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Teoria do Fato Jurídico Plano da Existência Marcos Bernardes de Mello CAP 2

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Extraído de
Teoria do fato jurídico; plano da
existência
CAPÍTULO II - Norma e Fato Jurídico
54
CAPÍTULO II
Norma e Fato Jurídico
§ 9º A previsão normativa do fato jurídico
1. Norma jurídica e definição do mundo jurídico
Como procuramos deixar claro, o mundo jurídico é formado pelos 
fatos jurídicos e estes, por sua vez, são o resultado da incidência da 
norma jurídica sobre o seu suporte fáctico quando concretizado no mun-
do dos fatos. Disso se conclui que a norma jurídica é quem define o fato 
jurídico e, por força de sua incidência, gera o mundo jurídico, possibi-
litando o nascimento de situações jurídicas, que se desdobram em rela-
ções jurídicas com a produção de toda a sua eficácia constituída por 
direitos →← deveres, pretensões →← obrigações, ações e exceções, bem assim de outras categorias eficaciais como sanções, ônus e prêmios. (Da 
categoria eficacial ônus são as espécies de retribuições pecuniárias obri-
gatórias impostas por órgãos oficiais de representação e fiscalização do 
exercício de profissões [OAB, CREA, e. g.], ou exigidas para que se 
possa desenvolver certa atividade [como o seguro obrigatório para que 
se tenha um automóvel, e. g.], tão bem analisada por Eros Roberto Grau 
in Ônus, dever e obrigação: conceitos e distinções, RT 559/50 e s.) 
Desse modo, a norma jurídica constitui uma proposição20 através 
da qual se estabelece que, ocorrendo determinado fato ou conjunto de 
fatos (= suporte fáctico) a ele devem ser atribuídas certas consequências 
no plano do relacionamento intersubjetivo (= efeitos jurídicos). Então, 
proposição jurídica, para ser completa, há de conter, ao menos:
(a) a descrição de um suporte fáctico do qual resultará o fato ju-
rídico;
(b) a prescrição dos efeitos jurídicos atribuídos esse fato jurídico21.
20. A questão da estrutura lógica da norma jurídica não é simples e, por isso, 
dela trataremos mais detalhadamente adiante, no § 10.
21. Nossa concepção do que se deve entender por norma jurídica se encontra 
em nosso Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, § 3º, 3, i. Conforme anotamos 
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Parece mais do que evidente que uma norma jurídica que apenas 
descrevesse um suporte fáctico, sem imputar uma consequência jurídica 
ao fato jurídico correspondente, ou que prescrevesse certa eficácia jurí-
dica, sem relacioná-la a determinado fato jurídico, seria uma proposição 
sem sentido, do ponto de vista lógico-jurídico, embora até pudesse ser 
uma proposição linguística completa, com sentido.
2. Norma e ordenamento jurídico
2.1. Normas explícitas
Nos sistemas de direito escrito, as normas jurídicas, em geral, são 
expressadas através de proposições formuladas em textos sintéticos22, 
antes, neste estudo não levaremos em consideração a diferenciação que juristas 
fazem entre regras e normas, mesmo porque não há entre eles concordância quan-
to ao sentido desses vocábulos. Para alguns, regras seriam aquelas ditadas pelo 
legislador, meros enunciados ou textos sem sentido próprio, enquanto normas 
seriam as criadas pelo aplicador do direito (juiz, autoridade administrativa) a 
partir da interpretação das regras (realismo linguístico). Para Kelsen, regras seriam 
proposições descritivas das normas feitas pela Ciência Jurídica, enquanto normas 
seriam as postas pelo legislador (normas gerais e abstratas) e as criadas pelo juiz 
e autoridades ao aplicarem as normas gerais (normas individuais). Ainda há quem 
afirme que a norma seria gênero de que seriam espécies as regras (aquelas com 
disposições determinadas) e os princípios (aquelas com disposições com alto grau 
de indeterminação). Finalmente, para a doutrina clássica, não haveria distinção 
entre normas, que seriam as disposições legais específicas, e regras: seriam deno-
minações diferentes para o mesmo objeto, seriam vocábulos sinônimos. Esta última 
corrente às vezes distingue normas e princípios. Filiamo-nos a esta última vertente 
doutrinária, com a ressalva de que para nós os princípios são iguais a normas 
quaisquer, como veremos no texto.
22. Sob o aspecto da criação de normas jurídicas há dois principais sistemas 
conhecidos hoje em dia: os sistemas de direito escrito, também ditos de direito 
legislado ou ainda, como preferem os ingleses, sistema de direito continental (que 
revela a distinção quanto ao direito vigente na ilha, a Grã-Bretanha), e os sistemas 
de direito consuetudinário ou não escrito. Ao sistema de direito escrito estão 
vinculados quase todos os países civilizados, com exceção dos Estados Unidos 
da América, da Inglaterra e países cujos sistemas jurídicos foram estruturados 
sob a égide da Commonwealth, que adotam o sistema consuetudinário, e, com 
alguma reserva, os países muçulmanos, que têm um direito basicamente de origem 
religiosa.
Nos sistemas de direito escrito, as normas jurídicas, na sua quase totalidade, 
são expressadas sob a forma de proposições abstratas que se destinam, em geral, a 
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ordenados segundo uma metodologia própria com a finalidade de fazer 
deles um conjunto harmônico, ordenado e coerente, em que as diversas 
normas que o compõem se integram e se completam entre si23. Por isso, 
é mesmo comum haver proposições jurídicas em cuja formulação lin-
guística, geralmente elíptica, não se encontra expressa a descrição de 
suporte fáctico, ou a correspondente prescrição dos efeitos jurídicos. 
Tais proposições, evidentemente, se examinadas isoladamente aparen-
tam ser sem sentido lógico-jurídico; na verdade, porém, não no são, se 
consideradas integradamente dentro do conjunto das normas jurídicas 
que constituem o sistema jurídico. Essas situações são comumente 
regular situações futuras e consubstanciadas em documentos escritos, denominados, 
geralmente, diplomas legais ou legislativos. A sua elaboração exige a observância 
de normas procedimentais específicas pela autoridade que tenha a competência 
(= atribuição de poder) para tanto: o detentor do Poder Legislativo. De regra, esse 
poder de legislar (= de estabelecer normas jurídicas) é dividido entre vários órgãos 
que integram a estrutura estatal, que, em relação a alguns tipos de normas, podem 
agir isoladamente e para outros somente em conjunto. Tudo isso depende, natural-
mente, de como está organizado o poder de legislar em si e quanto ao seu exercício. 
(No Brasil essa matéria está regulada na Constituição Federal, arts. 59/69 e 166, 
basicamente.)
Nos sistemas de direito consuetudinário, diferentemente, as normas jurídicas 
são elaboradas, de ordinário, pelos órgãos judiciais que, analisando os costumes e 
as tradições do comportamento social, as revelam nas decisões de casos concretos. 
Essas decisões se tornam precedentes judiciais que, na seguida reiteração, passam 
a consubstanciar as normas de direito positivo daquele povo.
É necessário destacar, porém, que nem os diplomas legislativos do direito 
escrito nem os precedentes do direito consuetudinário esgotam as situações pos-
síveis de ser encontradas nas relações sociais. Por isso, nos sistemas de direito 
escrito admite-se, na falta de dispositivo legal expresso, a aplicação do costume, 
dos princípios gerais do direito, da analogia e, até, excepcionalmente, da equidade 
como norma jurídica. Da mesma forma, nos sistemas de direito consuetudinário 
há normas jurídicas que são expressadas em diplomas legais escritos. Não há, 
assim, um sistema puramente escrito ou exclusivamente consuetudinário. O que 
os caracteriza e os distingue é a predominância de determinada espécie de expres-
são das normas jurídicas.
23. É preciso ressaltar que as normas jurídicas nem sempre correspondem a 
um certo dispositivo legal. É possível, e comum, vários dispositivos legais se refe-
rirem à mesma norma (por exemplo: os dispositivos do Código Civil sobre proteçãopossessória), como é possível, embora menos comum, um mesmo dispositivo legal 
conter mais de uma norma (por exemplo: o art. 2º do Código Civil: uma norma se 
refere à aquisição da personalidade em decorrência do nascimento com vida; outra 
protege os direitos do nascituro, em decorrência da concepção).
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encontradas quando se trata de instituições jurídicas que, por defini-
ção24, constituem um conjunto de normas que regula determinada re-
lação jurídica25. Nessas espécies, por uma questão de técnica redacio-
nal, com objetivo de evitar repetições inúteis (e deselegantes para a 
linguagem), as proposições jurídicas são formalizadas de modo que 
umas pressupõem as outras, o que permite, em decorrência da ordena-
ção, que aquelas normas cujo suporte fáctico não esteja expresso no 
seu texto, sejam relacio nadas ao suporte fáctico de outra norma que 
lhes corresponder.
Exemplifiquemos. O Código Civil26 dispõe que “Salvo as exceções 
expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor 
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente 
deixou de lucrar”. Esse dispositivo não menciona, explicitamente, um 
suporte fáctico, mas, apenas, define a abrangência da expressão perdas 
e danos. Não define em que casos as perdas e danos são devidas. Esta 
seria uma norma incompleta se não fosse considerada como complemen-
to do art. 389 do Código Civil, o qual, ao dispor que, “Não cumprida a 
obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atuali-
zação monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e 
honorários de advogado”, define a indenizabilidade por “perdas e danos” 
como uma sanção aplicável ao inadimplemento das obrigações de cará-
ter econômico.
