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Aluna: Gabriela Santana de Oliveira RESENHA CRÍTICA - TOY STORY - UM MUNDO DE AVENTURAS Data de lançamento: 22 de dezembro de 1995 (1h 17min) Direção: John Lasseter Elenco: Tim Allen, Don Rickles, Jim Varney mais Gêneros: Animação, Comédia , Família Nacionalidade: EUA Toy Story é considerado o primeiro longa-metragem de animação computadorizada da história. O filme brasileiro Cassiopéia (1996) requer este título, alegando incoerências técnicas na produção do primeiro longa da Pixar. Incoerências que seriam inexistentes no pioneiro da animação digital brasileira. Entretanto, é fato que as aventuras de Woody e Buzz Lightyear chegaram ao cinema alguns meses antes do lançamento do filme do diretor Clóvis Vieira. Então, por ser o primeiro de um gênero, Toy Stoy levanta uma série de questões que merecem relevância. Porém, uma única cena já bastaria para que um debate intenso sobre a condição humana fosse empreendido no contexto do filme. Na casa do inimigo Sid, temendo por suas vidas, Woody e Buzz intentam fuga. O guerreiro interestelar, crente em ser um combatente cósmico contra as desumanidades do malvado Imperador Zurg, este o articulador de uma ameaça letal contra todo o universo, tenta voar. Sim, ele se comunica com o Comando Estelar, está em missão por toda a galáxia e tem super poderes ciborgues advindos de uma parafernália que o veste como segunda pele, com armas de raios, sensores, capacete pressurizado e asas aptas a voos supersônicos. Na casa de Andy, quando de sua chegada triunfal como brinquedo recém presenteado ao menino, Buzz Ligthyear oferta uma mostra de sua condição sobre humana de super-herói. Por mais que um Woody prolífico em ciúmes tente ridicularizá-lo, há uma gota de advertência em cada senão feito pelo brinquedo mais experiente. O caubói afirma o que somente todos ali são: simples brinquedos, nada mais. Todavia, Lightyear se nega a acreditar, porque, para ele, sua condição é de guerreiro interplanetário salvador das galáxias. E no começo do filme, em uma acrobacia que conta com boa sorte e acaso, Buzz consegue voar para espantos de todos os demais brinquedos. Porém Buzz e Woody se perdem e caem nas mãos do terrível Sid. É hora da fuga. E o boneco astronauta se vê diante de seu duplo fantasmagórico como propaganda. Lightyear é surpreendido com um comercial de televisão que lhe diz o que ele não quisera ouvir: ele é um boneco, que não voa de verdade, made in Taiwan e multiplicado aos milhares, vendido nas melhores lojas do ramo, como a Al’s Toy Barn. Que horror, que desilusão! Mas ele não crê, afinal, ele é Buzz Lightyear, vai voar em busca de se conectar com o Comando Estelar e deixar para trás aquele solo estranho e aterrorizante do planeta Terra. Ele entoa seu lema de bravura, sobe no corrimão de uma escada para levantar voo e se lança... ao infinito e além... E a queda da qual se faz vítima é mais que dolorosa, é emocionalmente traumática. Ele perde seu braço e sua identidade circunstancial de bravura. O gesto heroico de Buzz é revelador de nossas limitações face as nossas fragmentadas identidades, que em tempos de pós-modernidade não mais encontram referenciais únicos. Somos bonecos, somos super-heróis, somos infalivelmente falíveis. Compreender estas dualidades que Lightyear nos força a compreender com sua queda e com a resignação a sua condição de simples brinquedo – não por isso menor – é uma das mais valorosas contribuições que o filme da Pixar nos lega. Buzz Lightyear é astronauta, é super-herói, é brinquedo, é humano sem ser de carne, nem de osso, submerso por suas fragilidades no mesmo mar de inconstâncias e incertezas no qual se encontram nossas identidades pós-modernas. E como espelho, faz refletir seus gestos de bravura em Woody. A divisão do coração de Andy, fraturado entre o guerreiro interestelar de plástico e luzes e o caubói de espuma e pano, assinala o início deste rompimento, com o antes doce e respeitável brinquedo cavaleiro do Velho Oeste assumindo uma face dissimulada em busca de aniquilar o inimigo passageiro. Com amores, ódios e paixões iguais as nossas, Woody se revela demasiadamente humano arquitetando e colocando em prática logo de início um micro plano para, por meio de uma micro vingança, livrar-se em definitivo de Lightyear. O plano da certo e é o remorso de Woody que o coloca junto com Buzz na liberdade e nos perigos das ruas, acabando por parar na casa do menino torturador de brinquedos, do qual é necessário se livrar rapidamente se o objetivo é sobreviver. Buzz Lightyear é um super-herói com poderes falsos, mas com coração e gestos de herói de verdade. E sabemos do que são capazes os super-heróis de verdade, inclusive com suas ações de benevolência, sempre dispostos a ajudar o próximo. Woody é um bom moço, que pode até ser bom (e realmente o é), mas sua persona má não se esquiva em se revelar quando seus interesses – o amor incondicional de Andy – são colocados em risco, mesmo que minimamente. Assim, a representação de Woody também se mostra volátil, sendo ele também partícipe deste contexto no qual sujeitos pós modernos são impelidos à uma realidade de múltiplas identidades. Não nos esqueçamos de um fator essencial contido na própria imagem de Woody. O boneco é um caubói, arquétipo midiático do homem rural norte-americano que a cultura de massa do século XX nos legou. Desta forma, o ato de bravura de Woody em se irmanar com Lightyear rumo à libertação da dupla e à reconstituição com o grupo de brinquedos, e por tabela com Andy, ocorre em paralelo à canalhice inicial por ele protagonizada, de viabilizar o acidente que faz o astronauta sair do conforto e segurança do lar do menino. Assim, as dualidades de Woody, que são também nossas dualidades, estão presentes. E a própria figura do caubói, onipresente nas imagens dos Estados Unidos inclusive fora deste país (registre-se neste cenário a importância do cinema de western que projetou o ícone do caubói em escala global), surge como inerente a uma pós- modernidade, já que instável e polifônica. Os atos de bravura de Toy Story nos incitam a repensar quem somos. Ou, ao menos, que identidade expressamos. Todos somos guerreiros interestelares, caubóis... e também indulgentes... e também malévolos. 32
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