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Notas de Aula de Física 1182 S. R. DAHMEN INSTITUTO DE FÍSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL 91501�970 PORTO ALEGRE RS Versão 01/2017 2 Conteúdo 1 A Lei da Indução de Faraday 1 1.1 A Lei de Faraday . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.1.1 Efeitos práticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1.1.2 Exemplo resolvido de cálculo de voltagem e corrente induzidas: Capítulo 30, problema 33 do Tipler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1.2 Problemas propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2 A Indutância 7 2.1 A Indutância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2.1.1 Auto-indutância e indutância mútua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.1.2 Exemplo resolvido de cálculo da indutância: duas bobinas de diferentes raios, concêntricas, uma dentro da outra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2.1.3 Efeitos práticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.2 Problemas propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 3 Circuitos AC: corrente alternada 15 3.1 Circuitos LRC (Indutor, Resistor, Capacitor) de corrente alternada. . . . . . . . 15 3.2 Reatâncias: resistências em um circuito CA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 3.3 Exemplos resolvidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3.4 Circuito RLC em série . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.5 Correntes e Voltagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 3.6 Potência Dissipada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3.7 Exemplos de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.8 Problemas propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3 Capítulo 1 Geração de uma Voltagem pela Variação de Campo Magnético Objetivo: Discutir a Lei de Faraday e suas consequências. 1.1 A Lei de Faraday Uma das leis mais importantes do eletromagnetismo é a Lei da Indução de Faraday. Ela basicamente nos diz que é possível gerar uma voltagem no circuito sem a necessidade de uma fonte de tensão (baterias, etc.). Basta mover um imã nas proximidades do circuito. Não importa quem se move: podemos mover um circuito e deixar um imã parado ou vice-versa. Fisicamente podemos entender isto de maneira simples: há elétrons livres no circuito. Sabemos que desde que haja entre um elétron e um campo magnético ~B uma velocidade relativa, o elétron sofre a ação de uma força: ~F = e~v × ~B (1.1.1) A chave é a velocidade relativa: não importa se é o elétron que se move em relação à fonte de campo magnético ou este último varia enquanto o elétron está, no nosso referencial, parado. Em qualquer um dos casos surge uma força e os elétrons se move no fio. Em outras palavras temos uma corrente. Obviamente poderíamos sair calculando as forças, as velocidades relativas e determinar as correntes. Mas em se tratando do número gigantesco de elétrons livres num fio, este cálculo não é factível. Devemos também lembrar que quando este fenômeno foi descoberto, não havia ainda o conhecimento da estrutura atômica da matéria. Assim, Faraday, na sua genialidade (ele é considerado por muitos o maior físico experimental que já viveu, face àquilo que conseguiu com o material disponível na época) conseguiu relacionar a corrente que surge num fio em termos da variação do fluxo magnético pela área do circuito. Ou seja, essa nossa discussão pode ser formulada matematicamente como: dΦB dt = −Vinduzida = −RIinduzida (1.1.2) Traduzindo: a variação do número de linhas de campo magnético que atravessam a área que o circuito define (se for uma espira circular, por exemplo, esta área vale piR2) induz uma diferença de potencial na circuito � daí o nome Vinduzida. Como uma voltagem em um circuito 1 2 A Lei da Indução de Faraday de resistência R vale V = RI, temos que a voltagem induzida provoca uma corrente circuito. O nome induzida vem do fato que quem as induz (voltagem e corrente) é um campo magnético variando no tempo. No texto de Dahmen e Gallas há uma ilustração de como calcular esta corrente. É