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Teoria do Fato Jurídico Plano da Existência Marcos Bernardes de Mello CAP 1

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Extraído de
Teoria do fato jurídico; plano da
existência
CAPÍTULO I - O Fenômeno Jurídico
37
CAPÍTULO I
O Fenômeno Jurídico
(uma visão integrada)
§ 1º O homem, a adaptação social e o direito
A vida humana em sociedade, a vida do homem diante de outro 
homem ou dos homens, em face dos entrechoques de interesses que, 
inevitavelmente, ocorrem, precisa de ser ordenada pela comunidade, a 
fim de que essa convivência seja a mais harmônica possível. O ser hu-
mano, naturalmente inadaptado ao ambiente em que vive, tanto social 
quanto culturalmente, sente a necessidade de adquirir aptidões para 
sobreviver dentro da sociedade. Essa aquisição de aptidões traz como 
consequência a sua adaptação ao meio social, o que se revela através dos 
comportamentos que o indivíduo integra em si, ao longo de sua existên-
cia, alguns adquiridos espontaneamente, instintivamente, outros molda-
dos de forma consciente, muitas vezes até contra a sua própria vontade, 
pelos ensinamentos que a comunidade lhe concede ou impõe.
Porque o ambiente social constitui seu habitat mais propício, o 
homem tende, naturalmente, à vida em sociedade, isso também como 
condicionamento decorrente do milenar hábito, que começa a influir 
sobre a sua psique desde o momento de seu nascimento, de viver em 
comunidade. O ser humano, em situação normal, nasce no seio da famí-
lia — o grupo social básico — e a partir daí tem início a moldagem de 
suas potencialidades no sentido da convivência social. A ampliação 
gradativa dos círculos sociais em que o homem se vê envolvido no de-
senrolar de sua existência faz crescer, proporcionalmente, o grau de 
influência que a sociedade exerce em sua formação. À medida que o 
indivíduo expande a área de seu relacionamento com os outros, partici-
pando de grupos maiores, como os companheiros de brincadeiras, a 
escola, as congregações e comunidades religiosas, os clubes, e. g., au-
mentam também as pressões dos condicionantes sociais que procuram 
conduzir a sua personalidade conforme os padrões da sociedade.
Os diversos processos de adaptação social — como a religião, a 
moral, a política, a educação, a economia, a ciência, a arte, a moda, 
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a etiqueta, o direito — são os instrumentos de que se vale a comunidade 
para agir sobre o homem, instilando em sua personalidade os valores, as 
concepções e os sentimentos que integram e representam a própria cul-
tura da sociedade em que se encontra inserido. As experiências vivenciais 
que o ambiente social lhe proporciona atuam como elementos determi-
nantes de seu comportamento e, em razão delas, o homem aprende a 
falar e o que falar, veste-se e sabe como vestir-se, sabe o que comer e 
como comer, enfim aprende a comportar-se diante dos outros homens 
e da comunidade que condicionou as suas aptidões.
O homem (homo sapiens) não é um produto simples da natureza, mas 
o resultado do convívio com os outros homens. A assembleia fez o homem, 
e não o homem a assembleia, já observara Pontes de Miranda. Por isso, 
apesar de sua sociabilidade, que é adquirida, há nele, sempre, algo de pró-
prio, que é natural, tipicamente individual e que não se dissolve no social 
nem se torna comum aos outros. Assim, não é possível negar que o homem 
jamais se despe, por completo, de seus instintos egoístas, motivo pelo qual 
não se consegue apagar, nem mesmo superar, a sua inclinação, muito na-
tural, de fazer prevalecer os seus interesses quando em confronto com os 
de seus semelhantes. Além disso, todo o arcabouço social, respaldado no 
aparato de meios que visam a adaptá-lo, não consegue suprimir ou reduzir 
o seu livre-arbítrio na escolha de como comportar-se. Parece indiscutível, 
no entanto, que se a cada qual fosse permitido conduzir-se socialmente 
como bem lhe aprouvesse, deixando-se governar pelo seu egoísmo e 
ambição, tendo como medida de ação o seu poder e a fraqueza do outro, 
a vida em comunidade seria intolerável e praticamente impossível o avanço 
para formas superiores de civilização. Não se poderia, ao menos, consi-
derar sociedade humana um agrupamento dessa ordem1. O jugo social 
representado pela atuação no sentido da adaptação é aceito como uma 
imposição necessária à vida social. Por isso mesmo traz como resultante 
ineliminável a possibilidade sempre presente de reação e rebeldia do ho-
mem aos padrões traçados pela sociedade2. Disso decorre, evidentemente, 
1. Vide, a respeito, Bockelmann, The principles of the rule of law, p. 97, e 
Bodenheimer, Ciência do direito, p. 190. Indicação bibliográfica completa no final 
da obra.
2. Esse inconformismo do homem à adaptação social é encontrável perma-
nentemente em todo o desenrolar da história e revela, sempre, discordância com os 
padrões sociais que lhe são impostos. Há momentos em que essa discordância gera 
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a imperiosa exigência da comunidade de estabelecer normas de conduta 
que tenham um caráter obrigatório em decorrência do qual a sua impo-
sitividade ao homem seja incondicional e independente da adesão das 
pessoas3. Essas regras constituem as normas jurídicas que, no seu conjunto, 
consubstanciam o direito da comunidade em que elas são vigentes.
reações que, alcançando níveis paroxísmicos, levam à revolução, com alterações, 
muitas vezes profundas, nos modelos de conduta social.
É preciso destacar, porém, que qualquer dessas mudanças jamais conseguiu 
eliminar ou neutralizar a exigência de adaptação; pelo contrário, nas épocas de maior 
ebulição social sempre recrudesce o despotismo e exacerba-se a adaptação social. A 
nova ordem em geral necessita de maior força de imposição para substituir a anterior 
e instaurar-se.
