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6 O Olhar do Cineasta Sistema de Imagem final

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O Olhar do Cineasta
Aprenda (e quebre) as regras da composição cinematográfica
Gustavo Mercado
Sistema de Imagem
O termo "sistema de imagens" ou "sistema imagético" foi inicialmente introduzido por teóricos do cinema em artigos que tentavam criar uma compreensão sistemática do cinema por meio da análise das imagens, padrões de edição, composição das cenas e tendências ideológicas de certos diretores. Em algumas teorias do cinema, sistemas de imagens são usados para decodificar as camadas de significado que um filme poderia ter com base nas conotações que certas imagens têm além do seu significado literal. 
	Por exemplo, uma cena de um personagem olhando seu reflexo em um espelho também pode significar o conceito de um eu dividido e conflitos internos por causa dos significados simbólicos associados com espelhos e reflexos na teoria psicanalítica; essa é uma alegoria visual comum encontrada em muitos filmes que lidam com personagens que têm transtornos de personalidade ou passam por conflitos internos. 
“Cidadão Kane” (1941) dirigido por Orson Welles 
O sistema de imagens também tem uma definição muito mais simples, mais frequentemente utilizada por cineastas e roteiristas; trata-se do uso de imagens e composições recorrentes em um filme para adicionar camadas de significado a uma narrativa. A repetição das imagens pode ser uma ferramenta poderosa para introduzir temas, motivos e imagens simbólicas que poderiam ou não ser explicitamente tratadas no enredo do filme. Isso também pode ser usado para mostrar o crescimento dos personagens, informações importantes prenunciadas e criar significados associativos entre personagens que não são explícitos na história. 
Como a experiência de assistir a um filme depende bastante do uso de imagens (embora não exclusivamente, já que a experiência cinematográfica sempre envolve um componente sonoro mesmo quando os filmes eram tecnicamente mudos), a maioria dos filmes tem um sistema de imagens em funcionamento em algum nível, independentemente de o cineasta querer ou não usar um. Essa memória e comparação visuais são inerentes à maneira como o público extrai significado das imagens para entender uma história, criando constantemente conexões entre e dentro das cenas. 
Sistemas de imagens podem ser muito sutis repetindo certas composições fílmicas, cores e imagens de uma maneira que inicialmente não é fácil de perceber e que, mesmo assim, é internalizada pelo público em um nível subliminar. 
Nesse caso, apenas alguns espectadores poderiam perceber a repetição das imagens e composições fílmicas e deduzir seu significado narrativo decodificando uma camada adicional do significado de acordo com sua compreensão da história. 
Outros espectadores porém, talvez não percebam completamente as conexões, acessando apenas a narrativa principal de um filme. Alguns cineastas tornam o sistema de imagens em seus filmes visível e impossíveI de ignorar imbuindo numerosas cenas de um significado icônico, gráfico ou simbólico, às vezes até dificultando que o público se conecte com a história. Isto geralmente não é uma boa ideia, visto que sistemas imagéticos funcionam melhor quando dão suporte e acrescentam significado à ideia central do filme e não quando se tornam essa própria ideia central.
Uma distinção importante a considerar é que um sistema de imagens não deve ser confundido com uma estratégia visual (escolhas em relação a materiais, formatos, objetivas e iluminação). Esses elementos não constituem um sistema de imagens, mas, em vez disso, são algumas das ferramentas que farão seu sistema de imagens funcionar, associadas a uma boa elaboração da composição fílmica, da edição, da direção de arte e de qualquer outro elemento que possa ser usado para desenvolver os significados explícitos e implícitos de uma cena. 
	Ter um sistema de imagens não é essencial ou obrigatório; talvez você não queira lidar com a necessidade de criar um e, em vez disso, optar por contar sua história sem nenhuma camada extra intencional do significado. Por outro lado, criar um sistema de imagens pode ser uma experiência bem interessante que também ajuda você a ter uma compreensão mais clara da estrutura da sua história (necessária para tornar o sistema de imagens consistente e significativo). 
