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PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Revista dos Tribunais | vol. 779/2000 | p. 417 - 451 | Set / 2000 DTR\2000\444 Mauricio Antonio Ribeiro Lopes Professor Livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e dos cursos de mestrado e doutorado das Faculdades de Direito da USP, USF e Unoeste. Pós-doutorado em Direito Penal pela Universidad de Salamanca. Promotor de Justiça em São Paulo. Área do Direito: Constitucional Sumário: 1.Introdução - 2.Princípio da legalidade - 3.Princípio da taxatividade - 4.Princípio da insignificância - 5.Princípio da proporcionalidade - 6.Princípio da intervenção mínima - 7.Princípio da fragmentariedade - 8.Princípio da subsidiariedade - 9.Princípio da adequação social - 10.Princípio da culpabilidade - 11.Princípio da humanidade - 12.Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos - 13.Princípio da pessoalidade da pena - 14.Princípio da individualização da pena 1. Introdução O Direito Penal moderno se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito Democrático, entre os quais sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada que, enunciado neste artigo, tem base constitucional igualmente expressa (art. 5.º, XXXIX, CF (LGL\1988\3), e art. 1.º, CP (LGL\1940\2)). 1A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal), nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei ( stricto sensu). Isto vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas conseqüências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta, lex praevia et lex certa). 2 Origina-se no ideário da Ilustração (Montesquieu, Rousseau), em especial na obra Dei delitti e delle pene (1764), 3de Beccaria, e deve sua formulação latina - Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege - a Feuerbach (Lehrbuch des gemeinen in Deutschland gültigen peinlichen Rechts - 1810). 4 As idéias de igualdade e de liberdade, apanágios do Iluminismo , deram ao Direito Penal um caráter formal menos cruel do que aquele que predominou durante o Estado Absolutista, impondo limites à intervenção estatal nas liberdades individuais. Muitos desses princípios limitadores passaram a integrar os Códigos Penais dos países democráticos e, afinal, receberam assento constitucional, como garantia máxima de respeito aos direitos fundamentais do cidadão. A partir da Revolução Francesa, o princípio da legalidade converte-se em uma exigência de segurança jurídica e de garantia individual. O seu fundamento político radica principalmente na função de garantia da liberdade do cidadão frente a intervenção estatal arbitrária, por meio da realização da certeza do direito. O significado científico ou jurídico aparece na teoria da pena como coação psicológica, de Feuerbach, e, ao depois, na teoria da tipicidade, de Beling. Poderíamos, como o faz Bitencourt, 5chamar de princípios reguladores do Controle Penal princípios constitucionais fundamentais de garantia do cidadão, ou simplesmente de Princípios Fundamentais de Direito Penal de um Estado Social e Democrático de Direito. Todos estes princípios são de garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988 (art. 5.º). Todos esses princípios, hoje insertos, explícita ou implicitamente, em nossa Constituição (art. 5.º), têm a função de orientar ao legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista. A procura de princípios básicos do Direito Penal exprime o esforço para, a um só tempo, caracterizá-lo e delimitá-lo. Existem efetivamente alguns princípios básicos que, por sua ampla PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 1 recepção na maioria dos ordenamentos jurídico-penais positivos da família romano-germânica, pela significação política de seu aparecimento histórico ou de sua função social, e pela reconhecida importância de sua situação jurídica - condicionadora de derivações e efeitos relevantes -, constituem um patamar indeclinável, com ilimitada valência na compreensão de todas as normas positivas. Tais princípios básicos, embora reconhecidos ou assimilados pelo Direito Penal, seja através de norma expressa, seja pelo conteúdo de muitas normas a eles adequadas, não deixam de ter um sentido programático, e aspiram ser a plataforma mínima sobre a qual possa elaborar-se o Direito Penal de um Estado de Direito Democrático. 6 O certo é que apenas sob o fundamento de um Estado Democrático de Direito se pode pensar na reconstrução de um sistema penal mais harmonizado com o sentido garantidor da liberdade que tanto se busca como forma de redução das potencialidades interventivas do Estado sob a esfera de direitos mais caros da sociedade e do indivíduo. Sob essa ótica cada autor procura centrar seu estudo nos princípios demarcatórios da reedificação democrática do Direito Penal. Cada um desses princípios foi ou será, nesta ou em outra obra da série, objeto de análise para (re)avaliação de sua capacidade básica de interferir no sistema para permitir uma operacionalização democrática. Assim, para concluir este item, e apenas citando os autores mais comprometidos com a nossa realidade normativa e social, podemos apontar os seguintes princípios como roteiro-base para um Direito Penal de um Estado de direito material. Para Nilo Batista, 7são cinco os princípios básicos do Direito Penal: legalidade (ou reserva legal, ou intervenção legalizada); intervenção mínima, lesividade; humanidade e culpabilidade. Para Luiz Luisi, 8apresentam-se com esse poder os princípios da legalidade dos delitos e das penas, da intervenção mínima, da humanidade e os da pessoalidade e da individualização da pena. René Ariel Dotti, 9em elenco mais volumoso, correlacionando os princípios às bases constitucionais do Direito Penal, destaca os seguintes: intervenção mínima; intervenção legalizada; legalidade dos ilícitos e das sanções; irretroatividade da lei mais grave e retroatividade da lei mais benigna; personalidade e individualização das sanções; responsabilidade em função da culpa; retribuição proporcionada; reações penais como processo de diálogo (finalidade da pena) e humanidade das sanções. Para Lima de Carvalho, 10também sob a ótica do Direito Constitucional, vislumbra com maior relevância, conquanto se refira a outros incidentalmente, os princípios da legalidade e da culpabilidade. Cezar Bitencourt 11destaca os seguintes princípios: legalidade, intervenção mínima, fragmentariedade, culpabilidade, humanidade, irretroatividade, adequação social e insignificância. Régis Prado, 12por sua vez, enuncia como princípios penais de garantia: legalidade, irretroatividade, culpabilidade, exclusiva proteção de bens jurídicos, intervenção mínima, fragmentariedade, pessoalidade, individualização da pena, proporcionalidade, humanidade, adequação social e insignificância. De nossa parte, reconhecemos pertinentes ao Estado de direito material os seguintes princípios do Direito Penal quanto ao preceito primário: legalidade, 13intervenção mínima, insignificância, taxatividade, lesividade, culpabilidade e humanidade. Quanto ao preceito secundário, enumeramos os princípios da proporcionalidade, individualização e finalidade da pena. Esses princípios não excluem três outras categorias igualmente relevantes. A primeira decorrente de um conjunto de regras constitucionais conformadoras do sistema político estatal que molda os aspectos tanto ideológicos quanto pragmáticos do Direito Penal; a segunda derivada das técnicas de interpretação e extração da semântica constitucionalpela doutrina que realiza a aproximação dos valores materiais integrativos da Constituição com a semântica penal; a terceira categoria é formada por um conjunto de regras auxiliares definidoras de estratégia concreta de atuação penal, seja sob a forma de estabelecimento de normas quanto à execução das penas, por exemplo, seja quanto àquelas que indicam as orientações constitucionais criminalizadoras, descriminalizadoras e incidência criminalizadora proibida. PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 2 Cabe insistir na premissa eterna firmada na idéia de que a única razão de se estudar o Direito Penal sob o enfoque de seus princípios fundamentais está guardada pela circunstância de se vivê-lo dentro de um Estado Democrático de Direito Material. 2. Princípio da legalidade O princípio da reserva legal 14dá lugar a uma série de garantias e conseqüências em que se manifesta o seu aspecto material - não simplesmente formal -, o que importa em restrições ao legislador e ao intérprete da lei penal. Daí ser traduzido no sintético apotegma nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, scripta et stricta. Este postulado apodítico cumpre funções reciprocamente condicionadas: limitação das fontes formais do Direito Penal e garantia da liberdade pessoal do cidadão. Faz-se, também, distinção entre a mera legalidade, que tem na lei condição indispensável do delito e da pena (nulla poena, nullum crimen sine lege), e o postulado da estrita legalidade, como modelo regulativo, que exige as demais garantias como fundamento da legalidade penal (nulla lex poenalis sine necessitate, sine iniuria, sine actione, sine culpa, sine iudicio, sine accusatione, sine probatione, sine defensione). 