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Tema: Estatuto do torcedor: concepção, conceito, natureza jurídica, e classificação de torcedor – a questão das torcidas organizadas 1. INTRODUÇÃO Desde o dia 27 de julho estão vigentes inúmeras alterações trazidas pela Lei nº 12.299/10, fruto de intenso debate interdisciplinar para a promoção efetiva da segurança nas arenas desportivas durante as apresentações. O normativo é bastante importante, principalmente se for considerado o momento contemporâneo, no qual a atenção é convergida para a Copa do Mundo (2014), fato que aguça a curiosidade em analisar as questões jurídicas afetas ao desporto brasileiro. Assim, não é despropositado constatar o cunho preponderantemente político que a Lei nº 12.299 encerra, até porque os assuntos por ela tratados sempre foram de interesse nacional, porém nunca objeto da merecida atenção. No entanto, independentemente do motivo, o fato é que a legislação deve ser festejada, uma vez que é bastante severa com o torcedor violento, no afã de dizimar a insegurança que atualmente habita os estádios. Também representa um avanço já há muito esperado, reproduzindo vários regramentos vigentes em países cuja violência encontra-se controlada. A seguir, destacam-se as principais alterações ocorridas no Estatuto do Torcedor, com oportuno destaque para as torcidas organizadas. 2. ESTATUTO DO TORCEDOR E AS RECENTES ALTERAÇÕES ADVINDAS COM A LEI Nº 12.299/10 Sem pretender alongar a discussão sobre a Lei nº 10.671/03, a qual criou o denominado Estatuto do Torcedor (ET), até porque o assunto já foi examinado anteriormente, revela-se mais pertinente o debate sobre a recente lei que alterou vários dispositivos do normativo, criando outro tanto deles, alterações estas de considerável importância. Panoramicamente, em breve digressão, relembramos que foi após aproximadamente três anos de tramitação que o chefe do poder executivo sancionou, em 15 de maio de 2003, a Lei nº 10.671/03, intitulada de “Estatuto do Torcedor” (ET), normativo que carrega em seu corpo vários artigos que cuidam da relação jurídica havida entre o torcedor e a entidade promotora do espetáculo desportivo, equiparando aquele ao conceito de consumidor e este ao de fornecedor, nos moldes do CDC. O ET surgiu como necessidade de proteger os direitos dos torcedores prestigiantes das apresentações desportivas, principalmente em virtude do exponencial crescimento da violência antes, durante e após as partidas de futebol vivenciadas na década de 1990, atos estes que atingiam não só os torcedores como também o comércio, os meios de transporte e a população em geral. Portanto, o ET é norma jurídica que tem por escopo balizar o comportamento e as condutas sociais praticadas pelos torcedores nas arenas desportivas e arredores, o que permite dizer que exerce um controle social coercitivo sobre os torcedores, no afã de preservar a ordem e a coesão social. Obviamente, a ordem e a coesão social estão diretamente relacionadas com a não violação ou resistência a esse poder coercitivo legal. Assim, é de se concluir, então, que o ET se apresenta como produto das interdependências entre um conjunto caracterizado de indivíduos do corpo social, especialmente para o desporto. O próprio espetáculo revela um modelo de regramento construído a partir de tais relações, de tal forma que as permissões, proibições e limites teriam uma função social a desempenhar, que é o controle das tensões e dos impulsos violentos dos indivíduos no estádio de futebol. Nesse espaço das relações entre torcedores, policiais, dirigentes esportivos e outros agentes do espetáculo é que os mecanismos regulatórios do EDT foram construídos e, nesse espectro, serão aplicados. (Azevedo, 1999) Dito isso, ressalte-se que uma das características mais marcantes do Estatuto do Torcedor é a confirmação da natureza jurídica consumerista que regula as relações entre o espectador e as entidades de prática desportiva. O conceito de torcedor é estampado no artigo 2º, para o qual “torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.” Por outro lado, o artigo 3º estabelece que “para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.” Como visto, aplica-se integralmente o conteúdo do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre torcedor e entidade promotora do evento desportivo, inclusive no que se refere ao consumidor por equiparação, nos termos dos artigos 17 e 29 do CDC. No que atine ao conceito de fornecedor, à luz dos artigos 3º e 7º da Lei nº 8.078/90, pode-se afirmar que todas as pessoas partícipes, de uma forma ou outra, da relação causadora de danos e lesão aos direitos do torcedor/consumidor, responderão diretamente pelos prejuízos ocasionados. E, nesse contexto, é certo que a responsabilidade incidente nas relações jurídicas ora tratadas é objetiva e solidária, ou seja, independe da demonstração de culpa e atinge, independentemente, qualquer pessoa que participe da organização do evento. Definidos os conceitos legais de torcedor/consumidor e fornecedor, prudente registrar as principais alterações recentemente observadas com a entrada em vigor da Lei nº 12.299/10, a qual dispõe sobre medidas de prevenção e repressão aos fenômenos de violência por ocasião de competições esportivas. O projeto de lei foi de autoria do deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP) e, acredite- se, tramitava no Congresso desde 1995, antes mesmo do Estatuto do Torcedor ser criado. Um novo texto foi apresentado em 2009 pelo governo federal, cuja redação foi aprovada. Em uma votação rápida e sem maiores incidentes, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB/AP) o apresentou à Casa, justificando que “esse projeto é do maior interesse do povo brasileiro.” No mesmo sentido, o Ministério da Justiça afirmou que as alterações procedidas no Estatuto do Torcedor são necessárias para conferir maior comodidade, conforto e segurança ao torcedor brasileiro, bem como aos profissionais envolvidos na organização de eventos esportivos, além de adequar a legislação do país ao ordenamento jurídico internacional. Segundo o secretário do órgão, “procuramos garantir a proteção ao espetáculo. As medidas são importantes para a Copa, mas o mais relevante é garantir que o espetáculo esportivo continue a ser um espaço lúdico, democrático, longe da violência ou da criminalidade”. As alterações propostas pelo governo federal foram minuciosamente examinadas por um grupo de trabalho criado em 2008, composto pela secretaria de assuntos legislativos e nacional de segurança pública do MJ, secretaria executiva e consultoria jurídica do Ministério do Esporte, Ministério Público do Estado de São Paulo e Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A Lei nº 12.299/10 teve como foco principal garantir a segurança pública nos eventos desportivos. Para tanto, alterou dispositivos existentes e criou novos artigos, criminalizando condutas até então não tipificadas. Foram alvo de modificação os artigos 5º, 6º, 9º, 12, 17, 18, 22, 23, 25, 27 e 35. Criados foram os artigos 1º-A, 2º-A, 13-A, 31- A, 39-A, 39-B e 41-A, 41-B, 41-C, 41-D, 41-E, 41-F e 41-G. As principais alterações foram: a) O primeiro dispositivo a sofrer alteração foi o 1º-A, até então inexistente. Com ele, o legislador pulverizou a obrigação de prevenção da violência no desporto, fazendo- a recair sobre todos os envolvidos nas relações desportivas, inclusivetorcedores, ao