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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA 2015 GUILHERME SOLDATI FERREIRA UFJF – FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTº. DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES ESTUDOS HIDROLÓGICOS E DRENAGEM - TRN ��� UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 1 CAPÍTULO 1 1 – O CICLO HIDROLÓGICO 1.1- Introdução: A Hidrologia é uma ciência multidisciplinar que lida com a ocorrência, circulação e distribuição das águas na Terra, suas propriedades físicas e químicas e sua interação com o meio ambiente. Devido à natureza complexa do ciclo hidrológico e da sua relação com o clima, tipo de solo, topografia e geologia; a hidrologia se confunde com outras ciências que fazem parte da geografia física, tais como: • Meteorologia: é a ciência que estuda a atmosfera terrestre (hidrometeorologia: água na atmosfera). • Geologia: é a ciência que estuda a Terra, sua composição, estrutura, propriedades físicas, história e os processos que lhe dão forma (hidrogeologia: águas subterrâneas). • Oceanografia: é a ciência que investiga as características de mares, rios, lagos, oceanos e zonas costeiras. • Limnologia: estudo de lagos, pântanos e reservatórios. • Potamologia: estudo de rios e cursos d´água (arroios) • Glaciologia: área da ciência que estuda a neve e o gelo na natureza. A atmosfera terrestre juntamente com os oceanos, as geleiras, os lagos, rios e a crosta terrestre contém cerca de 1,4 x 1018 m3 de água, distribuídos da seguinte forma (figura 1.1): Fig. 1.1 – Divisão da quantidade de água na Terra (UNEP, 2000). UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 2 Apesar da abundância, a distribuição espacial e temporal da água sobre a Terra é bastante irregular causando problemas de excesso de água em alguns lugares e escassez em outros. Aos problemas que ocorriam devido à aleatoriedade dos eventos hidrológicos, vieram se somar os causados pela intervenção humana sobre o meio ambiente, que em diversos lugares, alcançou um nível crítico, afetando o clima e as condições de vida em escala global. O antigo pesadelo dos ambientalistas de que as reservas mundiais de água doce vão entrar em colapso em algum momento do século XXI nunca esteve tão próximo de virar realidade. Um estudo das Nações Unidas de 2000 prevê que 2,7 bilhões de seres humanos – 45% da população mundial – vão ficar sem água no ano 2025. O problema já afeta 1,1 bilhão de indivíduos, principalmente no Oriente Médio e norte da África. Daqui a 25 anos, Índia, China e África do Sul deverão entrar na estatística. O precário abastecimento d’água desses lugares vai falir, por vários motivos. Nos últimos cinquenta anos, a população mundial triplicou e o consumo de água aumentou seis vezes, de acordo com o Instituto Internacional de Ecologia. Com a população cresce também a agricultura, a atividade humana que mais consome água. Os países em desenvolvimento vão aumentar seu uso de água em até 200% em 25 anos. Para piorar, a saúde dos rios – as principais fontes de água doce da Terra – está piorando. Metade dos mananciais do planeta está ameaçada pela poluição e pelo assoreamento. Só a Ásia despeja anualmente em seus cursos d’água 850 bilhões de litros de esgoto. E cada litro de sujeira num rio inutiliza 10 litros da sua água. A humanidade sempre tratou a água como um recurso inesgotável e está descobrindo, da pior forma possível, que não é bem assim. Imagine um país que detém, sozinho, 16% do total das reservas de água doce do planeta. Que tem ao mesmo tempo o maior rio e o maior aquífero subterrâneo do mundo. Que, para causar inveja, ainda apresenta índices recorde de chuva. Esse país existe. E, como você sabe, suas maiores cidades sofrem racionamento de água. O Brasil não usa nem 1% do seu potencial de água doce. Ainda assim, metrópoles como São Paulo e Recife enfrentam colapso no abastecimento público. Temos rios degradados, índices de perda assustadores nas companhias de água e um desperdício inconcebível por parte da população, ou seja, mal gerenciamento. É claro que o crescimento desordenado das cidades ajuda a piorar. Sem planejamento não há proteção de nascentes nem dos reservatórios naturais. Isso custa caro para as companhias e para a sociedade, pois depois será preciso despoluir a água ou trazê-la de outro lugar. São Paulo, que desde 2004 raciona água nos meses de seca, é um caso exemplar. A cidade matou sua maior fonte de água, o Rio Tietê. Hoje, é obrigada a tirar metade do que consome de uma bacia hidrográfica vizinha, a do Rio Piracicaba. A Companhia de Água e Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) fornece a cada um dos 16 milhões de moradores da região metropolitana 370 litros de água por dia – o triplo do mínimo necessário para uso humano. Só que o desperdício na rede de água chega a quase 40% – o equivalente à média brasileira –, enquanto o aceitável no mundo é 20%. Toda essa água escapa por furos nos canos, redes defeituosas carentes de manutenção e por ligações clandestinas. São Paulo joga fora, por dia, 1 bilhão de litros de água. Isso equivale ao volume da Represa de Guarapiranga, um dos seus quatro reservatórios. Para compensar as perdas, há anos os depósitos são explorados acima da recarga média (tira-se mais água por dia do que os rios e as barragens conseguem repor). UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 3 Fig. 1.2 – Desperdício de água potável por falta de manutenção na rede distribuidora. Fig. 1.3 – Consumo médio per capta de água potável (SAMAE, 2014). Os estudos hidrológicos são utilizados para avaliar o efeito destas ações antrópicas sobre os recursos hídricos, realizar previsões sobre o que pode ocorrer no futuro e que medidas podem ser adotadas para evitar ou reduzir as consequências negativas para o bem estar e o futuro da humanidade. Os Estudos Hidrológicos tentam superar estes problemas através da previsão de eventos extremos e da avaliação de disponibilidade dos recursos hídricos. Como ainda não é possível prever com segurança e com antecedência os eventos hidrológicos, por serem aleatórios, a estatística, com base em registros passados, é uma ferramenta de suporte à hidrologia, que se baseia na observação dos processos envolvidos no meio físico natural. Por exemplo, para analisar a sazonalidade da ocorrência das precipitações, num determinado local, utilizam-se observações feitas no passado, pois os fenômenos que movimentam o ciclo hidrológico numa bacia hidrográfica são eventos cuja previsão a médio e longo prazo, o conhecimento atual ainda não dispõe de explicações determinísticas suficientes. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreirasoldati@engenharia.ufjf.br 4 1.2- Aplicações na Engenharia: Os Estudos Hidrológicos estão voltados para diferentes problemas que envolvem a utilização dos recursos hídricos, preservação do meio ambiente e ocupação da bacia hidrográfica. Basicamente, existem dois grupos de estudo aplicados à engenharia: a) Estimativa de disponibilidade e demandas: • planos diretores de bacias hidrográficas; • estudos de impacto ambiental - EIA; • projetos de abastecimento de água; • projetos de irrigação (agropecuária); • projetos de geração de energia (usinas hidroelétricas). b) Previsão de eventos extremos: • projetos de proteção contra enchentes (barragens, piscinões); • projetos de grandes obras: barragens, pontes, estradas; • projetos de drenagem. Fig. 1.4 – Dispositivo de transposição de talvegues (bueiro rodoviário de drenagem). UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 5 Fig. 1.5 – Barragem de concreto formando reservatório para aproveitamento hídrico. Fig. 1.6 – Irrigação com aspersores em pivô central. Fig. 1.7 – Hidrelétrica de Itaipu. