliena todos os seus direitos, pois, ao confiar o cuidado da sua salvaguarda às leis, cede tão somente o seu direito de punir. O direito a resistência Percebe-se que a hipótese de transgressão dos direitos naturais (direitos à vida, à liberdade e à propriedade), segundo Locke, acaba por justificar o direito de insurreição por parte do corpo social. É que, segundo ele, o povo tem discernimento para julgar se os magistrados são dignos da confiançaatribuída, e, consequentemente, possui o direito de exonerar um príncipe se ele não cumprir sua função de magistrado civil. Nesta linha, a chamada tirania caracteriza-se por uma situação na qual o soberano, contrariando o poder supremo por ele representado, desrespeita a lei, “pois que não devem os membros (do corpo político) obediência senão à vontade pública da sociedade”. Como se vê, além dos direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade, outro se extrai da própria racionalidade do processo político: o direito de resistir à tirania. Um governo que não esteja habilitado a garantir a vida, a liberdade e a propriedade do povo é ilegítimo, configurando-se, neste caso, a legitimidade da rebelião. Em circunstâncias como esta, a comunidade política como um todo poderia vir a ser dissolvida e uma nova poderia ser formada. O primado da lei no estado. Organização e limites do poder político Na sua formulação de Estado, é possível vislumbrar o estudo mais consequente de uma das características essenciais do chamado Estado de Direito: a separação dos poderes. Existe na teoria política lockeana uma concepção na qual o Executivo e o Legislativo devem ter suas atribuições separadas para a constituição de um povo livre, pois este último (legislativo), como “poder supremo do Estado”, teria o condão de emanar da vontade do povo. Rousseu e a fundamentação do Estado democrático-plebiscitário O estado de natureza em Rousseu No estado de natureza, não existiriam agregações sociais, nem mesmo família. Aqui estaria inserido o mito da famosa “bondade natural do homem” no estado de natureza e cabe uma explicação. A afirmação “o homem é naturalmente bom” pode ser mais bem explicada no sentido de não existir perversidade original no coração humano. O homem em sociedade: a corrupção do estado natural Porém, segundo Rousseau, não foi possível manter-se neste estado de felicidade e a formação de grupos sociais acaba por corromper o homem. Os obstáculos exteriores (as alterações climáticas, por exemplo) que arrancaram o homem primitivo de sua independência e ociosidade felizes. Em um contexto de dificuldades, o homem confronta-se com a necessidade do trabalho, condição para sua sobrevivência. Tem então de usar a força, produzir armas, além de ter de conservar a memória das suas descobertas. Ao tomar consciência da sua dimensão temporal, entra na história. É este estágio que Rousseau entende que estariam sendo formadas as sociedades. Porém, ao iniciar a vida em grupo, os homens começam a comparar-se entre si, e estas comparações desenvolvem a sua faculdade de raciocínio. Surge, então, outro ponto importante da reflexão política e filosófica de Rousseau, o de saber como a desigualdade se originou. Antes, porém, é importante notar que Rousseau distingue uma dupla desigualdade: a) a natural ou física, que resulta da diferença de idade, saúde, vigor, habilidades físicas, aptidões intelectuais etc., e b) a desigualdade moral ou política, que é de instituição humana. Se por um lado Rousseau sempre admitiu como inevitável a primeira, entende ele ser a segunda um problema, pois é geradora da exploração do homem pelo homem. Daí ele afirmar que aquele que, cercando um terreno, por primeiro teve a ideia de dizer “isto é meu”, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Começava aí a mais assustadora desordem, pois os homens tornaram-se avaros, ambiciosos e maus. A sociedade nascente daria lugar ao mais terrível estado de guerra. Mas aos ricos não interessava um quadro de desordem como este, pois eram eles os que mais tinham a perder. Propuseram, então, instituir ordenamentos de justiça e de paz, nascendo, assim, a sociedade e as leis. Nestes moldes, segundo Rousseau, teriam elas proporcionado novos grilhões aos mais pobres e novas forças aos mais ricos, destruindo irrevogavelmente a liberdade natural. Para a vantagem de alguns ambiciosos, todo o gênero humano estaria condenado ao trabalho, à servidão e à miséria. Como se vê, a guerra permanente, a insegurança generalizada, fruto da apropriação abusiva dos bens, exigiriam uma ordem política que concederia fundamento jurídico à