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notas de aula inic cient III

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ADVERTÊNCIA
	Estas "Notas de Aula" pretendem tão somente alinhar algumas idéias ou conceitos que são motivo das discussões e debates das aulas da Disciplina de Iniciação Científica III. Daí sua natureza essencialmente dinâmica e informal. 
	É lógico que aqui se poderá encontrar trechos de obras literárias e pedagógicas de vários autores. Decidi usá-las livremente sem temer a acusação de plágio, pois não há qualquer intenção comercial ou mesmo de apropriação. Figuro nestes textos não como autor, mas como organizador. O objetivo não é substituir qualquer obra, mas incentivar os estudantes a buscá-las e aprimorar seus conhecimentos. 
	Em especial cito duas obras, nas quais me baseei não apenas para estas Notas, como para esta parte do curso de Iniciação Científica III. Na verdade eu gostaria de ter tido a capacidade de escrevê-las, mas me contento em copiá-lo desavergonhadamente. São elas: 
Natural Racional Social: Razão Médica e racionalidade Científica Moderna, de Madel Therezinha Luz e, 
O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde, de Maria Cecília de Souza Minayo
	Às duas autoras, minhas sinceras homenagens e agradecimentos, em meu nome e, certamente, em nome de meus alunos.
	Os conceitos aqui expressos são a minha visão sobre os conceitos ou a visão de outros com as quais concordo. Não são definitivos para mim e não devem ser entendidos como definitivos por ninguém. Volto a insistir no caráter dinâmico destes textos, que poderão ser revistos a qualquer momento.
	Uma característica do ser humano é a sua capacidade de refletir sobre o mundo que o cerca e sobre si mesmo. A busca pela construção de um saber que permitisse entender e até modificar sua realidade existe desde as proto-tribos dos homo sapiens.
	Este conjunto de conhecimentos se compõe não apenas da descrição de um determinado fenômeno - aqui entendida a palavra no sentido atribuído por Kant : tudo o que é objeto de experiência possível, isto é, tudo o que aparece no tempo ou no espaço e que manifesta as relações determinadas pelas categorias, isto é, tudo o que a nossa consciência ou os nossos sentidos podem apreender (Do grego phainómenon, «coisa que aparece», pelo latino phaenomènon, «coisa que causa sensação»), mas também de uma explicação plausível para sua existência e pela busca de entender seus modos intrínsecos de acontecer.
	A disciplina que estuda o modo de construção deste saber é a epistemologia (Do grego epistéme, «conhecimento» +lógos, «tratado» +-ia, gnosiologia ou teoria do conhecimento), que se ocupa do estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das diversas ciências, com o fim de lhes determinar a origem lógica, o valor e o objetivo.
	Podemos acreditar que o primeiro conjunto de saberes que nos permite entender o mundo são os mitos. Do ponto de vista de temporalidade, os mitos se constituem no conjunto que mais tempo resistiu e preponderou na humanidade.
	Há várias definições para mito: relato das proezas de deuses ou de heróis, suscetível de fornecer uma explicação do real, nomeadamente no que diz respeito a certos fenômenos naturais ou a algumas facetas do comportamento humano; narrativa fabulosa de origem popular; lenda; alegoria; representação falsa e simplista, mas geralmente admitida por todos os membros de um grupo; algo ou alguém que é recordado ou representado de forma irrealista; ou ainda a exposição de uma idéia ou de uma doutrina sob forma voluntariamente poética.
	Um aspecto fundamental do mito é o fato de que o que o lastreia é o conceito de ancestralidade: acreditamos no mito com base no fato de acreditarmos que sua origem está nos ancestrais do nosso grupo, a quem devotamos respeito e admiração.
	Os mitos parecem ter evoluído para um segundo conjunto de saberes, agora não mais lastreados pela ancestralidade, e sim pelo próprio deus reverenciado pelo grupo social: a religião. Não se trata agora de um conhecimento sobre deus, narrados por um ancestral, mas do próprio deus falando, por intermédio de sinais decodificados por alguns de nós ou mesmo diretamente revelados a um ou mais humanos.
	O principal pressuposto do pensamento religioso é a crença na existência de um poder sobre-humano e superior do qual o homem se considera dependente, sendo que a religião seria um conjunto de preceitos, práticas e rituais pelos quais se manifesta essa crença. Podemos perceber a existência de uma religião natural, que se assenta apenas nos dados do sentimento e da razão, sem recurso a revelação divina e uma religião positiva ou revelada, em que os dados dos sentidos e da razão são completados e confirmados pelos da revelação.
	É lógico que a substituição de um modo de pensar por outro não se dá de forma abrupta, total ou excludente. O fenômeno ocorre paulatinamente, muitas vezes por evolução, havendo mesmo alguns mitos transformados em dogmas religiosos. Na verdade, alguns mitos ainda hoje persistem. O que se pode dizer é que a religião substituiu o mito como sistema dominante na humanidade.
	Da mesma forma, embora ainda hoje persistam mitos modernos e sendo o pensamento religioso, nas mais diferentes formas, ainda fortemente presente, percebemos que as ciências se constituem, sem dúvida, e principalmente nas sociedades modernas, como os esquemas de explicações dominantes considerados mais plausíveis e intelectualmente aceitos.
	Não cabe aqui uma discussão dessa prioridade, mas apenas advertir para o fato de que, se a ciência constitui uma forma de abordagem dominante, nem por isso se torna exclusiva e conclusiva. Os problemas dos seres humanos e da organização social atuais trazem questões frente às quais a ciência continua sem resposta e sem formulações.
	Os conceitos emanados pelas ciências não mais se baseiam na ancestralidade ou em nenhuma revelação. O que lastreia a ciência é o método científico, visto pela maioria da humanidade como legitimador dos conceitos e idéias científicas.
	A atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade é a pesquisa. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados.
	O que se quer dizer no parágrafo anterior quando a pesquisa é definida como uma atividade de aproximação sucessiva da realidade pode ser alegoricamente explicado da seguinte forma: a atividade de pesquisa seria como desvelar o conteúdo de um sótão de dimensões muito grandes mas desconhecidas, usando um feixe de luz estreito, de uma lanterna. Podemos, no máximo, compor um mosaico com imagens de diversos ângulos e profundidades, que nos permita, de algum modo, nos locomover dentro do mesmo, ou descrevê-lo, mas jamais atingiríamos uma visão completa ou total do ambiente e, por melhor que fosse o mosaico, não podemos afirmar que as imagens anteriormente obtidas sejam estáticas ou que se modificam e também podemos apenas inferir a existência ou não de alguma relação entre duas imagens diferentes.
	O método científico pressupõe uma certa hierarquia quanto ao grau de certeza e a utilidade de um conceito. Grosseiramente, apenas para ilustrar nosso estudo, podemos elencar alguns tipos de conceitos :
1- Uma conjectura seria uma opinião ou juízo formado sobre aparências, indícios ou probabilidades. Uma suposição ou presunção formada sobre uma hipótese não verificada : uma forma de previsão.
2- A hipótese, da mesma forma da conjectura, se constitui como explicação possível, mas que ainda não se provou. Uma suposição sobre um acontecimento possível, mas incerto. Em matemática e em outros sistemas dedutivos, designa uma proposição ou conjunto de proposições aceitas como ponto de partida para deduzir delas conseqüências lógicas. As ciências experimentais a admitem como uma explicação plausível dos fatos, provisoriamenteadotada, com o fim principal de submetê-la a uma verificação metódica pela experiência.
3- Um teorema é proposição que se demonstra por dedução lógica a partir de proposições já demonstradas ou admitidas como verdadeiras.
4- Uma teoria pode ser definida como um sistema coerente dos conceitos, princípios e técnicas na base de determinado objeto de estudo, isto é, conhecimento sistematizado sobre determinado domínio. Ocasionalmente o termo teoria pode designar hipótese não testada experimentalmente que se apresenta como explicação de determinada circunstância ou fenômeno em relação aos quais existem dúvidas. É bom perceber que a palavra teoria, dependendo do contexto em que é usada, pode portanto designar uma idéia ou sistema que resultam da especulação ou de conjecturas, uma representação racional ou ideal de uma realidade.
5- Uma lei, no contexto do método científico, representa proposição geral que enuncia uma relação regular de fenômenos uma relação invariável entre variáveis.
6- Finalmente, este pequeno glossário se encerra com o termo tese. Numa acepção geral, uma tese seria a afirmação ou conclusão de um teorema e que se constitui numa proposição que alguém apresenta para ser defendida. O conceito filosófico de tese pode ser encontrado na obra de Hegel como primeiro momento do processo dialético, ao qual se contrapõe uma antítese, gerando-se um conflito que se resolve numa síntese. No ambiente universitário, se refere a um trabalho original escrito para obtenção do grau de mestre ou doutor que apresenta uma proposição sustentada publicamente, numa escola superior ou universidade, por um candidato ao mestrado ou ao doutoramento.