estabelecer que “a prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.” b) Com relação à transparência das relações, determinou o § 2º do artigo 5º que a escalação dos árbitros, imediatamente logo após sua definição, bem como a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo, além de ser publicados na internet, em sítio da entidade responsável pela organização do evento, também deverão ser afixados ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as entradas do local onde se realiza o evento esportivo. c) O juiz deve comunicar às entidades de administração do desporto e às ligas de que trata o artigo 20 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, acerca da decisão judicial ou aceitação de proposta de transação penal ou suspensão do processo que implique o impedimento do torcedor de frequentar estádios desportivos, considerando que o magistrado pode determinar outras condições adequadas ao fato no momento da homologação da proposta da suspensão do processo (artigo 89, §2º, da Lei 9.099/95). d) O Ouvidor da Competição deverá estampar suas manifestações e propostas no mesmo sítio da internet em que forem publicadas as demais informações obrigatórias (§ 1ºº do artigo 5º). e) As tabelas da competição e o nome do seu Ouvidor deverão ser divulgados com antecedência mínima de até 60 (sessenta) dias, contados retroativamente da data de início da competição, na forma do § 1º do artigo 5º, ou seja, no mesmo sítio da internet que forem publicadas as demais informações, de sorte que o regulamento definitivo será divulgado até 45 (quarenta e cinco) dias antes de seu início. f) Com a vigência da Lei nº 12.299/10, a entidade responsável pela organização da competição terá a obrigação de publicar a súmula e os relatórios da partida no mesmo sítio eletrônico já referido até as 14 (quatorze) horas do 3º (terceiro) dia útil subsequente ao da realização da partida. g) O torcedor tem direito à segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas, sendo assegurada acessibilidade ao torcedor portador de deficiência ou com mobilidade reduzida. h) Os torcedores, agora, terão de respeitar certas exigências e condições. O novel artigo 13-A determina que são condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: I – estar na posse de ingresso válido; II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência; III – consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança; IV – não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo; V – não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos; VI – não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo; VII – não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos; VIII – não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza; e IX – não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores. Não cumpridas as condições acima, o torcedor será impedido de ingressar no recinto esportivo, ou, se for o caso, será imediatamente afastamento da localidade, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis. Uma proibição que tem sido bastante polêmica é a vedação de “entoar cânticos” discriminatórios, racistas ou xenófobos. Ora, obviamente não se admite fazer da arena senão palco lúdico para apresentação dos espetáculos. Contudo, os cânticos, muitas vezes incisivos, são parte integrante e, ao que parece, indissociável da cultura do esporte, principalmente do futebol. A torcida, envolta no clima de euforia e rivalidade, utilizando de bastante criatividade em algumas oportunidades, criam textos e a eles introduzem a melodia rítmica para enaltecer a equipe ou desestimular o adversário. Tudo isso, à primeira vista, e desde que, é claro, não transgrida a esfera da esportividade, é da própria essência de rivalidade das organizadas. A participação dos torcedores organizados nos jogos não se limita apenas aos incentivos ou vaias aos times. Mais do que isso, há toda uma expressividade corporal posta à prova, que traduz um êxtase contínuo, pois o conjunto percursivo raramente para de tocar ao longo de um jogo, exigindo sempre dos torcedores organizados uma garra que transcende a posição de meros expectadores da partida (Toledo, 1996, p. 60). A energia contagiante que paira na arquibancada é a mola propulsora para que os torcedores comuniquem-se por meio de gritos e cânticos que perpetuam entre os organizados e também por todos os presentes no estádio. Esses cânticos geralmente são frases enxutas e de rimas curtas, caracterizados por revelarem frases pouco elaboradas, permeadas de palavras diretas e incisivas, até xingamentos, mas que são de primordial importância na disputa e festividade futebolística. Segundo Toledo, “consiste no substrato privilegiado dessa linguagem jocosa, trazendo ambivalência do insulto e certo sentido regenerador que instaura a ordem cósmica do jogo. Tal ordem, sugerindo um confronto, coloca em evidência os estereótipos sociais entre as classes, a oposição e os papéis desempenhados e atribuídos aos sexos (futebol é para homem), as fissuras entre público e privado, as relações de poder (...)”. (1996, p. 65). A lei não é clara, nem tampouco rica nas condutas que pretendeu tipificar, o que significa que a subsunção do fato à norma ficará perigosamente ao alvedrio do subjetivismo das autoridades, situação bastante preocupante ante a falta de critérios objetivos para criminalização da conduta. De mais a mais, verifica-se a presença de delitos de perigo abstrato, assim entendidos "aqueles em que se castiga a conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto venha ocorrer um resultado de exposição a perigo". Buergo (2001, p.10) é bastante elucidativo ao discorrer sobre o tema, explicando que “los delitos de peligro abstracto castigan la puesta en prática de una conducta reputada generalmente peligrosa, sin necessidad de que haga efectivo un peligro para el bien jurídico protegido. En ellos se determina la peligrosidad de la conduta típica a través de una generalización legal basada en la consideración de que determinados comportamientos son tipicamente o generalmente para el objeto típico y, em definitiva, para el bien jurídico. Así, al considerar que la peligrosidad de la acción típica no es elemento del tipo sino simplemente razón o motivo de la existência del precepto, se concluye que no solo no es necesario probar si se há producido o no en el caso concreto una puesta en peligro, sino ni siquiera confirmar tal peligrosidad general de la conducta en el caso individual, ya que el peligro viene deducido a través de parâmetros de peligrosidad preestablecidos de modo general por el legislador.” Há grande controvérsia acerca desta espécie de delito porque, conforme defendem estudiosos do Direito Penal, dela resulta afronta ao enunciado clássico nullum crimen sine injuria, e, via de consequência, há descumprimentodo princípio constitucional da ofensividade, uma vez que não há crime sem resultado. Nesse sentido, Faria Costa, ao defender a possibilidade de se criminalizar tão somente condutas concretas que efetivamente tenham o condão de expor objetivamente certas situações em perigo, pondera: “de fora fica, em verdadeiro rigor, todo o reino de legitimidade da punição de condutas cujo traço essencial não está no fato de o perigo se ter concretamente desencadeado, mas sim e diferentemente em o perigo ser considerado como mera motivação pra o legislador punir tal conduta. Ao sancionar-se penalmente um