Para criar um sistema de imagens, você primeiro deve identificar as ideias centrais da sua história, os temas e motivos principais (algo que provavelmente fez ao criar o conceito iniciaI para a estratégia visual do filme). Depois de saber do que realmente trata a história, você pode criar um sistema de imagens que dê suporte às suas ideias centrais de uma maneira evidente ou sutil que deve ser implementado consistentemente por todo o filme. 
Consistência é essencial se você quiser que o sistema de imagens seja reconhecido pelo público; ele deve ser utilizado de uma forma sistemática que realça apenas aqueles eventos significativos à compreensão dos conceitos e temas que você quer destacar na história.
O sistema de imagens no filme Oldboy
 Oldboy (2003), de Park Chan-wook, tem um sistema de imagens compIexo que usa a repetição de composições fílmicas e imagens simbóIicas para adicionar profundidade emocional a uma história da obsessão e vingança. Oldboy conta a história de Oh Dae-su (Choi Min-sik), um homem de negócios que é sequestrado e então preso por 15 anos; durante esse período, ele descobre que seus sequestradores mataram sua esposa e o incriminaram falsamente peIo assassinato dela. 
Sem explicação, Dae-su é repentinamente I¡bertado, fazendo amizade com uma jovem chamada Mi-do (Kang Hye-jeong) depois que eIe desmaia no restaurante onde eIa trabalha. Com a ajuda deIa, eIe descobre que sua filha, um bebê na época do sequestro, foi adotada por uma família que mora em outro país.
	Ele então recebe um telefonema do homem que o aprisionou desafiando-o a descobrir a razão por trás do seu sequestro, dando-Ihe um prazo finaI de cinco dias e ameaçando-o a mandar alguém matar Mi-do caso contrário. Se eIe for bem-suced¡do, o estranho Ihe diz que, em vez disso, eIe vai se matar. Isso coloca Dae-su em uma corr¡da contra o tempo para saIvar Mi-do e vingar-se do homem que assassinou sua esposa e tirou 15 anos da sua vida. Com Mi-do ao seu Iado, Dae-su consegue desvendar o mistério por trás da sua prisão; um miIionário chamado Woo-jin (Yu Ji- tae), que frequentou a mesma escola que eIe, cuIpa-o pelo suicídio da sua irmã depois que Dae-su espalhou um boato sobre suas relações incestuosas. 
	Sem o conhecimento de Dae-su, a vingança de Woo-jin já havia ocorrido no momento em que eIe finalmente o confronta, visto que eIe havia manipuIado tudo o que aconteceu após sua libertação para fazer com que eIe e Mi-do se apaixonassem. Em um das cenas finais, Dae-su descobre, horrorizado, que Mi-do é na verdade a filha que achava que tinha sido adotada 15 anos atrás e que a vingança de Woo-jin era fazê-Io cometer incesto com eIa.
O Sistema de lmagens em OldBoy está fortemente integrado com sua narrativa; a repetição das composições e dos motivos não funcionam exclusivamente para adicionar camadas de significado mas, às vezes, é uma parte ativa da história utilizada em pontos chave para apresentar a trama. Por exempIo, Dae-su descobre que eIe teve um caso com sua filha por meio de álbum de fotos com imagens dela em diferentes idades que incluem uma fotografia que eIe guardava no início do filme (F¡gura 15), a irmã de Woo-jin tira uma fotografia dela mesma segundos antes de cometer suicídio, que reaparece no finaI do filme na cobertura de Woo-jin. 
15
O motivo da repetição por meio do espeIhamento dos eventos e das imagens também é utilizado por toda a histór¡a: Dae-su vê seu refIexo no áIbum de fotos quando descobre o esquema de Woo-jin, a irmã de Woo-jin olha seu refIexo em um espelho enquanto eIa tem um caso com seu ¡rmão, um hipnotizador faz Dae-su usar seu reflexo em uma janela para apagar a memória do seu caso incestuoso e o esquema vingativo de Woo-jin é construído em torno do
fato de que Dae-su deve se apaixonar e cometer incesto com um membro da famíIia, espelhando os eventos da sua vida.