15 A gravidade dos meios que o Estado emprega na repressão do delito, a drástica intervenção nos direitos mais elementares e, por isso mesmo, fundamentais da pessoa, o caráter de ultima ratio que esta intervenção deve ter, impõem necessariamente a busca de um princípio que controle o poder punitivo estatal e que confine sua aplicação em limites que excluam toda arbitrariedade e excesso do poder punitivo. 16 O princípio da legalidade ou da reserva legal constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal. Embora constitua hoje um princípio fundamental do Direito Penal, seu reconhecimento constitui um longo processo, com avanços e recuos, não passando, muitas vezes, de simples "fachada formal" de determinados Estados. 17Feuerbach, no início do século XIX, consagrou o princípio da reserva legal através da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege. O princípio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o tem negado. 18 Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida. Assim, seguindo a orientação moderna, a Constituição brasileira de 1988, ao proteger os direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5.º, XXXIX, determina que "não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". A vertente garantista do princípio da legalidade implica uma série de decorrências, das quais, algumas das mais relevantes passamos a expor, como os princípios da jurisdição legal, segundo o qual "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (art. 5.º, LIII, CF (LGL\1988\3)), isto é, Juiz ou tribunal (art. 92, CF (LGL\1988\3)); 19"ninguém será considerado culpado até o trânsito da sentença penal condenatória" (art. 5.º, LVII, CF (LGL\1988\3)). Outro desses princípios relevantes prende-se à garantia da execução legal, segundo o qual a sanção penal - pena e medida de segurança - será executada na forma prescrita em lei - "a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado" (art. 5.º, XLVIII, CF (LGL\1988\3)); "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral "(art. 5.º, XLIX, CF (LGL\1988\3)) -, com a plena vigência do princípio da legalidade, "de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal" (Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal (LGL\1984\14) - Lei 7.210/84, item 19). Assim, o seu art. 2.º prescreve que "a jurisdição penal dos Juízes ou tribunais da justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta lei e do Código de Processo Penal (LGL\1941\8). Parágrafo único. Esta lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária". Podemos ainda destacar dentro do princípio da legalidade como seu corolário o princípio da PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 3 irretroatividade da lei, ressalvada a retroatividade favorável ao acusado - "a lei penal não retroagirá, salvo quando para beneficiar o réu" (art. 5.º, XL, CF (LGL\1988\3); art. 2.º, CP (LGL\1940\2)). 20 A irretroatividade, como princípio geral do Direito Penal moderno, embora de origem mais antiga, é conseqüência das idéias consagradas pelo Iluminismo, insculpida na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Embora conceitualmente distinto, o princípio da irretroatividade ficou desde então incluído no princípio da legalidade. Desde que uma lei entra em vigor até que cesse a sua vigência rege todos os atos abrangidos pela sua destinação. Entre estes dois limites - entrada em vigor e cessação de sua vigência - situa-se a sua eficácia. Não alcança, assim, os fatos ocorridos antes ou depois dos dois limites extremos: não retroage e nem tem ultra-atividade. É o princípio tempus regit actum. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 o acolhe nos termos seguintes: "Ninguém será condenado por ações ou omissões que no momento de sua prática não forem delitivas segundo o Direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais grave do que a aplicável no momento da comissão do delito" (art. 11.2). Fundamenta-se a regra geral nos princípios da reserva legal, da taxatividade e da segurança jurídica - princípio do favor libertatis -, e a hipótese excepcional, em razões de política criminal (justiça). Trata-se de restringir o arbítrio legislativo e judicial na elaboração ou aplicação retroativa de lei prejudicial. Contudo, a despeito do supra afirmado, o princípio da irretroatividade vige somente em relação à lei mais severa. Admite-se, no direito intertemporal, a aplicação retroativa da lei mais favorável (art. 5.º, XL, CF (LGL\1988\3)). Assim, pode-se resumir a questão no seguinte princípio: o da retroatividade da lei penal mais benigna. A lei nova que for mais favorável ao réu sempre retroage. Finalmente, cumpre lembrar que as leis temporárias ou excepcionais constituem exceções ao princípio da irretroatividade da lei penal, e são ultra-ativas. Mesmo esgotado seu período de vigência, terão aplicação aos fatos ocorridos durante a sua vigência. São leis de vida curta e cujos processos, de regra, estendem-se para além do período de sua vigência. Retirar-lhes a ultra-atividade afastar-lhes-ia sua força intimidativa. 21 Diante desse quadro inaugural temos que tanto o princípio da legalidade quanto todos os demais princípios relevantes em matéria penal - quer sejam expressos, quer sejam implícitos - inscritos no sistema constitucional estão a exigir uma visão renovada deseus efeitos, buscando-se tanto uma nova dimensão sintática quanto semântica e pragmática de suas implicações nos sistemas normativos e reais de sua interpretação e aplicação. Por ser hoje uma garantia indispensável à conservação dos valores democráticos do Estado, sua eleição atingiu foros de unanimidade constitucional, indistinta em relação ao homem, não limitada no tempo e no espaço e de conteúdo garantidor inequivocamente primordial em relação às colocações mais subjetivistas sobre sua incidência. No fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por outra via que não seja a da lei. Mas não é só, no ingresso ao Estado de direito material, o princípio da legalidade ganha foros de irradiador de vários outros que dele, conquanto decorrência, ao se emanciparem adjetivam o sistema penal realçando seu caráter compromissório com os valores democráticos. O Direito Penal ganha foros de legitimidade extraordinária apenas nessa etapa da evolução do Estado. É aí que exsurgem como positivos os valores sociais do Direito e da Justiça. Corolário disso é relação entre essa nova visão do princípio e o conceito material de crime. Tal desdobramento somente é possível na constatação da vida que se desenvolve no Estado de direito material. Sem dúvida alguma, é muito salutar, a um Estado de Direito, a positivação constitucional do princípio da reserva legal. Embora dependa em muito da interpretação que os Juízes venham dar às leis ordinárias e constitucionais, a simples figuração da garantia constitui fator inibitório ao arbítrio. Mais ainda, a legalidade geral, historicamente, é remanescente dos direitos consagrados pela Magna Charta Libertatum, de 1215, cuja primeira manifestação legalista deu-se no âmbito punitivo, alargando-se depois a abrangência do conceito. O princípio da legalidade penal é fonte de inspiração PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 4 de modernas doutrinas de cunho democrático na análise do crime. Importa também na análise do princípio da legalidade formal, presente em todas as Constituições liberal-democráticas dos países de civil law, a extração de seus corolários, pois, nos diversos ordenamentos a serem considerados futuramente, varia não apenas a roupagem exterior normativa que o princípio assume na Constituição, mas, por igual, a expressão que se revela em cada ordem jurídica, pois nestas o princípio se apresenta com diferentes graus de sensibilidade na análise e na obediência. Para além disso, o tema ganha relevância, mormente em suas implicações constitucionais, ao se enfrentar a questão relativa ao princípio da legalidade como mera referência ao crime do ponto de vista formal, ou também sob a análise material. É preciso erguer como premissa na análise da questão para extração de seus contornos mais avançados a idéia de sistema de direito e da análise da Constituição posta como núcleo fundante dessa idéia de sistema, representando a Constituição uma referência permanente na análise integradora e interpretativa das regras finais do sistema. O Direito Penal ergueu-se sob o postulado da defesa da liberdade do homem, como meio constritor às ações do Estado que faziam incidir sobre a liberdade, a vida e o corpo humano um sem-número de sacrifícios segundo o talante do déspota plantonista na ocasião. Os castigos eram impostos sem observância de um procedimento formal de defesa e as noções de igualdade e proporcionalidade da sanção não eram sequer cogitadas à época, fatos por si só bastante justificadores da eleição de um sistema novo onde se viesse a privilegiar alguns valores fundamentais do homem, representando a idéia de Direito Penal não mais a da extinção de algum status do cidadão, mas u'a mera e determinada - no tempo e nos efeitos - suspensão de algum (ou alguns) desses estados, dentro de uma idéia de observância à lei. É o que se deve, fundamentalmente, a Beccaria. Por outro lado, como registram Cernichiaro e Costa Jr., 22o conceito de infração penal vem desafiando a argúcia dos escritores, alternando-se posições diversas. Uma linha comum nas sucessivas teorias, contudo, divisa-se: a preocupação com a justiça material, principalmente nas mais modernas. Basta uma indicação para dar respaldo à asserção: Escola Clássica (crime é ente jurídico); Escola Positiva (crime é fato humano e social); orientação tecno-jurídica (o fato jurídico deve ser interpretado pelo Direito sem interferência de dados filosóficos, sociológicos ou outros que lhes sejam estranhos); teoria finalista (importância do aspecto psicológico na chamada conduta final); concepção teleológica (preocupação constante com o fim da norma); teoria social da ação (o crime não pode ser visto alheio da realidade social). Em sendo assim, a resposta definitiva da extensão do princípio da reserva legal, quanto à estrutura do crime, depende da integração com o princípio da personalidade da pena (art. 5.