Teoricamente, tem havido sugestões no sentido de libertar o homem da tirania 
social, que seria representada pelo direito, usado como instrumento de dominação 
pelo Estado. O regime anárquico, preconizado por Bakunin e Kropotkin, baseava-se 
no pressuposto, inconciliável com a realidade, de que o homem é naturalmente bom 
e os males e distorções nesse estado de bondade seriam consequências da corrupção 
que as instituições estatais lhe impõem. O próprio marxismo se funda, em última 
análise, na ficção de que o desaparecimento das lutas de classe pelo comunismo 
teria como resultante tornar despiciendo o direito e também o Estado. Atualmente 
mesmo, o Movimento Criticista do Direito, fundado pelo ilustre jurista francês 
Michel Miaille (Uma introdução crítica ao direito), de orientação marxista, e outros 
ditos contradogmáticos refletem essa tendência contra o direito posto pela socieda-
de e as suas pressões sobre o indivíduo. O movimento hippie da década de 60 é 
exemplo vivo e prático desse anseio de eliminar o jugo social.
Teoricamente ou na prática, a verdade histórica, porém, frustra qualquer es-
perança de que a sociedade humana possa prescindir dos instrumentos de adaptação 
social, especialmente o direito. Em todos os tempos as transformações sociais jamais 
passaram de metamorfoses, quer dizer, de mudanças de forma, apenas. Quando al-
guém, como os criticistas, propõe o abandono da dogmática jurídica, porque escra-
vizadora do homem pela classe dominante representada pela burguesia, o que na 
verdade está propondo, em última análise, é a substituição dessa dogmática por uma 
outra que lhe parece mais justa. Eliminar o direito da sociedade é impossível, como 
inviável haver um direito não dogmático, porque, mais do que os outros processos 
de atuação da sociedade, consubstancia o elemento de estabilidade e de manutenção 
da própria convivência social.
3. Os processos de adaptação social, embora se constituam de normas de na-
tureza comportamental, não têm, exceto o direito, o poder de vincular incondicional-
mente as condutas, donde ficarem à mercê da adesão das pessoas. O direito, diferen-temente, é obrigatório, e nisso consiste o elemento que o caracteriza e o distingue 
dos demais processos de adaptação social. Por isso, por integrar a sua própria natu-
reza (= substância), a obrigatoriedade do direito é dado que se põe aprioristicamen-
te. Cada norma jurídica de per si retira a sua obrigatoriedade dessa obrigatoriedade 
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a priori do direito como processo de adaptação social, embora pre cise atender, par-
ticularmente, a certos pressupostos de valência (termo que aqui usamos para evitar 
confusão com validade, que, na concepção ponteana e, em geral, na doutrina comum, 
define situação do ato jurídico no plano da validade, parte do mundo jurídico em 
que se constata se é perfeito — válido — ou se sofre defeito que o torne inválido 
— nulo ou anulável, que, desatendidos, a descaracterizam como jurídica. Chegamos 
a usar antes validez, que resolvemos abandonar por se tratar de palavra do idioma 
castelhano. Anotamos que os dicionários consultados registram valência como pa-
lavra própria da terminologia da Química e da Biologia, que se refere à capacidade 
de combinação. No entanto, em seu étimo, vem do latim valentia, ae, substantivo 
apelativo feminino, que significa “força corpórea, vigor, robustez, coragem, valentia” 
(F. R. S. Saraiva, Novíssimo dicionário latino-português, 10. ed., Rio de Janeiro-
-Belo Horizonte, Livr. Garnier, 1993). Com esse mesmo sentido que aqui usamos, 
encontramo-la empregada, na literatura jurídica nacional, por Lourival Vilanova, em 
Causalidade e relação no direito, p. 33 e 103, e Paulo de Barros Carvalho, Curso 
de direito tributário, p. 59, p. ex.). Que pressupostos são estes, não há uniformidade 
de respostas. Variam as opiniões, segundo a vinculação filosófica de cada um, desde 
aquelas, de cunho axiológico, que os veem refletidos nos valores fundamentais da 
juridicidade, àquelas dogmáticas, que invocam uma norma fundamental, abstrata-
mente posta, portanto de cunho lógico, de que decorreriam todas as outras, àquelou-
tras jusnaturalistas, que os concebem como uma consequência de sua harmonia com 
a ordem universal, emanada da natureza e mesmo de Deus, e, finalmente, às socio-
lógicas, que se baseiam na aceitação das normas pela comunidade. 
Também não há uniformidade quando se trata de saber em que consistiria essa 
obrigatoriedade. Para alguns, reside na sanção, na coação externa. Enquanto as 
normas morais, religiosas, políticas devem ser seguidas e observadas espontanea-
mente, e a coação porventura nelas existente tenha caráter psicológico, interior, as 
jurídicas são impostas, inclusive pelo uso de coação externa, através de sanções. As 
penas do fogo do inferno, para o pecado, ou o sofrimento moral do remorso e da 
vergonha, não constituem coação externa ou sanção imposta pelo grupo social, di-
retamente, contra o pecado ou o ato imoral, embora não se exclua a possibilidade 
do repúdio social ostensivo.
Para outros, como Pontes de Miranda, cujo pensamento acompanhamos, a 
obrigatoriedade das normas jurídicas resulta de sua incidência, que, transformando 
em fato jurídico o fato que constitui o cerne de seu suporte fáctico, subordina às suas 
normas as condutas relacionadas àquele fato. Nenhuma outra norma de qualquer dos 
demais processos de adaptação social tem esta característica de criar fatos específi-
cos vinculantes das condutas a que dizem respeito. Não há fato moral, nem fato 
religioso, nem fato político etc. com força vinculativa exterior, senão como meros 
eventos sociais. Por isso, a incidência, por sua eficácia juridicizante, constitui o dado 
caracterizador do direito e o distingue dos demais processos de adaptação social. Se 
a norma jurídica incide, tem de ser aplicada por quem tenha essa responsabilidade 
no organismo social. Se da aplicação resulta sanção é irrelevante, porque esta é 
característica de alguns tipos de normas jurídicas, não de todas. Aliás as normas 
jurídicas de maior significado para a comunidade — como as que definem e asse-
guram os direitos fundamentais do homem e do cidadão, e os direitos da personali-
dade — não contêm qualquer sanção específica. Vide adiante Capítulo II, crítica às 
concepções sancionistas do direito.