Oldboy também usa a repetição de várias maneiras para dar suporte às ideias centrais do fiIme, ampIificando o impacto dramático da história. A Figura 1 mostra uma pintura para a quaI Dae-su olha por todo o período em que estava preso; eIa tem uma inscrição que diz "Ria e o mundo vai rir com você. Chore, e você vai chorar sozinho" (uma citação de Sol¡tude, poema de Ella WheeIer WilCox). Depois de ser Iibertado, eIe recita esse verso em voz baixa repetidas vezes, sempre que se encontra em uma situação terríveI normalmente imposta por Woo-jin. A expressão sobre o rosto na pintura é ambígua, o que torna difícil afirmar se o personagem (um homem com cabeIo desarrumado que Iembra Dae-su) está sorrindo ou chorando.
(1)
A Figura 2 é de uma das últimas cenas no filme, exibida após Dae-su ter aparentemente apagado a memória do seu incesto, reunindo-se com a fiIha. Como o homem na pintura anterior, é difícil dizer se Dae-su está sorrindo ou chorando, sugerindo a horrível possibilidade de que eIe ainda se Iembra do caso incestuoso que foi enganado a ter. Assistir sua triste fisionomia já seria comovente mesmo se o público não tivesse o contexto adicionaI da sua semelhança com a face na pintura e o tema da solidão evocado peIo poema, mas a conexão visuaI entre tudo isso e o poema torna esse momento na narrativa ainda mais complexo emocional e psicologicamente.
(2)
.
As Figuras 3 e 4 mostram Dae-su, na cena de abertura do filme, impedindo que um homem cometa suicídio, naquilo que saberemos mais tarde ser um flashforward, ou prolepse, isto é, uma antecipação de um evento.
A composição impressionante dessas cenas e as questões que elas geram (quem são esses homens? Por que eIe está tentando matar esse homem?) torna-as fáceis de recordar quando são espelhadas no final do fiIme por meio de um flashback (em sintonia com o tema dos reflexos e das imagens espeIhadas) que revela a irmã de Woo-jin cometendo suicídio sob circunstâncias notavelmente semelhantes.
(Figuras 5 e 6). A repetição das composições e circunstâncias mostradas sugere que existe uma conexão fatídica entre Dae-su e Woo-Jin, indicando, talvez, que nos seus esforços para vingar-se um do outro, seus comportamentos obsessivos os transformaram em pessoas muito parecidas. Essa similaridade do comportamento fica clara várias vezes ao longo do filme; Woo-jin passa por um esquema incrivelmente complicado para fazer Dae-su pagar por essa transgressão, esperando 15 anos até que a filha de Dae-su se tornasse uma mulher para que pudesse se vingar dele. Dae-su, por outro Iado, passa os últimos 10 anos de prisão se transformando em uma máquina de matar, abandonando, no processo, boa parte da sua humanidade à medida que também se prepara para a vingança.
No momento do confronto final, sua semeIhança é tão acentuada que mesmo o simpIes ato de vestir uma camisa está visualmente conectado pelo uso de composições fílmicas quase idênticas e ênfase narrativa, com um close-up extremo de Dae-su abotoando o punho da manga (Figura 7), que é recriada poucos minutos mais tarde quando Woo-jin é mostrado fazendo a mesma coisa (F¡gura 8).
O simbolismo associado a certas imagens também é utilizado para estabelecer uma conexão entre os personagens. A Figura 9 mostra Dae-su no início do filme, exibindo um par de asas de anjo de brinquedo que eIe comprou para a filha no dia do seu sequestro; perto no final do filme, Woo-jin manda entregar as asas a Mi-do enquanto Dae-su descobre a verdade sobre seu relacionamento com ela. Ela usa as asas e tenta fazer com que pareçam bater, como seu pai fez (Figura 10). A ação e as imagens repetidas enfatizam o reaparecimento das asas (elas foram finalmente entregues após 15 anos), enquanto o simbolismo associado com anjos adiciona um subtexto religioso a essas cenas; Mi-do e Dae-su caíram em desgraça por causa do pecado que cometeram e não conseguem mais voar. 
Imagens religiosas também são sugeridas pela reinterpretação de uma pintura vista na cela em que Mi-do permanece esperando que Dae-su volte do seu confronto com Woo-jin.