Há, ainda, normas jurídicas que são formuladas, precisamente, 
para integrar outras normas jurídicas, sem determinar efeitos jurídicos 
próprios. O Código Civil27 define: considera-se possuidor todo aquele 
24. Vide Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. I, § 41, 6; Lehmann, 
Tratado de derecho civil, v. I, p. 116. Essa é a concepção comum de instituição ju-
rídica. No entanto, doutrina elaborada por Hauriou (La teoría de la institución y de 
la fundación) de influência, especialmente, no direito de família e no direito comer-
cial, notadamente na área das sociedades anônimas, concebe a instituição como 
sendo um produto das relações sociais e, por isso mesmo, algo que estaria acima do 
direito positivo legislado que a recepciona por imposição mesma dos fatos sociais. 
Trata-se, como se vê, de uma concepção sociológica da instituição. Sobre isso, vide, 
além da obra citada, Gurvitch, Sociology of law, e Briseño, Categorias institucionales 
del proceso.
25. Exemplos de instituições jurídicas: casamento, posse, propriedade, contrato.
26. Art. 402 do Código Civil.
27. Código Civil, art.1.196.
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que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes ine-
rentes à propriedade. Essa norma, evidentemente, não imputa de modo 
específico efeitos jurídicos a certo fato, uma vez que não atribui direitos 
ou deveres a alguém em decorrência de um fato, mas, estabelecendo 
quem deve ser considerado possuidor, para os fins de direito, constitui 
norma integrativa de toda a instituição jurídica da posse. Assim é que, 
por exemplo, quando o Código Civil (art. 1.210) assegura que “o possui-
dor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído 
no de esbulho e segurado de violência iminente, se tiver justo receio 
de ser molestado”, está em verdade a dispor que todo aquele que tem de 
fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à pro-
priedade, tem direito a ser manutenido na posse, em caso de turbação, 
restituído, no de esbulho e segurado contra violência iminente que tiver 
justo receio de sofrer.
Sempre que, no sistema jurídico brasileiro, mesmo em situações 
não reguladas pelo Código Civil (salvo, naturalmente, norma especial) 
houver alguma norma que se refira à posse de coisas, aquela definição 
há de ser entendida como integrando-a. Do mesmo modo, o fato jurídico 
da morte de alguém constitui elemento dos suportes fácticos das normas 
do direito das sucessões, dentre outras; por isso, mesmo quando não men-
cionado expressamente nas normas, as integra28.
Parecidas com essas, as normas jurídicas remissivas não integram 
outras, mas as fazem integrantes suas, quer dizer: as normas jurídicas 
remissivas apanham outras normas e as consideram parte de seu conteú-
do. O parágrafo único do art. 436 do Código Civil faz, no seu texto, 
expressa remissão ao art. 438, também do Código Civil, donde se deve 
entender que as suas normas (do art. 438) compõem o conteúdo do art. 
436. O mesmo ocorre com as normas dos arts. 240 e 241 que fazem 
remissão aos arts. 239 e 238, respectivamente, todos do Código Civil.
Há, também, normas jurídicas que apenas complementam outras, 
ampliando ou restringindo os efeitos nelas definidos, ou modificando, 
parcialmente, a situação de fato prevista, como ocorre, por exemplo, no 
Código Penal, art. 121 e seus parágrafos, no que se refere a circunstân-
cias agravantes e atenuantes da pena.
28. São normas jurídicas integrativas, ainda como exemplo, as que compõem 
o Livro II da Parte Geral do Código Civil, que definem as várias espécies de coisas 
(ditas impropriamente bens).
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A integração das normas tem como pressuposto o sistema jurídico 
como um todo, não apenas a sua topologia nos textos legais. Assim, não 
importa que as normas jurídicas que se integram estejam colocadas em 
textos legais diferentes; o que importa, realmente, é que componham um 
mesmo sistema jurídico29. Quando o Código Civil se refere à indenização 
29. Embora os sistemas jurídicos tenham a sua vigência restrita a determina-
do território (princípio da limitação espacial do poder estatal), é possível que norma 
de um sistema jurídico seja aplicada em espaço jurídico onde vige outro sistema 
jurídico (vide, sobre o assunto, Pontes de Miranda, Comentários à Constituição 
de 1946, 3. ed., t. I, p. 50, e Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda 
n. 1/69, t. I, p. 57, e nosso Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, § 7º.3.iv).
As regras dos arts. 8º a 11 do Decreto-lei n. 4.657, de 4-9-1942 (anteriormente 
denominado, adequadamente, Lei de Introdução ao Código Civil e hoje apelidado, 
com absoluta impropriedade, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), 
por exemplo, admitem a aplicação no Brasil de normas jurídicas de outros países. A 
questão da aplicabilidade de normas de outros sistemas jurídicos se torna cada vez 
mais comum em vista da integração de países em razão de organizações de cunho 
econômico e político, como a Comunidade Europeia e o Mercosul, mas que condu-
zem à necessidade de uniformização legislativa e, mais ainda, jurisdicional.
Em doutrina, é comum ver-se o emprego indistinto das expressões ordena-
mento jurídico e sistema jurídico para designar o conjunto de normas jurídicas de 
uma comunidade jurídica. No entanto, nos parece indiscutível que designam objetos 
de diferentes ordens. Vejamos. 
Não há dúvida de que, considerando o complexo de normas, aí incluídos as 
regras e os princípios, que integram o direito de uma comunidade, por sua magni-
tude e multiplicidade de aspectos regulados, é impossível não ocorrerem conflitos 
de conteúdo entre algumas delas, ou que normas não sejam produzidas com violação de 
normas do processo legislativo. Do mesmo modo, é de todo evidente ser inadmis sível 
que possam existir normas conflitantes vigendo, simultaneamente, no mesmo am-
biente social, sob pena de nele instaurar-se o caos. Por isso, o próprio direito adota 
formas de eliminar asantinomias (= conflitos de normas do mesmo nível hierár-
quico) e as divergências entre normas de hierarquias diferentes, ou para repelir as 
violações ao processo legislativo. 
(a) No primeiro caso, resolvem-se as antinomias de conformidade com as 
regras que regulam a vigência das normas no tempo (= direito intertemporal), se-
gundo as quais, não havendo revogação expressa pela norma posterior, a norma mais 
nova revoga a anterior, completamente (ab-rogação), ou parcialmente (derrogação). 
Aqui não importa o nível hierárquico da norma. A posterior sempre revoga a anterior, 
mesmo que a mais antiga seja uma norma legislativa ordinária e a mais nova seja a 
constitucional. Se, porém, a lei ordinária nova conflita com anterior norma consti-
tucional, não tem efeito revocatório, pois será inconstitucional e, portanto, inválida, 
como se mostrará a seguir.
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(b) No segundo caso, não se cuida de revogação. Diferentemente, considera-
-se inválida a norma hierarquicamente inferior, ou, quando possível salvar-lhe algo 
do seu conteúdo, se lhe dá interpretação, com ou sem redução de texto, que a torne 
conforme com a norma superior; quando se trata de infração de norma do processo 
legislativo, a solução é a invalidação da norma resultante (= invalidade formal). 
Tanto a declaração de revogação da norma anterior, quanto a de invalidade 
da norma inferior ou de que essa deve ser interpretada conforme a norma superior, 
com ou sem redução de texto, são de competência privativa do Poder Judiciário, 
de modo que sua exclusão do ordenamento ou sua modificação dependem de deci-
são judicial pela autoridade competente (STF, e. g., para as questões de conflitos 
com a Constituição). Por isso, enquanto não reconhecida sua revogação ou não 
decretada sua invalidade pelo órgão judiciário competente, considera-se vigente a 
norma jurídica, donde, nesse meio tempo, conviverem as normas conflitantes den-
tro do ordenamento. 
Há outro aspecto a considerar. As normas jurídicas se referem, sempre, a si-
tuações fáticas, sejam elas criadas por condutas humanas, sejam por fatos da natu-
reza, estes quando, de alguma forma, interferem no relacionamento intersubjetivo 
dos seres humanos. Por isso, além dos conflitos das normas entre si, existe a possi-
bilidade de que seus conteúdos sejam incompatíveis com os fatos (condutas ou 
eventos) que regulam (= norma que contrarie a natureza das coisas, como a que 
pretendesse normatizar o uso da luz solar, do ar atmosférico pelos seres humanos, o 
horário de nascimento e por do sol, o fluxo das marés, p. ex.).
Enquanto existem incompatibilidade de contúdo das normas entre si, bem 
como do conteúdo da norma com a realidade fática a que ele se refere, falta coerên-
cia ao conjunto das normas jurídicas. Quando o conflito é apenas das normas entre 
si, diz-se que há incoerência, simplesmente; diz-se haver inconsistência quando o 
conflito é do conteúdo da norma com os fatos por ela regidos. (Em última análise e 
sem maior rigor terminológico, podemos dizer que consistência nomeia a coerência 
da proposição normativa com os fatos nela relatados, em que podemos chamá-la de 
coerência externa, para distinguí-la da coerência interna, das proposições norma-
tivas entre si.) 
Como visto, tanto a incoerência quanto a inconsistência podem ocorrer no 
conjunto normativo de uma comunidade jurídica, sem que isto o afete em sua intei-
reza e integridade. A esse conjunto de todas as normas vigentes em uma comuni-
dade jurídica, independentemente de que haja entre elas coerência ou de que sejam 
consistentes, denominamos ordenamento jurídico. 