importante entender melhor esta expressão: não importa quão grande o campo seja, ou quão grande a área da espira (ou seja, quão grande é o fluxo), pois a corrente que surgir depende da variação temporal do fluxo. Em outras palavras, da derivada. A derivada pode ser muito grande mesmo que a função a ser derivada tenha valores pequenos pois a derivada é a declinação da curva e uma função pode mudar tão abruptamente que a derivada pode chegar próximo de infinito (pensem na função escada, que tem uma derivada infinita onde a função dá um salto). Fisicamente nunca haverá uma corrente infinita pois o número de elétrons é limitado, mas o que quero chamar a atenção é que pode-se gerar altas voltagens, desde que o campo ~B e consequentemente seu fluxo variem bruscamente. Por tradição histórica, quando se fala em voltagem induzida, costuma-se escrever no lugar de V a letra grega ε pois esta voltagem foi originalmente (e ainda hoje é) chamada de força εletromotriz. Normalmente os físicos reservam a letra V para designar uma voltagem gerada por baterias, distribuições de cargas, etc. e ε para se referir exclusivamente a uma voltagem obtida através da variação de um campo magnético. A grandeza ΦB é o chamado fluxo magnético, e definido por∫ ~B · d ~A (1.1.3) sobre a superfície da espira. No caso simples em que ~B é um campo uniforme (a maioria das situações que trataremos) e o campo faz um ângulo θ com a vertical à superfície, a expressão acima se reduz à BA cos θ (1.1.4) Esta grandeza tem unidade de (Tesla x metro quadrado) mas por conveniência ela é chamada também de Weber (Wb). Outro detalhe importante é o sinal de − na Lei de Faraday. Ela significa o seguinte: um fluxo variando produz uma corrente numa espira. Agora, esta corrente induzida por sua vez produz também um campo magnético. Teremos assim 2 campos mag- néticos: um que provoca a corrente induzida (campo original) e outro que a própria corrente induzida produz (campo secundário). O sinal negativo da equação significa: a corrente indu- zida será sempre de tal maneira a gerar um campo secundário que se opõe à variação do campo original. Por exemplo, se o campo original está com um fluxo que diminui, a corrente induzida vai ser tal a criar um campo que tenta aumentar este fluxo. Em resumo, se o fluxo original cai, a corrente induzida produz um fluxo que se adiciona para ele não cair. Se o fluxo original aumenta, a corrente induzida produz um fluxo que seja contrário ao fluxo original, pois não quer que ele cresça. 1.1.1 Efeitos práticos 1) Um dos efeitos mais importantes deste fenômeno é que ele é usado para gerar corrente em usinas hidro ou termoelétricas (ou mesmo nos geradores de prédios, a diesel, ou no alternador do carro, que fornece eletricidade quando o motor do veículo está ligado). O processo é simples (não nos referimos aqui à complexidade dos equipamentos, mas ao princípio fisico em si). Um imã é fixado a um eixo móvel que permita que ele gire em torno do mesmo, como na roda de um veículo. No entorno deste imã há bobinas, fixas. Ao girarmos o eixo, o imã nele preso 1.1 A Lei de Faraday 3 gira junto e há um fluxo variável de campo magnético pelas bobinas. Surge uma voltagem induzida nas bobinas e consequentemente uma corrente. É esta voltagem que recebemos em nossos lares. O que diferencia uma usina de outra é o tipo de energia mecânica usada para mover o imã. Usinas hidroelétricas acoplam o eixo a uma turbina, movida pela queda da água do reservatório. Nasusinas termoelétricas usa-se vapor a alta pressão para mover a turbina (o combustível queimado por ser qualquer combustível fóssil). A usina nuclear também usa a fissão do U235, que é uma reação nuclear exotérmica, para gerar vapor e mover turbinas. Usinas eólicas usam a força dos ventos, bem como usinas baseadas em marés. Os painéis solares usam outro fenômeno físico e não a lei de Faraday. 