comportamento dentro destes parâmetros de valoração somos confrontados com a inexistência de uma qualquer ofensividade relativamente a um concreto bem jurídico.” De fato, parece delicada a questão, principalmente se se considerar que apenas a lesão concreta ou a efetiva possibilidade de lesão imediata a algum bem jurídico é que autoriza a regulação penal por parte do Estado. i) O § 1º do artigo 17, por sua vez, determinou que os planos de ação serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática desportiva que a disputarão e dos órgãos responsáveis pela segurança pública, transporte e demais contingências que possam ocorrer, das localidades em que se realizarão as partidas da competição. j) Outra alteração importante é que, doravante, os estádios com capacidade superior a 10.000 (dez mil) pessoas – e não mais 20.000 (vinte mil) – deverão manter central técnica de informações, com infraestrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente. Independentemente, o controle e a fiscalização do acesso do público ao estádio com capacidade para mais de 10.000 (dez mil) pessoas deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas. k) São direitos do torcedor partícipe: I – que todos os ingressos emitidos sejam numerados; e II – ocupar o local correspondente ao número constante do ingresso, salvo nos locais já existentes para assistência em pé, nas competições que o permitirem, limitando-se, nesses locais, o número de pessoas, de acordo com critérios de saúde, segurança e bem-estar. Com exceção dos estádios com capacidade inferior a 10.000 (dez mil) pessoas, a emissão de ingressos e o acesso ao estádio nas primeira e segunda divisões da principal competição nacional e nas partidas finais das competições eliminatórias de âmbito nacional deverão ser realizados por meio de sistema eletrônico que viabilize a fiscalização e o controle da quantidade de público e do movimento financeiro da partida. l) as solicitações ao Poder Público dos serviços de estacionamento para uso por torcedores e dos meios de transporte para condução de idosos, crianças e pessoas portadoras de deficiência física aos estádios, partindo de locais de fácil acesso, previamente determinados, estão dispensadas nos estádios com capacidade inferior a 10.000 (dez mil) pessoas. m) A entidade responsável pela organização da competição deverá apresentar ao Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, previamente à sua realização, os laudos técnicos expedidos pelos órgãos e autoridades competentes pela vistoria das condições de segurança dos estádios a serem utilizados na competição, devendo tais documentos atestar a real capacidade de público dos estádios, bem como suas condições de segurança. n) Perderá o mando de jogo por, no mínimo, seis meses, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, a entidade de prática desportiva detentora do mando do jogo em que: I – tenha sido colocado à venda número de ingressos maior do que a capacidade de público do estádio; ou II – tenham entrado pessoas em número maior do que a capacidade de público do estádio; III - tenham sido disponibilizados portões de acesso ao estádio em número inferior ao recomendado pela autoridade pública. o) Outra importante alteração vista é a obrigatoriedade das entidades de administração do desporto contratar seguro de vida e acidentes pessoais, tendo como beneficiária a equipe de arbitragem, quando exclusivamente no exercício dessa atividade, em nítida preocupação com a integridade física dos árbitros. p) Cada entidade de prática desportiva fará publicar documento que contemple as diretrizes básicas de seu relacionamento com os torcedores, disciplinando, obrigatoriamente: I – o acesso ao estádio e aos locais de venda dos ingressos; II – mecanismos de transparência financeira da entidade, inclusive com disposições relativas à realização de auditorias independentes, observado o disposto no artigo 46-A da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998; e III – a comunicação entre o torcedor e a entidade de prática desportiva. A comunicação entre o torcedor e a entidade de prática desportiva poderá, dentre outras medidas, ocorrer mediante: I – a instalação de uma ouvidoria estável; II – a constituição de um órgão consultivo formado por torcedores não-sócios; ou III – reconhecimento da figura do sóciotorcedor, com direitos mais restritos que os dos demais sócios. q) As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser disponibilizadas no mesmo sítio eletrônico da entidade responsável pelo evento em que as demais informações exigidas pela lei forem publicadas. r) Também foi prevista a criação de órgãos exclusivos do Poder Judiciário incumbidos de processar e julgar litígios de menor complexidade decorrentes das relações jurídico-desportivas, os Juizados Especiais. Com isso, o legislador avançou bem na tentativa de proteger o torcedor lesado, inserindo o artigo 41-A, que prevê: “os juizados do torcedor, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pelos Estados e pelo Distrito Federal para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das atividades reguladas nesta Lei.” s) A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações: I – nome completo; II – fotografia; III – filiação; IV – número do registro civil; V – número do CPF; VI – data de nascimento; VII – estado civil; VIII – profissão; IX – endereço completo; e X – escolaridade. t) A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos, respondendo civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento. Essas penalidades não impedem eventual correspondência entre a conduta praticada pela torcida e crimes previstos no Código Penal, como a formação de quadrilha, crimes contra a honra, lesão corporal e rixa, por exemplo. u) Por fim, foi incluído todo o Capítulo Xl-A, que trata da criminalização de condutas praticadas por torcedores. Os crimes previstos nos artigos 41-C a 41-G tratam especificamente da conduta íntegra que deve prosperar nas competições desportivas, seja com relação à própria divulgação dos resultados (artigos 41-C, 41-D e 41-E), seja no que se refere à obtenção de vantagens por ocasião da venda de ingressos dos eventos (artigos 41-F e 41-G). v) Incumbiu ao artigo 41-B a tipificação penal da conduta do torcedor que promove tumulto, pratica ou incita violência no evento, bem como do que invade os locais restritos aos atletas. Assim, é crime “promovertumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos”. A pena é de reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa, incorrendo na mesma sanção quem: I – promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; II – portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência. Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. Na conversão de pena, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada. Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2º, convertendo a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Diversamente do artigo 39-A, o qual tratou das condutas referentes à torcida organizada, enquanto coletivo, o artigo 41-B tipificou como crime as condutas praticadas de modo isolado pelos torcedores. De acordo com o apenamento imposto pelo legislador, infere-se que se trata de infração penal de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 61 da Lei nº 9.099/95 w) Também constitui crime: i) solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva, cuja pena de reclusão varia de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. ii) dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva, com pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. iii) fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva, cuja conduta é penalizada com pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. iv) vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete, com pena de reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. v) fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete, cuja pena reclusão varia de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa, sendo que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os estes fins. 3. TORCIDAS ORGANIZADAS As torcidas organizadas, atualmente, têm sido assunto de inúmeros debates, principalmente pelas manifestações violentas exercidas por seus membros. Antes de qualquer discussão, é necessário compreender que só o fato de existir uma relação tensional entre torcidas não representa, em princípio, causa de preocupação, nem tampouco indica ofensividade ou aspecto negativo ao corpo social. Afinal, a sociedade não é mesmo essencialmente pacífica, abrigando focos de conflitos inerentes à própria aglomeração de pessoas. A oposição de interesses constitui modalidade de interação entre cidadãos, interação essa que, por óbvio, não pode ser exercida por um indivíduo isolado. E, como toda interação constitui forma de sociação, o conflito passa a ser também manifestação dela. Isso não significa que a contraposição de interesses possui tão apenas aspectos positivos. Pelo contrário, possui elementos negativos, principalmente se se verificar ausência de compensação entre a pacificidade e a tensão. De acordo com Simmel (1983, p. 124), “assim como a sociedade precisa de ‘amor e ódio’, isto é, de forças de atração e de forças de repulsão, para que tenha uma forma qualquer, assim também a sociedade, para alcançar uma determinada configuração, precisa de quantidades proporcionais de harmonia e desarmonia, de associação e competição, de tendências favoráveis e desfavoráveis”. Portanto, pode-se concluir que o conflito, bastante visto entre as torcidas organizadas, é característica indissociável de toda e qualquer organização social. A questão nuclear, então, recai sobre a intensidade e extensão que esta tensão desenvolve, uma vez que, quando o conflito, aspecto negativo, prepondera sobre a harmonia, positivo, o desequilíbrio é inerente, sendo certo que as relações, aqui, serão viciadas e tormentosas, desencadeando a violência, assim entendida como “um fenômeno social específico, histórico, relacionado às condições socioeconômicas e que possui raízes e formas no cotidiano das relações interpessoais.” (Vendruscolo, 2004, p. 565). É imprescindível que essas relações sejam mediadas pela tensão e pela paz, formando um conjunto equilibrado em que as forças se compensam, até porque “a essência da alma humana não permite que um indivíduo se ligue a outro por um elo apenas, ainda que a análise científica não se dê por satisfeita enquanto não determina o específico poder de coesão de unidades elementares” (Simmel, 1983, p.128). Por fim, é oportuno salientar a importância da convivência harmônica entre as várias torcidas, até para garantir a própria existência. Isso porque a unidade de um grupo muitas vezes se perde quando não há mais um adversário (Simmel, 1983). Significa dizer, assim, que ao respeitar e zelar pela manutenção dos demais grupos de torcedores, ao mesmo tempo está se garantindo a unidade da própria torcida. “No interior de certos grupos, pode ser até um indício de sabedoria política cuidar para que existam alguns inimigos políticos, a fim de que a unidade dos membros continue efetiva e para que o grupo continue consciente desta unidade como algo de interesse vital” (Simmel, 1983, p. 157). Dito isso, um breve retrospecto histórico é pertinente. Se voltarmos um pouco na história para compreendermos os motivos pelos quais alguns torcedores resolveram se unir para formar as primeiras torcidas organizadas do Brasil, veremos que a ideia era formar um grupo com torcedores assíduos que se organizariam para cobrar resultados de seus clubes de forma autônoma com relação aos mesmos (Pimenta, 1997). Sabe-se que as manifestações embrionárias das quais originaram as torcidas organizadas ocorreram na década de 1940. O grupo “Grêmio São-Paulino” foi criado em 1939, sendo, talvez, a primeira delas de que se tenha notícia. No Rio de Janeiro, a charanga do Flamengo(reunião de torcedores em torno de um grupo musical que cantava e tocava marchinhas carnavalescas, fomentando a alegria e a festividade nos estádios) foi fundada em 1942. O tom era realmente festivo e de descontração, com utilização de serpentinas, confetes e apitos. Essa espécie de manifestação rapidamente ganhou adeptos por todo o país, com torcedores de vários clubes. No decorrer dos anos e da mutação dos valores e referenciais da sociedade, esse modelo foi gradativamente substituído por outro, em que a virilidade, a masculinidade, a violência em formas de arruaça, o vandalismo e a brutalidade incorporam as manifestações dos mais fanáticos, em contraposição aos métodos adotados anteriormente, considerados, a partir daí, “muito pacíficos”. E foi justamente a proliferação desta nova moldura de torcedores que proporcionou o nascimento das torcidas organizadas, que, demonstrando comportamento provocante, passaram a disputar nas arquibancadas a posição de superioridade com a torcida rival. O clima de tensão é agravado, ainda, pela ansiedade própria dos espetáculos à medida que os atletas se esforçam para atingir o objetivo e superar a equipe adversária (quando a modalidade comporta). Com relação ao futebol, este possui uma característica mimética que propicia ao seu público situações de elevada tensão na expectativa do desenrolar das ações dos jogadores e da equipe. Essa tensão provoca no indivíduo um alto grau de expectativa e ansiedade no desfecho da ação que prende o espectador ao jogo” (Reis, 2005, p. 9). Várias organizadas foram estruturadas e o crescimento da quantidade de membros foi enorme, mesmo após vários episódios de violência. Infere-se, então, que a agressividade foi encarada como forma de poder, o que justifica a expansão das torcidas. Para Pimenta (2004, p. 28), à medida que ocorre o aumento dos atos de violência e das mortes em decorrência da ação das organizadas, cresce o número de jovens filiados a essas torcidas, atraídos pelo prazer proporcionado pela convivência com os membros e pela sensação de pertencer a um grupo aparentemente forte e coeso. A partir do momento em que o indivíduo está inserido num grupo, constituindo uma massa, surgem forças e fenômenos que configuram uma alma coletiva, que obedece a suas próprias leis e não pode ser descrita a partir das propriedades dos indivíduos que a compõem, de modo que essa massa significa um só ser e está submetida à lei da unidade mental das massas (Le Bon, 1996). Esse fenômeno foi muito bem sintetizado por Simões, que afirmou que “o indivíduo, como ser coletivo, é apenas um instrumento inconsciente” (1973, p.38). A conduta do homem inserido em uma coletividade é altamente influenciada pela inconsciência destacada pela impulsividade, perda da razão, incapacidade de julgamento, perda de espírito crítico e pelo exagero de sentimentos. Quando se está em grupo, o indivíduo