propriedade, institucionalizando, por isso, a desigualdade. O raciocínio que teria dado origem a esta socialização é aquele que entende que é preferível uma ordem injusta à anarquia. Os homens teriam celebrado um pacto, em que aceitam renunciar à sua liberdade em favor de um soberano que, em troca da sua obediência, garante a segurança das pessoas e dos bens. Contudo, é um pacto iníquo e contranatura porque, ao abdicar da sua liberdade, o homem fica despojado da sua própria humanidade e cai na dependência absoluta de um senhor. É uma impostura, porque consolida os privilégios do rico em troca de uma falsa segurança para aquele que, nada possuindo, não é ameaçado nas suas posses. Este verdadeiro mau negócio consumaria, assim, a nefasta socialização, ao fundar uma sociedade injusta. O contrato social e o governo do povo soberano pelas leis Rousseu propõe conciliar a liberdade natural do homem e a necessidade de uma ordem política, definindo as condições de uma ordem social justa, nas quais a liberdade e a igualdade sejam salvaguardadas de qualquer forma de opressão, guiando-se por regras comuns imprescindíveis. Isto deverá se dar por intermédio de um pacto, ou como denomina Rousseau, um “contrato social”. Este contrato é ato convencional, absolutamente pioneiro e inaugural, que tem por pressuposto estabelecer uma comunidade política fundamentada na soberania do povo, única fonte legítima do poder. Nesta concepção contratualista, o povo, como livre associação de indivíduos de uma multidão dispersa, constitui um corpo coletivo e moral detentor da autoridade suprema. Rousseau entende que da renúncia de cada um à sua vontade particular nasce a vontade geral, que é nada mais nada menos do que a vontade do corpo social unido por um interesse comum. É precisamente no exercício desta vontade geral que reside a soberania do povo. Cada membro do povo é concomitantemente cidadão, na medida em que participa da autoridade soberana; e súdito, tendo em vista estar submetido às regras que ele próprio produziu na condição de cidadão soberano. Para Rousseau, este é o sentido da autonomia (uma autonomia pública): cada um obedece apenas a si próprio ao obedecer a todos. A vontade geral manifesta-se somente quando presentes as suas duas perspectivas: a) subjetiva, ou seja, como vontade da maioria dos indivíduos associados (não é necessário que haja unanimidade) e b) objetiva, se a temática objeto da vontade expressa é do interesse de toda a cidadania, ou seja, se configura interesse da coletividade em geral. Assim, a manifestação do povo somente pode ser considerada vontade geral quando, ao mesmo tempo, é expressão da maioria (a), em tema cuja discussão na arena pública envolva temática do interesse da cidadania (b). O resultado da deliberação popular é a lei, expressão imperativa e universal da vontade geral. Assim, o contrato social permite passar da dependência dos homens para a dependência das leis. Capítulo 3 – Os Elementos Essenciais do Estado Faltando qualquer um dos elementos considerados essenciais do Estado, este não poderá mais ser assim considerado. O povo, o território e a soberania (una e indivisível). Estes são elementos que coexistem e, conjuntamente, materializam a existência do Estado, sendo lícito afirmar que, quando se fala em Estado Moderno, avoca-se a coexistência desses três elementos essenciais e suficientes, que concedem concretudeao conceito. Para alguns autores, existe um quarto elemento: a finalidade. Para estes, o Estado deve ter uma finalidade peculiar, que justifique sua existência. Para Hobbes a finalidade seria garantir a vida, a ordem e segurança; em Locke, proteger a vida, a liberdade e a propriedade; e em Rousseau, a finalidade seria garantir a autonomia coletiva dos cidadãos. A noção de soberania cristaliza-se, historicamente, como única fonte do exercício do poder político, isto é, um poder uno e indivisível, que é juridicamente incontrastável. Em outros termos, é possível afirmar que o conceito de soberania una e indivisível, com base na capacidade de estabelecer uma única ordem jurídica válida para todos, afastou a concepção de poder fragmentado, típica do período Medieval. No período medieval não temos essa centralidade no exercício do poder. Essa disputa de poder evidenciava-se de forma mais aguda na disputa entre o poder temporal (do Imperador) e o poder eclesiástico (do Papa) pela supremacia política. É por este motivo, então, que, durante o período do feudalismo, não se pode ainda falar em Estado Nacional, em sua acepção mais própria. Somente após a celebração da citada Paz