2) Um efeito deletério é o das correntes parasitas, que os físicos chamam de correntes de Fou- cault. Qualquer fiação de um aparelho eletrodoméstico pelo qual passa uma corrente gera um campo magnético (a fonte de campos magnéticos são correntes). Porém há partes metálicas de aparelhos que se movem (pensem em qualquer aparelho tipo uma batedeira, um liquidificador, por exemplo). Surgirão nestas partes metálicas móveis correntes induzidas pois elas se mo- vem em relação a campos magnéticos gerados por determinados fios do aparelho. Os elé trons nestas partes móveis do aparelho sofreram forças de Lorentz e se moverão, gerando correntes. Como metal tem resistência, qualquer peça metálica onde apareçam correntes parasitas haverá dissipação de energia na forma de calor. O objetivo de um liquidificador, por exemplo, não é esquentar o alimento mas sim triturá-lo. Em outras palavras, estas correntes 'sugam' parte da energia útil fornecida ao sistema dissipando-a numa forma de energia não desejável, daí o nome de correntes parasitas. Para combater isto o que normalmente se faz é, na medida do possível, substituir partes metálicas por materiais não condutores ou na impossibilidade disto ser feito, aumentar a resistência destas partes móveis de tal maneira a corrente induzida ser bem pequena. Não é necessário usar nenhuma liga metálica especial: se você pegar uma chapa metálica, por exemplo, e fizer nela vários furos, sua resistência aumenta e as correntes de Foucault diminuem significativamente. 1.1.2 Exemplo resolvido de cálculo de voltagem e corrente induzidas: Ca- pítulo 30, problema 33 do Tipler Enunciado: uma espira retangular de 10 cm por 5 cm, representada na Figura (1.1), tem uma resistência de 2,5 Ω atravessa uma região onde existe um campo magnético uniforme de valor B = 1, 7 T, com uma velocidade de v = 2, 4 cm/s (ver figura). A extremidade dianteira da espira entra na região onde existe este campo magnético no instante t = 0 s. (a) Determine o valor do fluxo através da espira em função do tempo (equação e gráfico). (b) Determine os valores da tensão e corrente induzidas em função do tempo (equações e gráficos). Faça os gráficos de t = 0 até t = 16 s. Resolução O enunciado do problema ja é feito de modo a nos indicar o caminho de resolução. Primeiro temos que calcular o fluxo magnético. Como o plano da espira e o campo B são perpendiculares, o fluxo é simplesmente Φ = B ×Área (1.1.5) 4 A Lei da Indução de Faraday x v B 5 cm 20 cm 10 cm Figura 1.1: Uma espira retangular de 10 cm x 5 cm e resistência de 2,5 Ohms entra numa região onde há um campo magnético B constante de 1,7 Tesla, apontando para fora da página. Esta espira tem velocidade v igual a 2,4 cm/s e a variável x = x0 +vt mede o quanto dela já entrou na região do campo. onde a área é a parte da área total da espira que se encontra dentro da região onde há campo magnético. Veja a Figura (1.1). Supondo que a espira tenha uma altura y e a parte dentro da região de campo um comprimento x, esta área é simplesmente y × x. A única coisa que devemos notar é que o valor de x aumenta segundo a relação x = x0 + vt (1.1.6) pois a espira está se movendo com velocidade v = 2, 4 cm/sr . Podemos tomax0 = 0 pois no instante t = 0, quando começamos a contar a entrada da espira na região de campo, ela não entrou ainda. Logo podemos calcular o fluxo como sendo Φ = Byx = Byvt (1.1.7) (a) Para agora determinarmos valores numéricos, é preciso levar em conta o seguinte. Enquanto a espira está entrando na região de campo, há um aumento do fluxo pois a área da espira dentro da região está aumentando. Como ela tem 10 cm de comprimento, passado um tempo ∆t = 10 cm 2, 4 cm/s = 4, 16 s (1.1.8) ela estará completamente dentro da região onde há um campo. Daí, enquanto ela está to- talmente dentro, não há variação do fluxo por ela e portanto não haverá corrente induzida. Podemos entender isto imaginando que o mesmo número de linhas de campo que entram pela face dianteira da espira saem pela face traseira, de modo que o número de linhas de campo é constante. Quanto ela entrou completamente, a extremidade da frente está a 10 cm do fim da região de campo, ou seja, ela leva mais 4, 16 s para começar a sair. Durante este tempo o fluxo não muda. Em resumo, teremos 4, 16 s de aumento de fluxo, 4, 16 s de fluxo cons- tante e, sendo a velocidade constante, 4, 16 s para que ela saia