perde seu senso pessoal de responsabilidade. O agrupamento de torcedores em volta de um objetivo aparentemente comum é ditado pela identidade e afinidade que os membros possuem entre si. Sigmund Freud teoriza que a libido é a condição necessária para a unidade do grupo, de modo que é imperioso existir junção de energia libidinal para que o indivíduo sinta-se mais motivado a confluir para essa energia do que a ela opor-se. (1993, p. 107) Ser um membro de uma torcida organizada conquista prestígio, respeito e confiança pelo uso da força, pela assiduidade e pela agressividade, à medida que demonstra capacidade tanto de resistir aos confrontos quanto de ocupar território nas ruas e nas arquibancadas. Os jovens sentem poder expressar sensações de pertencimento e de acolhida em um agrupamento estruturado nas mesmas bases estabelecidas em determinadas relações existentes no interior da própria sociedade: hierarquia, controle, disciplina e regras de conduta. Assim, nesse espaço, as ações individuais dos jovens têm ressonância e angariam o respeito de grupo, mesmo que transgridam a ordem social estabelecida. (Pimenta, 2004, p. 269). Incrivelmente, os membros das organizadas são atraídos pela banalização da violência e pela vulgaridade permitida da transgressão às regras estabelecidas e impostas pelo corpo social. E embora muitos deles sejam cumpridores de diversos papéis sociais importantes (são filhos, pais, trabalhadores, estudantes, formadores de opinião etc.), uma vez em companhia do grupo abandonam os papéis de cidadãos racionais, discretos e cumpridores da ordem e se transformam em agressores e desordeiros, “protegidos” que estão pela falsa sensação de segurança proporcionada pelos ideais e manifestações de força e masculinidade, pela sensação de união indissociável e de companheirismo dos pares, pela oportunidade de autoafirmação etc., sentimentos estes que a família, o trabalho, a estabilidade financeira, o lazer, o consumismo e outras instituições sociais não conseguem suprir. Todas as massas de espectadores em estádios podem ser perigosas. Na massa enraivecida, o indivíduo incorre numa espécie de alienação que libera seus mecanismos primitivos de comportamento. Desaparece toda inibição de origem cultural e possivelmente inclusas algumas inibições de equilíbrio instintivo. O indivíduo na massa, despersonalizado, anulado pela unidimensionalidade atuante, reforçado pelo contágio físico da ação vencida, é capaz de qualquer coisa. (Cagigal, 1976) Para Marcondes Filho (1986, p. 49), “as torcidas organizadas funcionam como válvulas de escape, aliviadores coletivos de tensão de seus membros. Ali eles descarregam a carga enorme de privações, controles, autocensuras, reservas, frustrações e autopunições que sofrem quando sozinhos ou em seus ambientes de convivência social (família, trabalho, escola), e que têm que aguentar”. Outro fator favorável à manutenção da violência, o qual merece meditação mais acurada, refere-se acerca da função que as competições desportivas, principalmente o futebol, imprimem na sociedade, ao passo que visam, como escopo maior, o voraz sucesso financeiro. À medida que as práticas esportivas se estruturaram enquanto instituição integrada, o esporte moderno passa a obedecer todas as leis que regem o sistema capitalista – acumulação, concentração, circulação de capitais. A competitividade da empresa esportiva é, sobretudo, a busca de competitividade num mercado. É no mercado que se estabelece uma hierarquia entre os competidores, a qual está associado ao potencial de faturamento e à taxa de rentabilidade de casa empresa. (Proni, 2002, p. 26). A elitização dos clubes e torcedores integra o pensamento consumista em posição de destaque. Oportuno citar que, certa feita, em uma palestra a estudantes, um dos diretores do Clube Atlético Paranaense afirmou: “para nós não interessa o torcedor que junta centavos para ir a um jogo de futebol, pois este não tem condições de consumir no interior do estádio. Nós queremos aquele que tem condições de ir em todos os jogos e de consumir.” Essa concepção reflete a própria estrutura dos estádios, onde há lugares cativos, com assentos confortáveis, ar-condicionado, próprio para torcedores com maior poderio econômico e, de outro lado, geralmente distante, as “gerais”, setor marginalizado ocupado por torcedores geralmente mais humildes e desordeiros. Contudo, antes de o esporte e o estádio serem encarados como importantes fontes de renda, devem ser vistos como um momento próprio de lazer, cuja prática, aliás, é garantida pela Constituição e a fomentação dever do Estado. A arena desportiva é o local para a participação ativa dos indivíduos nos acontecimentos desportivos, o que, para Dunning é um fato de lazermimético, no qual pode produzir-se excitação agradável e que cumpre, a este respeito, uma função de destruição da rotina (Elias, 1992, p. 323). Pois bem, tecidas essas considerações, de cunho preponderantemente sociológico/psicológico, necessário entender, então, qual o tratamento que o ordenamento jurídico brasileiro dispensa às torcidas organizadas. Pimenta (2004b) define torcida organizada como um agrupamento de pessoas simpatizantes de um clube de futebol, sem fins lucrativos, estruturado de forma relativamente burocrática, com o objetivo de incentivar o time durante os jogos e defender a integridade do grupo nos momentos de confrontos físicos ou verbais com os adversários. Essas pessoas, na maioria rapazes, são denominadas sócios da organização, e promovem eleições periódicas para eleger o quadro administrativo, composto por: presidente, conselheiros, líderes e diretores. Interações e reuniões sociais costumam acontecer na sede das agremiações. A estrutura administrativa das torcidas organizadas assume aspectos militaristas, contemplando estratégias de confronto aliadas a táticas de ataque e de defesa. A identificação desses grupos é percebida pela vestimenta, pela virilidade, pelos cânticos de guerra, pelas transgressões das regras legais, pelas coreografias, pelo sentimento de pertencimento ao grupo. A Lei nº 12.299, de 27 de julho de 2010, alterou dispositivos do Estatuto do Torcedor e apresentou expressamente o conceito de torcida organizada buscado pelo legislador. Assim é que, nos termos do artigo 2º-A, considera-se torcida organizada a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade. O dispositivo parece bastante claro na tentativa de irradiar seus efeitos sobre a maior área de contato possível, tanto é que se refere à pessoa jurídica de direito privado e também à torcida existente de fato. A pessoa jurídica de direito privado referida pelo legislador é a sociedade não empresária, ou seja, aquela cujo objeto não seja o exercício da atividade de empresa, voltada à exploração econômica com vista à obtenção de lucro. Dito de outro modo, é a sociedade simples, nos termos do artigo 982 do Código Civil. Como sociedade contratual, deverá ter o ato constitutivo (contrato social) registrado no cartório de registro civil competente, e não na Junta Comercial. Por outro lado, sociedade de fato é aquela não personificada, que não observou as formalidades legalmente previstas para criação da personalidade jurídica, considerando que, a teor do artigo 985 do Código Civil, a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos. Assim, conclui-se que é a sociedade informalmente considerada. Oportuno notar que, segundo Sérgio Campinho, “é