	A compreensão da especificidade do método das ciências nos conduz à discussão específica sobre o conceito de metodologia.
	Entendemos por metodologia o caminho e o instrumental próprios de abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa lugar central no interior das teorias, pois ela faz parte intrínseca da visão de mundo veiculada na teoria. Em face da dialética, por exemplo, o método é o próprio processo de desenvolvimento das coisas. Lênin nos ensina que o método não é a forma exterior, é a própria alma do conteúdo porque ele faz a relação entre o pensamento e a existência e vice-versa.
	Há autores porém que consideram a metodologia como tendo um papel secundário dentro das ciências. A razão de ser desta atitude, me parece ser o fato de que eles a compreendam como um mero conjunto de técnicas.
	A minha principal motivação para trazer a este curso de Iniciação Científica a discussão epistemológica é denunciar esta atitude, bastante comum entre os pesquisadores da área da saúde. Ao escamotear a discussão e ao apresentar ao estudante apenas a metodologia baseada numa determinada teoria, sem revelar que esta teoria é uma entre muitas, busca-se a meu ver, validar apenas uma visão de mundo, como se esta fosse a única verdadeira e aceita. 
	É muito comum o discurso, na área de saúde, baseado em uma "verdade científica", como se existisse apenas uma visão científica ou como se apenas uma determinada visão fosse aceita cientificamente. O que buscaremos no decorrer deste curso é revelar algumas das diversas visões científicas, tão aceitas como verdadeiras quanto as visões dominantes.
	Da forma como abordaremos em nosso curso, a metodologia inclui:
1- As concepções teóricas de abordagem;
2- O conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade; e,
3- O potencial criativo do pesquisador.
Uma vez que ciência e metodologia caminham juntas, a posição teórica e as técnicas de pesquisa intrinsecamente engajadas. Por sua vez, o conjunto de técnicas constitui um instrumental secundário em relação à teoria, mas importante por revelar um cuidado metódico no trabalho, já que são as técnicas que encaminharão para a prática as concepções teóricas. No entanto, seu endeusamento pode conduzir ao empirismo. Por outro lado, a excessiva teorização, dotada de pouco ferramental técnico, pode levar à divagação abstrata, sem precisão em relação ao objeto de estudo.
	A capacidade criadora e a experiência do pesquisador podem relativizar o instrumental técnico e superá-lo pela arte. Esta qualidade artesanal traz a marca do autor, que nenhuma técnica ou teoria pode suprir. É ela que permite distinguir quais as perguntas são importantes para desvelar o fenômeno, através das questões específicas levantadas. Mais ainda, permite destacar quais os fenômenos devem ser estudados, não só pela sua importância científica como pela possibilidade real de estudá-lo a partir do estado da arte e dos conhecimentos prévios adquiridos na ciência.
	Embora tradicionalmente se classifiquem as pesquisas dentro da dicotomia pesquisa pura e pesquisa aplicada, hoje em dia tal classificação apresenta-se pouco utilizável, dada a quantidade cada vez maior de trabalhos que se situam na intersecção entre os dois campos. Cada vez mais pesquisas puras revelam conhecimentos de imediata aplicação prática, enquanto cada vez mais pesquisam aplicadas constroem conhecimentos teóricos fundamentais.
	Em função desta situação, optamos por utilizar, hoje em dia, uma tipologia ao invés da classificação. O termo "tipo" nos remete, aqui, ao conceito de uma construção teórica útil para o estudo, mas que não se constituem, jamais, na realidade ou em casos estanques. Na verdade, as pesquisas se enquadram em contínuo que não exclui outras visões. Os principais tipos de pesquisa são:
1- Pesquisa Básica - preocupa-se com o avanço do conhecimento, através da construção de teorias, o teste das mesmas ou para a satisfação da curiosidade científica. 
2- Pesquisa Estratégica - baseia-se nas teorias das ciências, mas orienta-se para problemas que surgem na sociedade, ainda que não preveja soluções práticas para estes problemas. Ela tem a finalidade de lançar luz sobre determinados aspectos da realidade.
3- Pesquisa Orientada para um Problema Específico - sendo geralmente realizada por Instituições ou para elas, seus resultados são previstos para ajudar a lidar com problemas práticos e operacionais.
4- Pesquisa-Ação - há dois conceitos envolvidos neste tipo: na visão de Bulmer, consiste numa investigação concomitante ao desenvolvimento de um programa, afim de medir seu impacto. Segundo Thiollent, se trata de uma investigação concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de uma problema coletivo no qual os participantes e pesquisadores estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
	A principal diferença entre os dois conceitos é que no primeiro, podemos admitir a externalidade do pesquisador à ação ou ao problema.
5- Pesquisa de Inteligência - São os grandes levantamentos de dados demográficos, econômicos, estatísticos, realizados por especialista e instituições, afim de ajudar a formulação de políticas.
	Por fim, mas não por ser menos importante, trago um assunto à discussão. Considerando que a disciplina de Iniciação Científica III é oriunda do Curso de Medicina, de onde se originam a maior parte de seus alunos, cabe aqui a discussão sobre a qual dos ramos das ciências pertence a Medicina.
	Sem pretender causar escândalo entre os alunos e longe da pretensão de apenas chocar como forma de obter atenção, me coloco entre os que entendem a Medicina como uma das ciências sociais.
	Ao deslocar a Medicina das chamadas ciências naturais, não pretendo negar a capital importância da biologia, da química ou da fisiologia ou mesmo da patologia como ciências de fundamental importância no sentido de construir saberes que são profusamente usados na prática médica. O que trago aqui é a distinção entre a Medicina - aqui entendida como prática médica - e as ciências que lhes fornecem conhecimentos que nela serão aplicados.
	Apenas para exemplificar, tomemos como exemplo uma doença infecciosa. Sem dúvida, os conhecimentos oriundos da microbiologia acerca dos bioagentes patológicos, da entomologiacom relação ao vetor, da imunologia sobre os mecanismos de adaptação do organismo ou da fisiopatologia sobre as repercussões da infecção no organismo ou ainda da química e da farmacologia no tocante ao diagnóstico e à terapêutica são fundamentais no lidar com o homem doente. No entanto, nenhuma das disciplinas citadas se envolve com o processo do adoecer como um todo e sim com aspectos deste processo. Por outro lado, fosse a Medicina apenas um amálgama desses conhecimentos, a questão já estaria há muito tempo resolvida. No entanto, aí estão as doenças reemergentes a nos lembrar que as doenças infecciosa estão longe de ser um problema resolvido.
	Isto se dá por que os conhecimentos advindos das disciplinas citadas anteriormente necessitam ser coadunados com saberes da política, da economia, da sociologia, da geografia e outros tantos de disciplinas que estão longe da ciências "naturais", mas que são imprescindíveis ao conhecimento do processo saúde-doença, quando este ocorre não no "hospedeiro suscetível" dos livros, mas no ser humano que procura o médico e que não pode ser isolado do contexto no qual vive.
	 Outro aspecto que envolve o estudo da medicina como ciência nos diz a respeito da natureza do objeto de atenção da medicina, que diferentemente das ciências naturais, é igual à natureza do observador. Ambos, estudioso e objeto do estudo compartilham a mesma natureza humana. Quando se tenta objetivar o ser humano, torna-se impossível para o estudioso não fazer parte do conjunto sob estudo. Nada acontece ao objeto do estudo que não seja possível acontecer também ao estudioso, o que torna o estudioso partícipe do fenômeno que está sendo estudado. Esta é uma característica da ciências sociais e não das demais ciências.
	Há ainda a questão do método. Embora a medicina se embase nos conhecimentos anatômicos, fisiológicos, bioquímicos, etc., não são estes os processos com os quais ela lida. A anatomia se torna em morfologia, e nesta morfologia que varia para cada pessoa, se busca, por reconhecimento de padrão, o referencial anatômico que permite identificar o estado saudável do doente. Não são os processo fisiológicos, bioquímicos ou fisiopatológicos, mas seus resultados, expressos em medidas diversas ou dosagens sangüíneas.
	Na verdade, a medicina não lida com os processos em si, mas em suas expressões. Por exemplo, o médico não presencia a ciclo de Krebs nos enfermos, mas expressões que podem ou não ser resultado de problemas celulares que estejam causando vias alternativas no metabolismo.
	O raciocínio médico é, heurístico, hermenêutico. Baseia-se na interpretação de sinais e sintomas, sendo estes últimos transmitidos a ele após um processo cultural próprio do informante. A própria história da doença é, na verdade, a história daquilo que o paciente acredita ter-lhe ocorrido e, ainda assim, os fragmentos que lhe restaram na memória. Esta forma de busca interpretativa da verdade, que é negada pela memória, ou transformada cultural ou historicamente é muito mais afeta às ciências sociais que às naturais. 