Diferentemente, os sistemas lógicos são regidos, necessariamente, pelo prin-
cípio da coerência, segundo o qual são inadmissíveis incompatibilidades entre os 
elementos que o compõem. A incoerência desfigura o sistema. Pontes de Miranda 
várias vezes em sua obra se refere a que o sistema jurídico é sistema lógico que deve 
atender aos princípios da coerência e da consistência. Em rigor, porém, o sistema 
jurídico não é um sistema lógico, mas, sim, um sistema nomoempírico, consideran-
do que suas proposições (= normas) se referem a coisas. A sua natureza nomoempí-
rica, porém, não o exclui da necessidade de atender à exigência lógica da coerência 
interna (das normas entre si), mas lhe impõe observar outra exigência, a consistência, 
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no caso de homicídio faz componente seu a norma do Código Penal que 
define esse crime.
2.2. Normas implícitas
Os ordenamentos jurídicos, no entanto, não conseguem ser plenos, 
isto é, atender com suas normas objetivamente postas todas as situações 
da vida social que tenham um conteúdo jurídico. Por isso, quando se 
trata da integração das normas jurídicas e de sua expressão, é necessário 
ter-se em vista que há mais normas vigentes numa comunidade do que 
aquelas explicitadas nos documentos legislativos que compõem o orde-
namento jurídico30.
Atualmente, por força mesmo da investigação científica empregada 
no trato do direito, a melhor doutrina está de acordo em afirmar a impossi-
bilidade de que a realização do direito no ambiente social possa prescindir 
em razão da qual os conteúdos das suas proposições devem guardar compatibili dade 
com os fatos a que concernem (= coerência externa, por assim dizer).
A partir dessa exigência de coerência e de consistência para que se possa 
classificar um sistema nomoempírico, podemos definir o sistema jurídico como o 
conjunto das normas jurídicas vigentes em uma comunidade, livre de incoerências 
e inconsistências. É, portanto, o ordenamento purificado. Ordenamento e sistema 
jurídico podem coexistir; não se excluem. Visto desse modo, se os imaginarmos 
como círculos concêntricos, constataremos que o ordenamento abrange o sistema, 
por conter mais elementos que esse, ser mais amplo. 
A purificação do ordenamento para construção do sistema é obra da doutrina, 
que constata as incoerências e as aponta e, por isso, não depende das exclusões que 
devem ser feitas pelo Judiciário. O Judiciário efetiva a purificação, mas antes mes-
mo de que ocorra, o sistema já existe, pois são conceitos de ordens diferentes: o 
ordenamento é conceito próprio da Ciência do Direito, logo, dogmático, enquanto 
o sistema é conceito típico de Filosofia Jurídica, por conseguinte, pré-dogmático.
30. Essa problemática está ligada diretamente à questão das lacunas do direi-
to positivo. Já em 1888, Ehrlich (I fondamenti della sociologia del diritto, p. 80), 
chamava a atenção para o fato de que a lei não pode abranger a plenitude do direito, 
pois que este é constituído como uma ordem real da sociedade representada pela 
maneira como os homens se conduzem, verdadeiramente, em sua convivência. 
Desse modo, a lei criada pelo homem como regra abstrata, por ser incapaz de prever 
todas as hipóteses possíveis de ocorrer no relacionamento intersubjetivo, deixa si-
tuações sem regulamentação, ou as regulamenta parcial ou insatisfatoriamente. A 
insuficiência das normas jurídicas escritas, para prover todas as situações possíveis, 
torna inevitável que as proposições jurídico-positivas, as leis, não deixem áreas em 
branco, campos em que a regulamentação seja incompleta.
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62
da revelação de normas jurídicas que preencham os vazios deixados pela 
legislação. Essa atividade reveladora de normas jurídicas com a finalidade 
de suprir as lacunas do ordenamento jurídico não é nem pode ser consi-
derada, em face dos dogmas do positivismo, uma atuação legislativa. O 
que ocorre, na verdade, é que o intérprete (geralmente o juiz) na solução 
dos casos, tomando como fundamento os princípios que norteiam o sis-
tema jurídico, extrai norma que torna específico aquele princípio. Assim, 
não hácriação de norma nova, mas, apenas, revelação de norma que 
existe de modo não expresso, implícito, no sistema jurídico.
Como referimos anteriormente, o direito de uma comunidade deve 
refletir, sempre, os valores que a inspiram e orientam. Nesse sentido, o 
dado axiológico que existe no direito é determinante da orientação impri-
mida ao sistema jurídico, principalmente quanto à definição dos princípios 
que fundamentam suas instituições. Os microssistemas31 que integram o 
universo jurídico de certa sociedade têm sua estrutura conceptual funda-
da em princípios gerais que, de forma bastante ampla, com extrema ge-
neralidade, fixam a estimação (valoração) da comunidade sobre os fatos 
da vida. A legislação, quando regulamenta os fatos, torna específico, em 
preceitos, aquilo que se encontra ínsito na generalidade dos princípios. 
Com essa afirmativa queremos dizer que há princípios que norteiam e 
que dão sentido ao sistema, e as normas são como uma tradução porme-
norizada desses princípios. Quando, por exemplo, o Código Civil dispõe 
sobre a indenização dos danos, haja ou não conduta ilícita de quem os 
causou, está detalhando em regras específicas o princípio da transubjeti-
vidade da responsabilidade civil32; assim também quando regulamenta a 
31. Empregamos a expressão microssistema para designar as várias áreas em 
que se dividem as normas jurídicas, como direito civil, direito penal etc.
32. No direito brasileiro a responsabilidade de indenizar por dano não tem na 
culpa, portanto na ilicitude, um pressuposto necessário, de modo que há responsa-
bilidade civil pelo dano que se causa sem ilicitude, como consequência ato-fato 
jurídico (lícito) indenizativo (Vide adiante no § 35, 2). Mesmo quando se trata de ato 
ilícito, a culpa não constitui elemento essencial. Nessas espécies a responsabilidade 
civil pode decorrer do que Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, t. II, § 
163, 1 et passim) denomina princípio da transubjetividade da responsabilidade 
civil porque: (a) não se limitando à culpa, vai além da subjetividade, mas, (b) em-
bora considere objetivamente o dano, não se cinge à pura objetividade. O princípio 
da transubjetividade supõe a possibilidade de o responsável eximir-se da obrigação 
de indenizar provando alguma circunstância atribuível à vítima ou a terceiro. Dessa 
espécie são exemplos as hipóteses previstas no art. 936 do Código Civil. Vide adian-
te sobre a transubjetividade no capítulo referente aos atos ilícitos.
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propriedade e a posse pormenoriza o princípio da propriedade privada. 
Do mesmo modo, quando a Constituição estabelece regras de convivên-
cia e de repartição de competências entre a União, Estados-membros, 
Territórios e Municípios, está minudenciando o princípio federativo que 
norteia a organização estatal33.
Diante disso, é claro que o direito de uma comunidade não se res-
tringe à legislação, às normas jurídicas explicitadas em textos legislativos 
escritos, mas envolve outras que existem de modo implícito integrando 
o sistema jurídico34.
33. Dentro dessa ordem de ideias parece claro que a integração do sistema, 
pelo juiz, quando não haja norma específica para o caso concreto, não pode ser 
considerada uma atividade legislativa, ou mesmo jurislativa autônoma, porque a 
liberdade que lhe é concedida se limita à busca de norma que dê sentido jurídico à 
conduta segundo a analogia, os costumes ou os princípios gerais de direito. A sua 
função, assim, não tem um caráter autônomo e muito menos impositivo de legislador 
(que manda até contra os costumes e os princípios e os reforma), mas de cientista 
que pesquisa a matéria social viva — os costumes, os valores comunitários etc. — ou 
no material jurídico — legislação, jurisprudência, doutrina — para extrair deles a 
norma que melhor possa realizar os valores da sociedade. Excepcionalmente, o 
sistema jurídico permite ao juiz decidir segundo a equidade, oportunidade em que 
lhe cabe a tarefa de revelar o direito segundo os valores que o inspiram (o sistema). 
Afora essa hipótese, ao juiz compete aplicar as normas postas pelo legislador, deci-
dindo os casos concretos. No direito brasileiro há permissivo expresso para que o 
STF estabeleça normas jurídicas em certas circunstâncias (Lei n. 9.868/99, art. 27).
34. No entanto, após a sua especificação pela jurisprudência ou pela ciência 
(doutrina), desaparece a sua indeterminação e, portanto, passa ela a integrar o próprio 
sistema jurídico.
Nos sistemas de direito escrito, as normas costumeiras somente são admissíveis 
com efeitos vinculativos da conduta, ou seja, com natureza jurídica, quando não haja 
normas escritas específicas sobre o fato, nem seja possível dar-lhe um sentido jurí-
dico pela aplicação analógica de outras normas jurídicas. Disso resulta que a norma 
jurídica costumeira é completa, em si, pois contém a descrição do suporte fáctico e 
os elementos de identificação do preceito. Não há necessidade de confronto com as 
demais normas e princípios escritos do sistema, precisamente porque elas, as normas 
costumeiras, só existem como decorrência da inexistência de normas escritas.
Nos sistemas de direito consuetudinário, a questão se coloca exatamente como 
nos sistemas de direito escrito. As normas jurídicas nesses sistemas não são indeter-
minadas permanentemente. Ao contrário, constituem documentos jurisprudenciais 
e até doutrinários, determinados e escritos; apenas não são documentos legislativos, 
no sentido de serem ditados pelo legislador. Integram, no entanto, um sistema e como 
tal devem ser tratados. A diferença, portanto, entre os dois sistemas parece residir, 
em última análise, no grau de especificação das hipóteses de fatos jurídicos e das 
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64
No sistema jurídico brasileiro essas normas implícitas são reveladas 
a partir da aplicação analógica (analogia) de normas explícitas, do cos-
tume, dos princípios gerais do direito e, em casos excepcionais, da equi-
dade. Dessas, as que se prestam à integração de outras normas do orde-
namento são os princípios gerais que embasam o sistema jurídico. Esses, 
até quando, muitas vezes, não constando de normas expressas, devem 
sempre ser considerados integrantes de normas com eles compatíveis. 