o exercício da atividade e não o registro do seu contrato que lhe confere a qualidade, visto ser o registro declaratório e não constitutivo da condição de empresário. O registro se apresenta como pressuposto do exercício regular da atividade.” Portanto, para os fins da lei, o conceito de torcida organizada independe da existência de personalidade jurídica. Aliado ao conceito expresso, o parágrafo 2º da Lei nº 12.299/10 também exigiu a criação de um cadastro atualizado de todos os seus associados ou membros das torcidas organizadas, o qual deverá contemplar, no mínimo, as seguintes informações: I – nome completo; II – fotografia; III – filiação; IV – número do registro civil; V – número do CPF; VI – data de nascimento; VII – estado civil; VIII – profissão; IX – endereço completo; e X – escolaridade. Noutro rumo, o artigo 39-A do “novo ET” penaliza com severidade a torcida organizada que se envolver em conflito em evento esportivo, tanto é que determina: “a torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos. Outro dispositivo que cuidou das torcidas organizadas é o de nº 39-B, talvez um dos mais importantes da reforma. Para ele, a torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento. Prudente esclarecer que obrigação solidária é espécie de obrigação múltipla, configurando-se esta pela presença de mais de um indivíduo em um ou em ambos os polos da relação obrigacional. Decorre da impossibilidade de se atribuir a cada agente a respectiva parcela de culpa que lhe é cabível na produção do dano experimentado, de modo que a solidariedade não tem vez em sendo identificável a parcela de responsabilidade de cada agente na ocorrência do prejuízo causado e sendo este mensurável segundo a atuação de cada um. Assim, se qualquer dos membros de uma determinada organizada causar danos a terceiros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento, a própria organizada poderá ser responsabilizada pela reparação do prejuízo sofrido, independente de prova da culpa, o que fica por conta da objetivação da responsabilidade. Contudo, forçoso admitir que em qualquer caso haverá o direito de regresso, intrínseco à espécie. Por fim, impende destacar que se a torcida organizada, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos. O caráter sancionatório da legislação é evidente, a qual tratou com mais severidade os atos de violência e desarmonia nos eventos desportivos. Merece destaque o fato de os comandos constantes no normativo invocado terem aplicação apenas no contexto do espetáculo, seja antes, durante ou depois do mesmo, inclusive nas imediações e na trajetória de ida e volta, afastando, obviamente, os danos e infrações causados por torcedores membros das torcidas organizadas alheios ao contexto do evento desportivo. Certamente, as introduções não serão de fácil aplicação pelas autoridades responsáveis, o que se afirma diante da falta de elementos concretos para regulamentar as diversas situações esparsamente previstas e da inexistência de mecanismos suficientes de fiscalização e punição, como, por exemplo, conferir objetividade à penalização dos atos delinquentes praticados “nas imediações ou no trajeto de ida e volta” A fragilidade da lei se manifesta em inúmeras outras passagens. Indaga-se: Quem será responsável pela fiscalização, punição e manutenção do cadastro de integrantes das torcidas organizadas? Quem será responsabilizado se esta obrigação não for cumprida? E qual a pena? Ora, será que não é demasiadamente simplório para a torcida excluir alguns dos seus membros ou associados deste cadastro, alterando os fatos e escapando da aplicação da lei? São, sem dúvida, apenas algumas das muitas indagações cujas respostas não se encontram na legislação em comento. 4. CONCLUSÃO Conclui-se que o Estatuto do Torcedor representa um importante instrumento jurídico para coibir não apenas os desrespeitos entre torcedor/consumidor e entidade de prática desportiva, como também os atos ilícitos praticados pelos próprios espectadores entre si nas odiáveis demonstraçõesde violência. Sua aplicação não parece de fácil efetivação, principalmente porque o Poder Público não se encontra estruturado para atender aos anseios do legislador, o qual também dificulta a fiel observância da lei ao incluir expressões pouco claras, deixando ao arbítrio subjetivo da autoridade competente. Contudo, é de grande valia a intenção de regular as relações jurídicas oriundas do desporto, principalmente, é verdade, porque o Brasil estava prestes a ser sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014, ocasião em que o país seria a vitrine mundial da modalidade esportiva e necessitaria, evidentemente, de certa intransigência com os atos de violência, respaldado em denso, concreto e efetivo arcabouço legislativo que dê suporte à repressão dos crimes praticados. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSUMPÇÃO, Luís Otávio Teles. O jogo de futebol e a cultura invertida. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Brasília: Universidade de Brasília, 1992. ASSIS, Túlia Cristina Macha de. A Representação Social da Violência em Torcidas Organizadas de Futebol. Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia. Área de concentração: Psicologia Social. Goiânia, 2008. AZEVEDO, Aldo. 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(1999) A invenção do torcedor de futebol: disputas simbólicas pelos significados do torcer. In.: M. R Costa, J. P. Florenzano, E. Quintilho, S. C. CONTEÚDO DOS LINKS Países (p. 02) O Brasil é marcado pela falta de segurança nos estádios, situação extremamente negativa para o desporto nacional, assim como também ocorre, por exemplo, na Inglaterra, onde verdadeiras guerras são travadas entre adversários de torcidas rivais. Por outro lado, Espanha eArgentina possuem maior controle sobre a violência dos torcedores, inclusive com legislação avançada sobre a matéria, tanto é que esta nação vizinha possui legislação própria apenas para regular a segurança nas arenas desportivas. Conceito de torcedor (p. 03) Para alguns doutrinadores, a concepção de torcedor é ampla e não compreende apenas a pessoa que adquire o direito de acesso, ou seja, aquele que compra o bilhete de ingresso para acompanhar in loco a apresentação. Também é considerado torcedor a pessoa que assiste ao espetáculo à distância, mediante transmissão televisiva, por exemplo. Obrigação de prevenção da violência nos estádios (p. 04) O Poder Público, até então, era o principal responsável no combate à violência. Contudo, essa incumbência necessitava ser quotizada com clubes, federações e confederações, integrando todos os que participam das relações jurídico-desportivas. A Lei nº 12.200 inovou e estendeu este mister também aos torcedores. Afinal, todos precisam se engajar mais nessa atuação, dispensando maior empenho no combate à violência. Decisão judicial (p. 05) O nome do torcedor delinquente apenas poderá ser exposto após condenado judicialmente com trânsito em julgado. Caso contrário, infringir-se-á o princípio da presunção da inocência. A divulgação dos nomes e fotos deve ser analisada com ponderação, até para não infringir garantias constitucionais, como a proteção à imagem etc. Ouvidor (p. 05) Atualmente, a maior parte dos clubes e federações já é dotada órgão ouvidor. A inclusão destes órgãos nos estádios pode ser interessante se acompanhada de fiscalização e controle, uma vez que raramente as queixas