de Vestfália, de 1648, é que nasce o Estado Moderno, que pouco a pouco vai centralizando o poder nas mãos do monarca. Com isso vê-se que o Estado Moderno reveste-se, inicialmente, da roupagem absolutista. Podemos concluir que é com base no pactuado em Vestfália que se cria um Direito Internacional propriamente dito, como o concebemos hoje, aplicável às relações entre nações estrangeiras, em que, ao menos teoricamente, é reconhecido o princípio da igualdade jurídica dos Estados, segundo o qual a lógica de relacionamento interestatal é o respeito mútuo, consolidado na impenetrabilidade da ordem jurídica nacional. Em um esforço sintético, podemos dizer que o modelo westphaliano de Estado simboliza, a um só tempo: 1. A passagem do Estado Medieval para o Estado Absoluto; 2. A criação do Direito Internacional Público, tal qual é concebido nos dias atuais; 3. O nascimento do Estado Nacional propriamente dito, formado a partir da coexistência dos seus três grandes elementos essenciais (povo, território e soberania una e indivisível). Capítulo 4 – Território: a Delimitação Espacial do Poder O território, juntamente com o povo, perfaz o elemento material do Estado. Isso significa dizer que o território é componente material da estrutura do Estado, indispensável à sua existência, pois é a base geográfica do poder estatal, a base física sobre a qual o Estado irá exercer sua jurisdição soberana. É nesse sentido que a ideia de território fixa a jurisdição do Estado, aqui compreendida como os limites dentro dos quais se exerce a soberania do Estado. Território é “a parte do globo terrestre na qual se acha efetivamente fixado o elemento populacional, com exclusão da soberania de qualquer outro Estado”. Território e seu caráter multidimensional O conceito de território não precisa ser contínuo, isto é, a base física dentro da qual se exerce a soberania estatal pode ou não ser contínua, englobando os espaços geográficos destacáveis da superfície terrestre principal do Estado. Por isso, quando falamos de “jurisdição territorial do Estado” estamos nos referindo à ideia de impenetrabilidade de qualquer outra ordem jurí- dica (de outros Estados) que não seja a sua própria, sobre toda a base física - contínua ou não -, levando em conta do ponto de vista espacial as três dimensões: terrestre, marítima e aérea. Neste espaço, somente ele pode exercer soberania. O território e o poder de império do Estado Outro ponto relevante: há que se reconhecer que a perda temporária do território não o desqualifica como elemento essencial, ou seja, o Estado continuará a existir enquanto não se caracterizar que esta perda foi definitiva, sem possibilidade de reintegração do território perdido. Nesse caso, ficando evidenciada a perda definitiva, segundo o percurso teórico por nós seguido, não existiria Estado, pois ausente sua base territorial. O mesmo raciocínio deve valer para perdas parciais de território, seja por alienação, seja por outro motivo qualquer. Território é patrimônio do povo e não propriedade do Estado. Porém, há de se ter cuidado com a extensão a ser dada a esta formulação teórica, pois havendo interesse desse último (Estado), o território pode até ser alienado parcialmente, ou mesmo, em circunstâncias excepcionais de crise (Estado de Defesa ou de Sítio) ser usado com imposição de limites aos direitos de particulares sobre porções determinadas. Teorias acerca da natureza jurídica do território: Teoria do território-patrimônio – Por esta teoria, o território é considerado propriedade do Estado; Teoria do território-objeto – segundo esta teoria, o Estado exerce um direito real de caráter público, chamado domínio eminente sobre o território. Esse direito estatal (dimensão positiva), no entanto, coexistiria com o chamado domínio útil, exercido pelo cidadão (dimensão negativa). Teoria do território-espaço – Esta terceira teoria vislumbra que o poder que o Estado exerce sobre o território é um poder exercido sobre pessoas, ou seja, um poder de imperium, de comandar pessoas. Teoria do território-competência – Finalmente, a teoria do território-competência, concebida pela Escola de Viena, vislumbra o território como elemento determinante da validez da norma jurídica, isto é, o território é o âmbito espacial de validade da ordem jurídica estatal, com exclusão dos outros. Sintetizando, é no território do Estado que se podem aplicar as leis por ele produzidas. De tudo se vê, portanto, que essa última teoria é a que mais se aproxima do conceito de território nos dias atuais. Ou seja, com base na monopolização da feitura da lei nas