º, XLV), cujo conceito moderno fornece o roteiro seguro para a constatação. Um Direito Penal que se pretenda moderno e que viceje no interior de um espírito típico de um Estado Democrático de Direito não se contenta com uma garantia da legalidade que se limite ao plano formal, qual fosse o princípio, na verdade e na essência, uma reles projeção da anterioridade da lei penal. Impõe-se a descrição de condutas marcadas de um sentido de rigidez definidora dos padrões de conduta eleitos com a carga da ilicitude. A fixação dos parâmetros na conceituação dessa rigidez definidora de padrões de conduta é o núcleo do estudo que nos propusemos fazer. Vale ainda referir a opinião de Luisi, 23que também procura distinguir a legalidade formal da legalidade substancial. Esta seria anterior, e poderia ser mesmo contra a lei, tendo como fonte uma espécie de Direito Natural, a ser pesquisado na natureza das coisas. É evidente que a chamada legalidade substancial implica na negação prática da reserva legal, posto que só no formal da lei é que se pode explicitar o princípio em análise. 3. Princípio da taxatividade Reflete-se também sobre o sistema penal desenvolvido à luz do Estado de direito material um sentido renovado para o princípio da legalidade exprimido pelas dimensões alcançadas pelo princípio da taxatividade que dele se emancipa. Este jamais seria alcançado fora das condições de justiça e PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 5 eqüidade geradas pelo Estado de direito material. O últimos dos desdobramentos do princípio da legalidade refere-se à proibição de incriminações vagas e imprecisas - nullun crimen, nulla poena sine lege certa. A função de garantia individual exercida pelo princípio da legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na significação de seus elementos, inteligível por todos os cidadãos. O princípio da taxatividade, ou da determinação, ou taxatividade-determinação (como parece preferir Palazzo) ou da certeza, ou ainda do mandato de certeza, é daquelas criações mais recentes do Direito Penal e seus limites ainda não foram devidamente compreendidos pela doutrina, tampouco reconhecidos satisfatoriamente pela jurisprudência. Inobstante isso, face aos laços indissolúveis que os une a algumas das projeções contemporâneas do princípio da legalidade, não podemos nos furtar a examiná-lo mesmo que perfunctoriamente. O princípio diz respeito à técnica de elaboração da lei penal, que deve ser suficientemente clara e precisa na formulação do conteúdo do tipo legal e no estabelecimento da sanção para que exista real segurança jurídica. Tal assertiva constitui postulado indeclinável do Estado de Direito material - democrático esocial (cf. arts. 1.º a 6.º, CF (LGL\1988\3)). Procura-se evitar o arbitrium judicis através da certeza da lei, com a proibição da utilização excessiva e incorreta de elementos normativos, de casuísmos, cláusulas gerais e de conceitos indeterminados ou vagos. Por princípio da taxatividade entende-se que o legislador deve redigir a disposição legal de modo suficientemente determinado para uma mais perfeita descrição do fato típico (lex certa). Tem ele, assim, uma função garantista, pois o vínculo do Juiz a uma lei taxativa o bastante constitui uma autolimitação do poder punitivo-judiciário e uma garantia de igualdade. 24Como bem se esclarece, a exigência de determinação se refere não só à descrição das condutas delitivas, mas também à fixação dos marcos ou margens penais, que quando excessivamente amplos colidem com o princípio da legalidade. 25 A eficácia da função garantidora do tipo penal fica na dependência da descrição das normas incriminadoras e dos bens jurídicos valorados. Disso resulta que, como bem aponta Lima de Carvalho, 26através da técnica legislativa de formalização dos tipos, seja pela utilização de cláusulas genéricas, seja pela utilização de sanções punitivas totalmente indeterminadas no tempo, o princípio da legalidade pode vir a ser fraudado. Como registra Rodrigues Mourullo, 27a pedra de toque para comprovar-se, no plano formal, se se respeitam ou não as exigências do Estado de Direito não é o formal reconhecimento e consagração - inclusive em nível constitucional - do princípio da legalidade, mas sim se as concretas disposições penais respondem, ao enunciar tanto o pressuposto como a conseqüência penal, ao postulado de uma precisa determinação, que constitui a insubstituível garantia de segurança política para os direitos fundamentais da pessoa cuja fruição representa para um Estado de Direito uma verdadeira exigência ética. O princípio da legalidade, desde os estudos recentemente formulados por Claus Roxin e trazidos até nós por Silva Franco, 28Fragoso 29e Batista, 30alcançou nova dimensão, a do chamado "mandato de certeza". Para que o crime e a pena a ele cominada possam ser considerados, não basta uma lei que lhe seja temporalmente anterior e inaplicável às hipótese assemelhadas. É mister que a lei defina o fato criminoso, ou melhor, enuncie com clareza os atributos essenciais da conduta humana de forma a torná-la inconfundível com outra, e lhe comine pena balizada dentro de limites não exagerados. Na terminologia tedesca, berço da construção dessa idéia, também desenvolvida por Palazzo, 31o princípio recebe a denominação de taxatividade-determinação do tipo penal e funciona como garantia diante do poder punitivo-judiciário, incumbido de assegurar a específica eticidade do Direito, constituída da certeza jurídica. Hoje é indubitável a vinculação que se estabelece entre o princípio da legalidade e o processo de tipificação. A eficácia da reserva legal está condicionada à qualidade da lei, ou à técnica empregada para descrição de condutas proibidas ou ordenadas. Como sugere Batista, 32escorando-se em Toledo, 33formular tipos penais genéricos ou vazios, PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 6 valendo-se de cláusulas gerais ou conceitos indeterminados ou ambíguos, equivale teoricamente a nada formular, mas é prática e politicamente muito mais nefasto e perigoso. É certo que a imaginação do delinqüente sempre suplantou a do legislador obrigado à casuística hipotética. Isso, inobstante, não o autoriza à formulação de tipos penais incriminadores absolutamente genéricos e passíveis de abarcarem condutas lícitas e ilícitas. Tem sido tendência da doutrina permitir-se relativa flexibilidade na elaboração da lei penal - embora, ressalte-se, apontemos uma grande inconveniência de política criminal nesse procedimento - como se dá, e.g., com o crime de estelionato ao prever qualquer outro meio fraudulento, após enumerar exemplificativamente outras condutas como forma de se obter a indevida vantagem econômica. Mas, de qualquer modo, jamais se permitiria, dentro da esfera da estrita legalidade, se redigisse o delito de estelionato como "obter vantagem econômica enganando alguém", pois tal estrutura típica anularia a função garantidora do tipo. A técnica legislativa de formar tipos utilizando-se de cláusulas gerais é de todo incompatível com o Estado de Direito. O princípio da legalidade implica que o fato constitutivo do delito se mostre descrito de modo diferenciado, isto é, exige que a lei enuncie, mediante a indicação dos diversos caracteres da conduta delitiva, a matéria de proibição a fim de que os limites entre o lícito e o ilícito não fiquem à mercê da decisão judicial. Lamenta Palazzo, 34ao examinar a jurisprudência italiana, a excessivamente escassa sensibilidade mostrada quanto à exigência de determinação das figuras típicas. Arremata afirmando que na base dessa insensibilidade encontram-se as contrapostas exigências sozialstaatlich, advertindo, sempre, o legislador a propósito de uma tutela que não pode eficazmente estender-se, nos tempos modernos, às novas fronteiras do Estado social, sem renunciar ao ideal iluminístico de leis rigorosamente determinadas. A garantia formal da legalidade não é suficiente para a elaboração de um Direito Penal democrático. É imprescindível que na descrição dos tipos legais de ilicitude haja um rigoroso controle a respeito daqueles mecanismos que a doutrina acertadamente denomina, na expressão de Rodriguez Mourullo "técnicas de elusión del principio de legalidadd". 