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§ 2º O caráter necessário do direito
Parece claro, assim, que a própria vida social não só impõe, como 
não pode prescindir da adaptação do homem, motivo por que os proces-
sos de adaptação social, especialmente o direito, são instrumentos indis-
pensáveis à convivência inter-humana. O direito — como, de resto, todos 
os processos de adaptação social —, conquanto seja essencial à socie-
dade, não no é ao homo naturalis, ou seja, ao homem em estado de na-
tureza. O direito é essencial ao homem enquanto homo socialis, vale 
dizer, ao homem considerado integrante da sociedade. O homem sozinho 
não necessita de direito ou de qualquer outra norma de conduta. Por isso, 
o direito não está na natureza do ser humano, sendo-lhe estranho e 
dispensável. Somente quando o homem se vê diante de outro homem ou 
da comunidade e condutas interferem entre si é que exsurge a indispen-
sabilidade das normas jurídicas, diante da indefectível possibilidade dos 
entrechoques de interesses que conduzem a inevitáveis conflitos. Daí ser 
imperiosa e irremovível a necessidade que tem a comunidade de manter 
sob controle o comportamento de seus integrantes, contendo-lhes as 
irracionalidades e traçando-lhes normas obrigatórias de conduta, com o 
sentido de estabelecer uma certa ordem capaz de obter a coexistência 
pacífica no meio social, com vistas à distribuição dos bens da vida.
Por isso, a sociedade humana, conquanto possa prescindir de qua-
se todas as instituições de que se vale para manter-se, não no pode do 
direito. O brocardo jurídico ubi societas ibi ius ressalta muito bem esse 
caráter necessário da ordem jurídica. O Estado, por exemplo, nem sem-
pre existiu e ainda hoje há grupos que desconhecem as estruturas e os 
entes estatais. Não se pode dizer, no entanto, que esses grupos não tenham 
sido ou não sejam sociedades humanas, embora em estágio embrionário 
ou em desenvolvimento. Todavia, mesmo nessas organizações sociais 
primitivas, onde são mínimas as carências em relação à convivência de 
seus integrantes, já se encontram delineadas normas de adaptação social, 
as quais são respeitadas e impostas, até, pelo próprio grupo. Essas normas 
— que são jurídicas pela impositividade — podem ser bastante simples, 
mesmo rudimentares, mas nem por isso dispensáveis. O seu refinamen-
to e a maior ou menor influência que exercem sobre a conduta dos homens 
dependem, evidentemente, do grau de aperfeiçoamento cultural, de 
evolução, de cada comunidade. É natural que, à medida que a sociedade 
se desenvolve, se aprimora, e as relações sociais assumem formas mais 
variadas e complexas, as normas jurídicas — como as dos demais pro-
cessos de adaptação social — passem a ser mais exigentes e a ter uma 
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atuação mais intensa. Sejam, porém, rudimentares ou refinadas, elemen-
tares ou complexas, simples ou prolixas, as normas jurídicas são indis-
pensáveis e insubstituíveis, porque constituem o único meio hábil e 
eficaz de que dispõe a sociedade para evitar o caos social e obter uma 
coexistência harmônica entre os seres humanos.
§ 3º Mundo fáctico e mundo jurídico
Na sua finalidade de ordenar a conduta humana com vistas à dis-
tribuição dos bens da vida, a comunidade jurídica4 valora os fatos e, 
através das normas jurídicas que adota, erige à categoria de fato jurídico 
aqueles que têm relevância para o relacionamento inter-humano.
Explicamos. A vida é uma sucessão permanente de fatos. Desde o 
nascimento até a morte, com todos os atos que integram a vida, desde a 
estrelacadente que risca o céu ao vai-e-vem da onda do mar, tudo o que 
nos cerca, física ou psiquicamente, são fatos. “O mundo mesmo, em que 
vemos acontecerem os fatos, é a soma de todos os fatos que ocorreram 
e o campo em que os fatos futuros se vão dar”5.
Adotando um critério bastante simples, mas de abrangência total, 
aprendido com Lourival Vilanova, é possível classificar os fatos em (a) 
eventos e (b) condutas, tendo em sua origem a diferença específica entre 
eles, a saber: (a) eventos são os puros fatos da natureza, aqueles que 
acontecem independentemente de atuação humana ou, quando há pre-
sença dessa atuação em sua concreção no mundo, essa resulta, exclusi-
vamente, de sua condição natural, biológica (como na concepção, no 
nascimento, na morte de alguém, por exemplo); e (b) conduta, os atos 
humanos volitivos ou mesmo avolitivos que não sejam decorrência 
exclusiva de sua natureza animal. Ressaltamos que os vocábulos fato e 
4. A expressão comunidade jurídica é aqui empregada para designar o grupo 
humano, organizado social e politicamente, a quem a ordem internacional reco-
nhece poder autônomo para ditar suas próprias normas de conduta de caráter 
obrigatório (= normas jurídicas). Portanto, é usado no mesmo sentido de estado 
soberano ou outras entidades nacionais que, embora não sejam consideradas es-
tados em sentido próprio, tenham reconhecida autonomia política (Autoridade 
Palestina, p. ex.). Em estado federal, como o Brasil, o poder de dizer o direito é 
da União, devolvendo esta às unidades intraestatais rígidas que o integram, como 
os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, o poder de editar normas 
jurídicas que lhe cabe.
5. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, § 1º, 1. 
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evento, aqui, não são empregados com o significado ensinado por Tercio 
Sampaio Ferraz Jr. (Introdução ao estudo do direito, p. 274), adotado 
por doutrinadores de escol, como Paulo de Barros Carvalho (Direito 
tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 85), e. g. Também 
não guardam relação com o sentido que lhes dá Eurico Marcos Diniz de 
Santi (Decadência e prescrição no direito tributário, p. 111-113).