completamente da região onde existe campo magnético. Até que saia completamente, o fluxo estará diminuindo e a corrente 1.1 A Lei de Faraday 5 fluxo aumenta fluxo diminuifluxo constante t (s) 0 4,16 8,32 12,48 Figura 1.2: Desenho qualitativo do gráfico da variação do fluxo. t (s) 0 4,16 8,32 12,48 (Wb)Φ 8,32 Figura 1.3: Gráfico do fluxo magnético do problema da espira retangular. O eixo vertical está em escala de 10−3 Wb. induzida será o contrário de quando a bobina estava entrando, pois a lei de Faraday diz que a corrente induzida é contrária à variação do fluxo (o sinal negativo da equação). Aumentar significa derivada positiva (e portanto corrente negativa). Diminuir significa derivada negativa (e portanto corrente positiva). Podemos entender isto na figura (1.2). O valor do fluxo é (figura 1.3) Φ = (1, 7T )× (0.05m)× (0, 024t) = 2, 04× 10−3 Wb (1.1.9) (b) A voltagem e corrente induzidas valem (figura 1.4): |ε| = dΦ dt = 2× 10−3 V olts (1.1.10) I = ε R = 2× 10−3V 2, 5Ω = 8× 10−4 Amp (1.1.11) Notem nestas expressões que calculamos os valores da voltagem induzida ε e corrente induzida I sem levarmos em conta seus sinais, apenas seus módulos. No primeiro intervalo de tempo (até 4,16 segundos) o fluxo aumenta (derivada positiva), logo a voltagem será negativa. No intervalo intermediário não há variação de fluxo e a voltagem cai pra zero. No último intervalo o fluxo diminui (derivada negativa), logo a voltagem será positiva. O mesmo ocorre com a corrente, como podem ser vistas na figura 1.4. 6 A Lei da Indução de Faraday V I 2 − 2 8 − 8 t (s) t (s) 4,16 4,16 8,32 8,32 12,48 12,48 Figura 1.4: Gráfico da voltagem e corrente induzidas na espira retangular. A escala de voltagem é de 10−3 Volts e a de corrente é 10−4 Amp 1.2 Problemas propostos 1.) Considere a mesma espira entrando na mesma região onde todos os valores são mantidos iguais. Só que agora, a velocidade v, ao invés de ser uma velocidade constante, é a velocidade da espira em queda livre, partindo do repouso (ou seja, pense no desenho virado onde v agora aponta na direção do centro da Terra. Então, soltamos a espira e a deixamos cair dentro da região do campo). Considere queda no instante inicial t = 0 a base da espira está começando a entrar na região de campo e ela parte do repouso, ou seja, com v0 = 0. Considere a aceleração da gravidade como sendo g = 10 m/s2. Determine a voltagem induzida e a corrente induzida. Dica de resolução: como no exemplo anterior resolvido, você tem 3 intervalos. Determine quanto tempo a espira demora para entrar completamente na região do campo, quanto tempo ela passa inteiramente dentro da região e depois quanto tempo ela leva para sair. Como ela está acelerada, diferente do problema anterior, ela gasta tempos diferentes para entrar, ficar dentro e sair. Achados estes intervalos, use a fórmula do fluxo para determiná-lo e a Lei de Faraday para achar as correntes e voltagens induzidas. Um ponto a notar e pensar: quandoa espira está totalmente dentro do campo e acelerando, o fluxo aumenta ou não há diferença do caso onde a velocidade é constante? Capítulo 2 Substituindo fluxos pelas correntes que geram os fluxos: a indutância Objetivo: O objetivo deste capítulo é um que encontramos constantemente em teorias físicas, a saber, reescrever uma lei da natureza em termos de grandezas mais acessíveis à medidas, para que assim possamos utilizá-la na prática (num laboratório ou no projeto de um equipamento de uso cotidiano). Vamos entender como é possível na prática obter voltagens induzidas com valores por nós especificados (por exemplo, uma voltagem que possamos usar em nossos lares). Para isto introduziremos o conceito de indutância. 