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 6 Desta forma, pode-se resumir os principais objetos de interesse do engenheiro hidrólogo nos seguintes itens: a) Vazões máximas esperadas em galerias de drenagem ou bueiros; b) Capacidade requerida de reservatórios para garantir suprimento de água adequado para irrigação, abastecimento urbano ou industrial; c) Efeito de barragens sobre o controle de enchentes em bacias hidrográficas; d) Efeito do desenvolvimento urbano sobre o sistema de drenagem e o escoamento de enchentes; e) Delimitação de níveis prováveis de enchentes para garantir a proteção de áreas urbanizadas contra alagamentos, ou para realizar o zoneamento da bacia em relação ao risco de enchentes. A diversidade de interesses e a consequente diversidade de estudos tornam a Hidrologia Aplicada uma ciência complexa, impondo especialistas em diversas áreas. O papel do hidrólogo é coordenar as atividades destes profissionais e analisar os estudos elaborados, gerando um resultado que se aproprie aos objetivos do projeto em questão. 1.3- Histórico: Os primeiros estudos hidrológicos de que se tem registro tinham objetivos bastante práticos. Há 4000 anos, foi instalado no rio Nilo um “nilômetro” que eram poços de grande largura, providos de uma escada que descia até o nível d´água para permitir a mensuração das flutuações do nível da água do rio Nilo (escala para leitura do nível do rio), ao qual apenas sacerdotes tinham acesso. A taxa de imposto a ser cobrada durante o ano dependia do nível de água do rio Nilo (área fertilizada). Fig. 1.8 – Vista interna do poço de medição do nível da água do rio Nilo (nilômetro). UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 7 Fig. 1.9 – Margens do Rio Nilo, altamente produtivas, em contraste com as áreas desérticas ao seu redor. A primeira referência à medição de chuva data de cerca de 2000 anos na Índia. Neste caso o total precipitado no ano também servia como base para cálculo de impostos. É interessante observar que as primeiras medições hidrológicas foram realizadas para servir a propósitos sociais, políticos e econômicos, ao invés de serem usados como base para projetos de obras hidráulicas ou para o entendimento de fenômenos hidrológicos. Na história recente da hidrologia podem-se observar grandes avanços a partir de 1930, quando agências governamentais de países desenvolvidos começaram a elaborar seus próprios programas de pesquisas hidrológicas. Como exemplos citam-se Sherman (1932) com o hidrograma unitário; Horton (1933) com a teoria da infiltração; Gumbel (1941) que propôs a distribuição de valores extremos para análise de frequência de dados hidrológicos, entre outros. A introdução da informática na hidrologia nas décadas de 1960 e 1970 permitiu que problemas hidrológicos complexos fossem simulados como sistemas completos pela primeira vez. O primeiro modelo hidrológico completo foi desenvolvido pela Universidade de Stanford (1966). Este modelo pode simular os processos mais importantes do ciclo hidrológico como precipitação, evapotranspiração, infiltração, escoamento superficial, escoamento subterrâneo e escoamento em canais. No Brasil, os primeiros textos publicados em hidrologia são de Garcez (1961) e Souza Pinto (1973). Hoje existem inúmeros cursos de pós-graduação no país, que mantêm uma comunidade científica com interesse específico em hidrologia. Em 1977, foi fundada a Associação Brasileira de Recursos Hídricos (http://www.abrh.org.br), que tem publicado trabalhos científicos que são apresentados em simpósios, hoje internacionais, e também publica revistas técnicas e livros de hidrologia. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 8 1.4- O Ciclo Hidrológico: Os processos físicos que controlam a distribuição e o movimento da água no planeta são melhor compreendidos se descritos como no ciclo hidrológico. Uma representação esquemática do ciclo hidrológico no meio ambiente natural é mostrada na figura 1.10 a seguir. Fig. 1.10 - Ciclo Hidrológico no Meio Natural. O ciclo hidrológico pode ser dividido em etapas para melhor compreensão, são elas: precipitação; interceptação; infiltração; escoamento superficial; escoamento subterrâneo; transpiração e evaporação. • A Precipitação, escolhida como ponto inicial, é a etapa do ciclo hidrológico, cuja forma mais frequente é a chuva, que ocorre quando o vapor d’água presente na atmosfera se aglutina formando micro gotas, que se agrupam até possuírem tamanho e peso suficiente para precipitar sob a forma de chuva, neve ou granizo. A precipitação pode ocorrer diretamente sobre um corpo d’água, ou deslocar-se sobre o solo, a partir do ponto de impacto, até um curso d’água ou infiltrar-se no subsolo. • Na etapa seguinte, parte da precipitação sofre Interceptação antes de tocar o solo, ficando retida na vegetação até ser evaporada ou alcançar o solo, quando a precipitação exceder a capacidade de retenção da vegetação, ou pela ação dos ventos. • A água retida em depressões do solo tende a infiltrar. A Infiltração ocorre enquanto a intensidade da precipitação não exceder a capacidade de infiltração do solo, ou seja, enquanto a superfície do solo não estiver saturada. • A partir do momento em que foi excedida a capacidade de retenção da vegetação e do solo, e a superfície do solo já estiver saturada, passa a haver Escoamento Superficial. A água, impulsionada pela gravidade para cotas mais baixas, forma pequenos filetes queUNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 9 tendem a se unir e formar cursos d’água, que continuam fluindo até encontrar riachos que formarão rios, de porte cada vez maior, até atingir um oceano ou um lago. • O Escoamento Subterrâneo acontece quando a porção de precipitação infiltrada percola até os aquíferos subterrâneos (zona de saturação), escoando de forma bastante lenta. Quando o escoamento da água infiltrada ocorre na zona de aeração do solo (camada insaturada) é chamado de escoamento de base. Este escoamento mantém a vazão de base dos rios em períodos de estiagem. • Parte da água armazenada no solo será consumida pela vegetação voltando, em seguida, à atmosfera pelas folhas das plantas, em um processo chamado Transpiração. • O fenômeno de Evaporação se inicia antes mesmo da chuva tocar o solo, após a formação da precipitação. A evaporação ainda ocorre diretamente do solo desprovido de vegetação. Nos lagos, mares e oceanos, rios e outros corpos d’água a evaporação devolve a água à atmosfera, completando o ciclo hidrológico estando, outra vez disponível para ser precipitada. A quantificação estática, mostrada na tabela 1.1 a seguir, não deixa transparecer a importância relativa de cada reserva na dinâmica do ciclo da água no planeta. Tabela 1.1 – Reservas de água global. (Peixoto e Oort, 1990) Como exemplo, observa-se que a atmosfera armazena uma pequena quantidade de água disponível no planeta, mas dá origem a precipitação que é uma fase fundamental na dinâmica do ciclo hidrológico. Outro exemplo de desproporção entre a importância dinâmica e a quantidade de água armazenada é a que se observa nas camadas superiores do solo, normalmente não saturadas que possuem 0,08% de toda a água subterrânea, contudo são fundamentais no fenômeno da infiltração e alimentação dos lençóis subterrâneos. Por fim, a prova de que o ciclo hidrológico em um meio ambiente natural não é estático, é que a própria paisagem, está sempre em constante transformação. Por exemplo, precipitações muito intensas causam erosão da superfície do solo mudando gradativamente as condições da superfície do solo e até mesmo o escoamento de “ondas” de cheia em eventos de grande volume pode mudar a configuração do leito dos rios, deslocando bancos de areia e provocando erosão das margens. Outro exemplo acontece em períodos muito secos onde o perímetro de áreas desérticas pode crescer. Em resumo, mesmo em ambientes naturais, a precipitação e o escoamento superficial causam alterações significativas às bacias hidrográficas. Local Quantidade (m³) Oceanos 1350 x 10 15 Geleiras 25 x 10 15 Águas subterrâneas 8,4 x 10 15 Rios e lagos 0,2 x 10 15 Biosfera 0,0006 x 10 15 Atmosfera 0,013 x 10 15 UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 10 Com o crescimento da população