enviadas são solucionadas ou sequer respondidas. Publicar a súmula (p. 05) Para alguns juristas, a obrigação de publicar a súmula é inconstitucional, uma vez que as entidades de administração do desporto possuem autonomia de organização e funcionamento, nos termos do artigo 217 da Constituição Federal, o que significa que caberia a elas esta decisão. Entoar cânticos (p. 06) O ato de incitar a violência, bem como a “injúria racial” ou outras formas de discriminação já são tipificadas pelo Código Penal. Assim, a Lei nº 12.299/10 confirma que os delitos praticados pelos torcedores não estão excluídas de apreciação pela justiça criminal. Há quem defenda que o ambiente do estádio propicia os xingamentos, os “gritos de guerra” e que isso já é cultural, não só no nosso país. Há que se diferenciar, portanto, o simples xingamento de insatisfação contra um atleta ou o árbitro de uma forma de incitação à violência. Aquele torcedor que isoladamente ofende o árbitro não deve ser preso, pois a sua intenção não é a de “injuriar”, mas apenas extravasar as tensões, algo bastante comum nos estádios. Falta, nesse caso, o dolo específico, o que excluiria o crime. Agora, quando um grupo de torcedores canta em conjunto músicas de cunho xenófobo, racista ou incitando a violência, teremos, sim, um problema, um crime, a ser apurado e punido pela justiça. (Fernando Tasso. Disponível em: <http://blogextracampo.wordpress.com/2010/07/08/aprovado-no-senado-um-novo- estatuto-do-torcedor/>.) Infraestrutura (p. 07) A novel legislação adotou critérios de segurança já previstos em outros países, cujos resultados da implantação foram positivos. Na Argentina, por exemplo, um dos países com legislação protetiva mais avançada, é obrigatória a instalação de mangueiras de incêndio suficientes, instalações sanitárias adequadas, presença de médicos e seguranças, bem como a instalação de moderno circuito de controle (circuito fechado de TV) e de som de longo alcance nos estádios. Sistema eletrônico (p. 08) Novamente a legislação segue os rumos da legislação internacional. Na Espanha, os sistemas de segurança utilizam tecnologia de última geração. Naquele país, há o monitoramento do espetáculo por sistema de vídeo, som e automação de todos os portões de acesso ao estádio. Juizados Especiais (p. 09) O Estado de Pernambuco foi o pioneiro na instalação de órgãos judiciários incumbidos de processar e julgar litígios oriundos de relações jurídico-desportivas. Lá existe o Juizado do Torcedor, o qual trouxe consideráveis avanços. Importante ressaltar que a fixação da competência deve ser bem definida para evitar discussões desnecessárias, como, por exemplo, os litígios ocorridos no interior do estádio e no seu entorno. Danos causados (p. 09) Mesmo antes da edição da lei, alguns entes federativos já adotavam sistema de identificação de torcedores integrantes de torcidas organizadas, como, por exemplo, o Estado de Pernambuco, com o objetivo de facilitar a responsabilização dos danos causados. A lei, contudo, foi imprecisa. Não estabeleceu nenhum requisito financeiro, estrutural ou estatutário para criação da personalidade jurídica das organizadas. Apenas exigiu que “se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade”. Assim, indaga-se: com que patrimônio a torcida organizada vai, efetivamente, responder pela reparação dos danos? Sobre quais bens as pessoas lesadas poderão satisfazer seus direitos? Objetiva e solidária (p. 09) Outra questão interessante refere-se à responsabilidade objetiva e solidária. A previsão legal é positiva, mas dá azo a interpretações injustas. Será que também responderiam pelos danos causados pela folia coletiva das torcidas aqueles torcedores que não possuem absolutamente nenhum vínculo com o fato causador do prejuízo? Após leitura pura e simples do normativo, quem seria responsável se lesado fosse alguém pertencente à mesma torcida? Todos os membros objetivamente e solidariamente? Solicitar ou aceitar (p. 10) Trata-se do delito da corrupção passiva desportiva, criado pelo artigo 41-C, não se restringindo, por óbvio, o sujeito ativo, apenas ao árbitro da partida, como uma rápida e desatenta leitura do dispositivo pode sugerir. Dar ou prometer (p. 10) O artigo 41-D, por outro lado, criou o delito de corrupção ativa desportiva, tipificado pelas condutas de “dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva.” Fraudar (p. 11) O artigo 41-E representa uma das mais importantes inovações legais. Cria o delito de estelionato desportivo. Infere-se que o tipo penal é por demais amplo, o que permitirá a punição não somente daquele que praticar, por qualquer meio, a fraude, como também daquele que contribuir, de qualquer forma, para tal prática. O objeto material consistirá, em qualquer hipótese, no resultado da competição desportiva. A manipulação de resultado é um dos piores crimes para o esporte, uma vez que a imprevisibilidade do resultado é a mola propulsora de qualquer modalidade, de modo que a fiscalização e a punição têm que ser severas. O jurista Fernando Tasso alerta sobre a falta de clareza da expressão “fabricação de resultado”. “Caso dois times precisem de um empate para se classificar, se esse empate vier a acontecer devido à falta de empenho dos atletas, o resultado estará ‘fabricado’, mas não pode ser motivo de responsabilização criminal.” Preço superior (p. 11) O popular “cambismo” (“câmbio negro”), o qual representa verdadeiro mercado paralelo, cujas negociações, à margem da lei, atingem valores muito além do que o estabelecido pelas entidades promotoras dos eventos desportivos também foi criminalizado. Convivência com os membros (p. 13) O futebol integra fortementea cultura popular brasileira e representa um espaço privilegiado de construção de identidade social. Os torcedores estabelecem laços de solidariedade, cultivam símbolos coletivos e revivem momentos de integração social, como descrito a seguir: “O futebol articula em sua prática, uma forma particular de interação social. No momento do jogo uma realidade substituta toma lugar dos padrões normativos da ordem cotidiana, e o futebol torna-se um mundo à parte, com regras próprias e condutas específicas. A ordem social se “inverte” e um novo sistema de valores passa a ter validade momentânea.” (Assumpção, 1992) Neste momento, hierarquias sofrem mutação e o evento assume significado metafórico. Elementos que integram posições periféricas no mundo social, como pedreiros, lavadores de carro, vendedores, comerciantes etc. se miscigenam e as ações passam a ser comandadas por liames de camaradagem, simpatia e irmandade. A coluna vertebral da divisão hierárquica da vida cotidiana perde todo o sentido. Função (p. 14) Embora seja indissociável o lucro da exploração dos eventos desportivos, a função primeira do desporto é, sem dúvida, de cunho social. Equivale a dizer que todas as formas de discriminação, inclusive de consumo, deve ser severamente tolhidas. O esporte, antes mesmo de ser objeto de cobiça financeira dos poucos beneficiados, deve, necessariamente, ser protagonista dos momentos de lazer, cultura e desenvolvimento social dos muitos desafortunados que dependem dele para minimizar os desgostos de uma vida sofrida. Esta função é, ou pelo menos deveria ser, preponderante. Sobre o consumo inadvertido, a filósofa Marilena Chauí bem pondera que: Em primeiro lugar, separa os bens culturais por seu suposto valor de mercado: há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito do todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”. Em segundo, cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor em um supermercado. No entanto, basta darmos atenção aos horários dos programas de radio e televisão ou ao que é vendido nas bancas de jornais para vermos que as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo deve ouvir, ver ou ler (...). Em terceiro lugar, inventa figuras chamadas “espectador médio” “ouvinte médio” e “leitor médio”, aos quais são atribuídas certas capacidades mentais “médias”, certos conhecimentos “médios” e certos gostos “médios”, oferecendo-lhes produtos culturais “médios”. O que significa isto? A indústria cultural vende cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, trazer-lhe informações novas que perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência o que ele já sabe, já viu, já faz. A “média” é o senso comum cristalizado, que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova. Em quarto lugar, define a cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que todos os que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho criador e expressivo da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse não “vende”. Massificar é assim banalizar e divulgar a cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultura realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos. O esporte, enquanto manifestação cultural, está no núcleo das atenções da mídia, a qual lucra incessantemente com a venda de seus produtos, e revela-se com grande poder sedutor, até porque sua essência já enseja espetáculo, em especial pela imagem. É preciso bastante cautela para harmonizar o consumismo à função primeira do desporto. Sociedade não empresária (p. 15). Além de sociedade não empresária, a torcida organizada também pode ser classificada em sociedade de pessoas, aquela em que a pessoa do sócio possui fundamental importância, muito mais do que o capital que ele emprega, com poder de decisão de escolha sobre quem ingressa no quadro societário. É, ainda, sociedade contratual, vez que sua criação se dá mediante contrato social. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1) Acerca da torcida organizada, assinale a alternativa correta: A) Para a Lei nº 12.299/10, torcida organizada é a pessoa jurídica de direito privado que se organiza para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade. B) O ato constitutivo da pessoa jurídica deverá ser registrado na Junta Comercial. C) A torcida organizada, além de ser registrada no órgão competente, também está adstrita ao princípio da transparência financeira e administrativa por ser jungida ao desporto, cuja ordem e manutenção foi prevista na Constituição Federal e, assim, é de interesse público. D) Enquanto a torcida organizada não estiver registrada nos órgãos competentes, não será considerada como tal pela legislação em vigência. E) Nenhuma das alternativas anteriores. 2) Assinale a alternativa correta: A) A torcida organizada, dotada ou não de personalidade jurídica, responde objetiva e solidariamente pelos danos causados por qualquer um de seus membros no local do evento desportivo, de modo que não há direito de regresso em virtude da impossibilidade de se individualizar a culpa. B) É de responsabilidade exclusiva do Poder Público, da entidade de prática desportiva e da respectiva Confederação a prevenção da violência nos eventos desportivos. C) O torcedor que recusar a submissão à revista de segurança poderá ter pena de reclusão de no mínimo três meses em seu desfavor. D) Com a edição da Lei nº 12.299/10, é dever do Estado instalar órgãos do Poder Judiciário (Juizados Especiais) para dirimir conflitos de menor complexidade de natureza desportiva. E) Nenhuma das alternativas anteriores. 3) É correto afirmar que: A) Várias condutas tipificadas como delito pela Lei nº 12.299/10 configuram crimes de perigo abstrato, o que se pode notar, v. eg., quando o torcedor “deter nas imediações do estádio quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.” B) Todos os estádios são obrigados a instalar central técnica de informações, com infraestrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente. C) Ao atleta profissional que adquire ingresso para assistir a realização de espetáculo desportivo de equipe que não a sua, por ser profissional da área, não se aplica o Estatuto do Torcedor. D) Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva é conduta tipificada como crime pela Lei nº 12.299/10, sendo que, nestes casos, a pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e utilizar-se desta condição para a prática delituosa. E) Nenhuma das alternativas anteriores. 4) Sobre as assertivas abaixo, e correto afirmar: l) O Estatuto do Torcedor, em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, pode ser considerado um microssistema jurídico que regula condutas sociais praticadas pelos torcedores nas arenas desportivas e arredores.ll) A escalação dos árbitros e a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo devem ser obrigatoriamente publicados na internet, sendo que os torcedores vedados também deverão ser divulgados ostensivamente em local visível, do lado interno e externo de todas as entradas do local onde se realiza o evento esportivo. lll) A proibição de entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos constitui exemplo de crime de perigo abstrato, cuja subsunção do fato à norma ficará perigosamente ao alvedrio do subjetivismo das autoridades, situação bastante preocupante ante a falta de critérios objetivos para a criminalização da conduta. lV) Nos estádios com capacidade superior a dez mil pessoas, as entidades de administração do desporto são obrigadas a contratar seguro de vida e acidentes pessoais tendo como beneficiária a equipe de arbitragem, quando exclusivamente no exercício dessa atividade. V) Enquanto o artigo 39-A do ET cuida das condutas referentes à torcida organizada (coletividade de torcedores), por outro lado o artigo 41-B tipificou como crime as condutas praticadas de modo isolado pelos torcedores. A) As proposições l, ll, lll e V estão corretas. B) As proposições l, ll, lll e lV estão corretas C) As proposições l, lll e lV estão corretas. D) As proposições l, ll, e lll estão corretas. E) As proposições l, lll e V estão corretas. 5) Assinale a alternativa incorreta: A) É direito dos torcedores, além da numeração dos ingressos, ocupar o local correspondente ao respectivo número. B) Em todos os eventos, é garantido meio de transporte, ainda que oneroso, para condução de idosos, crianças e pessoas portadoras de deficiência física aos estádios, partindo de locais de fácil acesso, previamente determinados. C) O torcedor é considerado consumidor, bem como a entidade de prática desportiva organizadora do evento e a detentora do mando de jogo são consideradas fornecedores, para os fins legais, sendo que a responsabilidade destas é, além de objetiva, também solidária. D) O Ouvidor da Competição deverá elaborar, em setenta e duas horas, relatório contendo as principais propostas e sugestões encaminhadas. E) É dever da entidade responsável pela organização da competição contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o torcedor portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio; RESPOSTAS 1 – E 2 – E 3 – A 4 – E 5 – B
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