35 As exorbitações do Direito Penal preventivo, as idéias totalitárias, a chamada defesa social, os elementos valorativos do tipo, as cláusulas gerais, os tipos penais abertos ou flexíveis, as leis penais indeterminadas ou em branco, a incriminação de puros desígnios subjetivos, o uso e abuso de elementos subjetivos do tipo são inimigos naturais do princípio da legalidade, mediante utilização de refinada técnica jurídica pelo Estado moderno em seu desiderato de exigir cada vez mais poder em detrimento das garantias jurídicas formais e substanciais do direitos individuais da pessoa humana. 36 O princípio da legalidade, para ser realmente eficaz, deve ser conexionado com o princípio da taxatividade. Enquanto o primado da anterioridade se vincula às fontes do Direito Penal, o princípio da taxatividade deve presidir a formulação técnica da lei penal. Indica o dever imposto ao legislador de proceder, quando elabora a norma, de maneira precisa na determinação dos tipos legais de ilicitude, a fim de se saber, de modo taxativo, o que é penalmente ilícito ou proibido. O grau de determinação que se recomenda não alude só e especificamente ao preceito primário, mas também à cominação da sanção que, embora não necessite ser determinada (nem se o recomenda, até mesmo pela existência de outro princípio constitucional), ao menos deve ser determinável dentro das chamadas margens penais, ou seja, um parâmetro dentro do qual o Juiz, verificando as condições próprias do delito, tem possibilidade de graduar a pena ou mesmo de escolher seu regime ou forma de cumprimento. O preceito secundário deve abranger não só a espécie de pena aplicável, como também seus limites e regras de cumprimento. Mas não parece ainda o bastante, a proibição de indeterminação da sanção resulta igualmente lesionada quando se estabelece a espécie de pena, mas sua medida se fixa de tal modo que o marco, formado pelo máximo e mínimo da pena, tem uma amplitude exagerada. 37 Não pode caber ao Juiz, na individualização da pena, um poder discricionário e ilimitado. A determinação da pena deverá, portanto, ser sempre um compromisso entre a fixação legal (exigência de segurança jurídica) e a determinação judicial (justiça do caso particular), e este compromisso desaparece quando o Juiz através de margens penais dilatadas absorve tarefas próprias do legislador, com significaçãode arbítrio incontrolável e de ofensa aos princípios da legalidade e da PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 7 separação dos poderes, que são pressupostos fundamentais do Estado de Direito. 38 Repudia-se, igualmente, o sistema do Código Penal (LGL\1940\2) Alemão, de 1871, que prevê aos delitos apenas um máximo de pena privativa de liberdade que pode ser imposta pelo Juiz. Tal sistema, de um única margem penal, pode permitir a violação de outra garantia constitucional genérica, esta a da isonomia, dando margem a um sem-número de reclamações pela pena imposta, comparando-se-a àquela aplicada a outros condenados. Ademais há forte tradição jurisprudencial nos Estados da civil law no sentido de que a pena máxima é apenas aplicada por exceção, remanescendo como garantia abstrata para casos de extremo rigor na reprovação. Isso torna ainda mais instável e insegura a situação jurídica daqueles submetidos a tal espécie de ordenamento. Apenas para demonstração de que tal princípio é fruto de universal reivindicação, cabe citar Herrera Y Lasso, do Instituto Nacional de Ciencias Penales do México, que se referiu à garantia fixando que "la exigencia de exactitud rige a los tres conjuntos de la posible aplicación: ley, hecho y sujeto, Si no hay precisión en el tipo y sus elementos, determinación del hecho y sus circunstancias, e identificación plena del sujeto en cuanto autor responsable, la aplicación exacta será imposible". 39 4. Princípio da insignificância O último desdobramento do princípio da taxatividade introduziu referência à pena como parte também incidente de tratamento diferenciado no Estado de direito material. Ademais, desde Canotilho, está esculpido que essa modalidade de Estado guarda vinculação da intervenção estatal ao princípio da proporcionalidade. A doutrina moderna tem entendido, como função primordial do Direito Penal, a proteção dos denominados bens jurídicos. Partindo-se da premissa de que a Lei Maior - Estatuto último do Estado de direito material - traz em si os princípios máximos da justiça, que se quer impor, qualquer ofensa a bem jurídico protegido penalmente terá que ser cotejado com os princípios constitucionais. 40 Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. 41 Para realizar o controle da normatividade abstrata, concretando-a à situação real e amalgamando-a à lesão material efetivamente derivada da ação ou omissão típica, como mecanismo frenador do poder de atuação do Estado ante a incidência da pena criminal, vem a lume o princípio da insignificância. 42 O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo partindo do velho adágio latino minima non curat praetor, 43enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetam muito infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade em caso de danos de pouca importância. Esses princípios são entendidos, respectivamente, como critério geral de interpretação restritiva (correção típica) e como critério para a determinação do injusto penal. Ainda aqui, porém, convém advertir para a sua grande imprecisão, o que pode atingir gravemente a segurança jurídica. A tipicidade penal exige ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo este princípio, que Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativo uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. Deve-se ter presente que a seleção dos bens jurídicos tuteláveis pelo Direito Penal e os critérios a serem utilizados nessa seleção constituem função do Poder Legislativo, sendo vedado aos intérpretes e aplicadores do direito essa função, privativa daquele Poder Institucional. Agir diferentemente constituirá violação dos sagrados princípios constitucionais da reserva legal e da independência dos Poderes. Os limites do desvalor da ação, do desvalor do resultado e as sanções correspondentes já foram valorados pelo legislador. As ações que lesarem tais bens, embora menos importantes se comparados a outros bens como a vida e a liberdade sexual, são social e penalmente PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 8 relevantes. Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como, por exemplo, nas palavras de Roxin, "mau trato não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito. Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância, igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral da criminalidade". 44 Como caracteriza Vico Mañas, o princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do Direito Penal. 45 É nesse contexto que deve ser entendido o princípio da insignificância. É ele um instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. 46 Deixa, assim, a ofensa aos citados bens de ter relevância penal, se os princípios constitucionais não restarem por ela arranhados. Mas não apenas na hipótese de não ter sido alcançada a lesão relevante interfere o princípio. Tiedemann, citado por Zaffaroni, 47enxerga além disso, correlacionando-o ao princípio da proporcionalidade que deve reger a mediação entre o delito como causa e a gravidade da intervenção estatal como conseqüência. Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, 48"a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, conseqüentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada". 5. Princípio da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade surgiu ligado à idéia de limitação do poder no século XVIII. É considerado uma medida com valor suprapositivo ao Estado de Direito e visa garantir a esfera de liberdade individual das ingerências administrativas. O critério da proporcionalidade compreende, nessa época, a área administrativa e a penal. Nesse sentido, é detentor de raízes iluministas, sendo mencionado por Montesquieu e por Beccaria. Ambos tratavam sobre a proporcionalidade das penas em relação aos delitos. 49 No séculoXIX, a idéia da proporcionalidade integra, no Direito Administrativo, o princípio geral do direito de polícia, manifestando-se na necessidade de limitação legal da arbitrariedade do Poder Executivo. 50No entanto, só adquire foro constitucional e reconhecimento como princípio em meados do século XX, na Alemanha. O fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade em sentido amplo ( Übermassverbot) é derivado do Estado de Direito para alguns autores, enquanto para outros decorre dos conteúdos dos direitos fundamentais, ou, ainda, pode decorrer do princípio do devido processo legal. 51 O princípio da proporcionalidade em sentido amplo é também chamado de princípio da proibição do excesso, possuindo como características que o diferenciam da proporcionalidade em sentido estrito a exigência da análise da relação de meios e fins. A expressão "princípio da proibição do excesso" é aplicável no âmbito do controle legislativo, onde "suscita o problema do espaço de decisão dos órgãos legiferantes", questionando a adequação dos atos legislativos aos fins expressos ou implícitos das normas constitucionais. 