mundial, as alterações ao meio ambiente se tornaram mais importantes, causando maiores mudanças às características do escoamento nas bacias hidrográficas. A derrubada da vegetação natural para o desenvolvimento da agricultura aumenta a superfície de solo exposto, com óbvia diminuição da proteção natural da vegetação. Esta perda de proteção diminui o potencial de infiltração do solo, aumenta o escoamento superficial e resulta em grandes perdas de solo. Fig. 1.11 – Avanço das áreas cultiváveis sobre a floresta nativa na Amazônia. Nos últimos dois séculos, o crescimento das cidades tem modificado drasticamente a paisagem nos arredores destes centros urbanos. A urbanização tem interferido significativamente nos processos envolvidos no ciclo hidrológico. Superfícies impermeáveis, tais como telhados e ruas pavimentadas, reduzem o potencial de infiltração e consequentemente a recarga dos aquíferos subterrâneos, aumentando ainda o volume do escoamento superficial. Estas superfícies ainda apresentam uma rugosidade menor, aumentando a velocidade do escoamento superficial e a erosão. Estas alterações do ciclo hidrológico têm agravado as enchentes e aumentado a sua frequência, trazendo transtornos e prejuízos às populações urbanas. Fig. 1.12 – Avanço das áreas urbanas sobre a vegetação nativa em áreas não edificantes do município. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 11 Fig. 1.13 – Avanço das áreas urbanas sobre a vegetação nativa com a construção de um novo loteamento nos arredores da cidade. CAPÍTULO 2 2 – BACIA HIDROGRÁFICA 2.1 – Introdução: A bacia hidrográfica pode ser entendida como uma área onde a precipitação é coletada e conduzida para seu sistema de drenagem natural isto é, uma área composta de um sistema de drenagem onde o movimento de água superficial inclui todos os usos da água e do solo existentes na localidade (Magalhães, 1989). Pode ser considerada como um sistema físico onde a entrada é o volume de água precipitado e a saída é o volume de água escoado pelo exutório (saída), considerando-se como perdas intermediárias os volumes evaporados, transpirados e os infiltrados profundamente. As bacias hidrográficas diferem-se por suas características fisiográficas, seu clima, tipo de solo, geologia, geomorfologia, cobertura vegetal, tipo de ocupação, regime pluviométrico/fluviométrico e sua disponibilidade hídrica. 2.2 - Delimitação da bacia. A delimitação de cada bacia hidrográfica é feita numa carta topográfica, onde os limites da área que compreende a bacia são definidos altimetricamente como os pontos que limitam as vertentes e que convergem para uma mesma bacia ou exutório, sempre seguindo as linhas das cristas das elevações circundantes da seção do curso d’água em estudo. Dessa forma, cada bacia é, sob o ponto de vista topográfico, separada das restantes bacias vizinhas pelas linhas de cumeada, ou linhas divisoras de águas, que as individualizam. Esta delimitação que atende apenas a fatores de ordem topográfica é que divide as UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 12 precipitações que caem e, que, por escoamento superficial, seguindo as linhas de maior declive, contribuem para a vazão que passa na seção em estudo (Fig. 2.1). Fig. 2.1 - Área de contribuição de uma bacia. Ponto “A” é o exutório (seção em estudo). No entanto, as águas que atingem a seção do curso d’água em estudo poderão provir não só do escoamento superficial como também do escoamento subterrâneo, que poderá ter origem em bacias vizinhas. Concluiu-se que, além da delimitação topográfica, deve-se observar a delimitação da bacia sob o ponto de vista geológico e em formações características ou de geologia especial (regiões calcárias por exemplo). Raramente as duas delimitações coincidem (Fig. 2.2).Fig. 2.2 - Linhas divisórias freática e topográfica A Linha divisória freática Linha divisória topográfica Extratos impermeáveis Extrato permeável Linha freática UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 13 Inversamente, parte do escoamento superficial poderá concentrar-se em lagos ou lençóis subterrâneos que não tem comunicação com o curso de água em estudo, não contribuindo para a sua vazão. Fig. 2.3 – Superfície topográfica com depressões retentoras de escoamento superficial. 2.3 - Características Fisiográficas. As características fisiográficas de uma bacia são obtidas de dados que podem ser extraídos de mapas (impressos ou digitais), fotografias aéreas e imagens de satélite. Em resumo, são características fisiográficas de uma bacia hidrográfica: • Áreas, • Comprimentos, • Declividades, • Outros índices que relacionam os dados anteriores. 2.3.1 - Forma da Bacia. A forma da bacia não é, normalmente, usada de forma direta em hidrologia. No entanto, parâmetros que refletem a forma da bacia são usados ocasionalmente e têm base conceitual. As bacias hidrográficas têm uma variedade infinita de formas, que supostamente refletem o comportamento hidrológico da bacia. Em uma bacia circular, toda a água escoada tende a alcançar a saída da bacia ao mesmo tempo (Fig. 2.4). Fig. 2.4 - Bacia Arredondada e as características do escoamento nela originado por uma precipitação uniforme. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 14 Uma bacia elíptica, com a saída da bacia na extremidade do maior eixo e, sendo a área igual à da bacia circular, o escoamento será mais distribuído no tempo, produzindo, portanto, uma enchente menor (Fig. 2.5). Fig. 2.5 - Bacia elíptica e as características do escoamento nela originado por uma precipitação uniforme. As bacias do tipo radial ou ramificada são formadas por conjuntos de sub-bacias alongadas que convergem para um mesmo curso principal. Neste caso, uma chuva uniforme em toda a bacia, origina cheias nas sub-bacias, que vão se somar, mas não simultaneamente, no curso principal. Portanto, a cheia crescerá, estacionará, ou diminuirá a medida em que forem se fazendo sentir as contribuições das diferentes sub-bacias (Fig. 2.6). Fig. 2.6 - Bacia ramificada e as características do escoamento nela originado por uma precipitação uniforme. 2.3.1.1 - Parâmetros de forma da bacia. a) Fator de Forma (Kf): é a relação entre a largura média e o comprimento axial da bacia. Mede-se o comprimento da bacia (L) quando se segue o curso d’água mais longo, desde a desembocadura até a cabeceira mais distante da bacia. A largura média (Lmédia) é obtida quando se divide a área (A) pelo comprimento da bacia. Kf = Lmédia / L (2.1) Onde: Lmédia = A/L (2.2) Logo: Kf = A / L2 (2.3) UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 15 O fator de forma é um índice indicativo da tendência para enchentes de uma bacia. Uma bacia com um fator de forma baixo é menos sujeita a enchentes que outra de mesmo tamanho, porém com maior fator de forma. Isso se deve ao fato de que numa bacia estreita e longa, com fator de forma baixo, há menos possibilidade de ocorrência de chuvas intensas cobrindo simultaneamente toda sua extensão, e também nessa bacia, a contribuição dos tributários atinge o curso d’água principal em vários pontos ao longo do mesmo, afastando-se portanto, da condição ideal da bacia circular na qual a concentração de todo o deflúvio da bacia se dá num só ponto. b) Coeficiente de Compacidade (Kc): também chamado de índice de Gravelius, é a relação entre o perímetro da bacia (P) e o perímetro de um círculo de área igual à da bacia. A = pi . R2 (2.4) R = (A / pi )1/2 (2.5) Kc = P / 2piR (2.6) Substituindo (2.5) em (2.6), tem-se: Kc = 0,28 P / A1/2 (2.7) Onde “P” e “A” são respectivamente perímetro em km e área da bacia em km2. Este coeficiente é um número adimensional que varia com a forma da bacia, independentemente do seu tamanho. Quanto mais irregular for a bacia, tanto maior será o coeficiente de compacidade. Um coeficiente mínimo igual à unidade (1) corresponderia a uma bacia circular. Se os outros fatores forem iguais, a tendência para maiores enchentes é tanto mais acentuada quanto mais próximo da unidade for o valor desse coeficiente. 