É evidente, porém, que nem todos os fatos — mesmo conduta — têm 
para a vida humana em sociedade o mesmo valor, a mesma importância. 
Há fatos — inclusive puros eventos da natureza — que possuem para os 
homens, em suas relações intersubjetivas, significado fundamental, en-
quanto outros, ou por lhes fugirem ao controle, ou por não lhes acarretarem 
vantagens, ou, ainda, por não lhes provocarem o interesse, são tidos como 
irrelevantes. Quando, no entanto, o fato interfere, direta ou indiretamente, 
no relacionamento inter-humano, afetando, de algum modo, o equilíbrio 
de posição do homem diante dos outros homens, a comunidade jurídica 
sobre ele edita norma que passa a regulá-lo, imputando-lhe efeitos que 
repercutem no plano da convivência social. Disto resulta claro que a nor-
ma jurídica atua sobre os fatos relevantes que compõem o mundo para 
atribuir-lhes a função de gerar consequências específicas (= efeitos jurídi-
cos) relativamente ao comportamento dos homens no meio social, cons-
tituindo um plus quanto à sua natureza peculiar. A norma jurídica, desse 
modo, adjetiva os fatos do mundo, conferindo-lhes uma característica que 
os torna espécie distinta dentre os demais fatos — o ser fato jurídico.
A constatação de que há fatos relevantes, a que a norma jurídica 
imputa efeitos no plano do relacionamento inter-humano, e fatos que, 
considerados irrelevantes, permanecem sem normatização, permite dis-
tinguir, dentro do universo dos fatos, que é o mundo em geral — ou 
mundo fáctico —, um conjunto — o mundo jurídico — formado apenas 
pelos fatos jurídicos. Se ponderarmos que os efeitos jurídicos, desde as 
situações jurídicas simples, como os estados pessoais, às relações jurídi-
cas de conteúdo o mais complexo, que se desdobram em múltiplos direi-
tos →← deveres, pretensões →← obrigações, ações e exceções, são, exclu-sivamente, imputações feitas pelos homens a certos fatos da vida através 
das normas jurídicas, teremos de admitir que a distinção, no mundo, entre 
o que é jurídico e o que não entra no mundo jurídico se reveste de funda-
mental importância ao trato científico do direito. “Por falta de atenção aos 
dois mundos muitos erros se cometem e, o que é mais grave, se priva a 
inteligência humana de entender, intuir e dominar o direito”6.
6. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, § 1º, 2.
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44
Em verdade, somente o fato que esteja regulado por norma jurídi-
ca pode ser considerado um fato jurídico, ou seja, um fato produtor de 
direitos, deveres, pretensões, obrigações ou de qualquer outro efeito 
jurídico, por mínimo que seja. As meras relações de cortesia, por exem-
plo, não criam situações jurídicas, como a de A poder exigir que seu 
vizinho B o cumprimente toda manhã, sob pena de ser constrangido a 
fazê-lo ou punido por não o fazer. Esse mesmo fato de cortesia (etique-
ta), em outras situações, pode acarretar resultados jurídicos — é o que 
acontece entre os militares, e. g., em que pode ser punido o subordinado 
que não prestar continência ao seu superior — porque há uma norma 
jurídica que assim estabelece. As relações de parentesco são outro exem-
plo. No plano jurídico não são todas as relações de parentesco que im-
portam. Dependendo da situação, as normas jurídicas somente conside-
ram para os fins de direito os parentes até um determinado grau. O pa-
rentesco em grau superior àqueles previstos pelas normas jurídicas não 
produz qualquer efeito jurídico, a despeito de poderem ter relevante 
importância pessoal e mesmo social.
Resulta evidente, assim, a diferença substancial que existe entre 
o fáctico7, enquanto apenas fáctico, e o jurídico, porque somente este 
pode ter algum efeito vinculante da conduta humana. O mundo jurí-
dico, está claro, se vale dos fatos da vida e, mais que isso, é constituí-
do por eles próprios; resulta da atuação (incidência) da norma jurídica 
sobre os fatos, juridicizando-os8, e não representa, por isso, uma de-
corrência natural dos fatos. Enquanto com os demais fatos seu agru-
pamento em classes tem por elemento referencial dado que lhes é 
natural (e.g., morte é fato biológico porque se refere à vida), os fatos 
jurídicos o são pela vontade humana, que, através das normas jurídicas, 
imputa caráter jurídico aos simples fatos da vida, integrantes naturais 
de outros mundos. O fato geográfico da avulsão, por exemplo, em face 
da repercussão que pode ter na ordem do relacionamento humano, 
7. A palavra fáctico é aqui empregada para designar o não jurídico; não tem 
o sentido próprio restrito aos eventos da natureza nem o de oposição ao de conduta 
humana (atos).
8. “O sistema de proposições da ciência jurídica não se dirige aos fatos, acres-
centamos, sem a mediação das proposições jurídicas que qualificam os fatos. Sem 
as proposições normativas do direito positivo, nenhum fato do mundo pertence ao 
universo jurídico”. Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito 
positivo, p. 118.
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com a transferência da pro priedade de uma pessoa para outra sobre a 
porção de terra avulsa, é também fato jurídico pela imputação que 
a norma jurídica lhe faz.