	Pesquisadores de áreas "básicas" do setor dito biomédico consideram a medicina como uma "disciplina da natureza" ou "natural", enquanto outros, ligados à pesquisa clínica, a consideram uma "ciência do homem", e os médicos clínicos a vêem como arte de salvar vidas humanas da doença e da morte. Aparentemente, nada há de social em qualquer dessas posições. Mas não é principalmente no sentido dos enunciados manifestos, anunciados, da medicina científica que ela se situa como disciplina do social.
	A naturalização do objeto que tematiza, através de conceitos e proposições biologizantes, impediria sem uma prévia análise psicolingüística ou sociolingüística a descoberta dos significantes sociais que a medicina ordena em seu discurso, evitando-os com destreza.
	É mais pelo campo de objetivações discursivas que a medicina pode ser situada no campo social, pelos seus objetos de discurso: os corpos humanos, decompostos em elementos constituintes; o funcionamento e a desagregação desses elementos; as relações dos seres humanos com estes corpos; as mentes humanas; os sentimentos humanos; a sexualidade humana; o sofrimento humano; a morte humana. E também o comportamento e as atitudes humanas em relação aos aspectos citados. Todos esses aspectos do viver e do sofrer humanos têm sido historicamente campo de objetivação da medicina. 
	Foi através deste campo de objetivações que a medicina moderna ordenou seus objetos de discurso no espaço teórico da razão científica. Ela o ordenou teoricamente em termos de categorias específicas, tais como doença e morte, normalidade e patologia, equilíbrio e desvio, para mencionar apenas as mais importantes, que têm profunda inserção e repercussão sociais.
	As relações dos indivíduos e dos grupos sociais com seu corpo, seu sofrer, seu adoecer, sua morte, e com o corpo, o sofrimento, o adoecimento e a morte dos outros são relações sociais. Esta "naturalização" de seu objeto discursivo torna a medicina talvez a mais social das disciplinas modernas, no sentido em que ela institui e normaliza estruturas e relações sociais, a partir de enunciados naturais típicos de seu campo de objetivações.
O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO
	O Positivismo constitui a corrente filosófica que ainda hoje mantém o domínio intelectual nas Ciências Sociais. Surgido na segunda metade do século XIX, representa uma reação ao pensamento idealista, apriorista e formalista então dominante.
idealismo - doutrina que reduz o ser ao pensamento, às coisas ao espírito (o mundo dito exterior não tem outra realidade além das idéias ou representações que dele formamos).
apriorismo - doutrina que admite princípios ou formas a priori do pensamento
formalismo - doutrina ou método de descrição e análise que apenas considera ou que faz sobressair os elementos formais em qualquer manifestação cultural
Além de ser uma reação contra o idealismo, o positivismo é ainda devido ao grande progresso das ciências naturais, particularmente das biológicas e fisiológicas, do século XIX. Tenta-se aplicar os princípios e os métodos daquelas ciências à filosofia, como resolvedora do problema do mundo e da vida, com a esperança de conseguir os mesmos fecundos resultados. Enfim, o positivismo teve impulso, graças ao desenvolvimento dos problemas econômico-sociais, que dominaram o mesmo século XIX. Sendo muito valorizada a atividade econômica, produtora de bens materiais, é natural se procure uma base filosófica positiva, naturalista, materialista, para as ideologias econômico-sociais.
	Podemos encontrar em Condorcet as raízes do positivismo. Este enciclopedista formulou de forma clara e precisa a idéia de que a ciência da sociedade deveria ser uma Matemática Social, formulada como estudo numérico e rigoroso dentro das teorias probabilísticas. Considerava que, da mesma forma que nas ciências físicas e matemáticas os interesses e as paixões não perturbavam, assim deveria acontecer com as ciências sociais.
	O autor atribuía as dificuldades no progresso do conhecimento da realidade social, ao fato de que o social era, no seu tempo, objeto de interesses religiosos e políticos. Daí que a meta das ciências sociais seria conseguir uma elaboração "livre de preconceitos".
	O pensamento de Condorcet era, para sua época, crítico e, até certo ponto, revolucionário. Dirigia-se contra as poderosa classes dominantes de então: a Igreja, o poder feudal e o Estado oligárquico, que se atribuíam o controle de todo o conhecimento científico. Condorcet indicava a necessidade de romper com esse monopólio do saber, livrando as ciências da sociedade dos interesses e paixões das classes feudais, das doutrinas teológicas, dos argumentos de autoridade da Igreja e de todos os dogmas.
	Entre os discípulos de Condorcet, encontramos o socialista utópico Saint-Simon. Este autor chamava a ciência da sociedade de "fisiologia social". Considerava que há dois tipos de época histórica: as épocascríticas, necessárias para eliminar as fossilizações sociais e as épocas orgânicas que são momentos históricos de estabilidade e funcionamento normal. Em seu tempo, segundo ele, havia algumas classes parasitas do organismo social (o clero e a aristocracia) que deviam dar lugar a uma nova forma de organização para que o corpo social funcionasse regularmente. Saint-Simon tinha um projeto de nova sociedade, baseado não na igualdade, mas numa pirâmide de classes que elevaria a capacidade produtiva dos homens ao grau máximo de desenvolvimento. Segundo ele, a moral e as idéias têm que ser distintas para as classes fundamentais, a fim de que a sociedade seja livre e dedicada à produção. A igreja deveria ser substituída pela fábrica.
	Da mesma forma que a matemática social de Condorcet, a fisiologia social de Saint-Simon trazia no seu interior uma crítica ao sistema social de seu tempo, às classes dominantes e apelava para mudanças condizentes com a nova sociedade industrial que se instalava.
	O Positivismo se apresenta então como uma visão social-utópica-crítica do mundo. O termo utópico aqui aparece no mesmo sentido que lhe é atribuído por Mannhein. Na obra Ideologia e Utopia, Karl Mannhein distingue os conceitos de ideologia e utopia. A primeira seria constituída por concepções, idéias, representações e teorias que se orientam para a estabilização, legitimação e reprodução da ordem vigente. Ideologias seriam o conjunto das doutrinas e teorias de caráter conservador, isto é, servem para a manutenção do sistema social de forma geral. Pelo contrário, as Utopias seriam as representações, idéias e teorias que têm em vista uma realidade ainda inexistente. Trazem no seu bojo uma dimensão crítica, de negação, ruptura e possibilidade de superação do status quo. É neste sentido que podemos falar dos elementos utópicos no positivismo de Condorcet e Saint-Simon.
	O mesmo não se pode falar das teorias de Augusto Comte. Após conhecer a obra de Saint-Simon, Comte concebe as linhas mestres de seu sistema: para ele o pensamento teria que ser totalmente positivo. Isto é, eliminado todo o conteúdo crítico de sua análise, os cientistas descobririam as leis da sociologia. E como conseqüência de seu método positivo, o cientista deveria se consagrar teórica e praticamente à defesa da ordem social.
	Comte formulou uma teoria social, a que inicialmente, denominou de Física Social: "A Física Social é uma ciência que tem por objetivo o estudo dos fenômenos sociais, considerados no mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos". Desde 1847 Comte proclamou-se grande sacerdote da Religião da Humanidade. Institui o "Calendário positivista" (cujos santos são os grandes pensadores da história), forja divisas "Ordem e Progresso", "Viver para o próximo"; "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim", funda numerosas igrejas positivistas (ainda existem algumas como exemplo no Brasil).
	Para Comte "as idéias conduzem e transformam o mundo" e é a evolução da inteligência humana que comanda o desenrolar da história. Comte pensa que nós não podemos conhecer o espírito humano senão através de obras sucessivas - obras de civilização e história dos conhecimentos e das ciências - que a inteligência alternadamente produziu no curso da história. O espírito não poderia conhecer-se interiormente. Comte rejeita a introspecção, porque o sujeito do conhecimento confunde-se com o objeto estudado e porque pode descobrir-se apenas através das obras da cultura e particularmente através da história das ciências. A vida espiritual autêntica não é uma vida interior, é a atividade científica que se desenvolve através do tempo.