Um close up da pintura mostra uma menininha rezando (Figura 11), uma composição que é recriada em um plano geral mostrando Mi-do rezando (Figura 12). Sua conexão com a pintura na cela também lembra a conexão de Dae-su com a pintura na sua própria cela quando permaneceu no cativeiro (Figuras 1 e 2).
A repetição das imagens também é reconhecida diretamente na trama, em uma cena em que Dae-su, seguindo as pistas deixadas por Woo-jin, visita um dos seus antigos colegas de classe em um salão de cabeleireiro. Enquanto ele obtém informações dela, uma jovem entra na loja; Dae-su, que em momentos entes foi mostrado estranhamente atraído pelos joelhos expostos da sua colega de classe enquanto ela tentava lembrar um nome, volta sua atenção para os joelhos da jovem em um close up (Figura 13).
De repente, a visão dos joelhos da menina desperta uma lembrança em Dae-su sobre um encontro que ele teve na escola de segundo grau com a irmã de Woo-jim, apresentada em um flash-back também com close up dos joelhos (Figura 14). Dae-su só se lembrou desse encontro depois que viu os joelhos da menina, sugerindo a possibilidade de que ele poderia ter bloqueado essa lembrança dela por cauda do trauma psicológico que ele associou a esse encontro. Esse ponto é reforçado quando Dae-su é mostrado voltando à sala onde testemunhou o caso incestuoso. Apenas quando revisita o local real onde ele os espionou é que ele é capaz de lembrar o evento e, finalmente, revelar a razão da vingança de Woo-jin.
O sistema de imagens de Oldboy também usa a repetição para mostrar o crescimento e a mudança do personagem. A Figura 15 mostra Dae-su no início do filme, segurando uma foto da sua família enquanto estava bêbado em uma delegacia; 
Durante seu confronto final com Woo-jin, essa composição se repete quando ele lhe mostra uma foto da sua irmã tirada segundos antes do seu suicídio (Figura 16). Dessa vez, porém, Dae-su parece focado, determinado e ameaçador. Ele essencialmente tornou-se um novo homem, transformado por seu martírio, uma mudança que também é refletida pela camisa manchada de sangue que usa aqui em vez da camisa branca que usou na delegacia.
As duas cenas (17 e 18) também resumem a curva de Dae-su na história: ele passa de uma vida inconsequente e despreocupada para uma vida com um propósito (vingança), de não dar o devido valor à sua família (ele fica bêbado no dia do aniversário da filha), de ser um homem de negócios fora de forma a tornar-se uma máquina de matar. Um uso muito comum de um sistema de imagens inclui a repetição de uma imagem especialmente fácil de lembrar quase no final de um filme, sugerindo ao público que a história deu uma volta completa e está prestes a terminar. A Figura 17 mostra Dae-su sendo libertado da sua prisão no início do filme após uma sessão de hipnose, enquanto a Figura 18 o mostra na última cena do filme, depois que ele acorda de mais uma sessão de hipnose projetada para fazê-lo esquecer do caso incestuoso que teve com a filha. A composição de ambas as cenas é propositadamente incomum e, portanto fácil de lembrar pelo público, com as duas cenas empregando um plano geral em um ângulo alto que mostra Dae-su caído no chão. 
O uso específico de um sistema de imagens é muito comum entre os cineastas, mesmo em filmes que não incorporam sistemas de imagem como Oldboy emprega primorosamente. Uma das razões é que a repetição de imagens dessa maneira faz mais do que fazer a história dar uma volta completa, mas também dá ao público a impressão da conclusão narrativa sem questões não resolvidas.
Oldboy tem um sistema de imagens complexo habilmente entrelaçado em sua narrativa utilizado de uma forma que amplia e adiciona ressonância dramática aos temas e motivos que já estão presentes na história. Essa é de longe
a melhor maneira de utilizar um sistema de imagens para aprofundar o impacto emocional e envolvimento do público com uma narrativa fílmica, adicionando camadas de significado que recompensam um público atento e o convidam a rever o filme várias vezes, pois novas profundidades, dimensões e compreensões podem ser compiladas sempre que a história é revista. 
Mas a implementação e a eficácia de um sistema de imagens também dependem da criação de composições significativas e narrativas convincentes para cada plano básico do vocabulário cinematográfico.

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