§ 4º Logicidade do mundo jurídico
O mundo jurídico, como se vê, é criação humana e se refere, apenas, 
à conduta do homem em sua interferência intersubjetiva; não se desen-
volve, assim, no campo da causalidade física, mas, sim, numa ordem de 
valência, no plano do dever-ser. O ser fato jurídico e o produzir efeito 
jurídico são situações que se passam no mundo de nossos pensamentos 
e não impõem transformaçõesna ordem do ser. A circunstância de o 
nascimento com vida de um ser humano ser considerado fato jurídico 
ao qual se imputa o efeito jurídico de o recém-nascido adquirir a perso-
nalidade civil (= ser pessoa para os fins de direito, ou seja, poder ter 
direitos e deveres na ordem civil), não altera em coisa alguma o fato 
biológico do nascimento, como também nada acrescenta ou retira ao ser 
humano, do ponto de vista físico. Quando, em decorrência da escrava-
tura (fato jurídico), o escravo era considerado objeto do direito de pro-
priedade do senhor (efeito jurídico) e não sujeito de direito, em nada 
modificava a sua condição de ser humano, igual, na ordem da facticida-
de, à do senhor. Hoje, a plena capacidade civil se adquire aos 18 anos; 
até 2002, somente aos 21 anos; se amanhã, por exemplo, essa idade for 
reduzida ou aumentada, tal mudança não afetará o ser do homem; o ter 
capacidade ou não para praticar atos da vida jurídica não modifica o 
homem sob o aspecto natural.
As mudanças que vemos ocorrer no mundo como defluência de 
fatos jurídicos são, sempre e exclusivamente, de cunho comportamental, 
como acontece quando o dono de um imóvel transfere a sua posse dire-
ta a outrem, em virtude de um contrato de locação, passando o locatário 
a exercitar sobre ele os atos compatíveis com a sua situação jurídica. As 
modificações por que passam as situações jurídicas jamais implicam 
alterações na natureza mesma dos fatos (a venda, pelo proprietário, da 
safra do coqueiral, não altera o ciclo natural da frutificação), mas, ao 
contrário, as transformações havidas nas situações de fato podem deter-
minar mutações nas situações jurídicas (se o bem móvel é consumido 
pelo fogo, extingue-se o direito de propriedade).
Tudo isso, porém, somente pode ser considerado se os fatos estão 
colocados no mundo jurídico e, para que tal ocorra, é preciso ter em mente 
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que o fenômeno jurídico9, em toda a sua complexidade, envolve diversos 
momentos, interdependentes, a saber: (a) a definição pela norma jurídica 
da hipótese fáctica considerada relevante para a convivência humana 
(definição normativa hipotética do fato jurídico); (b) a concreção dessa 
hipótese no mundo dos fatos; (c) a sua consequente juridicização por força 
da incidência da norma e sua entrada como fato jurídico no plano da exis-
tência do mundo do direito; (d) a passagem dos fatos jurídicos lícitos, fun-
dados na vontade humana (ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico), 
pelo plano da validade, onde se verificará se são válidos, nulos ou anulá-
veis; (e) a chegada do fato jurídico ao plano da eficácia onde nascem as 
situações jurídicas, simples ou complexas (relações jurídicas), os direi-
tos →← deveres, pretensões →← obrigações, ações →← situações de 
acionado, exceções →← situações de exceptuados, as sanções, os ônus e 
demais consequências que constituem o conteúdo eficacial específico de 
cada fato jurídico10 (vide, no Capítulo V, sobre os planos do mundo jurídico).
A compreensão do fenômeno jurídico, evidentemente, não pode 
prescindir do domínio das relações que existem entre as suas diversas 
fases, porque cada uma delas é dado essencial e, portanto, pressuposto 
lógico da outra. Na análise da juridicidade se constata, com clareza, que, 
tanto no sentido ascendente — iniciando-se da juridicização do suporte 
fáctico, quando surge o fato jurídico, à terminal eficácia jurídica — como 
num sentido descendente — partindo-se da eficácia até encontrar a sua 
fonte, o fato jurídico — os degraus por que se tem de passar são sempre 
os mesmos, irremovíveis e inelimináveis. Há entre eles, evidentemente, 
uma relação implicacional, motivo pelo qual toda vez que esse relacio-
namento é desconsiderado, eliminando-se ou desconhecendo-se algum 
de seus estágios, compromete-se a correção no trato dos assuntos jurí-
dicos e se cria uma visão distorcida da realidade jurídica.
§ 5º Direito e realidade
De tudo o que dissemos, é possível pensar que o fenômeno jurídi-
co seria alguma coisa abstrata, de pura lógica, que não se realizaria no 
plano dos fatos concretos. Isso, no entanto, não é verdadeiro. Explicamos.
9. Vide, adiante, a questão das dimensões do fenômeno jurídico.
10. É preciso destacar que a questão da juridicidade, aqui, está sendo tratada 
no plano da Teoria Geral do Direito, portanto analisada à luz da dogmática jurídica, 
na dimensão normativa.
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A comunidade jurídica, quando, tomando os fatos sociais a res-
peito deles edita normas jurídicas, o faz com o objetivo de que a con-
duta por elas prevista seja adotada por aquelas pessoas a quem a norma 
se destina. Na verdade, a norma jurídica enquanto considerada em si, 
como um comando da sociedade, não deixa de ser algo abstrato, mas 
que se refere a alguma coisa concreta (os fatos) que, se ocorrer, deve-
rá produzir determinada consequência no campo do relacionamento 
inter-humano (= efeito jurídico). Quando dizemos que a norma jurí dica 
em si é algo abstrato, queremos destacar que ela consubstancia a pre-
visão de uma hipótese em que se estima a ocorrência de certa situa ção 
fáctica. Nada impede, porém, que os fatos por ela previstos jamais se 
concretizem no mundo e, em decorrência, as consequências jurídicas 
a eles imputadas (eficácia jurídica) nunca virão a realizar-se. Isso, no 
entanto, é raro, raríssimo, podemos mesmo dizer. De ordinário, a norma 
jurídica se realiza no mundo social pela concreção do seu suporte 
fáctico (= ocorrência dos fatos previstos) e pelo comportamento social 
de acordo com os seus ditames (= realização das consequências). 
Quando o devedor paga a sua dívida no vencimento, está realizando o 
comportamento prescrito pela norma do Código Civil segundo a qual 
o devedor deve cumprir a sua obrigação no tempo, lugar e forma con-
vencionados. Se, ao contrário, descumpre a sua obrigação, desatende 
à norma, que, nem por isso, deixará de realizar-se. Mesmo contra a 
vontade do devedor, forçadamente, a norma poderá ser aplicada pela 
comunidade por intermédio de seus órgãos encarregados de cumprir os 
comandos jurídicos.