	De acordo com a visão de Comte, o espírito humano, em seu esforço para explicar o universo, passa sucessivamente por três estados: 
a) O estado teológico ou "fictício" explica os fatos por meio de vontades análogas à nossa (a tempestade, por exemplo, será explicada por um capricho do deus dos ventos, Eolo). Este estado evolui do fetichismo ao politeísmo e ao monoteísmo. 
b) O estado metafísico substitui os deuses por princípios abstratos como "o horror ao vazio", por longo tempo atribuído à natureza. A tempestade, por exemplo, será explicada pela "virtude dinâmica"do ar. Este estado é no fundo tão antropomórfico quanto o primeiro ( a natureza tem "horror" do vazio exatamente como a senhora Baronesa tem horror de chá). O homem projeta espontaneamente sua própria psicologia sobre a natureza. A explicação dita teológica ou metafísica é uma explicação ingenuamente psicológica. A explicação metafísica tem para Comte uma importância sobretudo histórica como crítica e negação da explicação teológica precedente. Desse modo, os revolucionários de 1789 são "metafísicos" quando evocam os "direitos" do homem - reivindicação crítica contra os deveres teológicos anteriores, mas sem conteúdo real. 
c) O estado positivo é aquele em que o espírito renuncia a procurar os fins últimos e a responder aos últimos "por quês". A noção de causa (transposição abusiva de nossa experiência interior do querer para a natureza) é por ele substituída pela noção de lei. Contentar-nos-emos em descrever como os fatos se passam, em descobrir as leis (exprimíveis em linguagem matemática) segundo as quais os fenômenos se encadeiam uns nos outros. Tal concepção do saber desemboca diretamente na técnica: o conhecimento das leis positivas da natureza nos permite, com efeito, quando um fenômeno é dado, prever o fenômeno que se seguirá e, eventualmente agindo sobre o primeiro, transformar o segundo. ("Ciência donde previsão, previsão donde ação"). 
Acrescentemos que para Augusto Comte a lei dos três estados não é somente verdadeira para a história da nossa espécie, ela o é também para o desenvolvimento de cada indivíduo. A criança dá explicações teológicas, o adolescente é metafísico, ao passo que o adulto chega a uma concepção "positivista" das coisas.
Segundo Comte, da mesma forma que existe na natureza, há uma ordem interna que rege a sociedade, que encaminha para a harmonia, o desenvolvimento e a prosperidade. Ao cientista social caberia descobrir essa ordem e explicá-la aos leitores para que, a partir de sua compreensão, a estabilidade social fosse mantida. 
Comte considera importante que os sociólogos expliquem aos proletários a lei que rege a distribuição de riqueza, concentração de poder econômico e seu lugar na sociedade. esses elementos seriam resultantes da própria natureza da organização social que teria suas leis invariantes. Segundo ele, graças ao positivismo, os trabalhadores reconheceriam as vantagens da submissão e de sua "irresponsabilidade" no governo da sociedade. Desta forma, o positivismo como "ciência livre de juízo de valor e neutra" se proporia a aceitar os fatos políticos e legitimá-los, como em suas palavras:
"O positivismo tende poderosamente, pela sua própria natureza, a consolidar a ordem pública, pelo desenvolvimento de uma sábia resignação. Porque não pode existir uma verdadeira resignação, isto é, uma disposição permanente a suportar com constância e sem nenhuma esperança de mudança, os males inevitáveis que regem todos os fenômenos naturais, senão através do profundo sentimento dessas leis inevitáveis. A filosofia positiva que cria essa disposição se aplica a todos os campos, inclusive aos males políticos".
As teses básicas do positivismo podem ser assim resumidas: 
1)A realidade se constitui essencialmente naquilo que nossos sentidos podem perceber;
2)As Ciências Sociais e as Ciências Naturais compartilham de um mesmo fundamento lógico e metodológico, elas se distinguem apenas no objeto de estudo;
3)Existe uma distinção fundamental entre fato e valor: a ciência se ocupa do fato e deve buscar se livrar do valor.
	A hipótese central do positivismo é de que a sociedade humana é regulada por leis naturais que atingem o funcionamento da vida social, econômica, política e cultural de seus membros. Portanto, as ciências sociais, paraanalisar determinado grupo ou comunidade, têm que descobrir as leis invariáveis e independentes de seu funcionamento.
	Daí decorre que os métodos e técnicas para se conhecer uma sociedade ou determinado segmento dela são da mesma natureza que os empregados nas ciências naturais. E ainda mais, da mesma forma que as ciências naturais propugnam um conhecimento objetivo, neutro, livre de juízo de valor, de implicações político-sociais também as ciências sociais devem buscar, para sua cientificidade, este conhecimento objetivo. Noutras palavras, o cientista social deve se comportar frente a seu objetivo de estudo - a sociedade, qualquer segmento ou setor dela - livre de juízo de valor, tentando neutralizar, para conseguir objetividade, na sua própria visão de mundo.
	Na prática, a postura positivista advoga uma ciência social desvinculada da posição de classe, dos valores morais e das posições políticas dos cientistas, e acredita nisso. Denomina "pré-juízos", "pré-conceitos", "pré-noções" ao conjunto de valores e opções político-ideológicas do pesquisador, limites a serem transpostos para que ele faça ciência. 
	No campo da sociologia, foi Émile Durkhein quem primeiro fundamentou as possibilidades teórico-metodológicas do positivismo para a compreensão da Sociedade. Reconhecendo-se discípulo de Comte, se aplicou a pensar a especificidade do objeto da sociologia, relacioná-la com outras ciências e lançar os fundamentos de um método para a pesquisa social. Para ele o escopo da sociologia é estudar fatos que obedeçam a leis invariáveis, de forma objetiva e neutra. Os "pré-juízos"e as "pré-noções" provenientes da ideologia e da visão de mundo do sociólogo têm de ser combatidos e eliminados do trabalho através de regras do método científico.
	Sua preocupação foi, considerada a sociedade como coisa, criar um método que pudesse descrever os fatos sociais, classificá-los com precisão e de forma independente das idéias co cientista sobre a realidade social.
	Daí que para ele, a tarefa do cientista é:
a) descrever as características dos fatos sociais;
b) demonstrar como eles vêm a existir;
c) relacioná-los entre si;
d) encontrar sua organicidade; e,
e) tentar separar as "representações" dos fatos dadas pelas idéias que fazemos deles, da "coisa real".
	Por fato social, Durkhein entende "toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior" ou ainda "o que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das manifestações individuais.
	Esses fatos sociais são exteriores e coercitivos. Exteriores porque consistem em idéias, normas e regras de conduta que não são criadas isoladamente pelos indivíduos, mas foram criadas pela coletividade que já existem fora de nós quando nascemos. Segundo Durkheim, "... o devoto ao nascer encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa; existem antes deles, é porque existem fora dele. O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais... etc, funcionam independentemente do uso que faço dele...Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais"
	Coercitivos porque essas idéias, normas e regras devem ser seguidas pelos membros da sociedade. Se isso não acontece e alguém desobedece será punido de alguma maneira pelo restante do grupo. Assim, sempre que existe o conflito, a ideologia dominante tenta (geralmente com muito sucesso) disseminar um falso ar de estabilidade, igualdade e permanente harmonia, mascarando as realidades sociais. Caso este mecanismo não funcione, tem-se a coerção policial e institucional...
	De acordo com Durkheim, "toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras (adequadas) de ver, sentir e agir às quais elas (supostamente) não chegariam espontaneamente... Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas a beber, comer e dormir em horários regulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde. obrigamo-las a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências; forçamo-las ao trabalho, etc...
	"... a educação tem justamente por objeto formar o ser social; pode-se então perceber, ... de que maneira este se constitui através da história. A pressão de todos os instantes que sofre a criança é a própria pressão do meio social tendendo (permanentemente) a moldá-la à sua imagem e semelhança."
	Quando este processo não chega a acontecer adequadamente, o indivíduo se marginaliza em relação aos processos sociais coletivos. Para Durkheim, este fato é considerado um suicídio social, que acaba levando o indivíduo a se suicidar de fato. O autor não confere o enfoque psicológico puro ao fato de alguém se suicidar. Busca uma análise sociológica: o suicida, por algum motivo dentro do seu grupo, se mata por se encontrar às margens da sociedade, por não ter encontrado identificação no seio grupal.
	O sistema sociológico de Durkhein se baseia em quatro princípios:
1) A sociologia é uma ciência independente das demais ciências sociais e da filosofia;
2) A realidade social é formada pelos fenômenos coletivos, considerados como "coisas";
3) A cauda de cada fato social deve ser procurada entre os fenômenos sociais que outro percebe. Para explicar um fenômeno social, deve-se procurar sua causa; e,
4) Todos os fatos sociais são exteriores aos indivíduos, formando uma realidade especial. 
	Ele distingue ainda as categorias de "senso comum" como sendo os conceitos usados pelos membros da sociedade para explicar e descrever o mundo em que vivem e os "conceitos científicos" que descrevem, classificam, explicam, organizam e correlacionam os fatos sociais de maneira objetiva.
	Uma das principais influências do positivismo nas ciências sociais foi marcada pelo lugar de destaque concedido à pesquisa empírica na produção do conhecimento. Metodologicamente isso significou descobrir as características de regularidade e invariâncias dos fatos e descrevê-los.
	Na prática médica, esta postura positivista se revela quando as doenças são vistas, estudadas e tratadas de modo quase independente do doente: são os protocolos de tratamento, as rotinas de diagnóstico e tratamento ou mesmo no atendimento individual no qual só se buscam os sinais e sintomas invariáveis de uma doença, considerando, na prática, as variações individuais como mera idiossincrasia não digna de nota.