Assim, por exemplo, o princípio da ilicitude do enriquecimento sem 
causa, segundo o qual a ninguém é dado obter vantagens patrimoniais 
sem que haja uma causa jurídica lícita que as justifique, é norma que há 
de ser considerada integrante de todas as demais normas jurídicas do 
sistema nas quais se estime a possibilidade de ocorrer o enriquecimento 
injustificado. Igualmente, o princípio da boa-fé no tráfico jurídico. Em 
alguns sistemas jurídicos, esse princípio é explicitado em norma jurídica35, 
podendo implicar, até, nulidade do ato jurídico a sua violação, como 
ocorre hoje no direito brasileiro em face do Código de Defesa do Con-
sumidor, art. 51, IV. Em outros, embora não haja norma expressa, a boa-
-fé constitui princípio fundamental de todo o direito contratual. Por isso 
a boa-fé dos figurantes na formação e na execução do contrato represen-
ta questão limite, motivo pelo qual há de ser atendida sempre que haja 
necessidade de interpretação das relações contratuais podendo, inclusive, 
ser causa de nulidade de negócios jurídicos. 
O sistema jurídico não continha qualquer regra expressa sobre a 
boa-fé. O Código Civil de 2002, no entanto, adotou norma semelhan-
te à do BGB, estabelecendo no art.113 que os negócios jurídicos devem 
ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebra-
ção. Segundo nos parece, apesar dessa norma explícita, uma interpre-
tação sistemática do Código Civil nos leva à conclusão de que o legis-
lador de 2002 não se limitou a considerar a boa-fé apenas um princípio 
de interpretaçãonegocial. Isto constituiria evidente retrocesso, em face 
do avanço alcançado no campo do direito do consumo em que foi 
erigido a elemento de validade dos negócios jurídicos. Em verdade, 
conforme mostramos em nosso Teoria do fato jurídico; plano da vali-
dade, §§ 13, 30 e 31, embora no art. 166 não haja explícita indicação 
consequências jurídicas correspondentes, que é maior no direito escrito. De resto, 
deve-se proceder considerando-se a norma em sua condição de parte de um sistema, 
sujeita, assim, à interação de outras normas e princípios gerais.
35. Código Civil alemão (BGB), § 157, e Código Civil italiano, art. 1.337, por 
exemplo. 
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65
da boa-fé como pressuposto de validade dos negócios jurídicos, ao 
considerar, no art.187, a má-fé (= falta boa-fé), juntamente com a 
imoralidade do objeto (contrariedade aos bons costumes), causas de 
ilicitude no exercício dos direitos (= abuso de direito), e ter a contra-
riedade aos bons costumes (= imoralidade) como motivo de ilicitude 
e nulidade das determinações inexas (= condições negociais), nos arts. 
122 e 123, II, as erigiu (boa-fé e moralidade) como requisitos de vali-
dade dos negócios jurídicos.
Essas considerações servem para demonstrar que as normas jurí-
dicas analisadas como parte do sistema jamais podem constituir propo-
sições jurídicas incompletas, como pretende Larenz36, uma vez que, 
integrando, remitindo, ampliando, restringindo ou modificando outras 
normas, terão sempre o sentido jurídico de ordenar a conduta humana. 
Por isso não se pode considerar norma jurídica cada dispositivo de uma 
lei — do Código Civil, por exemplo — mas, sim, o conjunto de propo-
sições que no seu todo, sistematicamente, constituam uma norma com-
pleta, com descrição de uma situação fáctica (= suporte fáctico) e a 
prescrição de uma consequência (= preceito), portanto, uma proposição 
com sentido lógico-jurídico.
Por isso, podemos dizer que as normas jurídicas não existem sem 
conexão entre si, mas se encadeiam de modo a constituir a unidade do 
sistema jurídico que, afinal, integrado por normas e princípios, torna-se 
pleno e abrange todo o direito de uma comunidade. Qualquer atitude de 
análise científica do direito, portanto, tem de dar a ênfase devida a essa 
conexão e harmonia internas do sistema, sem maiores considerações ao 
exame preocupado apenas com as regras vistas isoladamente.
2.3. A normatividade dos princípios jurídicos
Várias são as objeções à ideia de princípio com força normativa. 
Alguns se referem a que os princípios não atenderiam os requisitos ca-
racterizadores de normas jurídicas, pois não conteriam em sua enuncia-
ção um preceito que definisse sua eficácia jurídica, muito menos uma 
sanção para a hipótese de descumprimento, nem teriam efeito vinculante, 
porque não incidiriam. Tais objeções não têm substância, como passa-
remos a demonstrar. 
36. Metodología de la ciencia del derecho, p. 174.
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(a) A fonte dos princípios
Há doutrinadores que asseveram que os princípios jurídicos seriam 
valores, tão somente. Sem razão, no entanto. Em verdade, os princípios 
jurídicos não são valores em si, mas, sim, grosso modo, constituem a 
expressão dos valores que inspiram o direito de uma comunidade jurí-
dica determinada, o repositório desses valores. Os valores representam 
dado axiológico essencial na estruturação do ordenamento jurídico de 
uma comunidade. São, portanto, eleitos pela comunidade ao longo de sua 
existência e sedimentados em seu comportamento. Por isso, devem ser 
os elementos-guia determinantes do comportamento de quem detenha na 
comunidade o poder de revelar as normas jurídicas, atribuindo essência 
jurídica às normas comportamentais existentes na sociedade.
Daí, é possível afirmar, sem receio de errar, que os princípios jurí-
dicos, mesmo quando não têm seu reconhecimento pela autoridade 
normativa (= constituinte, legislador), expressando-os em normas explí-
citas nas constituições e leis, estão presentes, implicitamente, no sistema 
através da enunciação das leis neles inspirados, como já mencionado. 
Por isso, é preciso destacar que existem princípios explícitos e princípios 
implícitos, como ocorre com as normas em geral. 
(b) A estrutura formal dos princípios 
Conforme analisamos no § 10, a seguir, duas são as principais 
correntes doutrinárias que divergem quando se trata de caracterizar uma 
norma jurídica por sua estrutura formal: (i) não sancionista, segundo a 
qual para ser considerada norma jurídica, do ponto de vista lógico-formal, 
é tão somente necessário que tenha uma estrutura proposicional com-
posta, essencialmente, pela descrição de um suporte fáctico e a prescri-
ção de um preceito; e (ii) sancionistas que entendem ser indispensável 
que a proposição contenha uma sanção.
Analisada a estrutura lógico-formal dos princípios, chegaremos à 
conclusão de que atende aos pressupostos de completude, seja qual for 
a óptica adotada para considerá-la. Vejamos. 
(i) Examinada a estrutura lógico-formal do ponto de vista da dou-
trina não sancionista, constatar-se-á que os princípios atendem os requi-
sitos para que se considere uma proposição normativa completa, pois 
sempre contêm a descrição de um antecedente (= suporte fáctico) e a 
pres crição de um consequente (= preceito), embora, em geral, sejam for-
mulados com acentuado grau de indeterminação, o que não é bastante 
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para descaracterizar o seu caráter normativo. Seja qual for o nível de 
generalidade linguística da proposição que enuncia o princípio, é pos-
sível identificar o seu suporte fáctico e seu preceito, relacionando-o 
a dados da realidade, completa está sua estrutura lógico-formal. É 
verdade, a grande generalidade com que, em regra, são formulados os 
princípios pode induzir a que nem sempre sejam vistos (= identificados) 
os elementos de sua estrutura normativa, e nisto reside o maior proble-
ma para que se admita que o princípio constitui uma norma jurídica 
completa. Se, entretanto, considerarmos que o maior ou menor grau de 
determinação, tanto em relação ao suporte fáctico, como ao preceito, 
é absolutamente irrelevante quando se trata de caracterizar normas 
jurídicas e que, por isso, não pode ser erigido à categoria de pressu-
posto configurador da normatividade, temos de concluir, à evidência, 
que os princípios são apenas casos de normas em que existe indeter-
minação na expressão dos elementos de sua estrutura lógica (vide, 
adiante, o § 15). 
Tomemos alguns exemplos para demonstrar a afirmativa: 
(i.a) o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput), ao 
enunciar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer 
natureza, descreve como suporte fáctico a existência de pessoas em si-
tuações fácticas ou jurídicas iguais, e por preceito o deferimento de 
direito às pessoas nessas situações de serem tratadas com igualdade e 
do correlato dever das autoridades públicas (inclusive o legislador) e, 
em geral, de qualquer particular, pessoa física ou jurídica, de não darem 
às outras pessoas, sejam quais forem, em leis, em atos administrativos 
e em relações sociais, tratamento diferenciado quando estiverem em 
iguais situações fácticas ou jurídicas; e, inversamente, impõem-lhes 
vedação de tratar com igualdade pessoas em posições que sejam desi-
guais. O direito que decorre da eficácia jurídica desse princípio tem 
caráter de direito subjetivo absoluto (porque se dirige a todos); 
(i.b) o princípio da universalidade da capacidade jurídica (Código 
Civil, art. 1º) tem por suporte fáctico a existência de seres humanos, 
independentemente de seu grau de sanidade física, intelectual ou mental, 
de sexo, cor, raça, religião, ideologia política etc., e porpreceito a atri-
buição a todos da capacidade de ser sujeito em uma situação jurídica 
(= possibilidade de ser titular de direitos e deveres); 
(i.c) o princípio da presunção de inocência do acusado criminal-
mente (CF, art. 5º, LVII), tem por suporte fáctico a existência de alguém 
acusado da prática de um crime e por preceito a atribuição do direito 
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subjetivo de não poder ser considerado criminoso enquanto não tran-
sitada em julgado sentença em que seja condenado;
(i.d ) o princípio da indenizabilidade dos danos causados por erro 
judiciário tem por suporte fáctico o fato de alguém, por erro, ser conde-
nado criminalmente, constituindo seu preceito o direito subjetivo daquele 
que assim for condenado de ser ressarcido pelos danos materiais e 
morais que lhe advierem da condenação. 