Se considerarmos que normas jurídicas regulam a vida do homem 
desde a sua concepção, quando ressalvam os direitos do nascituro, e 
mesmo antes, quando permitem e protegem a doação e o legado à prole 
eventual de pessoa certa (nondum conceptus), até além de sua morte; se 
atentarmos para que os mais simples atos do dia a dia, como tomar um 
ônibus, entrar e sair livremente de casa, plantar uma árvore, consumir 
um cigarro, têm sempre um conteúdo jurídico, chegaremos à evidência 
de que muito mais se cumpre do que se descumpre o direito. Essa reali-
zação do direito é, no mais das vezes, inconsciente, até. Cumpre-se e 
aplica-se a norma jurídica sem que se tenha a intenção ou a vontade, 
talvez nem mesmo a cons ciência, de cumpri-la e aplicá-la.
É evidente que as normas jurídicas não são feitas para ser des-
cumpridas. Mas, é claro, também, que sendo uma imposição da comu-
nidade ao homem é sempre possível e comum o seu descumprimento. A 
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conduta individual infringente do direito, no entanto, não retira legiti-
midade às suas normas, desde que o grupo social, considerado no seu 
todo, as aceite e as imponha pelos meios e instrumentos que cria para 
assegurar, inclusive forçadamente, a sua realização, e atendam, elas, aos 
pressupostos gerais de legitimidade, especialmente.
A realidade do direito, a sua efetividade no meio social11, desse 
modo, revela-se na coincidência do comportamento social com os mo-
delos e padrões traçados pelas normas jurídicas (= efetividade da norma 
jurídica). Como se vê, as normas do direito (por consequência o próprio 
direito), embora abstratamente formuladas,tornam-se realidade no meio 
social, materializando-se nas condutas por elas prescritas. Pela sua atua-
ção no ambiente social, adaptando a conduta humana, diz-se que o direito 
é um fato social.
§ 6º As dimensões do fenômeno jurídico
Como procuramos deixar claro, a norma jurídica constitui um 
modelo de conduta humana querida pela comunidade jurídica, como 
resultado da valoração dos fatos sociais, com a finalidade de obter a 
adaptação dos homens a uma convivência harmônica, com vistas à dis-
tribuição dos bens da vida. Analisando os elementos desse conceito, 
chegaremos à conclusão de que o fenômeno jurídico, na sua inteireza, 
desenvolve-se em três dimensões, a saber:
(a) Dimensão política, na qual a comunidade jurídica valora os fatos 
da vida e, quando os considera relevantes em face de sua interferência 
11. Com a expressão efetividade da norma jurídica procuramos definir a si-
tuação em que a comunidade se comporta de acordo com o modelo de conduta 
traçado pela norma jurídica; quer dizer: a norma jurídica é aceita e aplicada pelos 
seus destinatários. Os juristas costumam empregar outras expressões. Kelsen, por 
exemplo, usa o termo eficácia da norma (Teoria pura do direito, v. I, p. 20); também 
Bobbio (Teoria della norma giuridica, p. 36-37).
Essa expressão, porém, enseja confusão com outras como eficácia normativa 
(até a 11ª edição, empregávamos, fiéis à terminologia ponteana, a expressão eficácia 
legal, para definir a incidência sobre o suporte fáctico. A partir da 12ª edição passa-
mos a empregar a expressão eficácia normativa por nos parecer mais abrangente e, 
portanto, mais adequada a definir o fenômeno) e eficácia jurídica (= efeitos produ-
zidos pelos fatos jurídicos), por exemplo. Daí a nossa preferência por efetividade, 
que, por sinal, é vocábulo largamente empregado no direito internacional público no 
sentido em que usamos.
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no relacionamento inter-humano, com a possibilidade de gerar conflitos, 
edita norma na qual, ao definir como as pessoas devem se comportar 
diante deles, passa a regulá-los em suas consequên cias no plano jurí-
dico. Nessa dimensão a comunidade jurídica decide sobre a norma 
jurídica, vale dizer, revela a norma jurídica, que, em rigor, já existe no 
meio social como integrante dos valores sociais e de outros processos 
de adaptação social12.
Essa a dimensão axiológica do direito, porque nela atuam, como 
elementos-guias, os valores jurídicos. Com efeito, é na revelação da nor-
ma jurídica a ocasião em que a comunidade jurídica, por seus órgãos 
competentes, estima a relevância dos fatos segundo os valores fundamen-
tais da juridicidade e aqueles outros que encarnam o próprio espírito do 
povo, suas tradições, seus costumes, sua consciência cívica: os valores 
culturais da sociedade. Adotada a norma jurídica, instaura-se a
(b) Dimensão normativa. Aqui o direito passa a ser tratado, apenas, 
em razão de seus comandos consubstanciados nas normas jurídicas, tais 
como postas no mundo, despregadas do legislador, na sua pura expressão 
normativa. Sob essa perspectiva, a norma jurídica, através da incidência 
sobre o suporte fáctico, atua independentemente da adesão das pessoas 
e se realiza no mundo, subordinando aos seus ditames a conduta humana 
considerada no campo das relações sociais. Essa dimensão tem caráter 
dogmático. A norma jurídica é vista como dogma em sua abstração ló-
gica. A juridicidade é tratada aqui como ordem de valência, sem vincu-
lação imediata e direta à sua realização no plano das realidades sociais.
Somente importa, assim, se existe uma norma regularmente posta 
e vigente que, só por isso, é obrigatória, independentemente da circuns-
tância de sua efetivação no meio social pela conduta humana coinciden-
te com suas determinações.