2.3.2 – Relevo Diversos parâmetros foram desenvolvidos para refletir as variações do relevo em uma bacia. Os mais comuns são: a) Declividade da bacia: podem ser determinadas declividades referentes aos cursos d´água da rede de drenagem e às vertentes. Para os cursos d´água desenha-se o perfil longitudinal para se detectar os trechos com declividades diferentes. No caso de se atribuir um único valor de declividade a todo o curso d´água, deve-se desprezar os trechos extremos se esses apresentarem valores discrepantes (altas declividades na região de nascente e baixa na saída do curso d´água). A velocidade de escoamento de um rio depende da declividade dos canais fluviais. Assim, quanto maior a declividade, maior será a velocidade de escoamento e bem mais pronunciados e estreitos serão os gráficos vazão x tempo das enchentes. Obtém-se a declividade de um curso d’água, entre dois pontos, dividindo-se a diferença total de elevação do leito pela extensão horizontal do curso d’água entre esses dois pontos. A declividade do canal pode ser descrita como: UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 16 I = ∆H / L (2.9) Onde: “I” é a declividade do canal (m/m), “∆∆∆∆H” é a diferença de cota (m) entre os pontos que definem o início e o fim do canal “L” é o comprimento do canal entre estes mesmos pontos. Para se trabalhar com dados de todo o perfil do curso d´água pode-se usar o conceito de declividade equivalente constante, que é aquela declividade cujo tempo do escoamento da água, para o mesmo comprimento do curso d´água em planta, seria igual ao do perfil acidentado (váriasdeclividades). Considerando-se que o tempo de percurso varia, em toda a extensão do curso d’água, com o inverso da raiz quadrada da declividade, dividindo-se o perfil do rio em um grande número de trechos retilíneos, tem-se que a raiz quadrada da declividade equivalente constante é a média ponderada da raiz quadrada das declividades dos diversos trechos retilíneos, tomando-se como peso a extensão de cada trecho. Logo: Ie = [L / Σ(Li/Di1/2)]2 (2.10) Onde: L = comprimento total do curso d´água em planta Li = comprimento de cada sub-trecho “i” Di = declividade de cada sub-trecho “i” b) Elevação média da bacia: a variação da altitude e a elevação média de uma bacia são, também, importantes pela influência que exercem sobre a precipitação, sobre as perdas de água por evaporação e transpiração e, consequentemente, sobre o deflúvio médio. Grandes variações da altitude numa bacia acarretam diferenças significativas na temperatura média a qual, por sua vez, causa variações na evapotranspiração. Mais significativas, porém, são as possíveis variações de precipitação anual com a elevação. A elevação média é determinada por meio da equação: E = (Σ e.a)/A (2.11) Onde: E = elevação média e = elevação média entre duas curvas de nível consecutivas a = área entre as curvas de nível A = área total 2.3.3 - Padrões de drenagem A velocidade do escoamento da água dentro de um canal é usualmente maior que a velocidade de escoamento da água na superfície em geral. Portanto, o tempo de deslocamento da água em uma bacia na qual o comprimento de escoamento superficial é pequeno em relação ao comprimento de canais do sistema seria menor do que em uma bacia com trechos longos de UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 17 escoamento superficial (fora dos canais). Fig. 2.7 – Sistema de drenagem natural (canais) de uma bacia hidrográfica. O tempo de deslocamento do escoamento em uma bacia é um dado de extrema importância para diversos estudos hidrológicos. O padrão de drenagem é um indicador das características do escoamento advindo de uma precipitação. Alguns parâmetros foram desenvolvidos para representar os padrões de drenagem, como: •••• Ordem dos Cursos D’Água: É uma medida da ramificação do sistema de canais dentro de uma bacia. Como critérios de ordenamento dos canais da rede de drenagem de uma bacia hidrográfica destacam-se os de Horton (1945) e Strahler (1957). 1. No caso de Horton os canais de primeira ordem são aqueles que não possuem tributários (afluentes). Os canais de segunda ordem possuem apenas tributários de primeira ordem. Os canais de terceira ordem recebem afluentes de segunda ordem, podendo receber também de primeira ordem. Assim, um canal de ordem “n” pode receber tributários de ordem “n – 1” até 1. A ordem do canal principal, sendo atribuída a toda a sua extensão, é a mesma do canal de maior ordenação. 2. Já segundo Strahler um curso d’água de primeira ordem é um tributário sem ramificações. Um curso d’água de 2a ordem é um tributário formado por dois ou mais cursos d’água de 1a ordem. Um de 3ª ordem é formado por dois ou mais cursos de 2ª ordem. Genericamente, um curso d’água de ordem “n” é um tributário formado por dois ou mais cursos d’água de ordem “n – 1” e outros de ordens inferiores. Nesse caso a ordem final é definida como a ordem do respectivo canal principal, não se aplicando a toda a extensão do mesmo, mas sim a ordem do sistema de drenagem da bacia hidrográfica. A Figura 2.8 mostra a ordenação dos cursos d’água de uma bacia hipotética pelo método de Horton e Strahler. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 18 Fig. 2.8 - Ordem dos cursos d'água segundo Horton. •••• Densidade de Drenagem (D): é a razão entre o comprimento total dos cursos d’água em uma bacia e a área desta bacia hidrográfica. Um valor alto para “D” indicaria uma densidade de drenagem relativamente alta e uma resposta rápida da bacia, em termos de escoamento superficial, a uma precipitação ocorrida na mesma. D = LT / A (2.12) Onde: LT = extensão total dos cursos d’água (somando-se o curso principal e todos os afluentes) A = área total da bacia hidrográfica. Segundo Swami (1975), índices em torno de D = 0,5 km/km2 indicariam uma bacia de drenagem pobre e índices maiores que D = 3,5 km/km2 indicariam bacias excepcionalmente bem drenadas. 2.4 - Características Geológicas O estudo geológico dos solos e subsolos tem por objetivo principal a sua classificação segundo a maior ou menor permeabilidade, dada a influência que tal característica tem na rapidez de crescimento das cheias. A existência de terrenos quase, ou totalmente, impermeáveis, impede a infiltração facilitando o escoamento superficial e originando cheias de crescimento repentino. Já os permeáveis ocasionam o retardamento do escoamento devido à infiltração, amortecendo as cheias. De acordo com a figura 2.9 uma bacia impermeável ao receber uma certa precipitação, dá origem a um escoamento superficial com elevada ponta, e caso a mesma bacia tivesse uma maior permeabilidade daria origem a um escoamento superficial de forma achatada e cuja ponta máxima é bastante retardada em relação ao início da precipitação. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 19 Figura 2.9- Características da vazão de um rio de acordo com a permeabilidade do solo de sua bacia. 2.5 - Transporte de Sedimentos A existência de maior ou menor transporte de sedimentos depende da natureza geológica/pedológica dos terrenos. O seu conhecimento é fundamental, visto que a erosão e sedimentação das partículas alteram a topografia do leito do rio, podendo essa transformação chegar ao ponto de aniquilar a obra projetada pela diminuição do potencial hídrico do curso de água e assoreamento da barragem, por vezes apenas recuperável, mediante o dispêndio de somas extremamente altas. Figura 2.10 – Erosão do solo causando assoreamento do curso d’água próximo. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 20 Figura 2.11 – Caminho da erosão até a sedimentação nos cursos d´água. Figura 2.12 – Barragens com seus reservatórios completamente assoreados. 