2.1 A Indutância A Lei de Faraday sem dúvida é das mais importantes e úteis da Física, mas ela tem num pro- blema prático: normalmente não conhecemos os campos magnéticos (seus valores) e portanto não temos como calcular o fluxo, apenas em casos muito particulares de campos constantes, como vimos no capítulo anterior. Neste caso o cálculo do fluxo se torna trivial. Porém, no dia-a-dia, campos magnéticos são gerados por correntes (que aprendemos a calcular usando a Lei de Biot-Savart) e raramente utilizamos imãs. Isto nos leva a concluir que podemos tentar reescrever a lei de Faraday não em função do campo magnético que induz uma voltagem mas da corrente que está produzindo o campo magnético. Em outras palavras, é possível reformular a Lei de Faraday, escrevendo-a não em termos da variação do fluxo magnético mas da corrente que gera aquele fluxo. A definição é simples: como um fluxo é proporcional ao campo magnético que o gera e o campo magnético proporcional à corrente que o gera, então podemos simplesmente escrever: sendo ΦB ∝ B e B ∝ I, concluimos que ΦB ∝ I (2.1.1) em outras palavras ΦB = LI (2.1.2) onde L é a constante de proporcionalidade entre o fluxo e a corrente que, em última instân- cia, é o agente gerador do fluxo. Esta grandeza L é chamada de indutância. Há casos que 7 8 A Indutância conseguimos calcular a indutância explicitamente (vamos ver alguns exemplos) mas há outros que simplesmente conseguimos medí-la ao comparar a corrente que gera o campo e a corrente induzida. Como assim? Bem, partindo da lei de Faraday apresentada no capítulo anterior dΦB dt = −Vinduzida = −RIinduzida (2.1.3) podemos simplesmente escrever, já que estamos afirmando que o fluxo é Φ = LI, que dΦB dt = d dt (LI) = −Vinduzida = −RIinduzida (2.1.4) É muito importante notar nesta expressão que temos duas correntes diferentes: uma corrente I num circuito que gera o B (por isso chamamos este circuito de circuito primário) e a Iinduzida numa espira pela variação de B (por isso chamada de circuito secundário). Agora, experi- mentalmente é possível mostrar que a indutância L é uma grandeza que depende apenas da forma geométrica do circuito e de constantes universais, e portanto pode ser tirado pra fora da integral: dΦB dt = L dI dt = −Vinduzida = −RIinduzida (2.1.5) Isto é a Lei de Faraday escrita numa forma mais prática, pois se usamos uma corrente primária para induzir uma corrente secundária em outro circuito, basta medirmos as duas correntes e teremos o valor da indutância, cuja unidade é denominada Henry. Antes de vermos um exemplo de como calcular a indutância, façamos ainda uma breve discussão de um detalhe bastante sutil desta definição. 2.1.1 Auto-indutância e indutância mútua A definição de indutância, como vimos, é simplesmente ΦB = LI (2.1.6) A indutância basicamente nos diz o quanto um circuito influencia magneticamente o outro. A sutileza desta fórmula vem do fato que normalmente conhecemos I (em princípio basta medí-la com um amperímetro) e em alguns casos interessantes temos como calcular L. Mas a quem a quem se refere o fluxo? Em outras palavras, fluxo sobre quem? Na seção anterior, falamos de um circuito primário, cuja corrente gera um campo, e um circuito secundário, que sente o campo do outro circuito. Neste caso o fluxo magnético é aquele sentido pelo secundário. Porém, pensemos num exemplo simples: uma espira gera um campo B quando nela passa uma corrente I. Mas este campo atravessa não apenas qualquer circuito que estiver próximo (qualquer circuito secundário), mas também a própria espira que gera o campo. Em outras palavras: uma circuito gera um fluxo magnético sobre si mesmo. Portanto, quando definimos o fluxo ΦB acima, devemos deixar claro sobre qual ΦB estamos falando: o fluxo sobre o circuito gerador do campo, quer dizer, o fluxo sobre si próprio ou o fluxo que ele faz sobre terceiros. 2.1 A Indutância 9 Para diferenciar então o �auto-fluxo� do fluxo sobre terceiros, usamos a expressão auto- indutância para nos referirmos ao fluxo que o circuito faz sobre sua própria área � e usamos a letra L para esta grandeza � e a expressão indutância mútua quando estamos falando do fluxo que um circuito faz sobre outro � e para esta grandeza usamos a letra M , para ficar claro nas fórmulas sobre quem está influenciando quem. Basicamente escrevemos assim ΦB = LI (2.1.7) ΦB = MI (2.1.8) Quando vemos a primeira equação imediatamente sabemos que estamos falando do fluxo de um espira sobre si própria. Quando vemos a segunda, sabemos que o ΦB não se refere à mesma espira por onde passa I. Vamos imaginar