Finalmente,
(c) A dimensão sociológica. “A regra jurídica somente se realiza 
quando, além da coloração, que resulta da incidência, os fatos ficam 
12. Em verdade, poucas são as normas jurídicas criadas, originalmente, na 
área do direito. Em geral, o conteúdo das normas jurídicas é produto de normas de 
outros processos de adaptação social, de modo que, a nosso ver, são eles as fontes 
materiais do direito (= onde o direito busca o conteúdo de suas normas). Por isso, 
falamos em revelação das normas jurídicas, pois já existem, quase sempre, no meio 
social, embora sem juridicidade, que somente lhes pode ser atribuída pela comuni-
dade jurídica em sua atividade axiológica.
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efetivamente subordinados a ela”13. Na verdade, a perfeita realização do 
direito implica a subordinação dos fatos da vida à norma jurídica que os 
previu e regulou. Desde quando essa subordinação seja defeituosa, por 
não coincidirem a aplicação e a incidência, ter-se-á evidente imperfeição 
na organização jurídica da sociedade, porque este o elemento que serve 
para medir o “grau de perfeição do grupo social, no tocante ao traçamen-
to jurídico”14. Se há descompasso entre a incidência — que se dá no 
mundo de nossos pensamentos, por isso impossível de ser modificada em 
sua veracidade — e a aplicação — que é ato humano exterio rizado, vida 
humana objetivada —, demonstra-se que ou os valores que impregnam a 
realidade social não estão consubstanciados nas normas prescritas, e então 
essas não representam com fidelidade os sentimentos da comunidade, ou 
o aparelhamento responsável pela realização do direito é insatisfatório.
Essa, pois, é uma visão que relaciona a norma jurídica à efetiva 
atuação no mundo social, portanto uma visão sociológica do direito. Para 
o normativismo, o direito há de se realizar obrigatoriamente pela só 
vigência das normas jurídicas. Enquanto permanece em vigor — o que 
quer dizer: enquanto outra norma jurídica não a revogar —, a norma 
jurídica vincula as condutas, e se as pessoas não se comportam segundo 
os seus comandos existe apenas infração, que em nada afeta o ser da 
norma jurídica. Há, inclusive, quem sustente que a norma jurídica é um 
dever-ser precisamente porque se estima a possibilidade de não se rea-
lizar pela conduta contrária das pessoas, sem que perca, com isso, a sua 
vigência. Essa óptica, porém, parece-nos míope e irreal. Esconde-se, no 
abstrato da norma, o real da oposição a ela. 
É claro que não é a simples infração individual da norma que a faz 
em descompasso com a realidade social. A reação do homem à adaptação 
social, quando lhe contrarie os interesses, e a discordância de alguns reve-
lada no comportamento contrário à norma não constituem situações inco-
muns e, por isso, devem ser consideradas segundo seu exato significado 
de exercício do livre-arbítrio do homem na escolha de sua conduta. Mas 
se essa discordância se manifesta pela hostilidade comunitária ao comando 
normativo, insistindo o grupo em se comportar de modo diferente do pres-
crito, é evidente que essa norma não pode prevalecer. Embora do ponto de 
vista do dogmatismo esteja em vigor, de fato é uma norma sem vigência.
13. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, § 14, 1.
14. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, § 15, 1.
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§ 7º Uma visão integrada do fenômeno jurídico
Por uma questão de posicionamento doutrinário (monista), é comum 
o trato do fenômeno jurídico sob uma determinada dimensão, apenas. 
Os normativistas, positivistas e relativistas, principalmente, costumam 
tratar do direito, exclusivamente, sob o ângulo da norma jurídica posta. 
A proposta de Hans Kelsen de escoimar a Ciência Jurídica de qualquer 
ingerência axiológica e sociológica conseguiu, sem sombra de dúvida, 
uma expressiva adesão dos juristas. Essa posição, no entanto, com a 
ênfase dada nos últimos tempos aos problemas filosóficos que envolvem 
o direito, especialmenteàqueles referentes aos fundamentos da ordem 
jurídica relacionados à questão dos valores e do consentimento social, 
vem sendo revista e criticada. Não resta dúvida de que a concepção de 
um direito puro, em que apenas as normas jurídicas postas pela autori-
dade competente, segundo os procedimentos de produção de normas 
jurídicas, têm significado, teria de prosperar, notadamente pelo apoio 
que, mesmo sem intenção, dá ao poder estatal, pois que justifica e fun-
damenta a exigência de subordinação social ao imperativo das normas. 
O abuso do poder do Estado respaldado pela invocação do princípio 
de que todos são obrigados a cumprir a lei15, seja ela qual for, levou a 
15. O princípio jurídico segundo o qual “ninguém é obrigado a fazer ou deixar 
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” foi concebido como uma garantia do 
súdito (o indivíduo) contra o absolutismo do príncipe (o Estado), e nessa condição 
está posto no art. 5º, II, da Constituição Federal brasileira. Na verdade, a submissão 
de todos, até do Estado, à lei teve o sentido de evitar que o indivíduo ficasse à mer-
cê dos humores do governante, conforme acontecia no Estado absolutista. A defini-
ção legal do que seja direito de uma comunidade — positivismo jurídico —, hoje 
bastante discutida em seus méritos e contestada em sua excelência com o argumen-
to de que permite a imposição abusiva, pelo Estado, do direito aos governados, in-
dependentemente e até contra as suas conveniências, possibilitando o direito in-
-justo, tem, na verdade, um significado bem mais profundo e diferente. Se, utilizan-
do-se dele, o Estado abusa, isso constitui uma deformação e não a face real da 
questão. O que, em essência, se pretendeu com o positivismo foi retirar do rei o 
poder de ditar livremente as normas jurídicas e de fazê-lo submisso ao direito, bem 
assim tornar certa a ordem jurídica, fazer certo o direito. Positivado em lei, que 
pode ser conhecida de todos, dá-se maior estabilidade ao direito e protege-se o ci-
dadão contra a tirania, ou, pelo menos, se reduzem os meios de exercê-la. A exacer-
bação do positivismo jurídico, no entanto, terminou por criar um outro absolutismo, 
tão nocivo quanto o real que se queria abolir definitivamente: o absolutismo legal. 