2.6 - Características Térmicas O estudo hidrológico de uma bacia deverá comportar a análise das suas características térmicas, análise esta, em que deverá intervirobservações de trocas de calor entre solo e atmosfera, superfície da água e atmosfera, etc. A localização geográfica da bacia hidrográfica é determinante das suas características térmicas. Assim, a variação da temperatura faz-se sentir com: � Latitude: a amplitude térmica anual está também relacionada com a latitude (é máxima nos pólos e mínima no equador); � Proximidade do mar: as maiores amplitudes térmicas verificam-se nas zonas continentais, áridas, enquanto que em regiões submetidas à influência marítima apresentam uma certa uniformidade térmica; � Altitude: a temperatura diminui com a altitude. De uma forma geral, podemos dizer que as regiões mais elevadas apresentam temperaturas mais baixas; � Vegetação: por ação da menor fração de energia solar que atinge o solo e do calor absorvido pela evapotranspiração das plantas, a temperatura média anual de uma região arborizada pode ser inferior em 10°C ou 20°C à uma região desarborizada; � Clima: a temperatura começa a elevar-se ao nascer do sol e atinge o máximo 1 a 3 horas depois do sol ter atingido a altitude máxima. A variação da temperatura faz-se sentir também durante o ano segundo as estações, sendo maior ou menor conforme a localização geográfica como já referido. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 21 2.7 - Ocupação e Uso do Solo Quando ocorre uma chuva rápida, as pessoas frequentemente procuram abrigo sob alguma árvore que esteja próxima. Admite-se que a árvore será uma proteção temporária, já que ela intercepta a chuva na fase inicial do evento. Pode-se concluir que uma bacia coberta por uma floresta produziria menos escoamento superficial do que uma bacia sem árvores. As coberturas vegetais, em particular as florestas e as culturas agrícolas, vêm juntar a sua influência à de natureza geológica dos terrenos, condicionando uma maior ou menor rapidez do escoamento superficial. Além da influência que exerce na velocidade dos escoamentos e na taxa de infiltração, a cobertura vegetal desempenha papel importante e eficaz na luta contra a erosão dos solos. O escoamento em telhados é outro exemplo do efeito do tipo de cobertura da bacia sobre o escoamento. Durante uma precipitação, o escoamento em calhas de telhados começa logo depois de iniciada a chuva. Telhados são superfícies impermeáveis, inclinados e planos, portanto, com pouca resistência ao escoamento. O escoamento em uma vertente gramada com as mesmas dimensões do telhado terá início bem depois do escoamento similar no telhado. A vertente gramada libera água em taxas e volumes menores porque parte da água será infiltrada no solo e devido a maior rugosidade da superfície gramada, o escoamento será mais lento, conclui-se então que o escoamento em superfícies impermeáveis resulta em maiores volumes e tempos de deslocamento menores do que o escoamento em superfícies permeáveis com as mesmas dimensões e declividades. Figura 2.13 – Figura “A” maior infiltração e menor escoamento superficial e figura “B”, para uma mesma precipitação, menor infiltração e maior escoamento superficial, resultado: maiores enchentes e diminuição da recarga dos aquíferos. Estes exemplos conceituais servem para ilustrar como o tipo de ocupação do solo afeta as características do escoamento em uma bacia. Quando as outras características da bacia são mantidas constantes as características do escoamento tais como volume, tempo e taxas de vazões máximas podem ser bastante alteradas. Portanto, o tipo de ocupação da bacia e o uso do solo devem ser definidos para as análises e projetos em hidrologia. Muitas questões problemáticas em projetos hidrológicos resultam da expansão urbana. A percentagem do solo impermeabilizado é comumente usada como indicador do grau de desenvolvimento urbano. Áreas residenciais com alta densidade de ocupação têm taxas de impermeabilização variando entre 40% e 70%. Áreas comerciais e industriais são caracterizadas por taxas de impermeabilização de 70 a 90%. A impermeabilização de bacias urbanas não está UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 22 restrita à superfície: os canais de drenagem são normalmente revestidos com concreto, de modo a aumentar a capacidade de escoamento da seção transversal do canal e remover rapidamente as águas pluviais. O revestimento de canais é muito criticado, já que este tipo de obra transfere os problemas de enchentes de áreas à montante do canal para áreas à jusante. CAPÍTULO 3 3 - PRECIPITAÇÃO 3.1 - Introdução Entende-se por precipitação o conjunto de águas proveniente do vapor de água da atmosfera depositada na superfície terrestre de forma líquida ou sólida, como chuva, granizo, orvalho, neblina, neve ou geada. Este capitulo trata, principalmente, da precipitação em forma de chuva por ser mais facilmente medida, por ser bastante incomum a ocorrência de neve entre nós e porque as outras formas pouco contribuem para a vazão dos rios. Pode-se dizer que a água que escoa nos rios ou que está armazenada na superfície terrestre é considerada como um resíduo das precipitações previamente ocorridas. A disponibilidade de precipitação (quantidade de chuva) numa bacia durante o ano é fator determinante para quantificar, entre outros, a necessidade de irrigação de lavouras, o abastecimento de água doméstico e industrial, bem com o racionamento de energia proveniente de hidrelétricas. Já a intensidade de precipitação é importante em estudos de controle de inundações e erosão do solo. 3.2 - Formação e Características das Precipitações A atmosfera pode ser considerada como um vasto reservatório e um sistema de transporte e distribuição do vapor de água. Todas as transformações aí realizadas o são às custas do calor recebido do Sol. A origem das precipitações está ligada ao crescimento das gotículas das nuvens, que ocorre sob certas condições atmosféricas reunidas. Para essas gotas precipitarem é necessário que as mesmas tenham um volume, tal que seu peso seja superior às forças que as mantem em suspensão, adquirindo uma velocidade de queda superior às componentes verticais ascendentes da atmosfera. A formação das precipitações está ligada diretamente à ascensão de massas de ar que contem umidade. Essa ascensão do ar provoca um resfriamento do mesmo que pode fazê-lo atingir o seu ponto de saturação, ao que se seguirá a condensação do vapor de água em forma de minúsculas gotas que são mantidas em suspensão, como nuvens ou nevoeiros. Os tipos de precipitação são dados a seguir, de acordo com o fator responsável pela ascensão das massas de ar. • Chuvas Frontais: Aquelas que ocorrem na interação de massas de ar quentes e frias (ação frontal de massa). Nas regiões de convergencia dessas massas de ar diferentes, o ar mais UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 23 quente e úmido é impulsionado para cima, resultando no seu resfriamento de forma a produzir chuva. São chuvas com grande duração, atingindograndes áreas com intensidade média. Podem produzir cheias em grandes bacias e vem acompanhadas de ventos fortes com circulação ciclônica. Fig. 3.1- Chuvas frontais ou ciclônicas. •••• Chuvas Orográficas: Aquelas que ocorrem quando o ar, geralmente vindo do oceano para o continente, encontra uma barreira montanhosa e é forçado a transpo-la. Nessa ascenção a massa de ar úmida se resfria dando origem as nuvens e consequentemente a precipitação. São chuvas de grande duração que ocupam pequenas áreas e tem baixa intensidade. Figs. 3.2- Chuvas de origem orográficas. •••• Chuvas Convectivas: Aquelas que são provocadas pela brusca ascensão de ar devido a diferenças de temperatura entre camadas vizinhas da atmosfera (fig. 3.3). São características de regiões equatoriais, com movimentação de ar essencialmente vertical, podendo ocorrer em regiões temperadas no verão. São conhecidas como tempestades UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 24 violentas (alta intensidade pluviométrica), têm curta duração, atingem pequenas áreas e são independentes das “frentes”. Além disso, são também caracterizadas por fenômenos elétricos, rajadas de vento e forte precipitação. Figs. 3.3- Chuvas de origem convectivas. No ponto de vista da engenharia, os dois primeiros tipos interessam ao projeto de grandes trabalhos de obras hidroelétricas, controle de cheias e navegação, enquanto que o último tipo interessa às obras em pequenas bacias, como o cálculo de bueiros, galerias de águas pluviais, etc. Para se conhecer com mais pormenores o mecanismo de formação das precipitações e as razões de suas variações, seria necessário explanar melhor os fundamentos geofisicos da Hidrologia, estudando a atmosfera, a radiação solar, os campos de temperatura, de pressão e dos ventos e a evolução da situação meteorológica. 