	Outra conseqüência tem sido a utilização de termos de tipo matemático e um deles é a linguagem das variáveis. Isto resultou no desenvolvimento extremamente rápido de métodos de pesquisa de base estatística, tais como amostragem, escala, métodos de análise de dados como a regressão, a correlação e técnicas multivariadas.
	Desenvolveu-se uma tendência a usar instrumentos de análise como se eles falassem por si mesmos, na ilusão de que nada há além deles. Desta forma, os dados são considerados objetivos se são produzidos por instrumentos padronizados, visando a eliminar fontes de propensão de todos os tipos e apresentar uma linguagem observacional neutra.
O Funcionalismo
 	O funcionalismo tem sido a corrente (dentro do positivismo) mais expressa na área de saúde. Os funcionalistas se diferenciam de Comte e Durkheim na medida em que negam as leis gerais que regem o funcionamento da sociedade como um todo. Também não reduzem a ciência do social à descrição de acontecimentos ou fatos observáveis. Desenvolvem um tipo de teoria especialmente aplicável à compreensão da estrutura social e da diversidade cultural que pode ser resumida nos princípios que se seguem:
a) as sociedades são totalidades que se constituem como organismos vivos. São compostas por elementos que interagem, inter-relacionam-se e são interdependentes.São sistemas onde cada parte se integra no todo como subsistema, produzindo equilíbrio, estabilidade, e sendo passível de ajustes e reajuste;
b) por isso mesmo cada sociedade tem seus mecanismos de controle para regular as influências eventuais de elementos externos ou internos que ameacem seu equilíbrio. "Desvios" e "disfunções" fazem parte da concepção do sistema que através de mecanismos próprios de controle tendem a ser absorvidos, produzindo a integração. Esta é a tendência viva do sistema;
c) a integração se consegue pelo consenso através de crenças, valores e normas compartilhados socialmente pelos subsistemas que interagem constantemente e se reforçam mutuamente; e,
d) a conceituação de progresso, de desenvolvimento e de mudanças é adaptativa. O sistema social tem em si a tendência à conservação e à reprodução, por isso as inovações, invenções e tensões se direcionam para a revitalização do sistema e são absorvidas em seu interior. Como num organismo vivo cuja estrutura permanece e se revigora no movimento funcional, as mudanças sociais não atingem as estruturas, não são revolucionárias. Passam-se ao nível da superestrutura que tem a função de adaptação e de manutenção do "status quo". 
	Os conceitos centrais do funcionalismo (sistema, subsistema, estrutura, função, adaptação, integração, desvio, consenso, etc.) são coerentes com o positivismo sociológico, para quem as leis que regem os fenômenos sociais são intemporais, invariáveis e tendentes à estabilidade e à coesão.
	Dentre os funcionalistas, Parsons tem para nós uma relevância fundamental já que ele aplica a teoria funcionalista à explicação da medicina e das relações entre o médico e o paciente. Em sua obra The Social System, o conceito saúde/doença e coerente com sua visão funcionalista:
"É um estado de perturbação normal do indivíduo humano total, compreendendo-se o estado do organismo como sistema biológico e o estado de seus ajustamentos pessoal e social".
	A doença, para Parsons, é uma "conduta desviada" e o doente é um personagem social que se reconhece na forma como a sociedade institucionaliza o desvio e assim o assimila e o integra. Daí que os papéis e funções de médico e paciente são complementares. A prática médica é um mecanismo do sistema social para reconduzir o doente à normalidade, mas que também reconhece seu desvio e o institucionaliza. Ela tem por fim o controle dos desvios individuais.
	Ao definir a prática médica pela finalidade de curar e prevenir doenças, Parsons se limita a descrever como ela funciona e aparece em forma de fenômeno observável, desconhecendo as condições de sua produção e reprodução. Reduz a concepção de doença à noção de desvio colocando-a no âmbito exclusivo do paciente e do médico.
	O funcionalismo sociológico é a corrente de pensamento de maior influência na produção intelectual referente à questão das ciências sociais e a saúde. Tal fato não nos pode estranhar, na medida em que são em que são estas teorias que melhor se prestam para conservar e justificar a prática médica hegemônica e os enfoque práticos no tratamento dos doentes e das doenças.
	Essa preponderância pode ser constatada em alguns sintomas:
a) pouca valorização conceitual do processo saúde-doença e seus determinantes;
b)enfoque pragmático e funcionalista da medicina como se ela fosse uma ciência universal, atemporal e isenta de valores;
c)valorização das ciências sociais apenas como acessório ou complemento na prática e na teoria médicas, considerando-as como ciências normativas e com finalidade adaptativa e funcional; e,
d) na epidemiologia, valorização excessiva da concreção estatística tomada como objetividade e confusão do fenômeno com a própria realidade.
	Na prática médica e suas relações com a sociedade o positivismo se manifesta:
1)Na concepção da saúde/doença como fenômeno apenas biológico individual em que o social entra compreendido como modo de vida e apenas como variável, ou é desconhecido e omitido;
2)Na valorização excessiva da tecnologia e da capacidade absoluta da medicina de erradicar doenças;
3)Na dominação corporativa dos médicos em relação aos outros campos do conhecimento, adotando-os de forma pragmática (a sociologia e a antropologia consideradas importantes apenas para fazer questionários, produzir informes culturais, ensinar alguns conceitos básicos); no tratamento subalterno dados aos outros profissionais da área (enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, atendentes etc...); em relação ao senso comum da população, numa tentativa nunca totalmente vitoriosa, de desqualificá-lo e absorvê-lo.
A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA
	Como pudemos perceber anteriormente, a grande tese que presidiu o positivismo era a de que haveria uma identificação total entre as ciências da natureza e as ciências sociais. Outros pensadores e cientistas, ao contrário, afirmam a peculiaridade do fato humano e a conseqüente necessidade de uma metodologia própria. Essa metodologia deveria levar em consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais é um conhecimento de algo externo ao próprio homem, enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana
 
Os principais representantes dessa orientação foram Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu uma distinção interessante entre explicação (erklären) e compreensão (verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu sentido. Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do investigador, e poderiam ser apreendidos na experiência dos outros.
Desse modo de pensar e entender a realidade, surge a sociologia compreensiva. Fixaremos a obra de Max Weber como a inaugural, não do modo de pensar, mas de sua aplicação à sociologia.
Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captação da relação de sentido" da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configuram. Por ação, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito ou sujeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento". Tal colocação do problema de como se abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude. 
O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas
Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa observação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o cientistasocial. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fenômenos obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente, outros. 
Essas leis referem-se a construções de “comportamento com sentido” e servem para explicar processos particulares. Para que isso seja possível Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que representam o primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e, correspondendo às exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à realidade concreta particular
O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento weberiano, a um processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o que existe de particular, constituindo assim um conceito individualizante ou, nas palavras do próprio Weber, um “conceito histórico concreto”. 
O tipo ideal não descreve um curso concreto de ação, mas um desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um curso de ação “objetivamente possível”. O tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real: ele depura as propriedades dos fenômenos reais desencarnando-os pela análise, para depois reconstruí-los. O tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem uma proposição e, assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de acordo com sua utilidade para a compreensão significativa dos acontecimentos estudados pelo investigador. 
Os tipos ideais não existem empiricamente, são artifícios criados pelo cientista para ordenar os fenômenos, para indicar suas articulações e seu sentido. Sintetizam e evidenciam os traços típicos originais de determinado fenômeno tornando-o inteligível. Weber constrói vários tipos ideais sendo os mais conhecidos a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, a Burocracia e as Formas de Dominação.
Em duas correntes de pensamento encontramos o peso de sua contribuição, embora cada uma conserve seu esquema conceitual particular: a fenomenologia sociológica e a etnometodologia. O que as liga ao pensamento weberiano é a presença fundamental do conceito central da obra de Weber: o significado da ação social.
Etnometodologia 
O termo etnometodologia designa uma corrente da sociologia americana, que surgiu na Califórnia no final da década de 1960, tendo como seu principal marco fundador a publicação do livro Studies in Ethnomethodology [Estudos sobre Etnometodologia], em 1967, de Harold Garfinkel. A publicação da obra de Garfinkel provocou uma reviravolta na “sociologia tradicional” gerando intensos debates no meio acadêmico das universidades americanas e européias.
	A preocupação central da etnometodologia é buscar abordar as atividades práticas, as circunstâncias práticas e o raciocínio sociológico prático desenvolvido pelos atores no curso de suas atividades cotidianas, sejam estas atividades ordinárias ou extraordinárias, partindo de um raciocínio profissional ou não. Considera que a realidade social é construída na prática do dia-a-dia pelos atores sociais em interação e não é um dado pré-existente. Evidencia-se uma nova preocupação para a sociologia: a recuperação e a análise do “senso comum”, que para a sociologia clássica, desde Durkheim, devia ser evitado como um problema. Ao contrário, os etnometodólogos procuram descobrir no senso comum os verdadeiros sentidos que os atores dão às suas ações e esperam desvendar o raciocínio prático que orienta as ações sociais. A etnometodologia analisa as crenças e os comportamentos de senso comum como os constituintes necessários de “todo comportamento socialmente organizado”. 