Em todas as espécies acima o direito que é atribuído se subjetiva 
e é acobertado por pretensão que o torna exigível, e por ação, que o faz 
impositivo. Vê-se, assim, que em face da doutrina não sancionista nada 
há que objetar quanto ao caráter normativo dos princípios em relação à 
estrutura lógico-formal da proposição.
(ii) Da mesma maneira, se estudarmos o problema em face da 
concepção sancionista, que exige haver uma sanção punitiva como dado 
essencial para caracterizar uma norma jurídica, iremos, forçosamente, 
concluir que os princípios atendem a esse requisito.
Realmente, na formulação linguística dos princípios não se encon-
tra disposição expressa cominando uma sanção específica para a sua 
violação. No entanto, conforme já anotamos, a coercibilidade do direito, 
que constitui seu fundamento de impositividade, se materializa nas 
sanções e estas são de naturezas várias, incluindo-se aquelas que sim-
plesmente privam certos atos de produzirem vantagens em favor de quem 
os pratica (vide §§, 16, 2, e). A invalidade é exemplo dessas sanções que, 
genericamente, dão coercibilidade aos sistemas jurídicos para garantir 
sua integridade. No plano dos direitos privados, existe o princípio de que 
é nulo todo ato jurídico que infrinja norma jurídica cogente que não 
preveja outra sanção para a sua violação. Do mesmo modo, no campo 
do direito público é sujeito à nulidade o ato do Poder Público que viola 
norma jurídica impositiva. Quando se trata de leis ou atos normativos, 
rege o princípio de que são nulos os que violam disposições constitucio-
nais, bem assim os atos normativos infralegais que conflitem com normas 
de hierarquia superior. A nulidade é, portanto, uma sanção específica 
para reprimir atos que conflitem com disposições constitucionais e legais 
(vide § 64, 3.3.2 e s.). 
Por isso, toda vez que o Poder Judiciário decreta a nulidade, por 
inconstitucionalidade, de uma lei ou ato do poder público por haver 
violado um princípio constitucional está aplicando uma sanção ao ato 
de violação. O mesmo ocorre quando o STF emite uma norma para re-
gular situação em que haja omissão do poder público em dar efetividade 
a princípio constitucional fundamental, ou declare que a norma deve 
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ser interpretada segundo a Constituição, com redução ou não do texto. 
Pode parecer incorreto, ou mesmo sem sentido, considerar a criação da 
norma pelo Judiciário como uma sanção. Se considerarmos, entretanto, 
o conceito amplo de sanção, chegaremos à conclusão de que, quando o 
Supremo Tribunal emite a norma reguladora, atuando em substituição 
ao órgão responsável pela omissão, exclui do ordenamento a norma con-
flitante ou lhe dá interpretação conforme a Constituição, reduzindo-lhe 
o texto, ou não, assume e exerce competência privativa do legislativo, o 
que, em última análise, constitui uma punição a esse órgão e um modo 
de impor o poder vinculante do princípio, fazendo cessar a sua violação 
representada pela omissão.
Poder-se-ia alegar, em contrário, que a doutrina kelseniana não 
admitiria uma sanção não expressa na própria norma como suficiente 
para assegurar o caráter normativo da disposição, o que invalidaria nos-
so argumento. Isto, porém, não é verdadeiro, uma vez que é o próprio 
Kelsen quem afirma que há normas jurídicas que têm sua sanção defi-
nida em outras normas. Tais normas não deixariam de ter sua natureza 
jurídica, apenas, em sua visão, seriam o que ele denomina normas não 
autônomas (Teoria pura do direito, v. I, 110).
Concluindo, parece absolutamente correto afirmar que os princípios 
atendem aos pressupostos lógico-formais referentes às normas jurídicas, 
donde não se lhes poder, por isso, negar o caráter normativo. 
(c) Princípios explícitos e princípios implícitos
Como ocorre com as normas jurídicas, há princípios que são enun-
ciados explicitamente em dispositivos constantes de documentos legis-
lativos. Nos últimos tempos, a necessidade de preservar e declarar im-
positivamente os valores que inspiram a comunidade jurídica fez com 
que os constituintes e os legisladores infraconstitucionais se preocupas-
sem em positivar em textos legislativos os princípios que a regem: são 
os princípios explícitos.
A par desses, no entanto, há muitos princípios que permanecem 
implícitos no sistema jurídico; alguns são reveláveis através das normas 
jurídicas que constituem detalhamento de seu conteúdo, de que são 
exemplos o princípio da imutabilidade relativa do prenome (Lei n. 6.015, 
arts. 56 e 57), o princípio da essencialidade de domicílio (Código Civil, 
art. 73), o princípio da boa-fé negocial (Código Civil, art. 422), o princípio 
da função social do contrato (Código Civil, art. 421), o princípio do 
autorregramento da vontade (Código Civil, art. 421). 
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A circunstância de ser explícito ou implícito um princípio não afeta 
sua normatividade, como não afeta as normas jurídicas em geral. Os princí-
pios exigem generalidade, nunca especificidade. Por isso, é preciso receber 
com reservas a atitude de certos doutrinadores que veem em cada norma 
jurídica um princípio, de modo que tudo no sistema seriam princípios.
(d) A característica da incidência
Finalmente, os princípios incidem? Em relação a essa exigência, 
também não há como negar que os princípios são dotados do poder de 
incidir sobre seu suporte fáctico, criando fatos jurídicos, e, por isso, são 
vinculantes das condutas a que se referem. A aplicabilidade das normas 
jurídicas, já mostramos, depende de sua incidência, de modo que somen-
te podem ser aplicadas quando incidem (a aplicação em desacordo com 
a incidência constitui ato contra legem). Pela incidência é que os fatos 
da vida são regrados e as condutas correspondentes ficam vinculadas à 
norma jurídica. Ora, quando o Judiciário decreta a inconstitucionalidade 
de certa lei ou ato do poder público, por conflitar com determinado 
princípio constitucional, está, em última análise, a aplicar aquele prin-
cípio, que declara incidente sobre a situação concreta (ato legislativo ou 
administrativo) e, por conseguinte, que o comportamento do legislador 
ou do administrador público foi ilícito. Se o princípio não fosse vincu-
lativo, se o poder político (ou qualquer um a quem se dirigisse o princí-
pio) pudesse agir livremente, contrariando-os, sem que houvesse qualquer 
instrumento de reação (= sanção) do sistema jurídico destinado a repe-
lir a violação e, portanto, apto a manter a sua integridade, como um todo, 
e a vigência de suas normas, em particular (conceito lato de sanção), 
então e somente então seria possível afirmar que os princípios não inci-
dem e, por isso, não têm caráter normativo. 
Não é isso, no entanto, o que acontece, ao menos, atualmente. A 
doutrina do STF, elaborada a partir da Constituição de 1988, firmou-se 
no sentido de que também há inconstitucionalidade quando ocorre in-
fringência direta de princípioconstitucional, bem assim até quando 
existe omissão do poder político em dar efetividade a um princípio 
fundamental. Disto resulta evidente que na decisão que decreta a incons-
titucionalidade, quer anulando a lei ou ato do poder público, quer emi-
tindo norma para regular o caso concreto, ou interpretando a norma 
segundo a Constituição, com ou sem redução de texto, substituindo-se 
ao órgão omisso, o STF dá aplicação ao princípio constitucional contra 
sua violação, por ato ou omissão, e constitui um reconhecimento de seu 
poder vinculante (de incidência).
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(e) O problema das normas ditas programáticas
Essas observações, a nosso ver, aplicam-se não somente a qual-
quer princípio constitucional ou infraconstitucional, mas, também, a 
outras normas expressadas genericamente e sem disporem textualmente 
sobre uma sanção específica, como as constitucionais denominadas 
programáticas.
Em verdade, as normas programáticas, em geral, não podem gerar 
inconstitucionalidade por omissão, porque, de ordinário, apenas definem 
o programa de governo sem impor sua realização efetiva. O mesmo não 
ocorre quanto à inconstitucionalidade por ação. Com efeito, se o poder 
político age de modo contrário ao programa nela definido há violação 
da norma constitucional, cabendo ao Poder Judiciário promover o con-
trole da constitucionalidade do ato, decretando sua inconstitucionali-
dade. Acrescente-se que, se o programa constitucional for impositivo 
(v.g. norma que determine ao Executivo a implementação de certa polí-
tica em determinado tempo), vencido o termo fixado sem que haja cum-
primento do comando, há possibilidade de controle jurisdicional, em 
face da omissão. A nosso ver, as normas programáticas não impositivas 
têm caráter de normas não cogentes, desde quando, ao permitirem ao 
governante decidir sobre sua aplicação segundo juízo de conveniência 
(= poder discricionário), oferecem opção entre realizá-las ou não. 
Finalmente, como parece evidente, os princípios, assim os constitu-
cionais como também os infraconstitucionais, preenchem os pressupostos 
lógico-formais e materiais exigidos para que uma proposição tenha cará-
ter normativo. Apesar da generalidade como são formulados seus conte-
údos, neles há a descrição de um suporte fáctico e a prescrição de um 
preceito. Do mesmo modo, não há como negar-lhes o poder de incidir 
sobre os fatos que eles preveem e, assim, de vincular condutas a eles rela-
cionadas. Não há, portanto, como negar o caráter normativo dos princípios 
jurídicos e das normas constitucionais programáticas.