E esse absolutismo legal tem propiciado abusos por parte do poder contra o 
homem, porque, como já notara Auguste Comte, “l’absolu dans la théorie conduit 
nécessairement a l’arbitraire dans la pratique” (Sistème de politique positive, v. IV, p. 102).
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humanidade a situações extremamente dolorosas e calamitosas, como a 
experiência nazista. E foi precisamente essa amarga experiência que 
estimulou a reação da Ciência ao puro normativismo16. A partir daí se 
passou a questionar se não há, no direito, algo mais profundo e arraigado 
ao sentido de homem e civilização do que os simples comandos do poder: 
os valores fundamentais da juridicidade; também, seria possível reconhe-
cer ao poder político o arbítrio de impor à comunidade normas com as 
quais ela não se conforma por não se coadunarem ao seu espírito?
Por outro lado, a sociologia, que vê o direito apenas como fato 
social, vale dizer, como conduta efetiva (que se costuma dizer eficaz) 
da sociedade em relação às normas, pretende desconhecer uma reali-
dade — a realidade normativa — que, muitas vezes por criação do 
espírito humano, consegue adaptar o homem a um padrão de conduta 
concebido abstratamente17.
Do mesmo modo, deforma o fenômeno jurídico a perspectiva que 
queira ver nele, apenas, a realização de valores. Os valores são funda-
mento, mas não constituem só por si o próprio direito.
Em nosso entender, a compreensão do fenômeno jurídico, em sua 
integralidade, não pode prescindir da visão em conjunto das três dimen-
sões a que nos referimos. Os valores, enquanto apenas considerados 
em si, portanto, quando ainda não traduzidos em normas jurídicas, não 
têm qualquer efeito vinculante da conduta social. A conduta social en-
quanto não consubstanciada em uma norma também não pode ser con-
siderada jurídica, uma vez que não produzirá o surgimento de relações 
jurídicas, com seu conteúdo de direitos →← deveres, pretensões →← obri ga-ções, ações →← situações de acionado, exceções →← situações de excep-tuados. A norma jurídica, por sua vez, que não revele os valores sociais 
16. Vide, por exemplo, os trabalhos de Radbruch, Eberhard Schmidt e H. Welzel, 
na coletânea Derecho injusto y derecho nulo, e o célebre discurso de Radbruch 
proferido durante sua reintegração na Universidade de Heidelberg, denominado 
“Cinco minutos de filosofia do direito”, publicado, como apêndice, na edição portu-
guesa de sua Filosofia do direito, v. 2º.
17. Apesar de ponderosas opiniões em contrário, não é possível negar às 
normas jurídicas uma função educativa, em decorrência da qual os padrões de con-
duta de uma comunidade podem mudar. As normas promocionais, como as nomeia 
Bobbio, têm a missão de criar, pela premiação, estímulos a novos comportamentos. 
Também através da punição, condutas algumas vezes consideradas comuns são 
abandonadas, dando margem a comportamentos segundo o sentido que a sanção quis 
obter. Por isso, entendemos ser necessário levar em consideração o fato de ocorrerem 
mudanças comportamentais como decorrência da atuação das normas jurídicas, 
portanto da adaptação do homem imposta pela comunidade.
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ou contrarie os valores fundamentais da juridicidade (paz social, bem 
comum, justiça, ordem, segurança) ou a natureza das coisas, ou, ainda, 
que não obtenha a adesão da comunidade, não poderá ser considerada 
uma norma jurídica na verdadeira acepção do termo. Desse modo, pa-
rece imperioso que o direito deve ser sempre analisado sob o tríplice 
aspecto dos valores, da norma e do fato, para que assim se possa ter uma 
ordem jurídica que, efetivamente, se realize no meio social, mesmo 
porque não se consegue jamais um isolamento completo nessas atitudes 
monistas. Exemplo ilustre dessa impossibilidade nos foi dado pelo pró-
prio Hans Kelsen. Apesar de todo o seu esforço para purificar o direito, 
não conseguiu furtar-se a imiscuir questão sociológica quando relacionou 
a eficácia do direito ao efetivo comportamento social, em um mínimo 
que seja, segundo os ditames da norma18.
§ 8º Corte epistemológico
É possível, contudo, por uma questão metodológica — não doutri-
nária —, tratar o fenômeno jurídico somente sob uma de suas dimensões, 
desde que, porém, não se esqueça de que o corte epistemológico que tal 
atitude representa não envolve uma exclusão dos outros aspectos da 
juridicidade. Há mesmo ramos da Ciência que se especializam em cada 
um deles. A Política Jurislativa (comumente chamada Legislativa)19, tão 
desprezada entre nós, é ramo da Ciência Positiva do Direito dedicado à 
dimensão política, de revelação das normas jurídicas. A Teoria Geral do 
Direito e as Ciências Dogmáticas estudam o direito como norma, por-
tanto cuidam da sua dimensão normativa, enquanto a Sociologia Jurídi-
ca ou Sociologia do Direito constitui a parte da Ciência Positiva do 
Direito — não da Sociologia Geral, como querem alguns — que exami-
na o direito na realidade social de sua realização.
Neste trabalho, propusemo-nos a estudar o fato jurídico sob o ângulo 
específico da Teoria Geral do Direito. Por esse motivo, devemos desen-
volvê-lo na dimensão normativa. Nesse particular, devemos a Pontes de 
Miranda, sem sombra de dúvida, a mais percuciente análise do direito. 
E é baseado em suas lições, principalmente, que procuraremos examinar, 
fase a fase, a fenomenologia da juridicidade.
18. Teoria pura do direito, v. I, p. 20.
19. Preferimos a expressão jurislativa por ser mais abrangente, porque se 
refere não somente à lei (legis + lativa), mas ao direito (jus) sobtodas as suas ma-
nifestações (que não se limitam à lei em suas várias formas de expressão: constitui-
ção, lei complementar, lei ordinária, lei orgânica, decreto-lei etc.), como os costumes. 
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	Capa
	CAPÍTULO I - O Fenômeno Jurídico

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