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ANDREA LEMOS RIBEIRO MUSSO MILLENA DE ARAÚJO CARDOZO WILLIAN FERNANDES STOBBE DO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DOS ATOS INFRACIONAIS E OS ESTUDOS PSICOSSOCIAIS CURITIBA 2017 Trabalho apresentado à disciplina de Psicologia Aplicada ao Direito do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Estácio, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel. Orientação: Profa. Me. Carla Bittencourt Lorusso 2 INTRODUÇÃO Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente que os atos infracionais são condutas praticadas pelos penalmente imputáveis, ou seja, aqueles menores de dezoito anos, descritas como crime ou contravenção penal.1 Verificados indícios da prática de atos desta natureza pelo órgão ministerial, aquele que detém competência exclusiva para o processamento destes feitos, este oferece a representação em face no menor, em tese,2 infrator. O procedimento de apuração do cometimento ou não da conduta infratora é apurada por via de disposições próprias do Estatuto da Criança e do Adolescente. E neste sentido, de substancial importância a instrução processual mediante análises psicológicas. O respaldo técnico da psicologia e de análises de cunho social são fieis avalistas da melhor proposta de ressocialização daquele menor que encontra-se em vulnerabilidade social, ao ser processado antes mesmo de atingir a maior idade. Assim, primar pelo melhor interesse da criança e do adolescente foi a opção expressa do legislador, ao criar um procedimento próprio para o processamento de condutas infratoras praticadas por crianças ou adolescentes, crivada desde logo, no artigo primeiro da mencionada legislação.3 Importa ressaltar que a proteção integral da qual diz respeito ao ECA não faz qualquer distinção dos sujeitos de direito, no caso crianças ou adolescentes, que se veem protegidos pelo texto da Lei. 1 “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato”. 2 Diz-se em tese pois, o reconhecimento da prática de eventual conduta análoga a crime somente se confirmará empós o final da instrução processual. 3 “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. 3 Isto pois, ainda que supostamente infrator, quando processado por eventual prática de ato infracional, não cessa de nenhum modo, o dever da família, do Estado e da sociedade de primar pelo melhor interesse daquele infante.4 Assim, da forma como se verá a seguir, verificado indícios do cometimento de um ato infracional; ou ainda, comprovada a prática empós regular instrução processual; é objetivo do Estado, com a aplicação de medidas ressocializantes, promover a recuperação daquele menor infrator. 1. DO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DOS ATOS INFRACIONAIS 1.1 DA PRIVAÇÃO PROVISÓRIA DE LIBERDADE É disposição expressa do ECA que nenhuma criança ou adolescente será privada de suas liberdades, sem que tenha sido observado o devido processo legal. Esta disposição é garantia fundamental do adolescente contra arbitrariedades.5 A privação de liberdade, portanto, antes que se tenha transcorrida a instrução processual, no caso de crianças e adolescentes, somente se faz permitida em caráter absolutamente excepcional, como no caso do flagrante.6 E ainda assim, quando decretada a privação de liberdade provisória para criança ou adolescente, esta tem tempo de duração máxima pré-determinada; qual seja, quarenta e cinco dias.7 4 “Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. 5 “Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III - defesa técnica por advogado; IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento”. 6 “Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos”. 4 Isto pois, a celeridade na apuração dos atos infracionais é também dos princípios basilares do Estatuto da Criança e do Adolescente. Para que eventuais medidas ressocializantes não percam seu propósito em virtude da demora no julgamento. Estando o adolescente em internação provisória, o prazo máximo e improrrogável para conclusão de todo o procedimento é de 45 (quarenta e cinco) dias, computados da data da apreensão (inclusive) - arts. 108, caput e 183, do ECA.8 Transcorrido o prazo mencionado da internação provisória, o adolescente deve ser imediatamente posto em regime de liberdade, caso ainda não tenha sido julgado perante a autoridade competente. 1.2 DA REMISSÃO MINISTERIAL Antes mesmo de oferecer a representação ministerial (análoga à denúncia no processo criminal), o órgão ministerial pode oferecer uma proposta de remissão, como forma de exclusão do processo.9 Esta remissão pode consistir na obrigatoriedade do menor comparecer a programas especializados de ressocialização, prestação de serviços comunitários; e até mesmo a possibilidade de frequentar cursos profissionalizantes. Muito embora a proposta de remissão seja competência exclusiva do Ministério Público; esta deve ser fundamentada em sólidos pareceres, tanto sociais quanto psicológicos, afim de que o magistrado possa aferir previamente a eficácia daquela proposta remissiva.7 “Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida”. 8 Ministério Público do Estado do Paraná. Procedimento para Apuração de Ato Infracional Atribuído da Adolescente (arts.171 a 190 do ECA). Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1661> Acesso em 13 out. 2017. 9 “Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo”. 5 Importa ressaltar que a aceitação pelo menor representado de proposta de remissão ministerial não importa no reconhecimento da prática da conduta considerada infratora; e deve ser aceita mediante assistência de defensor constituído.10 O magistrado, por sua vez, não está vinculado à proposta ministerial; e nem mesmo dos pareceres que orientam sua solicitação. É dizer que pode o julgador negar o pleito do Ministério Público e seguir com o processo de apuração. 