§ 10. A estrutura lógico-formal da norma jurídica
1. Expressão essencial da norma jurídica
A norma jurídica, já dissemos, prevê fatos (suporte fáctico) aos quais 
imputa certas consequências (= eficácia jurídica) com implicações no 
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plano do relacionamento intersubjetivo. A primeira parte do art. 2º do 
Código Civil brasileiro (“a personalidade civil da pessoa começa do nas-
cimento com vida”), por exemplo, constitui norma jurídica que atribui 
ao fato do nascimento de um ser humano com vida o efeito jurídico de 
considerá-lo pessoa para os fins de direito. Assim, por força dessa norma 
jurídica, sempre que um homem nascer com vida será, a partir daquele 
momento, considerado capaz de ser titular de direitos e deveres na ordem 
civil (o que constitui o conteúdo da capacidade jurídica).
Do ponto de vista lógico-formal, a norma jurídica constitui uma 
proposição hipotética que, usando-se a linguagem da lógica tradicional, 
pode ser assim expressada: “se SF então deve ser P”, em que a hipótese 
(= antecedente) é representada pelo suporte fáctico (SF) e a tese (= con-
sequente) pelo preceito (P)37.
2. Sancionistas e não sancionistas38
O problema da estrutura lógica da norma jurídica, no entanto, não 
é tão simples como pode parecer; as questões que envolve, mercê de sua 
complexidade, têm provocado profundas divergências doutrinárias. 
Basicamente, porém, podemos sintetizar essas divergências em duas 
posições principais, a saber:
2.1. Norma primária e norma secundária (sancionistas)
Para Hans Kelsen39, a norma jurídica completa teria uma estrutura 
dúplice, constituída por uma norma primária e uma norma secundária, 
37. Um exemplo facilitará o entendimento. O Código Civil dispõe:
“Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica 
habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.
Nessa norma, temos: (a) como hipótese SF (suporte fáctico) o fato de alguém 
completar dezoito anos de idade e (b) como tese P (preceito) a aquisição da maio-
ridade, ou seja, da habilitação para a prática de todos os atos da vida civil.
38. Expressões usadas por Norberto Bobbio, Teoria della norma giuridica, p. 
209 et passim.
39. A concepção normativista do direito, como construída por Hans Kelsen, 
tem como fundamentos as ideias de que (a) o mundo do direito seria constituído, 
exclusivamente, por normas e (b) uma norma social para ser considerada jurídica 
deveria conter, necessariamente, uma sanção punitiva. Em verdade,
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(a) segundo o normativismo kelseniano no plano da juridicidade, haveria 
(i) normas gerais e abstratas postas pela comunidade jurídica através de seus órgãos 
legisferantes, segundo procedimentos determinados pelas Constituições, e (ii) nor-
mas individuais, consubstanciadas em atos de órgãos (= autoridades estatais, juízes 
e outros agentes públicos administrativos) competentes para aplicar as normas 
gerais, adequando-as às condutas ocorrentes no mundo social e aplicando as sanções 
cabíveis. Portanto, todo ato de autoridade, seja judicial (= sentenças), seja adminis-
trativo (= atos administrativos), que torna concretas as disposições de uma norma 
geral decretada pelo legislador, pela aplicação às situações que se materializam 
no meio social, constituiria uma norma jurídica. Por isso, diz-se que o juiz e outra 
autoridade competente criariam normas jurídicas. Mas não somente isto. Para 
Kelsen até os efeitos jurídicos também seriam normas jurídicas. Assim, o direito 
subjetivo e o dever seriam normas jurídicas (Teoria pura do direito, p. 151 et passim. 
A edição que citamos é a publicada por Martins Fontes). Pessoa do ponto de vista 
jurídico seria um complexo de normas (p. 193). Desse modo tudo o que integra o 
plano da juridicidade seria norma jurídica. Não haveria, assim, fatos jurídicos e 
atos jurídicos, com valor jurídico de criar direitos e deveres, precisamente porque 
os indivíduos, não sendo órgãos estatais competentes, não têm poder de criar norma 
jurídica; os fatos e atos jurídicos, dessarte, seriam apenas atos de cumprimento e 
de observância das normas postas.
(b) Também para Kelsen, constituiria dado essencial da juridicidade de uma 
norma que contenha a previsão de uma punição para aquele que realizar conduta 
contrária ao comando normativo. Essa necessidade estaria pressuposta pela própria 
norma fundamental (p. 56) que seria o fundamento de validade do ordenamento 
jurídico. Conforme o pensamento kelseniano, haveria normas autônomas, assim 
consideradas aquelas que prescrevem uma sanção aplicável às condutas que a con-
trariem, e normas não autônomas, quando a sanção para punir sua violação esteja 
prevista em outra norma (p. 60).
Essas concepções, a nosso ver, consubstanciam tão somente uma ideia formal 
do fenômeno jurídico, destoante de sua realidade. Quando se admite que o universo 
jurídico seja formado apenas por normas deixa-se sem explicação quase tudo o que 
ocorre em seu seio. O universo jurídico é, em verdade, criação dos fatos jurídicos 
que, por sua vez, são criação de normas jurídicas. Conforme já mencionamos, a 
norma sozinha não produz coisa alguma; somentesua incidência sobre o fato, fa-
zendo-o jurídico, tem significado. Se os indivíduos não têm poder de criar normas 
e se somente normas geram efeitos jurídicos, como explicar os efeitos jurídicos 
decorrentes de atos praticados, segundo as leis, pelas pessoas, como, por exemplo, 
a aquisição da propriedade por Mário do relógio que era de João e a de João da bici-
cleta que era de Mário em razão de uma troca feita pelos dois? Depois, dizer que 
tudo no direito seja apenas punitivo e que cada norma deva ter sua sanção específica 
ou que, excepcionalmente, a busque em outra, também específica, exclui-se do 
mundo jurídico uma gama enorme das mais importantes normas jurídicas. Como, 
admitida essa ideia, justificar o poder normativo dos princípios, por exemplo? Vide 
algumas outras observações no texto, adiante.
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e configuraria um juízo hipotético cuja expressão em linguagem lógico-
-formal seria: se F então deve ser P (norma secundária), se não P então 
deve ser S (norma primária)40.
Nessa fórmula, as variáveis proposicionais representam: a) F a 
situação de fato prevista (= suporte fáctico); b) P, a conduta humana 
que a norma ordena como devida em decorrência da situação de fato F 
(= preceito); c) não P a conduta humana contrária ao preceito P, isto é: 
o descumprimento da norma (= suporte fáctico); d) S a sanção pelo 
descumprimento (= preceito).
Usemos um exemplo para melhor esclarecer. O art. 389 do Código 
Civil dispõe: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas 
e danos (...)”.
Essa norma deve ser lida como se estivesse assim redigida: Havendo 
uma dívida, o devedor deve cumprir a sua obrigação como pactuada. 
Se não cumpri-la, responde por perdas e danos.
Decompondo a norma segundo os elementos da fórmula, teremos:
A) norma secundária
a) F (suporte fáctico) = havendo uma dívida;
b) P (preceito) = o devedor deve cumprir a obrigação conforme 
pactuada;
B) norma primária
c) não P (descumprimento da norma) = se o devedor não cumpre 
a obrigação pelo modo e no tempo, conforme pactuada;
d) S (sanção) = então deve responder por perdas e danos.
Como se vê, segundo a formulação kelseniana, a norma secundária 
é aquela que, para dada situação de fato (F), ordena certa conduta (P), 
enquanto a norma primária é a que prescreve uma sanção (S) para o caso 
de não se realizar a conduta ordenada (não P). Desse modo, a norma 
40. Teoría general del estado, p. 66. Para expressar a sua concepção da 
proposição jurídica, Kelsen usa a fórmula elíptica “se A então deve ser B” (op. cit., 
p. 62). O emprego que fazemos de outras letras (F e P) para indicar as variáveis 
proposicionais não tem qualquer implicação, sendo, portanto, indiferente.
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secundária esgota-se com o cumprimento espontâneo pelo seu destina-
tário (= o devedor cumpre a obrigação conforme pactuada), enquanto a 
norma primária supõe conduta contrária à previsão da norma secundária 
(= o devedor descumpre a obrigação e deve ser punido)41.
41. Essa é a concepção de Hans Kelsen, que vem de seus escritos publicados 
em vida. Em sua obra póstuma Allgemeine theorie der normen (Viena, Manz verlag 
Wein, 1979), no entanto, em seu Capítulo 35 encontra-se o seguinte texto: “Se se 
admite ser essencial à lei fazer-se uma distinção entre uma norma que ordena uma 
certa conduta e uma norma que prescreve uma sanção para a violação da primeira 
norma, então aquela (a primeira norma) deve ser chamada a norma primária e essa 
(a segunda) a norma secundária — e não o contrário como expressei em capítulo 
anterior” (são nossas as interpolações entre parêntesis no texto, que traduzimos da 
edição inglesa dessa obra — General theory of norms, p. 142, Oxford: Clarendon 
Press, 1991, traduzida por Michael Hartney. Essa obra foi editada no Brasil por 
Sérgio Antonio Fabris Editor, traduzida por José Florentino Duarte — Teoria geral 
das normas, Porto Alegre, 1986. Há pequena diferença entre os textos das traduções 
inglesa e brasileira, na parte final, que, no entanto, não lhe afeta o conteúdo. É que na 
edição brasileira está escrito... “e não o contrário, como o foi por mim anteriormente 
formulado”, enquanto na tradução inglesa se faz menção a “capítulo anterior”).