3.3- Medidas das Precipitações Exprime-se a quantidade de chuva precipitada em uma região pela altura de água caída e acumulada sobre uma superfície plana e impermeável. Ela é avaliada por meio de medidas executadas em pontos previamente escolhidos, utilizando- se aparelhos chamados pluviômetros (simples receptáculos da água precipitada) ou pluviógrafos (registram alturas de água precipitada no decorrer do tempo). Tanto um como outro colhem uma pequena amostra de chuva, pois têm uma superfície horizontal de exposição de 500 cm2 e 200 cm2, respectivamente, onde os mesmos são instalados a aproximadamente 1,50 m acima do solo. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 25 Figs. 3.4 - Pluviômetro. Fig. 3.5- Pluviômetro instalado e detalhes. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 26 Fig. 3.6- Pluviógrafo instalado em abrigo e detalhe do aparelho. As leituras feitas pelo observador do pluviômetro em provetas graduadas, são anotadas em cadernetas próprias que são enviadas à agência responsável pela rede pluviométrica mensalmente. Elas se referem quase sempre ao total precipitado das 7 horas da manhã do dia anterior até às 7 horas do dia em que se fez a leitura. Atualmente já se dispõe das PCD´s (plataformas semiautomáticas de coleta de dados pluviométricos), onde os pluviômetros são equipados com coletores digitais de dados (datalogger) que armazenam dados diários, que posteriormente podem ser passados para um compudador. Fig. 3.7- Pluviômetro com datalogger da PCD. Os pluviogramas obtidos nos pluviógrafos fornecem o total de precipitação acumulado no decorrer do tempo e apresentam grandes vantagens sobre os medidores sem registro, sendo indispensáveis para o estudo de chuvas de curta duração. Esses pluviogramas são traçados sobre um papel convenientemente graduado, onde é possível determinar, para qualquer lapso de tempo e a partir de qualquer origem, as alturas de precipitação local, em geral expressas em milímetros de chuva (como já referido). UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 27 Fig. 3.8- Exemplo de pluviograma gerado pelo pluviógrafo. No Brasil existem diversas agências mantenedoras de redes pluviométricas, entre as quais se pode citar o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a Agência Nacional das Águas (ANA), Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica (REDEMET), o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC – INPE) entre outros. Na esfera estadual, existem ainda os Departamentos de Águas e Energia Elétrica e algumas empresas de economia mista ou privada, como o SIMGE (Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos de Minas Gerais), o IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) e o LabCAA (Laboratório de Climatologia e Análise Ambiental – UFJF), entre outros. 3.4- Variações da Precipitação As quantidades observadas num pluviógrafo no decorrer de uma chuva mostram que os acréscimos não são constantes ao longo do tempo. Além disso, observa-se que os acréscimos simultâneos em dois ou mais pluviógrafos, mesmo colocados a uma pequena distância entre si, são diferentes. Essa variação no espaço ocorre também para a altura total de precipitação observada durante todo fenômeno pluvial ou durante tempos maiores, como um mês ou um ano. O total precipitado num determinado ano varia de um lugar para outro e, quando se considera um mesmo local, a precipitação total de um ano é quase sempre diferente da de outro ano. Para cada ano é possível traçar, sobre um mapa da área em consideração, linhas chamadas isoietas do total de precipitação desse ano, onde entende-se por isoietas as linhas que unem pontos de mesma precipitação. Quando se conhecem os totais anuais precipitados em diversos locais numa série de anos, pode-se calcular para cada um desses locais o total anual médio de precipitação no período considerado, sendo possível elaborar o mapa das isoietas correspondentes a essas médias (fig. 3.9). A comparação das isoietas dos totais anuais de qualquer ano com as isoietas das médias anuais em todo o período revela que o padrão de precipitações anuais é extremamente variável em torno daquela média, mas que as isoietas das médias anuais representam bem o comportamento dos totais anuais em toda a área. A Fig. 3.9 é um mapa de parte da região Centro-Oeste do Brasil que mostra os valores da UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 28 precipitação média anual em qualquer pontoe fornece uma idéia do comportamento médio referido anteriormente. Fig. 3.9- Isoietas anuais (mm). Observa-se uma zona de alta pluviosidade mais ao norte e outra zona de menor precipitação média anual ao sul do mapa, onde o intervalo de variação está compreendido entre 1250mm e 2750mm nas regiões anteriormente citadas. Outra caracterísca interessante é se considerarmos as quantidades anuais medidas em sua sucessão cronológica, nota-se que esses valores não são cíclicos e ocorrem, ao que parece, segundo a lei do acaso. A média móvel ponderada de 3 anos tem variações menos bruscas e dá uma idéia melhor do andamento dos valores. Ajustando-se os dados a uma reta, obtém-se a tendência secular dos mesmos (fig 3.10). Para analisar os períodos compreendidos dentro do período total e avaliar melhor a variação da precipitação anual no decorrer dos anos, é interessante utilizar a curva de flutuação anual, que é, simplesmente, uma curva de diferenças totalizadas em relação à média. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 29 Fig. 3.10: Curva de precipitação anual acumulada. 3.5- Processamento de Dados Pluviométricos O objetivo de um posto de medição de chuvas é obter uma série ininterrupta de precipitações ao longo dos anos. Contudo, podem ocorrer períodos sem informações ou falhas nas observações, devido a problemas com os aparelhos de registro e/ou com o operador do posto. Dessa forma, antes do processamento dos dados observados nos postos pluviométricos há necessidade de se executarem certas análises que visam verificar os valores a serem utilizados. Entre elas podemos citar as seguintes: 3.5.1- Detecção de Erros Grosseiros Primeiramente procura-se detectar os erros grosseiros que possam ter acontecido, como observações marcadas em dias que não existem (Ex.: medição datada de 30 de fevereiro) ou quantidades absurdas que, sabidamente, não poderiam ter ocorrido. Muitas vezes, ocorrem erros de transcrição como, por exemplo, uma leitura de 0,36 mm, que não pode ser feita, tendo-se em vista que a proveta só possui graduação de 0,1 mm. As causas mais comuns de erros grosseiros são: •••• Preenchimento errado na caderneta de campo •••• Soma errada do número de provetas graduadas (chuvas intensas) •••• Valor estimado do operador (não foi ao local efetuar a medida) •••• Crescimento de vegetação ou obstrução qualquer próxima do aparelho •••• Aparelho danificado No caso de pluviógrafos, acumula-se, a quantidade precipitada em 24 horas que é em seguida comparada com a do pluviômetro que deve sempre existir ao lado destes. Pode haver diferenças por várias razões, inclusive por defeito de sifonagem ou por causa de insetos que eventualmente obstruam os condutos internos do aparelho. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 30 Fig. 3.11: Pluviômetro de leitura digital em manutenção (limpeza e calibração). 