Esta nova perspectiva exige uma mudança dos métodos e das técnicas de coleta de dados, bem como da construção teórica. Já não é mais possível trabalhar com a hipótese de que exista a priori um sistema de normas estável que dá significação ao mundo social, mas é preciso considerar que os fenômenos cotidianos estão em constante criação, transformação, e extinção. Tais fenômenos são criados pelos atores para dar significação às suas ações e permitir uma compreensão das ações empreendidas pelos demais atores que coexistem com ele num mesmo contexto. Ao contrário da sociologia tradicional que considerava possível determinar as “leis sociais” que regem os comportamentos e as ações sociais, a etnometodologia entende que as ações desenvolvidas pelos atores é guiada pelo seu raciocínio prático, fruto dos momentos particulares vivenciados e experimentados a cada ato interacional.
	O mundo social é constituído de ações interacionais entre os agentes, que são desenvolvidas pelo uso da linguagem. As intenções, ações, pedidos, ordenamentos, ensinamentos, trocas de auxílio, etc. são comunicadas através da linguagem estabelecida entre os atores, uma linguagem que não é ordenada e radicalmente fixa, mas que é flexível e adaptável, conforme o grupo de agentes que a desenvolve.
Para os etnometodólogos, compreender o mundo social, antes de tudo, é compreender a linguagem que este mundo se utiliza para se fazer compreensível e transmissível. As ações sociais somente adquirem sentido neste contexto, ou seja, somente possuem significação quando são compreendidas pelos atores que interagem no mundo social. Portanto, para se capturar o mundo social nas análises sociológicas, é necessário estar atento e levar em conta as redes de significações que são estabelecidas pelo uso da linguagem. 
A linguagem que interessa aos etnometodólogos não é a linguagem culta, dos lingüistas eruditos ou aquela dos discursos estruturados, mas aquela do dia-a-dia, utilizada pelo cidadão comum, nas suas ações práticas do cotidiano. Os etnometodólogos utilizam em suas pesquisas, em suas descrições e interpretação da realidade social, os mesmos recursos lingüísticos que o homem ordinário, a linguagem comum . Uma das bases do estudo do raciocínio prático consiste na maneira como os membros de uma sociedade utilizam a palavra narrativa quotidianas para determinar a posição de suas experiências e de suas atividade.
Os atores sociais ao desenvolverem e praticarem suas atividades cotidianas descrevem o quadro em que estão inseridos a partir de uma operação mental onde correlacionam o cabedal de experiências adquiridas, os conhecimentos, a capacidade criativa e adaptativa e as trocas de intenções do processo interacional. Reflexividade designa as práticas que ao mesmo tempo descrevem e constituem o quadro social. Descrever uma situação é constituí-la. A reflexividade designa a equivalência entre descrever e produzir uma interação, entre a compreensão e a expressão dessa compreensão, ou seja, na medida que desenvolvemos nossas ações práticas, estamos envolvendo uma série de atividades racionais motivadas tanto pelos reflexos dos sinais que recebemos do exterior como daqueles produzidos em nosso próprio interior. Essa reflexividade de sinais produzidas pelos atores é que dá origem às ações sociais, e é esse o produto social que deve ser analisado pelos sociólogos.
A propriedade de relatabilidade, ou seja, de descrição, é uma característica que permite aos atores sociais comunicarem e tornarem as atividades práticas racionais compartilháveis. A relatabilidade está intimamente ligada ao processo de reflexividade. A relatabilidade são as descrições que os atores fazem de seus processos reflexivos, procurando mostrar sem cessar a constituição da realidade que produziram e experienciaram. Em outras palavras, a relatabilidade não é a descrição pura e simplesmente da realidade enquanto pré-constituída, mas enquanto essa descrição em se realizando, fabricando o mundo, construindo-o.A relatabilidade é a propriedade que permite que os atores tornem o mundo visível a partir de suas ações, tornando as ações compreensíveis e transmissíveis. Ao passo que são descritas, ou seja, ao passo que são dotadas de significado e sentido através dos processos pelos quais são relatadas, as ações sociais exprimem o mundo social na sua mais pura essência.
Os etnometodólogos não estão, portanto, preocupados em apenas descrever as ações sociais a partir dos relatos fornecidos pelos atores, mas procuram compreender como os atores reconstituem permanentemente uma ordem social frágil e precária, a fim de compreenderem e serem compreendidos.
Para os etnometodólogos, membro não é apenas um ente que pertence a um determinado grupo, mas ao contrário, é um ente que compartilha a construção social daquele determinado grupo. Em outras palavras, é membro o indivíduo que domina a linguagem comum do grupo, que interage com os demais a partir de redes de significação estabelecidas nos processos interacionais, que compreende o mundo social em que está inserido sem grandes esforços racionais, mas apenas pela pertença natural de sua socialização. 
As críticas à etnometodologia, provenientes tanto dos positivistas quanto de marxistas se apresentam das seguintes formas:
a) críticas à consideração de que os significados subjetivos criam a realidade do mundo;
b) críticas à redução da estrutura social a procedimentos interpretativos;
c) crítica ao desconhecimento dos fatores que determinam ou condicionam a visão das pessoas sobre sua situação social;
d) crítica à separação entre pensamento e ação.
	O Interacionalismo Simbólico pode ser considerado como uma vertente da etnometodologia. Representou uma nova possibilidade para a sociologia, popularizando o uso dos métodos qualitativos na pesquisa de campo, movendo-se na contracorrente da concepção durkheimiana do ator. Durkheim, embora reconhecesse a capacidade do ator para descrever os fatos sociais que o cercam, acha que essas descrições são por demais vagas, muito ambíguas, para que o pesquisador possa usá-las de modo científico, sendo tais manifestações subjetivas não subordinadas ao domínio da sociologia. Ao invés, o interacionismo simbólico afirma que a concepção que os atores fazem para si do mundo social constitui em última análise o objeto essencial da pesquisa sociológica.
Para esta corrente, o conhecimento sociológico só pode ser percebido pelo pesquisador a partir da observação direta e imediata das interações entre os atores sociais, das ações práticas dos atores e o sentido que eles atribuem aos objetos, às situações, aos símbolos que os cercam, pois é nesses pormenores que os atores constroem seu mundo social. E se a sociologia pretende resgatar a realidade, deve tomar conta desses inúmeros contatos interacionais que se estabelecem entre os atores nas ações corriqueiras do cotidiano. Os interacionistas rejeitam o modelo da pesquisa quantitativa e suas conseqüências sobre a concepção do rigor e da causalidade nas ciências sociais. Segundo eles, as abordagens quantitativas "sacrificam o significado no altar do rigor matemático". Para esta corrente, é impossível apreender o social através de princípios objetivos, pois a subjetividade, ou a intersubjetividade dos atores, é extremamente importante e determinante das ações sociais. Desconsiderar as motivações pessoais e a liberdade subjetiva dos atores é criar um mundo imaginário, idealizado, que não corresponde à realidade concreta. O interacionismo simbólico ancora-se numa concepção teórica que considera que os objetos sociais são construídos e reconstruídos pelos atores interminavelmente. Ou seja, o significado social dos objetos se deve ao fato de lhes darmos sentido no decurso de nossas interações.
Fenomenologia
	Assim como a Etnometodologia, a Fenomenologia é considerada dentro das ciências sociais, a Sociologia da Vida Cotidiana.
Alfred Schütz é o representante mais significativo do pensamento fenomenológico. Em seus primeiros estudos tomou como ponto de partida a obra de Max Weber, e desenvolve a noção de Compreensão (Verstehen). Propõe o estudo dos processos de interpretação que utilizamos em nossa vida diária, cotidiana.
Para ele, a linguagem cotidiana esconde um tesouro de tipos e características pré-constituídos, de essência social, que abrigam conteúdos inexplorados. O mundo social que Schütz se propõe a estudar é aquele da vida cotidiana, vivida por pessoas comuns, tanto o daquelas simples e iletradas, como o daquelas cultas. Neste mundo a maioria dos atos são realizados, muitas vezes, automaticamente, sem grandes elaborações racionais, Para Schütz a realidade social é a soma total dos objetos e dos acontecimentos do mundo cultural e social, vivido pelo pensamento de senso comum de homens que vivem juntos numerosas relações de interação. (...) Desde o princípio, nós, os atores no cenário social, vivemos o mundo como um mundo ao mesmo tempo de cultura e natureza, não como um mundo privado, mas intersubjetivo, ou seja, que nos é comum, que nos é dado ou que é potencialmente acessível a cada um de nós. E isso implica a intercomunicação e a linguagem.