52 O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 9 ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em conseqüência, uma inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, "o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em conseqüência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o Juiz (as penas que os Juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade". 53 Notadamente no Direito Penal revela-se o princípio da proporcionalidade de fundamental importância, seja na adequação típica das condutas às descrições das normas, seja na atenuação dos rigores sancionatórios abstratos. Nesse passo, não custa lembrar que os direitos fundamentais e a democracia estão implicados em relação de condicionamento mútuo: a democracia pressupõe liberdade individual protegida juridicamente para todos; a liberdade para todos pressupõe democracia. Se é separada a conexão entre liberdade e democracia, chega-se a uma interpretação dos direitos fundamentais capaz de acarretar perigo tanto à liberdade como à democracia. Porém, é de se salientar que a liberdade não significa apenas a delimitação da esfera privada pela comunidade. "Tener liberdad significa tener derecho dentro del marco del orden jurídico". 54Daí a importância de se examinar os limites jurídicos aos tipos e às sanções penais, especialmente perante os direitos fundamentais atingidos, disso resultando a necessidade de análise do princípio da proporcionalidade. Daí que necessário examinar, ainda que em breves e modestas reflexões, algumas importantes tarefas do princípio da proporcionalidade na concretização do Direito Penal: de um lado, na tipificação das condutas; de outro, na aplicação das sanções. Com efeito, o princípio da proporcionalidade, de matriz constitucional, é de ser aplicado pelo Poder Judiciário na concretização do Direito Penal, seja na própria tipificação dos delitos, deixando de fora dos tipos legais comportamentos que não se mostrem materialmente lesivos aos valores tutelados pelo legislador e pelo constituinte de 1988, seja na adequação da resposta estatal, através das sanções, a ilícitos de menor gravidade. Vale ressaltar a importância da atuação do princípio da proporcionalidade, também, no sentido de que inviável proteger ilimitadamente a liberdade individual em detrimento dos direitos da coletividade. A liberdade individual, consoante já assinalou Martin Kriele, não é o único bem protegido pelos direitos fundamentais. Medidas adotadas em prol da ordem pública, ainda que restritivas de liberdades, podem reforçar a defesa de direitos fundamentais, desde que necessárias à democracia. 55 Os caminhos da proporcionalidade podem fornecer substrato necessário ao equilíbrio entre os direitos individuais atingidos pelo Direito Penal e os direitos da comunidade protegidos pelo mesmo legislador. Após a análise dos pressupostos fáticos do princípio, cabe avaliar "se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à 'carga coactiva' da mesma". 56O juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. Em outras palavras, "os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se 'numa justa medida", impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos". 57 Decorre da natureza dos comandos dos princípios válidos a otimização das possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação. Otimizar implica em relativizar as possibilidades jurídicas de um determinado princípio, tendo em vista o peso do princípio colidente num caso concreto. A decisão de um conflito exige, então, a ponderação a partir do momento em que ele se verificar. 58 Não se pretende, neste espaço, formular considerações exaustivas a respeito do princípio da proporcionalidade, mas apenas fornecer uma notícia doutrinária e um alerta para sua concreta incidência no plano jurisprudencial, notadamente no que se refere à tipicidade material do ato ilícito e aplicação de suas sanções. Quer-se viver em um Estado de Direito. Tem sido esta a luta do ser humano em sociedade, vale PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 10 dizer, a substituição do arbítrio pela sujeição a regras gerais e abstratas, valoradas em um sistema constitucional que, por seu turno, pressupõe uma racionalidade formal e material. O poder estatal cria o direito e o impõe, mas o direito fundamenta e legitima o poder estatal, em rica dialética. 59 O Estado de Direito pressupõe a defesa de direitos humanos 60e aí é possível dizer que o princípio da proporcionalidade está indissoluvelmente ligado à vigência formal e material de um Estado de Direito. Num modelo de Estado Social e Democrático de Direito, sustentado por um princípio antropocêntrico, não teria sentido, nem cabimento, a cominação ou a aplicação de pena flagrantemente desproporcionada à gravidade do fato. Pena desse teor representa ofensa à condição humana, atingindo-a, de modo contundente, na sua dignidade de pessoa. O princípio do Estado de Direito é de conteúdo indeterminado e, em grande medida, dirige-se ao legislador, em qualquer das esferas da federação. Em sua concretização, todavia, devem ser mantidos seus elementos fundamentais e sua propriedade, tarefa que também incumbe a órgãos judiciários. Do Estado de Direito derivam e se desenvolvem outros princípios jurídicos - v.g., proibição de leis retroativas mais severas e o preceito da proporcionalidade - conjugado este com o preceito da proibição de excesso, no direito germânico. 61 A proporcionalidade, juntamente com o preceito da proibição de excesso, é resultante da essência dos direitos fundamentais. Proíbem-se intervenções desnecessárias e excessivas. "Uma lei não deve onerar o cidadão mais intensamente do que o imprescindível para a proteção do interesse público. Assim, a intervenção deve ser apropriada e necessária para alcançar o fim desejado, nem deve gravar em excesso o afetado, i.e., deve poder ser dele exigível". 62 É possível dizer que o teste da racionalidade pressupõe o argumento objetivo e lógico da relação meios-fins. "É irracional algo quepretende ser um meio para alcançar um fim e, na realidade, não tem nada que ver com a consecução desse fim". Deve existir uma relação positiva entre meios e fins. 63 Mais do que a mera relação lógica entre meios e fins, e além da adoção da "alternativa menos gravosa", o princípio da proporcionalidade tem sido o parâmetro para avaliar o cabimento de uma medida restritiva de direito. "Não se trata de examinar se cabem alternativas a essa medida que sejam menos gravosas para o direito, salvo na hipótese de ser essa medida concretamente adotada excessivamente gravosa." 64 O princípio da proporcionalidade exige o exame da natureza do ataque ao bem juridicamente protegido e a sanção prevista a esse ataque. A sanção deve estar relacionada ao bem jurídico protegido. Há, sempre, uma cláusula de necessidade embutida nas medidas que buscam salvaguardar os interesses mais relevantes dentro da ordem social. 65 No sistema brasileiro, mais precisamente colocando o tema, o princípio da proporcionalidade tem sido utilizado na interpretação e aplicação tanto das normas constitucionais quanto das infraconstitucionais. Entende-se que "a lei, como instrumento de regulação da vida em sociedade, deve propiciar uma existência ao indivíduo considerando o maior espaço possível para o desenvolvimento da sua personalidade e garantindo-lhe as mais amplas possibilidades de suprir suas necessidades, confirmando as palavras de Krueger, para quem 'já não são os direitos fundamentais que valem unicamente na moldura das leis, mas as leis na moldura dos direitos fundamentais'. A lei tem um claro significado material - não meramente formal -, e quando cuidar de restringir direitos fundamentais, para harmonizar os diversos interesses concorrentes, deve poder ter sua ratio essendi testada, ou seja, deve entrar no âmbito do seu controle o problema de se saber se é realmente adequada para conseguir o objetivo em questão. Sob este enfoque, é deveras claro que o princípio da proporcionalidade decorre do Estado de Direito, ou do Estado Democrático de Direito, ou da idéia mesma dos direitos fundamentais". 66 Note-se que aos julgadores é possível restringir a dureza das leis penais, interpretando-as em conformidade com a ordem constitucional. Decorre tal possibilidade do princípio da unidade da ordem jurídica, sendo a Constituição o contexto superior. Daí que a interpretação conforme a Constituição configura uma subdivisão da interpretação sistemática. É um problema de conservação da ordem jurídica. 67Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade penetra nas normas das leis PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 11 penais, seja na tipificação dos atos ilícitos, seja em seu sancionamento, inevitavelmente, pela superioridade hierárquica da Constituição. Ao Tribunal é possível, dentre vários caminhos interpretativos de uma mesma norma jurídica, optar pela declaração da "compatibilidade da norma com uma determinada interpretação", sendo objeto da decisão suscetível de operar coisa julgada "a constatação de que a norma, naquela interpretação, é constitucional. Eventual referência aos fundamentos da decisão na parte dispositiva serve como advertência ( warnfunktion) com vistas a evitar uma possível aplicação inconstitucional da lei". 