3.5.2- Preenchimento de Falhas Podem haver dias sem observação ou mesmo intervalos de tempo maiores, por impedimento do encarregado de fazê-la, ou por estar o aparelho com defeito. Nesse caso, a série de dados de que se dispõe numa estação “X”, dos quais se conhece a média MX em um determinado número de anos, apresenta lacunas, que devem ser preenchidas. Esse é um método simplificado utilizado para o preenchimento de séries mensais ou anuais de precipitações visando sua análise estatística. Em geral adota-se o procedimento dado a seguir: 1) Supõe-se que a precipitação no posto “X” (Px) seja proporcional às precipitações de 3 estações vizinhas (postos “A”, “B” e “C”) para o mesmo período, que serão representadas por Pa, Pb e Pc. 2) Supõe-se que o coeficiente de proporcionalidade seja a relação entre a média Mx e as médias Ma, Mb e Mc, no mesmo intervalo de meses/anos; isto é, que as precipitações sejam diretamente proporcionais a suas médias. 3) Adota-se como valor Px a média entre os três valores calculados a partir de “A”, “B” e “C”, onde: Px = [(MX/Ma)Pa + (MX/Mb)Pb + (MX/Mc)Pc]/3 (3.1) Os postos vizinhos escolhidos devem estar em uma região climatológica semelhante à do posto em estudo (a ser preenchido). O método apresenta algumas limitações e não é aplicado a valores diários de chuva, apresentando para tal resultados muito ruins, pois valores diários sofrem grande variação espacial e temporal de precipitações de frequencias médias e pequenas. 3.5.3- Verificação da Homogeneidade dos Dados Após o preenchimento da série de dados é necessário analisar a sua consistência em uma visão regional, comparando-as com o comportamento de postos vizinhos. Utiliza-se para a verificação da homogeneidade dos dados a curva de dupla massa (Geological Survey – USA), que é válida para séries mensais ou anuais. Esta é obtida como segue. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 31 1) Escolhem-se vários postos de uma região homogênea sob o ponto de vista meteorológico. 2) Acumulam-se os totais mensais ou anuais de cada posto. 3) Plotam-se os valores acumulados dos postos na abcissa e os valores acumulados do posto a verificar na ordenada. Se os valores do posto a confirmar são proporcionais aos observados na base de comparação (postos vizinhos) os pontos devem se alinhar, aproximadamente, segundo uma reta (fig. 3.12). A declividade da reta determina o fator de proporcionalidade entre ambas as séries. Fig. 3.12: Curva de dupla massa para um posto “B” com valores proporcionais (sem inconsistências). Uma mudança brusca de direção dessa reta (fig. 3.13) indica qualquer anormalidade ocorrida com o posto, tal como erros sistemáticos de leitura, mudança de local ou das condições de exposição do aparelho às precipitações e até mesmo a existência de uma causa física real nas condições climáticas locais (presença de reservatórios artificiais). Fig. 3.13: Curva de dupla massa para um posto “B” com mudança de declividade (tendência). UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 32 Nesse caso, as observações podem ser corrigidas para as condições atuais, da seguinte maneira: Pa = (Ma/Mo)Po (3.2) Onde: Pa = são as observações ajustadas à condição atual de localização ou de exposição do posto; Po = dados observados a serem corrigidos; Ma = coeficiente angular da reta no período mais recente; Mo = coeficiente angular da reta no período em que se fizeram observações Po. Pode-se corrigir os valores mais antigos para a situação atual ou corrigiros mais recentes para a condição dos valores mais antigos. A escolha da alternativa de correção depende das causas que provocaram a mudança de declividade. Por exemplo, se foram detectados erros no período mais recente, a correção deverá ser realizada no sentido de preservar a tendência anterior a mudança de direção do gráfico. A figura 3.14 apresenta uma curva de dupla massa com alinhamento dos pontos em retas paralelas, que denota a presença de erros de transcrição de um ou mais dados ou a existencia de eventos extremos em uma das séries plotadas. Fig. 3.14: Curva de dupla massa para um posto “B” com erro de transcrição de dados. Quando a curva de dupla massa se apresenta com uma distribuição aleatória dos pontos plotados (fig. 3.15), geralmente é resultado da comparação de postos com diferentes regimes pluviométricos. Dessa forma, quando isso ocorrer, é incorreta toda associação que se deseje fazer entre os dados dos pontos plotados. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 33 Fig. 3.15: Curva de dupla massa para um posto “B” com distribuição errática dos pontos. 3.6- Freqüência de Totais Precipitados O conhecimento das características das precipitações apresenta grande interesse de ordem técnica por sua freqüente aplicação nos projetos hidráulicos. Em Engenharia, nem sempre interessa construir uma obra que seja adequada para escoar qualquer vazão possível de ocorrer. No caso normal, pode-se correr o “risco”, assumido após considerações de ordem econômica, de que a estrutura venha a “falhar” durante a sua vida útil, sendo necessário, então, conhecê-lo. Esse “risco” assumido leva em consideração aspectos de importância e segurança da obra como: • Interrupção do tráfego • Prejuízos econômicos • Danos às obras de drenagem • Estimativa de custos de restauração, na hipótese de destruição • Periculosidade de subestimação das vazões (danos às populações ribeirinhas e às propriedades) Para isso analisam-se estatisticamente as observações realizadas nos postos hidrométricos, verificando-se com que freqüência elas assumiram dada magnitude. Em seguida, podem-se avaliar as probabilidades teóricas de ocorrência das mesmas. Os dados observados podem ser considerados em sua totalidade, o que constitui uma série total, ou apenas os superiores a certo limite (série parcial), ou, ainda, só o máximo de cada ano (série anual). Eles são ordenados em ordem decrescente e a cada um é atribuído o seu número de ordem “m” (m variando de 1 a n). A freqüência com que foi igualado ou superado um evento de ordem “m” é: F = m/n (3.3) Sendo “n” = número de anos de observação. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 34 3.6.1- Tempo de Recorrêcia Considerando a freqüência como uma boa estimativa da probabilidade teórica (P) e definindo o tempo de recorrência (período de recorrência ou de retorno) como sendo o intervalo médio (em anos) em que poderá ocorrer ou ser superado um dado evento pluviométrico, tem-se a seguinte relação: TR = 1/F = n/m (3.4) - o tempo de recorrência é o inverso da frequencia. 3.6.2- Análise do Risco Dentro deste estudo, uma outra possibilidade a considerar é a de que um certo fenômeno se repita ou não com certa intensidade pelo menos uma vez, porém dentro de “n” anos. Esse tipo de estudo é particularmente importante quando se analisam eventos (chuvas máximas, enchentes, etc.) para dimensionamento de estruturas hidráulicas de proteção. Neste caso, o valor de TR (tempo de recorrência) corresponde a um valor extremo da série anual. Nesses projetos são também considerados fatores econômicos e a ociosidade da estrutura se a mesma for superdimensionada. Por isso, um critério para a escolha de TR é baseado no chamado risco permissível ou o risco que se quer correr para o caso de ruptura ou falha da estrutura. A probabilidade “P” de que uma precipitação extrema, de certa intensidade, seja igualada ou superada uma vez dentro de um ano é: P = 1/ TR (3.5) A probabilidade da mesma não ser superada, dentro de um ano, é: P’ = 1 – P = 1 – (1/ TR) (3.6) A probabilidade de não ocorrer um valor igual ou maior (ou de não ser superada) dentro de “n” anos de observação é: J = P’n = (1 – P)n (3.7) Por fim, a probabilidade desse evento ser superado pelo menos uma vez dentro de “n” anos é: J = 1 – P’n = 1 – (1 – P)n (3.8) O valor de “J” é denominado de índice de risco, sendo o mesmo a probabilidade de ocorrência de um valor (evento) extremo durante “n” anos de vida útil da estrutura. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 35 3.7- Variação da intensidade com a duração Quando se estudam precipitações intensas, costuma-se colher os dados observados em pluviógrafos sob a forma de pluviogramas estabelecendo, para diversas durações, as máximas intensidades ocorridas durante uma dada chuva. Colocadas em um gráfico, essas intensidades e suas durações, observa-se que quanto menor a duração considerada maior a intensidade média da chuva. Note-se que a duração não é obrigatoriamente o tempo total do episódio pluvial e nem sempre é medida a partir do seu início. Assim, a máxima intensidade média observada dentro de uma mesma precipitação pluvial varia inversamente com a amplitude de tempo em que ocorreu. 3.8- Análise de Chuvas Intensas Para projetos de obras hidráulicas, tais como vertedores de barragens, sistemas de drenagem, galerias pluviais, dimensionamento de bueiros, conservação de solos, entre outros, é de fundamental importância se conhecer as grandezas que caracterizam as precipitações máximas. São elas; intensidade, duração e freqüência (idf). Com relação à conservação do solo, além das precipitações máximas com vistas ao dimensionamento de estruturas de contenção do escoamento superficial, a erosividade das chuvas tem grande importância, pois está diretamente relacionada com a proteção do solo. A precipitação máxima é entendida como a ocorrência extrema, com determinada duração, distribuição temporal e espacial, crítica para uma bacia hidrográfica. A precipitação tem efeito direto sobre a erosão do solo, em inundações em áreas urbanas e rurais, obras hidráulicas, entre outras. O estudo das precipitações máximas é um dos caminhos para se conhecer a vazão de enchente de uma bacia. As equações de chuva intensa podem ser expressas matematicamente por equações da seguinte forma: (3.9)Onde: i – intensidade máxima média para a duração t e b X e c – parâmetros a determinar. Alguns autores procuram relacionar X com o período de retorno TR, por meio de uma equação do tipo C = K.TRa, que substituída na equação (3.9): (3.10) Sendo: T = TR = tempo de recorrência (anos) t = tc = tempo de concentração da bacia de contribuição (minutos) K, a, b e c = parâmetros a determinar. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 36 Correlacionando intensidade e duração de chuvas verifica-se que quanto mais intensa for uma precipitação, menor será sua duração. A determinação dos parâmetros dessa relação entre “ idf ” deve ser deduzida de informações de chuvas intensas durante um período de tempo suficientemente longo e representativo dos eventos extremos locais. O engenheiro Otto Pfastetter (1957) estabeleceu parâmetros da curva “ idf “ para várias regiões do Brasil e o seu método é o mais empregado para tal. Exemplo de Equações de chuva para algumas cidades brasileiras: Juiz de Fora i � ����.� �, � � ���,�����,�� � Observação: ver software PLUVIO 2.1 no site do Grupo de Pesquisa em Recursos Hídricos da Universidade Federal de Viçosa: www.gprh.ufv.br/?area=softwares 3.8.1 – Tempo de Concentração de uma Bacia de Contribuição O tempo de concentração (tc) é definido como o tempo necessário para que toda a área da bacia contribua para o escoamento superficial num determinado ponto de controle. Na prática é o tempo que leva para que a água que choveu no ponto da bacia hidrográfica mais distante da foz (ponto de estudo) posso chegar lá. Fig. 3.16: Percurso da água precipitada no ponto mais distante da saída da bacia. Os fatores que influenciam o tempo de concentração de uma dada bacia são, basicamente a forma da bacia, a sua declividade média, a sinuosidade e a declividade do seu curso principal, UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 37 entre outros. Há diversas fórmulas para calcular o tempo de concentração. A maioria leva em conta apenas a declividade do curso principal e a área da bacia. A mais adequada depende das condições específicas para as quais foram geradas. Para tanto é preciso identificar a origem dos estudos experimentais, de campo ou de laboratório, para que possam ser identificadas suas limitações e aplicabilidade. A determinação do tempo de concentração por meio de fórmulas empíricas está sujeita às imprecisões e incertezas que se devem ao tipo de escoamento que a fórmula procura representar. Uma das formulações empíricas mais usuais em estudos desta natureza é o método de Kirpich, que embora só seja aplicável a bacias hidrográficas muito pequenas, na prática, é muitas vezes usado para bacias com um único fluxo principal. Segundo Tucci (1993), o método de Kirpich é aplicável à bacias com área entre 5000 m² a 0,5 Km², com canais bem definidos e declives situados entre 3 a 10 %. A École Nationale das Ponts et Chaussées (França) recomenda o método Ventura, que utiliza, além da área da bacia, a diferença de cotas entre o ponto mais afastado e a seção de referência da mesma. Já o método de Temez (1978) é avaliado como o mais apropriado para bacias naturais de área até 3000 Km². Tabela 3.1 - Fórmulas empíricas utilizadas para o cálculo do tempo de concentração 3.9 – Freqüência de dias sem Precipitação Em regiões de clima mais seco há o interesse em se conhecer o número máximo de dias consecutivos sem precipitação, que pode ocorrer com dado tempo de recorrência. Para tanto pode- se proceder da seguinte forma: 1) Conta-se o número máximo de dias consecutivos sem chuva em cada ano (série anual). 2) Ordenam-se em ordem decrescente esses valores e estima-se a freqüência e o tempo de recorrência, respectivamente por: UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 38 F = m/(n+1) (3.11) TR = (n+1)/m (3.12) 3) Grafam-se os valores e obtêm-se os pares “número máximo de dias consecutivos sem chuva X período de recorrência”. 3.10 – Precipitação média em uma bacia Até agora foi visto como se analisam os dados colhidos em um ponto isolado da bacia e, naturalmente é de se supor que só sejam válidos para uma área relativamente pequena ao redor do aparelho. Para se computar a precipitação média em uma superfície qualquer, é necessário utilizar as observações das estações dentro dessa superfície e nas suas vizinhanças. Existem diversos métodos de cálculo para se determinar a precipitação média em uma área, que variam de acordo com a ponderação que se faz das observações pontuais disponíveis. Os mais usuais são: média aritmética, método de Thiessen e método das isoietas. O primeiro consiste simplesmente em se somar as precipitações observadas em um certo intervalo de tempo, simultaneamente, em todos os postos (a duração pode ser parcial ou total, de um episódio pluvial isolado ou qualquer outra, como um mês, um trimestre, ou um ano) e dividir o resultado pelo número deles. Nesse caso admite-se que todos os aparelhos (pluviômetros e/ou pluviógrafos) tenham o mesmo peso. A American Society of Civil Engineers (ASCE) recomenda que se use esse método apenas para bacias menores que 5000 km2, se as estações forem distribuídas uniformemente e a área for plana ou de relevo muito suave. Pm = ΣΣΣΣPi/n (3.13) Onde: Pm = precipitação média (mm) Pi = precipitação no posto “i” n = número de postos 3.10.1- Método de Thiessen Este método dá bons resultados quando o terreno não é muito acidentado, pois leva em consideração a não uniformidade da distribuição espacial dos postos de medição na bacia, mas não o seu relevo. Consiste em dar pesos aos totais precipitados em cada aparelho, proporcionais à sua área de influência, que é determinada da maneira dada a seguir: a) Os postos adjacentes devem ser unidos por linhas retas (fig. 3.17a). b) Traçam-se perpendiculares a essas linhas, a partir das distâncias médias entre os postos e obtêm-se polígonos limitados pela área da bacia (fig. 3.17b – linhas em azul). UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES E GEOTECNIA INFRAESTRUTURA EM TRANSPORTES Guilherme Soldati Ferreira soldati@engenharia.ufjf.br 39 c) A área “Ai” de cada polígono é o peso que se dará à precipitação registrada em cada aparelho “Pi” (fig. 3.17c). d) A média será dada por: Pm = Σ(Pi . Ai)/Σai
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