O mundo é interpretado a luz de categorias e construtos do senso comum que são largamente sociais na sua origem. Esses elementos cognitivos são os recursos que os indivíduos utilizam para compreender e serem compreendidos nas suas ações do cotidiano. A realidade é fruto dessa contínua atividade de interpretação dos sentidos das ações que são empreendidas no dia-a-dia.Ninguém percebe a realidade da mesma forma que os outros. Cada um de nós realiza experiências subjetivas que são inacessíveis aos outros, mas que são compartilhadas através da comunicação, por processos de entendimento que são construídos entre os atores, de modo a que possam ser compreendidos. 
Esta percepção do mundo social como um fenômeno intersubjetivo é o ponto central da obra de Schütz. Ou seja, independentemente de como o sintamos, o mundo cotidiano não é constituído de nossas experiências privadas, particulares. Não é vivido independentemente dos demais indivíduos sociais, ao contrário, é compartilhado, é construído nas relações estabelecidas com outros atores a partir da comunicação. As nossas ações num mundo social somente tomam sentido em relação com as ações dos demais. Embora cada ator perceba a realidade de uma maneira singular, existe a possibilidade da troca de percepções através da comunicação. Embora os homens nunca realizem experiências idênticas, eles supõem que elas sejam idênticas, fazem que sejam idênticas, para todos os fins práticos. Ou seja, criam processos de ajustes de modo que a experiência vivida por um seja assimilada e compreendida pelo outro através de processos de interação e comunicação, desta forma podem compartilhar da mesma realidade criando um mundo comum, compreensível para todos aqueles que vivenciam o mesmo contexto cultual e social. 
Schütz descreveu cinco propriedades importantes do conhecimento e da cognição . Primeiro, denomina que o mundo da vida cotidiana é um mundo permeado de naturalidades. Os atores que interagem no cotidiano agem, geralmente, seguindo cursos ordinários, desenvolvidos por percepções pré-adquiridas no decurso dos acontecimentos do passado ou do cálculo racional das orientações das ações empreendidas no presente. Segundo, propõe que a construção (constituição) dos objetos (tanto naturais, quanto sociais) é necessária e continuamente atualizada por meio de “sínteses de identificação”, ou seja, a realidade se transforma a cada segundo, os atores constroem os objetos da realidade adicionando elementos e resignificando-os a cada novo instante que os percebem, variando de acordo com os contextos onde estão inseridos. 
Em terceiro, lugar, Schütz estabelece que os objetos do mundo social são constituídos no interior de uma estrutura de “familiaridade e pré-conveniências, fornecida por um “estoque de conhecimentos à mão” que é esmagadoramente social em suaorigem . Quarto, esse estoque de construtos sociais é mantido numa forma tipificada, ou seja, são ordenados em tipos característicos capazes de serem correlacionados e reconhecidos à medida em que são novamente observados. Esta propriedade permite também o ordenamento dos objetos em categorias para futuras análises cognitivas. E, por último, que a compreensão intersubjetiva se realiza por meio de um processo no qual os atores esperam “reciprocidade”, apesar das diferentes perspectivas que orientam as compressões da realidade de cada um deles. É essa propriedade que permite que se estabeleçam relações de comunicação e de troca de experiências objetivas entre os atores ao desenvolverem suas ações subjetivas.
Para Schütz, a intersubjetividade é a categoria central na análise fenomenológica, porque é um dado fundamental da existência humana no mundo: "Aqui onde estou - lá onde meu semelhante está: jamais poderemos estar os dois no mesmo lugar, estar na mesma posição, estar os dois aqui ou lá".
Esta intersubjetividade é vivida em situação de familiaridade sobre a forma do nós e permite a captação do outro como único em sua individualidade. Ou em situação de anonimato que afasta a unicidade e individualidade do outro e produz as situações de generalização. O grau máximo do anonimato é a consideração do outro como um número ou função.
Para os fenomenólogos, são os pequenos grupos como a família, as entidades religiosas, as associações voluntárias, os responsáveis pela identidade dos indivíduos, pela sua estabilidade e por seu sistema de significados, na medida em que os integram uma visão compartilhada de mundo.
Contrapõe-se ao positivismo nos mais diferentes aspectos:
a)à ambição dos positivistas de construir explicações totalizantes e invariáveis, a fenomenologia afirma que a vida humana é essencialmente diferente;
b)à separação entre fatos e valores, diz que a linguagem, práticas, coisas e acontecimentos são inseparáveis;
c)à pretensão de construir conhecimentos objetivos e neutros, a fenomenologia diz que só há conhecimento subjetivo, pois é o homem que imprime leis ao real, e o ato do conhecimento reúne o observador e o observado, ambos possuidores de significados atribuídos pelo próprio homem;
d)à coerção da sociedade sobre o indivíduo, a fenomenologia proclama a liberdade do ator social que através de sua história biográfica e em inter-relação com seus semelhantes, cria significados e constrói sua realidade; e,
e) ao contrário do positivismo que confere primazia ao reinado da ciência, a fenomenologia advoga sua submissão aos princípios da ética e da moral de determinada sociedade.
	Na década de 60 e com maior força nos anos 70 a fenomenologia junto com o marxismo propuseram uma crítica radical das relações de produção e dos esquemas de dominação que acompanharam o enorme crescimento das forças produtivas ocorrido nos países capitalistas a partir da Segunda Guerra Mundial.
	A onda desenvolvimentista cujos rumos do progresso não significaram a socialização do bem-estar; a constatação do aprofundamento das desigualdades entre ricos e pobres, entre países centrais e países periféricos; o caos ecológico e social dos grandes centros urbanos, a corrida armamentista, tudo isto fez crescer um movimento oposicionista na sociedade civil e um questionamento profundo da ciência como verdade incontestável.
A concepção positivista da ciência universal, atemporal e isenta de valores conduzindo os rumos da humanidade, na área da saúde foi sendo problematizada por um debate teórico e ideológico que engajou questões tanto da cientificidade dos postulados vigentes como da ética de investigação científica.
A contestação intelectual da fenomenologia ao positivismo desenvolveu-se em vários aspectos como crítica contundente à instituição médica, à prática médica, à ética médica, ao sistema público de saúde e à concepção biomédica de saúde/doença.
Sua tese é de que a hipertrofia das grandes instituições voltadas para a assistência social tornou-se o maior obstáculo à realização de seus próprios objetivos. Por exemplo, o crescimento "mórbido" da medicina que conduz:
a) à ineficácia global do sistema;
b) à perda da capacidade da população de se adaptar ao meio social, de aceitar a dor e o sofrimento, por causa da medicalização da vida; e,
c) ao mito de a medicina acabar com a dor, o sofrimento e a doença, mito que compromete a capacidade cultural dos homens de lidar com a vida e a morte.
	O debate sobre a relação do indivíduo com a sociedade e suas possibilidades frente aos esquemas coercitivos chega a algumas afirmações como:
a) a atenção médica não tem significado necessariamente a melhoria da qualidade de saúde da população;
b) o caráter dominador da medicina tem induzido a prática médica a ampliar cada vez mais seu controle sobre o corpo, os eventos da vida humana, os ciclos biológicos e a vida social; 
c) o profissionalismo médico tem redundado principalmente na defesa de privilégios corporativos e servido mais para atender a interesses econômicos do que para responder às necessidades de saúde da população;
d) a esses questionamentos, juntaram-se outros sobre a ética médica e sobre uma concepção social mais abrangente de saúde/doença.
	Os fenomenólogos propõem a necessidade de desenvolver uma filosofia de medicina que leva em conta os problemas éticos dos experimentos e serviços referente à vida humana e que se restabeleça na concepção de saúde/doença (para fins médicos) a relevância antropológica entre religião e medicina.
	A partir dos anos 70 foram criadas no mundo inteiro comissões de ética, fundamentais no reconhecimento de que as pessoas têm direito de ser informadas e participar do processo de reflexão sobre o que acontece nos laboratórios, nos hospitais e nas clínicas.
	Os fenomenólogos consideram que a cura se baseia em valores, símbolos e sistemas de significados compartilhados nos seus grupos de referência. São esses grupos que protegem os indivíduos contra as grandes estruturas impessoais e anônimas onde eles se tornam um número. Advogam, portanto, uma reforma do sistema de saúde que leve em conta os valores culturais dos seus grupos, seus mediadores (os pequenos grupos) e seus ecossistemas.