então o caso geral em que temos 2 circuitos, atuando mutuamente um sobre o outro. Imaginemos que no primeiro passe uma corrente I1 e no segundo passe uma corrente I2, e que eles estejam próximos o suficiente para que um sinta a ação do outro. Se perguntarmo-nos qual o fluxo Φ1 que o primeiro circuito sente, podemos escrever Φ1 = L1I1 +M1,2I2 (2.1.9) O que esta expressão nos diz é simples: o fluxo que uma espira sente tem duas contribuições: a de seu próprio campo B1, que é proporcional a sua própria corrente I1, intermediada pela sua auto-indutância L1. Mas também ele sente o campo da outra espira, B2, pela qual passa uma corrente I2, e esta influência é medida pela indutância-mútua M1,2. Analogamente, para o fluxo que a bobina 2 sente, teremos Φ2 = L2I2 +M2,1I1 (2.1.10) O que mostraremos nas próximas linhas é que M1,2 = M2,1, quer dizer, a 'influência' de 1 sobre 2 é exatamente igual a de 2 sobre 1. Embora mostraremos isto num exemplo simples, o resultado é geral, motivo pelo qual normalmente se deixa os índices 1 e 2 de lado e só se usa a letra M . 2.1.2 Exemplo resolvido de cálculo da indutância: duas bobinas de diferen- tes raios, concêntricas, uma dentro da outra. Olhemos para o exemplo ilustrativo de uma bobina dentro da outra. O desenho 2.1 é uma re- presentação esquemática de uma bobina cilíndrica (solenóide reto) de raio R1 e comprimento l1 circundando outra bobina de raio menor R2 e comprimento l2. Cada uma tem respectivamente N1 e N2 voltas de fios. Vamos calcular a indutância mútua e a auto indutância de uma delas. 1) Como proceder: pela definição, calcular a indutância é o equivalente a calcular o fluxo. Para sabermos o fluxo, basta supormos que passa uma corrente I em um dos solenóides. Pre- cisamos calcular então a) o campo B, para um dado I e b) o fluxo, que é o produto de B pela área onde passa o campo. Para um solenóide reto de comprimento l e N voltas, pelo qual passa uma corrente I, o campo magnético em seu interior é uniforme (estamos supondo que o solenóide possa ser 10 A Indutância aproximado de um solenóide ideal) e não há campo do lado de fora. Neste caso B = µ0 N I l = µ0nI (2.1.11) onde pode-se usar o número de voltas de fio por unidade de comprimento da bobina, n. Vamos olhar os 2 casos possíveis, quando passa corrente na bobina maior e quando passa corrente na bobina menor, ilustradas no lado esquerdo e direito da figura 2.2. Caso 1: corrente I1 na bobina maior. Quando passa corrente na maior, égerado um campo B1 de acordo com a equação acima. Este campo vai produzir um fluxo na bobina menor. Toda a bobina menor, isto é, toda sua área, vai ser perspassada por um campo B1, logo concluiríamos que o fluxo seria φ2 = B1 × pi R22 = µ0 N1 I1 l1 × pi R22 (2.1.12) Porém não podemos nos esquecer que cada uma das N2 voltas da bobina 2 tem uma área pi R2 2 e cada uma destas voltas é atravessada por um fluxo devido ao campo uniforme B1. Logo, devemos multiplicar o resultado acima por N2 para finalmente obtermos Φ2 = N2 × φ2 = N2 × µ0 N1 I1 l1 × pi R22 = µ0 N1 N2 pi R2 2 l1 × I1 = M2,1I1 (2.1.13) Tudo na expressão acima que multiplica I1 é, por consequência, a indutância mútua. Caso 2: corrente I2 na bobina menor. Neste caso, devemos tomar um pequeno cuidado. O cálculo de B2 é trivial (só usar a fórmula). Devemos multiplicar o fluxo em cada volta da bobina maior por N1, pois há N1 voltas. O cuidado diz respeito a área usada: embora a bobina maior tenha uma área (seção reta) igual a pi R1 2 , apenas uma fração desta área é atravessada por um campo magnético B2. Isto ocorre pois estamos considerando uma bobina ideal, para qual não existe campo fora dela. Assim o campo B2 só existe dentro da bobina menor, numa área igual à pi R2 2 . Assim no caso 2 o fluxo Φ1 na bobina 1 devido a uma corrente I2 na bobina 2 vale Φ1 = N1 × φ1 = N1 × µ0 N2 I2 l2 × pi R22 = µ0 N1 N2 pi R2 2 l2 × I2 = M1,2I1 (2.1.14) Vamos discutir este resultado. i. Primeiramente, há uma diferença no denominador das duas expressões que obtivemos para M1,2 e M2,1, pois um denominador é l1 e outro l2. Assim parece que a afirmação anterior queM1,2 eM2,1 sejam iguais parece estar errada. Na verdade não. O ponto é que imaginamos 2 solenóides de tamanhos diferentes e usamos resultados de bobinas ideais. Este resultado que obtivemos só faz sentido se os solenóides forem infinitamente longos, em cujo caso l1 e l2 tendem a infinito e portanto não há diferença em seus comprimentos. Assim podemos usar sempre este resultado usando um só valor numérico de l, ou seja, l = l1 = l2. É possível provar, rigorosamente, usando alguns cálculos mais avançados, que a indutância mútua é sempre igual. 