Baseado no trecho antes transcrito, José Florentino Duarte, no prefácio da 
edição brasileira da Teoria geral das normas, p. IX, afirma: “O muito que se divul-
gou no mundo com referência à norma primária e à norma secundária também não 
mais corresponde à última opinião de Kelsen. Ele modificou, radicalmente, o seu 
entendimento sobre a qualificação de duas normas que se interligam num núcleo de 
um preceito: uma descrevendo a conduta devida e a outra fixando a consequência 
jurídica da infringência. A segunda norma, Kelsen qualificara primária e a primeira, 
secundária. No presente tratado, porém, retificou seu antigo modo de pensar: a 
primeira, hoje, em terminologia kelseniana, é a norma primária e a segunda, a norma 
secundária”.
Esse entendimento, no entanto, a nosso ver, deve ser considerado com bas-
tante reserva, pelas razões que passamos a expor:
(i) primeiro, essa conclusão está em completa discordância com as afirmativas 
contidas nos Capítulos 15 e 34 da mesma obra em que Kelsen exprime os mesmos 
conceitos originais, segundo os quais norma primária é a que prescreve uma sanção 
para o caso de transgressão da norma que ordena a conduta desejada pela comuni-
dade jurídica, nomeada norma secundária.
(ii) segundo, porque no desenvolvimento do próprio Capítulo 35 (onde se diz 
ter havido a modificação de seu pensamento), ao referir-se à expressão linguística da 
norma que, como é comum, (a) elide a menção à conduta ordenada (b) para prescre-
ver, expressamente, apenas a sanção para o caso de violação daquela conduta impli-
citamente ordenada, Kelsen afirma: “A expressa formulação da norma que proíbe o 
furto e da norma que impõe o pagamento de um empréstimo recebido, i. é, a norma 
que prescreve a conduta que evita a sanção é efetivamente supérflua, pois está — como 
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já indicado anteriormente — implicada na norma que estatui a sanção. Pois a norma 
que estatui um ato coercitivo como sanção então aparece como a norma primária, e 
a norma nela implícita (a qual não é de fato, nem necessita sê-lo, expressamente 
formulada), a norma secundária”. Nesse texto, está claro, volta Kelsen à sua con-
cepção original, embora com uma diferença: tal classificação depende de que, na 
formulação legislativa da norma, somente esteja expressa a sanção para o caso de 
transgressão da conduta desejada, quando implícita na disposição legal.
Parece-nos inadmissível que um autor do quilate de Kelsen pudesse cometer 
tais incoerências e imprecisões, especialmente ao longo de uma mesma obra. Este 
último texto transcrito mostra que, na verdade, Kelsen não renegou sua concepção 
original, ao menos de todo. Talvez, movido pelas críticas que lhe eram dirigidas à 
concepção original, estivesse a esboçar uma revisão, mas ainda sem convicção. A 
inconcebível confusão que faz no texto entre a norma e a sua formulação legislativa 
não é própria de Kelsen. É claro que a norma jurídica não pode ser analisada por sua 
expressão linguística, mas pelo seu conteúdo. Toda norma penal (= que prescreve 
uma sanção), por exemplo, pressupõe uma proibição ou uma imposição de certa 
conduta para cuja violação prescreve a punição. Como assinalamos antes, a técnica 
legislativa impõe que os textos legais penais (como, de resto, os demais, em sua 
maioria) sejam redigidos elipticamente, omitindo-se a referência expressa à conduta 
desejada, que, no entanto, é de ser considerada parte integrante da norma. O próprio 
Kelsen reconhece não ser necessário que esteja a proibiçãoou a imposição da con-
duta desejada (para cuja transgressão se estabelece a sanção) explicitamente expressa-
da na formulação legislativa da norma, uma vez que constitui pressuposto necessário 
de sua incidência. Assim, quando o Código Penal prescreve: “Art. 155. Subtrair, para 
si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, 
e multa...”, na verdade está, essencialmente, proibindo a todos o ato de furtar. Essa 
norma, em sua completude, deve ser lida: (1) é proibido subtrair, para si ou para 
outrem, coisa móvel alheia (conduta desejada); (2) se alguém subtrair, para si ou 
para outrem, coisa móvel alheia, deve ser punido com pena de reclusão de um a 
quatro anos e multa... (punição para conduta contrária = violação da norma).
Está claro, portanto, que tanto em sua formulação legislativa, com linguagem 
elíptica, como em sua expressão integral a norma penal (= que impõe uma sanção) 
contém, sempre, uma norma primária e uma norma secundária. E, numa atitude 
cientificamente correta, a norma há de ser analisada e classificada segundo seu con-
teúdo específico e completo, em sua integridade, e não somente conforme esteja 
expressada em textos legislativos.
Por isso, ter-se como primária a norma que estabelece a sanção (= reclusão) 
por estar explícita em sua formulação legislativa e secundária a que proíbe o compor-
tamento criminoso somente porque está implícita constitui, além de grave imprecisão 
científica pela confusão que faz entre a norma e sua expressão, prova de que Kelsen 
não se despiu de suas convicções anteriores.
Por esses motivos, parece-nos prudente e recomendável receber com reserva, 
como recebemos, essa mudança de posicionamento. É preciso ainda lembrar que a 
Allgemeine theorie der normen é obra póstuma, construída a partir de uma grande 
quantidade de escritos produzidos esparsamente por Kelsen nos últimos anos de sua 
vida e ordenados para publicação sob a responsabilidade do Instituto Hans Kelsen, 
de Viena, que, apesar da inquestionável competência científica de seus integrantes, 
não poderia rever os escritos a ponto de escolher entre posições.
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Dentro dessa mesma orientação, Carlos Cossio aceita a estrutura 
dúplice da norma jurídica, sustentando, porém, que não se trata de um 
juízo hipotético, mas de um juízo disjuntivo, porque entre a endonorma 
(que corresponde à norma secundária) e a perinorma (que corresponde 
à norma primária) não haveria uma relação de antecedência e conse-
quência (que tipifica o juízo hipotético: “dada a hipótese, então a tese”), 
mas uma alternatividade caracterizada pela conjunção OU, donde 
expres sar-se: “dado F deve ser P, ou dado não P deve ser S”. Lourival 
Vilanova, em seu excelente As estruturas lógicas e o sistema do direito 
positivo, p. 89, demonstra que, rigorosamente, Cossio não recusa a estru-
tura hipotética kelseniana, pois em sua fórmula “encontra-se a relação 
antecedente e consequente, característica da conexão hipótese/tese”. 
O próprio Lourival Vilanova considera a norma jurídica uma proposição 
bimembre, integrada por uma norma primária e uma norma secundária, 
apesar de atribuir a essas expressões, com absoluta razão e propriedade, um 
sentido inverso àquele empregado por Kelsen; em outras palavras: para 
Lourival Vilanova a norma primária, que constitui a hipótese (= antece-
dente) da proposição normativa, corresponde àquela em que a comunidade 
jurídica define a conduta desejada, prevendo seu espontâneo cumpri-
mento pelos seus destinatários, enquanto a norma secundária, que é a tese 
(= consequente), corresponde à sanção a ser imposta àquele que realizar 
conduta contrária à prescrita.
2.2. Não sancionistas
A outra posição, adotada por autores como Larenz, Von Tuhr, 
Pontes de Miranda, sustenta que a norma jurídica é uma proposição 
completa quando contém, simplesmente, a descrição do suporte fáctico 
e a prescrição do preceito a ele correspondente42, independentemente de 
que esse se refira, ou não, a uma sanção. De acordo com essa concepção, 
tanto a norma primária como a norma secundária podem ser, cada qual, 
uma proposição jurídica completa. A menção a um suporte fáctico e a um 
preceito é bastante.
42. Para os que aceitam a estrutura dúplice da norma jurídica, a indicação do 
suporte fáctico e do preceito corresponde, apenas, ao que denominam estrutura 
interna da norma primária ou da norma secundária, de modo que cada uma delas 
teria um suporte fáctico e um preceito. Veja-se sobre esse ponto de vista, por exemplo, 
Natalino Irti, Introduzione allo studio del diritto privato, p. 45; Lourival Vilanova, 
Lógica jurídica, p. 113.
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Se a norma prevê, ou não, uma sanção para o caso de ser transgre-
dida não tem qualquer importância. A incompletude da norma reside, 
apenas, na falta de menção ao suporte fáctico ou ao preceito.
§ 11. Análise crítica das doutrinas
A diferença entre as duas posições doutrinárias reside, fundamen-
talmente, em que:
(a) Para os kelsenianos43, a coação, representada pela sanção, 
constitui o elemento essencial caracterizador da norma jurídica44. As 
43. Embora nos refiramos com destaque aos kelsenianos, essa posição é tam-
bém a dos imperativistas (dentre os quais se incluem o próprio Kelsen, na sua última 
fase de vida, e Legaz e Lacambra, Filosofía del derecho, p. 387), dos relativistas, 
enfim, de todos aqueles que denominamos sancionistas (Bobbio, Teoria della norma 
giuridica, passim), porque consideram a sanção como condição necessária e essen-
cial do direito.