mãos de um único centro de poder normativo, a teoria do território-competência faz a associação direta entre o princípio da impenetrabilidade da ordem jurídica e a visão do território como base geográfica do poder do Estado. O conceito atual do elemento “território” São as seguintes as áreas do território marítimo estatal: a) Mar Territorial (MT); b) Zona Contígua (ZC); c) Zona Econômica Exclusiva (ZEE); d) Plataforma Continental (PC). Somente o Mar Territorial pode ser considerado parte do território, na medida em que somente nele o Estado Costeiro tem soberania plena. Mar Territorial – O primeiro grande componente do território marítimo estatal é o Mar Territorial (MT), aqui compreendido como a faixa de mar de 12 (doze) milhas marítimas (uma milha marítima tem 1.852 metros) que se entende a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular. Ou seja, a partir desta linha, temos um pouco mais de 22 km de território marítimo onde o Brasil mantém sua soberana autoridade. Dentro dos limites do Mar Territorial, o Estado exerce soberania plena sobre a massa líquida, sobre o espaço aéreo sobrejacente, bem como também sobre o leito e o subsolo deste mar. Os navios estrangeiros no Mar Territorial brasileiro estarão sujeitos aos regulamentos estabelecidos pela lei brasileira. Zona Contígua (ZC) – O segundo grande componente do território marítimo estatal é a Zona Contígua, que se estende de 12 a 24 milhas marítimas. Ou seja, a Zona Contígua inicia logo após o Mar Territorial (12 milhas) e vai até o limite máximo de 24 milhas. Na Zona Contígua, o Estado costeiro não tem soberania plena, mas apenas capacidade de controle relativo dessa área de 12 milhas marítimas, após o Mar Territorial.Para usar de maior clareza, podemos afirmar que na Zona Contígua o Estado poderá adotar as medidas de fiscalização necessárias para: a) evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no seu território ou no seu mar territorial; e b) reprimir as infrações às leis e aos regulamentos no seu território ou no seu mar territorial. Zona Econômica Exclusiva (ZEE) – O terceiro componente do território marítimo estatal é a chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), faixa adjacente ao mar territorial até o limite de 200 milhas marítimas, na qual o Estado costeiro exerce direitos específicos para fins econômicos. Com efeito, na ZEE, o Estado também não tem soberania na sua máxima amplitude, mas apenas direitos para a exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos. Plataforma Continental (PC) – Finalmente, o quarto e último componente do território marítimo estatal é a Plataforma Continental (Continental Shelf). Dentro dos limites da Plataforma Continental, a soberania é limitada ao exercício de direitos para efeitos de exploração dos recursos naturais. De acordo com as normas internacionais, a Plataforma Continental significa, geograficamente, a parte do leito do mar com declive suave (não exceder 200 metros de profundidade), que acaba exatamente quando iniciam as inclinações abruptas que conduzem aos fundos marinhos. Pela Convenção de Montego Bay (1982), o limite exterior da Plataforma Continental coincidirá com o limite da ZEE (200 milhas náuticas). A pergunta que surge, então, é: para que demarcar uma região específica que cumpriria os mesmos objetivos da ZEE? É que os limites entre a ZEE e a PC coincidirão somente se as inclinações abruptas ocorrerem nos limites das 200 milhas. Se as inclinações abruptas que conduzem aos fundos marinhos estiverem mais distantes ainda, ou seja, ultrapassarem as 200 milhas da ZEE, a norma internacional reconhece ao Estado costeiro o direito de estender os limites da sua Plataforma Continental até o limite máximo de 350 milhas náuticas. Trata-se do que denominamos “Plataforma Continental estendida. ” Portanto, observe com atenção que a Plataforma Continental estendida é a faixa de mar que se encontra entre 200 e 350 milhas do litoral. A dimensão exata da Plataforma Continental estendida depende de um levantamento físico feito pelo Estado costeiro. Ressalte-se que parte da exploração das reservas de hidrocarbonetos da camada do "pré-sal" encontra-se na Plataforma Continental Estendida. Assim, se o Brasil não tivesse feito o levantamento dessa área, não seria possível realizar sua exploração econômica. Capítulo 5 – Povo: Traços Característicos e Distintivos O conceito de povo em seu sentido jurídico-político O conceito jurídico-político de povo está relacionado ao vínculo da nacionalidade entre a pessoa e o Estado. Entende-se por “povo” o conjunto de indivíduos que