68 Tratar do princípio da proporcionalidade, 69todavia, ainda que implique mergulho em universo bastante indeterminado de conceitos e até de valores, não pode traduzir arbítrio judicial. Note-se, desde logo, no terreno hermenêutico, que o reconhecimento de valores constitucionais não implica adesão a uma idéia desenfreada de subjetivismo e relativismo axiológicos, os quais já foram corretamente criticados na filosofia, 70mas uma inarredável postura estimativa diante da ordem jurídica e social vigente. Com efeito, se é certo que se admite uma hierarquia de valores constitucionais, 71também é verdade que o Poder Judiciário não pode revogar a própria Lei Maior e tampouco ser "a corregedoria da Constituinte que fez a Carta de 1988", instaurando-se no País um "decisionismo judiciário sem freios", transformando-se a Constituição Federal (LGL\1988\3) em "mecanismo manipulado pelo arbítrio e subjetivismo de critérios extrajudiciais", figurando, ao mesmo tempo, como um "instrumento de poder impulsionado por paixões de cunho político, extremamente difíceis de aplacar", pois isto tornaria o Supremo Tribunal Federal uma "entidade constituinte". 72 A Constituição, como disse Sagüès, citado por Paulo Bonavides, não pode ser convertida em uma espécie de cheque em branco a ser preenchido em cada caso particular por seu eventual portador: o Juiz que houvesse de aplicá-la. Um Juiz constitucional com tais poderes de interpretação substituiria a "tirania dos mortos", expressão esta, por seu turno, reveladora de versão extrema da "autoridade suprema do constituinte histórico", 73ou seja, em última análise, aquela concepção retrógrada da vontade do legislador! Ademais, cabe lembrar as palavras de Stone, Magistrado da Suprema Corte norte-americana, quando disse que "a única barreira ao exercício de nosso poder é nosso senso de autolimitação", 74o que no fundo significa que as decisões finais do Poder Judiciário vinculam a comunidade e o próprio Poder, retirando este, no entanto, sua legitimidade da Constituição e das leis, as quais não podem, por isso mesmo, ser por ele destruídas. Vale destacar que os Juízes possuem uma força criadora. A atividade "judicante não se configura apenas no reconhecer e no expressar de decisões do Legislativo. A tarefa do Poder Judiciário pode particularmente exigir o trazer à luz e o realizar em decisões representações de valores, que são imanentes à ordem jurídica constitucional, mas que não, ou apenas incompletamente, chegaram à expressão nos textos das leis escritas, em um ato de reconhecimento valorizador, ao qual também não faltam elementos volitivos. Nisso, o Juiz deve preservar-se da arbitrariedade; a sua decisão deve descansar sobre argumentação racional. Isso precisa poder ser feito com razoabilidade porque a lei escrita não preenche a sua função de resolver com justiça um problema jurídico". 75 Forçoso alertar, sem dúvida, que descabe aos julgadores abusar no reconhecimento da suposta ausência de proporcionalidade entre um ato ilícito e sua tipificação formal proibitiva ou a resposta do Estado. Presume-se, por regra, que a formal proibição de uma conduta deva acarretar as conseqüências previstas pelo legislador e pelo próprio constituinte de 1988, seja pela presunção de constitucionalidade das leis, seja pelos riscos de instalação de decisões arbitrárias do Poder Judiciário na permissão de comportamentos nocivos à comunidade. A proporcionalidade é de ser aferida a partir da análise global e contextualizada do comportamento, verificando-se, fundamentalmente, o grau de reprovabilidade incidente à conduta proibida. A ausência de tipicidade material da conduta, seja por adequação social do comportamento, seja por insignificância da lesão, acarreta, no campo dogmático, exclusão do próprio tipo legal, o que pressupõe unidade inafastável de tipificação proibitiva nos planos material e formal. No campo penal, e aqui parece-nos possível estender a proporcionalidade a toda e qualquer atuação sancionatória do Estado, 76o princípio em estudo expressa-se pelo preceito da adequação da pena, PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 12 vale dizer, "a pena deve manter uma relação justa com a gravidade do ato e a culpa do autor; a pena aplicada não deve exceder a culpa do autor. O princípio da culpa, em suas conseqüências limitantes à pena, corresponde, nessa medida, à proibição de excesso". 77 Inevitável que o julgador controle a constitucionalidade das sanções previstas nas leis penais, eis que eventualmente a resposta prevista abstratamente pelo Estado pode se revelar injusta, desigual, iníqua.De uma forma ou de outra, resulta evidente que o Poder Judiciário exerce o chamado controle implícito de constitucionalidade ou também denominado controle tácito, 78pelo que possível pontuar o caráter essencialmente controlador da função judiciária. Em que medida, limites e até que ponto pode ser feita a gradação das sanções legais, é indagação da maior relevância para a correta operacionalização do combate ao crime. O princípio da individualização da pena (art. 5.º, XLVI, CF (LGL\1988\3)), materialmente, estabelece que a sanção deve corresponder às caraterísticas do fato, do agente e da vítima, sendo que, permito-me acrescentar, nada impede seja esta uma pessoa jurídica de direito público, a qual também pode revestir-se de peculiaridades, como escassez de recursos. A intensidade e a natureza do ânimo do agente são fatores que também devem ser levados em linha de conta na fixação da pena. Além disso, veja-se que co-réus devem receber tratamento diferenciado, na fixação de suas sanções, "tendo em vista os antecedentes e a participação de cada um no crime", aplicando-se as regras de individualização da pena. Note-se que a repercussão social do fato é outro elemento importante, até na operacionalização do princípio isonômico, na fixação da sanção, sob pena de equiparação de situações desiguais. O Direito Constitucional, neste campo, há de servir de importante referência ao intérprete, ainda que se mostre fundamental não confundir as distintas esferas de responsabilidade e de pretensão punitiva. O sistemático e racional combate à criminalidade passa, sem dúvida, pela seleção de comportamentos merecedores do rigor da legislação. Sem essa atividade de filtro, pode-se dizer, tudo é passível de cair na "vala-comum", desmoralizando-se a eficácia da lei penal. 6. Princípio da intervenção mínima O princípio da intervenção mínima - assim como o da legalidade - foi também produzido por ocasião do grande movimento social de ascensão da burguesia, reagindo contra o sistema penal do absolutismo, que mantivera o espírito minuciosamente abrangente das legislações medievais. Como a legalidade não tem sido força suficiente para banir do sistema penal o indesejável arbítrio do Estado, porquanto, como assevera Romagnosi ,79o Estado, respeitada a prévia legalidade dos delitos e das penas, pode criar figuras delitivas iníquas e instituir penas vexatórias à dignidade humana, impõe-se, para evitar uma legislação inadequada e injusta, restringir, e mesmo, se possível, eliminar o arbítrio do legislador. Entendendo Roxin 80que a pena é "a intervenção mais radical na liberdade do indivíduo que o ordenamento jurídico permite ao Estado", entende-se que o Estado não deva "recorrer ao Direito Penal e sua gravíssima sanção se existir a possibilidade de garantir uma proteção suficiente com outros instrumentos jurídicos não-penais", como leciona Quintero Olivares. 81 Sabidamente a pena criminal é uma solução imperfeita - não repara a situação jurídica ou fática anterior, não iguala o valor dos bens jurídicos postos em confronto e impõe um novo sacrifício social -; assim, deve ser guardada como instrumento de ultima ratio. Como afirma Muñoz Conde, 82"o Direito Penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes". Entendendo ser necessário dar solução ao problema em foco, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu art. 8.º, determinou que "a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias..." Punha-se, assim, um princípio orientador e limitador do poder criativo do crime. Surgia o princípio da necessidade ou da intervenção mínima, preconizando que só legitima a criminalização de um fato se a mesma constitui meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção se revelam suficientes para a tutela desse PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 13 bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for instrumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se legitima. A exemplo do que se passa com o princípio da insignificância, 83as legislações constitucionais e penais contemporâneas não o explicitam, mas, segundo a preciosa lição de Cunha Luna, 84 é um princípio imanente que, por seus vínculos com outros postulados explícitos, e com os fundamentos do Estado de Direito, se impõe ao legislador, e mesmo ao intérprete. Como pontifica Muñoz Conde, o princípio da intervenção mínima se converte, assim, num princípio político-criminal limitador do poder punitivo do Estado. 