1.3 DO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO Havendo indícios de autoria e materialidade do cometimento de ato infracional análogo a crime, cometido por criança ou adolescente; e não ofertada, ou recusada, a proposta de remissão ministerial, tem-se início o processo de apuração com a apresentação da Representação pelo Ministério Público. Deferido o recebimento pelo juízo daquela Representação, que se assemelha à denúncia do processo penal; é agendada a audiência de apresentação do adolescente, onde este se apresenta e justifica os fatos perante a autoridade judicial. Nesta audiência de apresentação, além da oitiva do adolescente, poderão ser ouvidos profissionais habilitados; além da própria equipe técnica interprofissional a serviço do Juizado da Infância.11 Esta equipe interprofissional é que fornece ao juízo o subsídio necessário, dos pontos de vista social, sociológico e psicológico, para a apuração daquele caso que se coloca em tela. Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, 10 “Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação”. 11 “Art. 186. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado”. 6 orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico. Nesta audiência de apresentação, a criança ou o adolescente é ouvido de forma separada das testemunhas; o que difere, neste caso, do processo penal. Empós ouvido o adolescente, junto dos profissionais; é concedido prazo para o adolescente, por meio do seu defensor, apresentar sua defesa prévia das acusações por escrito. Empós apresentada a defesa prévia do menor é designada pelo juízo a audiência de apresentação. Nesta fase, novamente, dada a importância de ouvir profissionais habilitados na análise psicossocial das crianças e dos adolescentes, é determinante a realização de estudos dirigidos. Se não conceder remissão judicial, o Juiz designa audiência em continuação e pode determinar a realização de diligências e de estudo psicossocial (art. 186, §2º do ECA), providência que se mostra imprescindível caso se vislumbre a possibilidade da aplicação de medida privativa de liberdade, dado princípio constitucional da excepcionalidade da internação. Na audiência em continuação (verdadeira audiência de instrução e julgamento), são ouvidas as testemunhas da representação, da defesa prévia, juntado relatório (estudo psicossocial) de equipe interprofissional, dando-se a seguir a palavra ao MP e ao advogado para razões finais orais, por 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, decidindo em seguida o Magistrado (art. 186, §4º do ECA). (grifo nosso).12 É dizer que os estudos psicossociais são fieis avalistas dos requerimentos formulados pelo promotor ministerial (acusação) e do advogado de defesa. Em ultima análise, o requerimento de ambas as partes citadas será considerado pelo julgador tendo como base a palavra e o relatório da equipe especializada. Eventual sentença de mérito que reconheça a prática de ato infracional, que não esteja amparada em sólidos estudos psicossociais, está sujeita a ser decretada nula, por não representar os objetivos de proteção integral consolidados pelo ECA. 1.4 DA PROCEDÊNCIA DA AÇÃO Do mesmo modo como infante não comete crime, este também não pode ser alvo de condenação ou absolvição. O que se reconhece na sentença de 12 Ministério Público do Estado do Paraná. Op. Cit. 7 apuração de ato infracional é a necessidade ou não de submeter o menor a uma medida socioeducativa. Tecnicamente não há que se falar em "condenação" ou "absolvição" do adolescente acusado da prática de ato infracional, devendo a sentença acolher ou não a pretensão socioeducativa. No primeiro caso, julga-se procedente a representação e aplica-se a(s) medida(s) socioeducativa(s) mais adequadas, de acordo com as necessidades pedagógicas específicas do adolescente e demais normas e princípios próprios do Direito da Criança e do Adolescente (observando-se o disposto nos arts. 112, §1º e 113 c/c 99 e 100, todos do ECA), com fundamentação quanto prova de autoria e materialidade e adequação da(s) medida(s) aplicada(s) - com especial enfoque acerca da eventual pertinência das medidas privativas de liberdade (dadas as restrições e princípios que norteiam - e visam restringir - sua aplicação mesmo diante de infrações consideradas de natureza grave). Como dito anteriormente, apenas para aplicação da MSE de advertência, bastam "indícios suficientes" de autoria e prova de materialidade (art. 114 do ECA). No segundo caso, julga-se improcedente a representação, não sendo possível a aplicação de qualquer medida (art. 189 do ECA - não configuração do ato infracional - conduta atípica ou acobertada pelas excludentes de antijuridicidade; inexistência do fato ou de provas quanto ao fato; ausência de provas quanto à materialidade; inexistência de provas quanto à autoria).13 A procedência da ação importa na imposição de medida socioeducativa por tempo mínimo determinado, que podem ser: i)advertência; ii) obrigação de reparar o dano; iii) prestação de serviços à comunidade; iv) liberdade assistida; v) regime de semi-liberdade; e, vi) internação. As medidas mencionadas de iii a vi, que importam em restrições à liberdade do infante, são determinadas pelo julgador por um prazo mínimo estipulado na legislação. Há um prazo mínimo de execução da medida, mas não há um prazo máximo para o seu cumprimento, que não seja o atingimento dos 21 anos de idade. É dizer que durante a execução da medida socioeducativa, novamente, profissionais da área da psicologia e dos estudos sociais, avaliarão o atingimento do objetivo de socialização pelo sócio educando. Enquanto mencionado objetivo não for atingido pelo infante, não lhe cessa a obrigatoriedade de cumprir com a medida socioeducativa previamente determinada em sentença judicial. 13 Idem. 8 2. CONCLUSÃO Fora objeto de busca acadêmica no presente trabalho entender como os estudos sociais e psicológicos permeiam o processo de apuração dos atos infracionais. Constatou-se que uma sentença de mérito, que não condena nem absolve, mas sim dá ou nega procedência, antes de ser proferida; é amparada em sólidos estudos que tratam de traçar um perfil daquele adolescente que se vê processado. Do mesmo modo, observou-se que a lógica de amparar decisões judiciais em estudos de cunho eminentemente psicossocial permeia também a execução da própria medida socioeducativa previamente determinada. Neste último caso, a palavra dos profissionais que acompanham diariamente o sócio-educando na execução da medida ressocializante tem peso suficiente para ampliar ou reduzir o tempo de duração da medida, nos termos da eficácia observada.
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