em um dado momento se unem para constituir o Estado, estabelecendo, assim, um vínculo jurídico de caráter permanente. É deste vínculo que surge o que denominamos “nacionalidade”, que é um atributo que capacita esses indivíduos a se tornarem cidadãos e, com este status, participarem da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. Vejam que o “povo” será sempre o elemento humano do Estado e, na verdade, a razão de ser deste. Assim, é ele o elemento essencial que possibilita que o Estado seja um ente dotado de vontade. Quanto mais respeitada a vontade daqueles que constituem o elemento essencial material humano do Estado, maior é o reconhecimento de se estar diante de um Estado Democrático de Direito. A diferenciação entre os conceitos de povo e população O conceito de povo, considerado sob o aspecto puramente jurídico- político, é o elemento humano do Estado, sendo, portanto, um conceito mais restrito que o de população. População pode ser conceituada como mera expressão numérica, demográfica ou econômica, que abrange o conjunto das pessoas que vivam no território de um Estado ou mesmo que se encontrem nele temporariamente. Portanto, a nacionalidade é a condição básica para o exercício da cidadania, vale dizer todo cidadão é nacional, mas nem todo nacional é cidadão. Aos estrangeiros, componentes da população, não é dada a faculdade de participar da vida política do País, seja votando, seja sendo votado. Os estrangeiros não se incluem na categoria de integrantes do povo porque, não sendo nacionais do país, não possuem o indispensável vínculo jurídico-político direto com o Estado. Imaginemos um brasileiro que saia para estudar nos Estados Unidos. No período em que estiver residindo naquele país não fará parte da população brasileira, muito embora seja membro do que denominamos “povo” brasileiro e, por isso, cidadão brasileiro. Porém, para os Estados Unidos, embora possa ele ser considerado parte integrante da população americana, não é um cidadão americano (não faz parte do povo dos EUA), pois não está habilitado a participar da formação da vontade política do Estado norte-americano. O conceito de “nação” a partir da análise de “povo” Outra diferenciação importante a ser feita é a comparação entre os conceitos de nação e povo, que também não se confundem. O termo “Nação” refere-se a uma coletividade real que se sente unida pela origem comum, pelos laços linguísticos, culturais ou espirituais, por interesses, ideais e aspirações comuns. Por isso, a ideia de identidade e pertença que compartilham os membros de uma nação os leva a desenvolver a consciência deste laço, fortalecido por um sentimento de elevado apego emocional. Nação pode ser entendida como grupo constituído por pessoas que, não necessitando ocupar um mesmo espaço físico, compartilham dos mesmos valores axiológicos e são movidos pela vontade de comungar um mesmo destino. Como dissemos, existem diversos elementos que são importantes para configurar uma “nação” (religião, língua, cultura etc.). Outro aspecto importante é que o conceito de nação, diferentemente do conceito de Estado, não tem no território um elemento essencial. Vários são os exemplos pelo mundo em que povos que se reconhecem como parte de uma nação não possuem território próprio. Como exemplo podemos citar, entre muitos outros, os curdos (espalhados em partes do Irã, do Iraque, da Síria e da Turquia), os bascos (norte da Espanha e sul da França), os caxemires (entre Índia, Paquistão e China). Ou seja, elementos de uma mesma nação podem estar vivendo em Estados diferentes. Neste caso, embora entendam fazer parte da mesma nação, fazem parte, sob a perspectiva aqui analisada, de diferentes povos. Soberania: o império estatal e sua base de sustentação O conceito de soberania acaba por expressar uma específica situação de quem comanda, ou seja, a plenitude da capacidade de direito em relação aos demais poderes dentro do Estado. Por outro lado, a soberania também pode significar, sob uma perspectiva externa, o atributo que possui o Estado Nacional de não ser submetido às vontades estatais estrangeiras, já que situado em posição de igualdade para com elas. Nessa linha, a soberania consiste na capacidade de subsistência por si da ordem jurídica estadual, não dependente quanto à sua validade, de qualquer outra ordem jurídica. Somente o Estado é dotado de soberania, pois é ela que o distingue de todasas outras comunidades ou pessoas coletivas de direito interno que, no limite, podem tão somente ser dotadas de autonomia (é o caso de cada um dos Estados da Federação).
Compartilhar