85Ou também, mais fortemente, como pressuposto político do Estado de Direito Democrático. 86 Todavia, registra Luis Luisi, 87apesar de ser um princípio vinculado ao pensamento iluminista que pretendeu reduzir a legislação em geral, e especialmente a penal, a poucas, claras e simples leis, a verdade é que, a partir da segunda década do século XIX, as normas penais incriminadoras cresceram desmedidamente, a ponto de alarmar os penalistas dos mais diferentes parâmetros culturais. Mittermaier, em trabalho datado de 1819, já enfatizava ser um dos erros fundamentais da legislação penal de seu tempo a excessiva extensão dessa legislação, 88e a convicção dominante entre os legisladores que a coação penal era o único meio para combater qualquer força hostil que se pusesse em contradição com a ordem jurídica. A criação de um número aviltado de crimes era uma das formas em que se manifestavam a decadência não só do Direito Criminal, mas da totalidade da ordem jurídica. 89 Em obra aparecida em 1855, o Magistrado e criminalista Toscano Giuseppe Puccioni, comentando o Código Penal (LGL\1940\2) da Toscana, de 1853, falava de "delitos de mínima importância política" e na "ameaça aflitiva de prisão a levíssimas lesões pessoais e a simples injúria". Se sustentava que a ampliação da área do Direito Criminal levaria a duas induvidosas conseqüências: a primeira é a de que os Tribunais se achariam sobrecarregados, retardando a administração da justiça punitiva; e a segunda é de um agravamento das finanças públicas, sobre quem recai o encargo de manutenção dessa ingente massa de condenados. 90 Francesco Carrara, em monografia datada de julho de 1883, 91falava da "nomomania ou nomorréia penal". Franz Von Liszt, por sua vez, em 1896, enfatizava que a legislação de seu tempo fazia um uso excessivo da "arma da pena", e que oportuno seria considerar se não seria aconselhável acolher de novo a velha máxima minima non curat praetor, ao que já havia reclamado Carrara. Reinhart Franck, em artigo aparecido em 1898, usa, pela primeira vez, a expressão "hipertrofia penal", salientando que o uso da pena tem sido abusiva, e por isso perdeu parte de seu crédito, e, portanto, de sua força intimidadora, já que o corpo social deixa de reagir do mesmo modo que o organismo humano não reage mais a um remédio administrado abusivamente. 92 No nosso século têm sido inúmeras as advertências sobre o esvaziamento da força intimidadora da pena como conseqüência da criação excessiva e descriteriosa de delitos. Francesco Carnelutti 93fala em inflação legislativa, expressão também empregada por Martinez Peres, sustentando que seus efeitos são análogos ao da inflação monetária, pois "desvalorizam as leis, e no concernente às leis penais aviltam a sua eficácia preventiva geral". Em recente publicação - onde o fenômeno da hipertrofia do Direito Penal é exaustivamente analisado, Paliero fala em crescimento "patológico" da legislação penal. 94Tal situação provém do movimento de lei e ordem que tem sido mais recentemente desenvolvido nos Estados de economia liberal, fruto da nova ordem. Todavia, o fenômeno do crescimento desmedido do Direito Penal também ocorre no mundo anglo-saxão. Herbert Parker, no livro intitulado The limits of criminal sanction, registra que a partir do século passado houve um enorme alargamento dasleis penais pelo fato de ter sido entendido que a criminalização de toda e qualquer conduta indesejável representaria a melhor e mais fácil solução para enfrentar os problemas de uma sociedade complexa e interdependente em contínua expansão. PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 14 Nos Estados Unidos, Kadish, em trabalho a que deu o nome de The crisis of overcriminalization, 95 fala do emprego supérfluo ou arbitrário da sanção penal, ressaltando a existência, em seu país, de uma enorme legislação extravagante, contendo uma massa de crimes que, em seu quantitativo, superam as disposições incriminadoras previstas nos Códigos Penais. No Canadá - segundo informa Leclerq 96- a comissão encarregada da reforma penal fez, em 1974, um levantamento dos crimes previstos na legislação canadense, tendo chegado a um número assustador de 41.582 tipos de infrações criminais. No Brasil, sem preocupação com o número exato de tipos criminais, há, pelo menos, duas centenas de leis penais, diretas ou indiretas, em vigor, o que já autoriza elaborar uma nova consolidação das leis penais, como fizera anteriormente o Des. Vicente Piragibe. Pior do que isso, no entanto, é a tendência extremamente nociva do legislador brasileiro em criar uma espécie de "cinturão protetor jurídico-penal", a que aludem Roxin 97e Nilo Batista, 98 estabelecendo, após a disciplina da respectiva matéria, que a violação "às disposições anteriores" constituirá tal crime, ou sujeitará às penas do crime tal. O princípio da intervenção mínima opera, pois, uma transformação nos valores abstratamente selecionados para compor o sistema penal, importando um maior rigorismo na eleição das condutas, observando-se o seu grau de gravidade no ambiente social para determinar a valorização do bem jurídico objeto de seu conteúdo. Implica definir o princípio da intervenção mínima como regra de determinação qualitativa abstrata para o processo de tipificação das condutas. O princípio da intervenção mínima está diretamente afeto aos critérios do processo legislativo de elaboração de leis penais, sendo sua utilização judicial mediata, cabível apenas como recurso para dar unidade sistêmica ao Direito Penal e indica que o sistema penal não se ocupa de todos os comportamentos ilícitos que surgem nas relações sociais, senão apenas aqueles mais intoleráveis e lesivos para os bens jurídicos e que só reconhece e sanciona estes fatos quando tenha falhado todos os demais meios de controle formais ou informais. 99 Dentro deste cabe ainda referir aos subprincípios da fragmentariedade e da subsidiariedade do Direito Penal. 7. Princípio da fragmentariedade O Direito Penal não foi construído com objetos jurídicos de tutela que lhe fossem próprios ou exclusivos. Ao contrário, a sua formulação sempre esteve condicionada por um processo (ou por uma técnica) de eleição de bens jurídicos estranhos aos seus limites, captando-os e reconhecendo-os num sentido de importância informado por outros ramos do Direito. A essa inexistência de objeto próprio e à conseqüência final desse processo de construção do sistema criminal sob uma escala de valores que não lhe é ontologicamente conhecida, mas imposta pelas circunstâncias da história, ética e padrão cultural de cada povo, dá-se o nome - ou erige-se à categoria - fragmentariedade do Direito Penal. A tal característica não se deve dar importância absoluta sem se concatenar com a subsidiariedade. Esse conjunto (fragmentariedade + subsidiariedade), sim, é de grande relevância e utilidade para a teoria do Direito Penal, posto que complementares. O aspecto mais relevante da fragmentariedade do Direito Penal é a descontinuidade normo-valorativa que informa o sistema, que faz com que ações que pareçam realisticamente próximas quanto aos seus elementos constitutivos guardem uma distância de efeitos penais incomensurável. Tal resultante explica - sem, contudo, justificar satisfatoriamente - o desnível ou a desigualdade entre as penas cominadas em função de um padrão estático dos bens postos em tutela. Para compor um sistema aproximadamente razoável e obliterar as vias largas por onde percorre a injustiça formal e material no Direito repressivo, na linha evolutiva mais democrática do Direito Penal, firmada nos pressupostos de defesa dos interesses humanos fundamentais, desenvolveram-se os princípios da intervenção mínima e da insignificância, como mecanismos de controle quantitativo para elaboração de um padrão que se poderia chamar de um "mínimo ético" do Direito Penal. PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 15 O legislador, ao conceituar um crime, leva em conta os modelos de vida que deseja punir. Para tanto, procura definir, da forma mais precisa possível, a situação vital típica, como conclui Vico Mañas. 100 Não obstante procure atingir um número limitado de situações, o processo de tipificação mostra-se defeituoso diante da impossibilidade de reduzir a infinita gama de atos humanos em fórmulas estanques. Por tal motivo, o processo legislativo de tipificação é realizado de maneira abstrata, alcançando também o que Engish chama de casos anormais. A imperfeição do trabalho legislativo faz com que possam ser consideradas formalmente típicas condutas que, na verdade, deveriam estar excluídas do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal. Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. Os princípios da intervenção mínima e da insignificância surgem justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumentos de interpretação restritiva do tipo penal. Conclui Vico Mañas - aduzindo especialmente ao princípio da insignificância - com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do Direito Penal. É nesse sentido que se deve compreender a expressão de Toledo 101quando fala que "o Direito Penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve preocupar-se com bagatelas". Não é diverso o pensamento de Roxin, 102a quem se atribui a primeira menção à insignificância como princípio. Para ele o princípio permite na maioria dos tipos penais fazer-se a exclusão, desde o início, dos danos de pouca importância. Sobre ele e suas idéias há exposição mais detalhada nos capítulos seguintes. Quem primeiro registrou o caráter fragmentário do Direito Penal, contudo, foi Binding, em seu Tratado de Direito Penal Alemão Comum - Parte Especial, de 1896. Para Binding, o Direito Penal não encerra um sistema exaustivo de proteção dos bens jurídicos, mas um sistema descontínuo de ilícitos decorrentes da necessidade de criminalizá-los, por ser este o meio indispensável de tutela jurídica. Mas enquanto Binding se preocupava com a superação do caráter fragmentário das leis penais, das lacunas daí decorrentes e seus efeitos na proteção dos bens jurídicos, implicando a questão da analogia, modernamente se conhecem as virtudes políticas da fragmentariedade, cabendo a exata observação de Mir Puig, sobre a influência, nessa mudança, da passagem de concepções penais absolutas, como a de Binding, para as concepções penais relativas. 103 De fato, anota Nilo Batista, 104se o fim da pena é fazer justiça, toda e qualquer ofensa ao bem jurídico deve ser castigada; se o fim da pena é evitar o crime, cabe indagar da necessidade, da eficiência e da oportunidade de cominá-la para tal ou qual ofensa. Constitui-se assim o Direito Penal como um sistema descontínuo de ilicitudes, bastando folhear a Parte Especial do Código Penal (LGL\1940\2) para percebê-lo.Supor que a legislação e a interpretação tenham como objetivo preencher suas lacunas e garantir-lhe uma totalidade é, como frisa Navarrete, 105"falso em seus fundamentos e incorreto enquanto método interpretativo, seja do ângulo político-criminal, seja do ângulo científico". Como ensina Brícola, 106trazido à colação por Nilo Batista, 107a fragmentariedade se opõe a "uma visão onicompreensiva da tutela penal, e impõe uma seleção seja dos bens jurídicos ofendidos a proteger-se, seja das formas de ofensa". 8. Princípio da subsidiariedade Hassemer, falando sobre um Direito Penal Funcional, particularmente sobre a moderna criminalidade, reflexiona: "nestas áreas, espera-se a intervenção imediata do Direito Penal, não apenas depois que se tenha verificado a inadequação de outros meios de controle não penais. O venerável princípio da subsidiariedade ou da ultima ratio do Direito Penal é simplesmente cancelado para dar lugar a um Direito Penal visto como sola ratio ou prima ratio na solução social de conflitos: a PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 16 resposta surge para as pessoas responsáveis por estas áreas cada vez mais freqüentemente como a primeira, senão a única saída para controlar os problemas". 108 Assim, o Direito Penal assume uma feição subsidiária e a sua intervenção se justifica quando - no dizer de Muñoz Conde - "fracassam as demais formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do direito". 109A razão deste princípio - afirma Roxin - "radica em que o castigo penal coloca em perigo a existência social do afetado, se o situa à margem da sociedade e, com isso, produz também um dano social". 110 A subsidiariedade do Direito Penal, que pressupõe sua fragmentariedade, deriva de sua consideração como remédio sancionador extremo, que deve, portanto, ser ministrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente. A descontinuidade da ilicitude penal, criando o sistema de picos já referido, como efeito marginal gera a construção de sistemas paralelos e auxiliares na edificação do universo normo-repressivo estatal, que não está, por sorte, todo ele marcado pelas normas de natureza criminal, havendo outras formas de sanção. Diante disso, a legitimação do Direito Penal não se faz por ação ordinária, qual fosse sempre um instrumento para ser livre e discricionariamente utilizado pelo Estado. Constitui ele conjunto operativo de reserva, daí sua legitimação extraordinária. Tem-se entendido, ainda, que o Direito Penal deve ser a ratio extrema, um remédio último, cuja presença só se legitima quando os demais ramos do Direito se revelaram incapazes de dar a devida tutela a bens de relevância para a própria existência do homem e da sociedade. Segundo Maurach, não se justifica aplicar um recurso mais grave quando se obtém o mesmo resultado através de um sistema mais suave. Trata-se, ademais disso, de simplesmente conferir atualidade ao teor do art. 8.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e seguir as lições seculares de Beccaria. 111 Foi observado por Roxin, cita Nilo Batista, 112que a utilização do Direito Penal onde bastem outros procedimentos mais suaves para preservar e reinstaurar a ordem jurídica não dispõe da legitimação da necessidade social e perturba a paz jurídica, produzindo efeitos que afinal contrariam os objetivos do Direito. Resumindo, antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social. 9. Princípio da adequação social A teoria da adequação social, concebida por Welzel, significa que, apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. 113 Segundo Welzel, 114o Direito Penal tipifica somente condutas que tenham uma certa relevância social; caso contrário, não poderiam ser delitos. Deduz-se, conseqüentemente, que há condutas que por sua "adequação social" não podem ser consideradas criminosas. Em outros termos, segundo esta teoria, as condutas que se consideram "socialmente adequadas" não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade. O tipo penal implica uma seleção de comportamentos e, ao mesmo tempo, uma valoração (o típico já é penalmente relevante). Contudo, também é verdade, certos comportamentos em si mesmos típicos carecem de relevância por serem correntes no meio social, pois muitas vezes há um descompasso entre as normas penais incriminadoras e o socialmente permitido ou tolerado. Por isso, segundo Stratenwerth, "é incompatível criminalizar uma conduta só porque se opõe à concepção da maioria ou ao padrão médio de comportamento". 115 A tipicidade de um comportamento proibido é enriquecido pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material. Donde conclui-se que o comportamento que se amolda a determinada descrição típica formal, porém, materialmente irrelevante, adequando-se ao socialmente permitido ou tolerado, não realiza materialmente a descrição típica. Mas, como afirma Jescheck, "só se pode falar de exclusão da tipicidade de uma ação por razão de adequação social se faltar o conteúdo típico do injusto". 116 PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS: O SISTEMA DAS CONSTANTES CONSTITUCIONAIS Página 17 Convém observar que "as condutas socialmente adequadas não são necessariamente exemplares, senão condutas que se mantêm dentro dos marcos da liberdade de ação social". 117Outro aspecto é o da conformidade ao direito, que prevê uma concordância com determinações jurídicas de comportamento já estabelecidas. Destaca-se que do ponto de vista da teoria das fontes do direito, a distinção faz sentido, pois a adequação refere-se a concepções extrajurídicas ( v.g., práticas desportivas) e a concordância diz respeito a mandatos jurídicos (v.g., conduta correta no trânsito). 118 As conseqüências da chamada "adequação social" não encontrou ainda o seu porto seguro. Discute-se se afastaria a tipicidade ou simplesmente eliminaria a antijuridicidade de determinadas condutas típicas. 119O próprio Welzel, 120seu mais destacado defensor, vacilou sobre seus efeitos, admitindo-a, inicialmente, como excludente da tipicidade, depois como causa de justificação e, finalmente, outra vez, como excludente da tipicidade. Por último, conforme anota Jescheck, 121Welzel acabou aceitando o princípio da "adequação social" somente como princípio geral de interpretação, entendimento até hoje seguido por respeitáveis penalistas. 122 O certo é que a imprecisão do critério da "adequação social" - diante das mais variadas possibilidades de sua ocorrência - que, na melhor das hipóteses, não passa de um princípio sempre inseguro e relativo, explica por que os mais destacados penalistas internacionais, entre outros, 123não o aceitam nem como excludente da tipicidade nem como causa de Justificação. Aliás, nesse sentido, é muito ilustrativa a conclusão de Jescheck, 124ao afirmar que "a idéia da adequação social resulta, no entanto, num critério inútil para restringir os tipos penais, quando as regras usuais de interpretação possibilitam a sua delimitação correta. Nestes casos, é preferível a aplicação dos critérios de interpretação conhecidos, pois, desta forma, se obtém resultados comprováveis, enquanto que a adequação social não deixa de ser um princípio relativamente inseguro, razão pela qual só em última instância deveria ser utilizado". 10. Princípio da culpabilidade Segundo o princípio de culpabilidade, em sua configuração mais elementar, "não há crime sem culpabilidade". Trata-se de postulado basilar de que não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa) e de que a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade - proporcionalidade na culpabilidade é uma lídima expressão
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