	A partir das mesmas idéias vai se desenvolvendo também uma linha holística na concepção da saúde/doença que se unifica nos seguintes pontos:
a) a saúde tem de ser pensada como um bem estar integral: físico, social e espiritual;
b) os indivíduos devem assumir sua responsabilidade inalienável frente às questões de sua saúde;
c) as práticas da medicina holística devem ajudar as pessoas a desenvolver atitudes, disposições, hábitos e prática que promovam seu bem-estar integral;
d) o sistema de saúde deve ser reorientado para tratar das causas ambientais, comportamentais e sociais que provocam a doença; e,
e) as pessoas devem se voltar para a harmonia com a natureza, utilizar plantas e meios naturais de tratamento.
	Os resultados práticos das concepções fenomenológicas sobre o setor saúde têm sido:
a) um questionamento sobre o papel do Estado e das grandes instituições médicas;
b) incremento dos pequenos grupos privados e voluntários referentes às questões da saúde;
c) reconhecimento de modalidades alternativas de expressão e de tratamento da saúde; e,
d) aparecimento de novas formas institucionalizadas de saúde pública combinadas com associações voluntárias, atenção primária, autocuidado, uso das medicinas tradicionais, participação comunitária e, educação e práticas de saúde vinculadas à pesquisa-ação. 
O MARXISMO
	A obra de Marx é coerente com o princípio básico de sua metodologia de investigação científica: tem a marca da totalidade. Por isso mesmo, uma das polêmicas sobre a contribuição para as Ciências Sociais se deve ao fato da dificuldade de catalogá-la como Filosofia, História, Economia, Sociologia ou Antropologia.
	Esse caráter de abrangência, que tenta, a partirde uma perspectiva histórica, cercar o objeto de conhecimento através da compreensão de todas as suas mediações e correlações, constitui a riqueza, a novidade e a propriedade da dialética marxista para a explicação do social
	Como nossa intenção, neste curso, é abordar e compreender algumas das correntes de pensamento que têm influído nas práticas da Saúde, é por esse aspecto que analisaremos o marxismo. 
	Dentro da perspectiva marxista como sociologia do conhecimento, os princípios fundamentais que explicam o processo de desenvolvimento social podem ser resumidos nos termos: materialismo histórico e materialismo dialético.
	Enquanto o materialismo histórico representa o caminho teórico que aponta a dinâmica do real na sociedade, a dialética refere-se ao método de abordagem deste real.
O método dialético
	O termo dialética provem do grego "dialektikós - conversar, argumentar"". Na Grécia antiga era a arte do diálogo, da contraposição de idéias que leva a outras idéias. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão. Atualmente é considerada como o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação.
	O modo de pensar dialético contrapõe-se ao modo metafísico de perceber o mundo. Heráclito foi o pensador dialético mais radical da Grécia Antiga. Para ele, os seres não têm estabilidade nenhuma, estão em constante movimento, modificando-se. É dele a famosa frase "um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio", porque nem o homem nem o rio serão os mesmos. 
Esta postura contrasta fortemente com os pensadores metafísicos como seu contemporâneo Parmênides, segundo os quais a essência do ser é imutável, e as mudanças ocorrem apenas na superfície.
	Diferentemente do método causal, no qual se estabelecem relações de causa e efeito entre os fatos (ex: a evaporação da água causa a formação de nuvens, que, por sua vez, causa as chuvas), o método dialético busca elementos conflitantes entre dois ou mais fatos para explicar uma nova situação decorrente deste conflito.
1ª lei da dialética: A mudança dialética	
	Quando o pesquisador se pretende dialético, o seu compromisso principal é estudar as coisas e os fenômenos em seus movimentos, na sua mudança.
	Por exemplo: eis uma maçã. Temos duas maneiras de estudá-la: por um lado do ponto de vista metafísico, por outro do dialético.
	No primeiro caso, daremos uma descrição desse fruto, a sua forma, a sua cor. Enumeraremos as suas propriedades, falaremos do seu gosto, etc... Depois poderemos comparar a maçã com uma pêra, ver suas semelhanças, as diferenças e, enfim concluir: uma maçã é uma maçã e uma pêra é uma pêra. Este é o modo hegemônico de se "fazer ciência" ainda hoje em dia. É desta forma que a maioria dos livros de medicina é escrita e é assim que se estuda na maioria das Disciplinas do curso.
	Se queremos estudar a maçã do ponto de vista dialético, colocar-nos-emos no do movimento; não do movimento da maçã quando rola e se desloca, mas do da sua evolução. Então constataremos que a maçã madura não foi sempre o que é. Primeiramente era uma maçã verde. Antes de ser uma flor, era um botão; e, assim, chegaremos até o estado da macieira na primavera. A maçã não foi, pois, sempre uma maçã, tem uma história. De fato, não permanecerá sempre o que é. Se cai, apodrecerá, decompor-se-á, libertará as sementes, que darão, se tudo correr bem, um broto e depois uma árvore. Portanto, a maçã não foi e também não ficará sempre o que é.
	Segundo Engels: "Para a dialética, não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas, e, para ela, nada existe além do processo ininterrupto do devir e do transitório".
	Chamo a atenção para o termo devir (vir a ser, transformar-se). O que significa, na prática? 
	Vimos que a maçã tem sua história. Tomemos agora, por exemplo, um lápis, que também tem a sua.
	Este lápis, que hoje está usado, foi novo. A madeira de que é feito sai de um taboa e esta de uma árvore. Vemos que a maçã e o lápis têm cada um a sua história e que ambos não foram sempre o que são. Há, porém, uma diferença entre as duas histórias.
	A maçã verde tornou-se madura. Podia, sendo verde, se tudo corresse bem, não se tornar madura? Não: devia amadurecer, assim como, caindo à terra, deve apodrecer, decompor-se, libertar as sementes. Enquanto que a árvore de onde vem o lápis pode não se tornar taboa, a taboa pode não se tornar lápis e o lápis pode não ser apontado e usado.
	A diferença entre as histórias é que, no caso da maçã, se nada de anormal ocorrer, esta seguirá de flor a maçã verde e, depois madura, inevitavelmente (claro , se nada para a evolução). Isto é, a cada fase, segue-se outra, por decorrência.
	Isto não é verdade no caso da árvore que virou lápis. Esta pode não virar taboa, a taboa pode não virar lápis e este pode não ser usado. Isto é, a cada fase pode não se seguir outra, por mera decorrência. Se a história do lápis foi a que conhecemos, isto se deu graças a uma intervenção estranha - a do homem.
	Recapitulando, no caso da maçã, as fases se sucedem. Ela segue o devir de que fala Engels. No exemplo da lápis, as fases se justapõem. A maçã segue um processo natural.
	Processo é sinônimo de marchar em frente, ato de avançar ou progredir. Por que uma maçã verde se torna madura? É por causa do que contém, por causa de encadeamentos internos que a obrigam a amadurecer: antes mesmo de estar madura, era uma maçã, que não podia deixar de amadurecer.
	Quando se examina a flor que se tornará maçã, pode-se constatar que os encadeamentos que impelem a maçã na sua evolução atuam sob o domínio de "forças" intrínsecas. Isto é denominado autodinamismo.
	Quando o lápis era ainda uma taboa, foi preciso a intervenção do homem para o fazer tornar-se lápis, porque nunca a taboa se transformaria, só por si, em lápis. Não houve forças internas, autodinamismo, processo.
	Percebe-se, então que nem todo movimento é dialético: só é dialético o movimento que contém em si o processo, o auto dinamismo, que lhe é essencial. A mudança que ocorre fora deste processo é chamada de mecânica.
2ª lei da dialética: A ação recíproca
	O estudo da maçã conduz-nos ao das origens e dos destinos da árvore. A árvore se originou de uma maçã que caiu, apodreceu na terra e deu origem a um broto. Isto nos leva a estudar o terreno, as condições em que as sementes puderam germinar um broto, as influências do ar, do sol, etc.. Assim, partindo do estudo da maçã, somos conduzidos ao exame do solo, passando do processo da maçã ao da árvore; este processo encadeia-se, por sua vez, no do solo. Temos o que se chama de um encadeamento de processos. Isto vai nos permitir enunciar e estudar a segunda lei da dialética: a lei da ação recíproca.
	Ao contrário dos metafísicos, que concebem o mundo como um conjunto de coisas estática, o dialético verá o mundo como um conjunto de processos. Associa a maçã à arvore e vai mais longe, até a natureza em seu conjunto. A maçã não é só o fruto da macieira, mas também o de toda a natureza.
	É lógico que mesmo sendo metafísico, qualquer pessoa pode perceber que um fenômeno tenha uma história pregressa que levou até ele. O que o diferencia é o fato de que ele concebe o fenômeno como um fato que acabou de evoluir e ficará, de agora em diante, fixo. E também que esta história tem um número, ainda que possa ser grande, limitado de conexões com outros processos.
	Contrariamente, um dialético não considera as coisas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento. Para a dialética, nenhuma coisa se encontra acabada; é sempre o fim de um processo e o começo de outro, sempre em vias de se transformar, desenvolver continuamente. Além disso, a dialética percebe que por mais díspares que possam parecer, os processos

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