44. Em sua Teoria pura do direito (tradução de João Baptista Machado, pu-
blicada em Portugal por Arménio Amado Ed., Sucessor, Coimbra, 1962, v. I, p. 48 e 
66, e no Brasil por Martins Fontes, São Paulo, 2000, p. 26 e 37), Kelsen faz referên-
cia ao prêmio como incluído no conceito lato de sanções possíveis em uma ordem 
social. Querendo livrar-se da dificuldade para explicar a ideia do eminente autor de 
que somente se pode considerar jurídica a norma que instituir uma sanção consis-
tente em ato de coação como punição para o indivíduo que tiver conduta contrária 
à determinação da norma ou que, ao menos, a ela, norma com sanção, estiver rela-
cionada (norma não autônoma), o que deixa fora do direito um mundo de normas 
jurídicas importantíssimas, sustentam, alguns kelsenianos, que isso importaria o 
reconhecimento por Kelsen da denominada sanção premial, demonstrando que não 
se poderia tomar em caráter absoluto a sua concepção de que a punição seria a úni-
ca espécie de sanção que poderia conter uma norma para ser considerada jurídica.
No restante de toda a obra e na sua Teoria geral das normas, no entanto, não há 
outra referência qualquer, por mais leve que seja, ao prêmio como possível conse-
quência de uma norma jurídica. Ao que nos parece, bem analisados os textos em que 
há a referência ao prêmio como sanção, Kelsen não ligou essa sanção premial às 
normas jurídicas, mas, genericamente, a quaisquer normas que integrem uma ordem 
social, como a moral, mantendo a ideia de que as sanções jurídicas são apenas 
aquelas punitivas. Com efeito, Kelsen desenvolve no primeiro texto (p. 48 ou 26) 
uma análise do que denomina ordem social, anotando que, de uma perspectiva 
psicossociológica, a função de qualquer ordem social consiste em fazer com que as 
pessoas a ela subordinadas omitam conduta socialmente prejudicial ou realizem 
ações socialmente úteis, utilizando-se para tanto de “normas que prescrevem ou 
proíbem determinadas ações humanas”. “A ordem social — prossegue dizendo — 
pode prescrever uma determinada conduta humana sem ligar à observância ou não 
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proposições jurídicas que não especifiquem uma sanção para o caso de 
serem infringidassão proposições incompletas, imperfeitas, não autô-
nomas ou simplesmente preceitos auxiliares (leges imperfectae). Assim, 
normas como a do art. 1º do Código Civil (“toda pessoa é capaz de direi-
tos e deveres na ordem civil”), as outorgativas, as integrativas, as pro-
mocionais, as programáticas, por exemplo, não podem ser consideradas 
normas jurídicas completas, seriam meras normas auxiliares ou, na melhor 
das hipóteses, normas não autônomas (vide, antes, nota 39).
(b) Para os outros, o que importa, na caracterização de uma norma 
jurídica completa, é, apenas, a descrição de um suporte fáctico e a pres-
crição de efeitos jurídicos a ele especificamente imputados, independen-
temente de serem esses efeitos uma sanção ou uma vantagem (= direito, 
prêmio).
observância deste imperativo quaisquer consequências. Também pode, porém, esta-
tuir uma determinada conduta humana e, simultaneamente, ligar a esta conduta a 
concessão de uma vantagem, de um prêmio, ou ligar à conduta oposta uma desvan-
tagem, uma pena (no sentido mais amplo da palavra). O princípio que conduz a 
reagir a uma determinada conduta com um prêmio ou uma pena é o princípio retri-
butivo (Vergeltung). O prêmio e o castigo podem compreender-se no conceito de 
sanção. (...)” Após essas considerações que, claramente, são de ordem geral, Kelsen 
especifica a sanção punitiva como a única jurídica, quando diz: “Finalmente, uma 
ordem social pode — e este é o caso da ordem jurídica — prescrever uma determi-
nada conduta precisamente pelo fato de ligar à conduta oposta uma desvantagem, 
como a privação dos bens acima referidos, ou seja, uma pena no sentido mais amplo 
da palavra. Desta forma, uma determinada conduta apenas pode ser considerada, no 
sentido dessa ordem social, como prescrita — ou seja, na hipótese de uma ordem 
jurídica, como juridicamente prescrita —, na medida em que a conduta oposta é 
pressuposto de uma sanção (no sentido estrito)”.
No segundo texto, intitulado O Direito: uma ordem coativa (p. 66 ou 37), 
reconhece Kelsen que “as modernas ordens jurídicas também contêm, por vezes, 
normas através das quais são previstas recompensas para determinados serviços, 
títulos e condecorações”. No entanto, rechaça de imediato se possa considerar tal 
disposição uma sanção premial, afirmando que tais normas “desempenham apenas 
um papel inteiramente subalterno dentro destes sistemas que funcionam como ordens 
de coação” e que “de resto estão numa conexão essencial com as normas que estatuem, 
sanções”. A outorga de um título somente se poderia considerar um ato permitido, 
que, portanto, não sujeitaria a uma sanção punitiva.
Daí se pode concluir, claramente, que Kelsen não admite, em hipótese alguma, 
possa haver norma jurídica sem que contenha uma sanção punitiva para o caso de 
não ser atendida, o que frustra o ávido anseio de alguns de seus seguidores em tentar 
negar o injustificável equívoco da teoria pura do direito em somente considerar jurí-
dica a norma que for acobertada por uma sanção punitiva.
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Para esses, a conexão hipótese/tese do juízo hipotético, que é a 
norma jurídica, não se estabelece entre uma norma primária e uma nor-
ma secundária, mas, sim, entre um suporte fáctico e um preceito. A 
norma jurídica pode ter uma estrutura dúplice (bimembre), todavia so-
mente quando a sanção for imanente a ela, em razão de sua peculiar 
natureza (norma penal, por exemplo).
A nosso ver, a proposta kelseniana parece insuficiente para explicar, 
em sua plenitude, o fenômeno jurídico, porque:
(i) Ao recusar às normas que não contêm sanção específica o cará-
ter de normas jurídicas típicas, se não chega a excluir do universo do 
direito — porque as considera não autônomas, auxiliares — normas de 
altíssima relevância, como é o caso, e. g., das normas que definem os 
direitos fundamentais do homem, ao menos não lhes reconhece a impor-
tância e sua verdadeira posição no plano jurídico. Não há como negar, 
parece-nos, que é muito mais significativa para o direito e para a convi-
vência social a norma segundo a qual “todos são iguais perante a lei”, 
do que aquela outra que estabelece a pena de prisão para a pessoa que 
furta, muitas vezes, para dar de comer a seus filhos.
(ii) Depois, fazendo da sanção punitiva algo essencial ao direito, 
confunde a obrigatoriedade das normas jurídicas com a coação, quando 
essas não são expressões sinônimas. É evidente que o direito não pode 
deixar de ser obrigatório, mesmo porque nisso consiste a diferença 
substancial que o distingue dos demais processos de adaptação social. 
Mas o ser obrigatório não significa que seja necessariamente punitivo: 
obrigatoriedade quer dizer possibilidade de imposição da norma, pela 
comunidade jurídica, mais precisamente pela autoridade que detenha o 
poder de realizar, forçadamente, o direito (o juiz, por exemplo), no caso 
de ser transgredida.
Na obrigatoriedade pode haver coação, pena, sanção, sempre, 
portanto, com caráter de probabilidade, nunca, porém, de necessidade. 
As normas penais são necessariamente coativas (= punitivas), não assim 
normas como as que compõem os Livros I e II do Código Civil, e. g. 
Todas, no entanto, são obrigatórias. Se alguém comete homicídio, o juiz 
cumpre o art. 121 do Código Penal punindo o infrator com reclusão; 
se, de outro lado, alguém que haja abandonado um imóvel que lhe per-
tencia, resolve reavê-lo, dele expulsando, à força, quem o esteja pos-
suindo como seu próprio, há mais de quinze anos, mansa e pacificamente, 
o juiz cumpre o art. 1.238 do Código Civil assegurando, simplesmente, ao 
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possuidor a sua permanência na posse do bem, reconhecendo-lhe o direito 
de propriedade adquirido pela usucapião.
Desses exemplos comparativos parece resultar evidente que as 
normas jurídicas nem sempre necessitam de sanção punitiva e de coação 
para realizar-se. Há situações, até, em que o direito se efetiva premian-
do, como acontece com as normas promocionais. A obrigatoriedade das 
normas jurídicas reside, em última análise, na sua incidência. Se o fato 
previsto (suporte fáctico hipotético) acontece no mundo, a norma jurí-
dica incide e a partir daí subordina a seus preceitos as condutas a ela 
relacionadas. Essa subordinação da conduta à norma geral traz, em 
consequência, o dever da comunidade jurídica de fazer realizar o direi-
to do modo o mais coincidente possível com as prescrições de suas 
normas45. Sempre que há incidência = aplicação, ocorre a plenitude na 
realização do direito.
(iii) E, finalmente, nega uma das funções típicas das normas jurí-
dicas, qual seja, precisamente, a de obter a adaptação social do homem, 
o que envolve, essencialmente, um cunho educativo e promocional. As 
normas jurídicas, apesar de muitos o negar, mais do que a obrigar, proi-
bir e permitir, destinam-se a alcançar dos homens, em suas relações 
intersubjetivas, um determinado comportamento julgado conveniente e 
necessário à harmonia social. Esse fim do direito revela certo sentido 
educacional de suas normas, uma vez que através delas a comunidade 
procura moldar o comportamento humano a seus valores46.
Por isso, os significados deônticos do dever-ser, seja o de obrigar, 
o de permitir ou o de proibir, expressam meios de que se utiliza a socie-
dade para alcançar um fim, a convivência harmônica no meio social, 
45. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, § 14, 1.
46. Nega-se, muito comumente, como anotamos na nota 17, esse caráter 
educacional das normas jurídicas. Isto, porém, exprime uma visão puramente 
dogmática do direito que, por isso mesmo, não leva em consideração as conse-
quências sociopsicológicas das normas jurídicas. E sob esse ponto de vista não 
se pode negar que as normas jurídicas fazem com que o comportamento social se 
modifique,

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