2.1 A Indutância 11 ii. Foi dito no início deste capítulo que a idéia de se introduzir a indutância era estudar uma lei da natureza (neste caso a Lei de Faraday) em termos de grandezas mais acessíveis de mensuração (pois não sabemos medir fluxo magnético). Porém, para calcular a indutância no exemplo acima tivemos que calcular o fluxo, o que justamente estávamos tentando evitar. Qual a vantagem então em introduzir mais uma grandeza se no final acabamos tendo que usar um fluxo magnético para calculá-la? A resposta é uma questão prática: o exemplo acima é um dos raros exemplos em que conseguimos calcular a indutância exatamente, de forma analítica. Ela serve apenas como ilustração para mostrar que a indutância mútua é igual (quer 1 sofra influência de 2 ou 2 de 1) e também para ilustrar que a indutância só depende da geometria. No dia-a-dia a indutância facilita nossa vida: como uma corrente induzida é proporcional, pela Lei de Faraday, à variação temporal de uma corrente primária, sendo que a constante de proporcionalidade é a indutância, então basta medir correntes para assim termos acesso direto ao valor da indutância. Olhem para a expressão L dI dt = −Vinduzida = −RIinduzida. (2.1.15) Se tivermos um osciloscópio para medir a Vinduzida num canal e a V associada à corrente I no outro canal, podemos achar um valor numérico para a indutância. Caso 3: auto-indutância Este caso é simples. Basta substituir na expressão os valores relativos a uma única bobina (tomemos a bobina 1). Neste caso temos Φ1 = N1 × φ1 = N1 × µ0 N1 I1 l1 × pi R12 = µ0 N1 2pi R1 2 l1 × I1 = L I1 (2.1.16) 2.1.3 Efeitos práticos A indutância e auto-indutância (particularmente esta) se mostra presente no dia-a-dia em nossos lares, em nossos aparelhos eletro-eletrônicos. Mesmo que desprezemos esta questão do efeito que um circuito pode ter sobre outro, um circuito sempre tem um efeito (via auto- indutância) sobre si mesmo. Há um detalhe muito importante a notar: a Lei de Faraday só se aplica a correntes que variam no tempo. A indutância não faz sentido para circuitos de corrente contínua, pois embora uma corrente SEMPRE gere um campo magnético e este um fluxo, só vai haver variação de fluxo � e portanto corrente induzida � se o campo magnético variar, o que é o mesmo que dizer que a corrente que o gera está variando no tempo. Como podemos ver isto no dia-a-dia? Bem, qualquer aparelho que trabalha sobre uma tensão 110 V (ou 220 V) alternada vai ter circulando por si uma corrente alternada. Como todo circuito tem auto-indutância, isso significa que durante o funcionamento normal de um eletrodoméstico, haverá sempre dentro dele, além da corrente produzida por esta tensão, uma corrente induzida segundo a lei de Faraday. Ou seja, a corrente efetiva no circuito é uma combinação de 2 correntes: a corrente direta, produzida pela tensão alternada, e a corrente induzida, produzida pela mudança da primeira corrente. Aparelhos são projetados para isto. 12 A Indutância R1 1 2 N2 Voltas N1 Voltas R2 l l Figura 2.1: Desenho esquemático de uma bobina reta ideal (solenóide) de raio maior R1 que tem, dentro de si, uma bobina menor, de raio R2. Elas têm N1 (N2) voltas e comprimentos l1 (l2). Campo B1 R2R1 Campo B2 Campo B1 Caso 1 Caso 2 Figura 2.2: Desenho esquemático de duas situações para o cálculo da indutância, olhando ao longo do eixo das bobinas. A bobina maior é desenhada em preto, a menor em azul. No primeiro caso, uma corrente I1 gera um campo B1 na bobina maior (hachurado cinza dentro da bobina maior) e este fluxo atravessa a bobina menor, que se encontra dentro dela. Note que sendo ideal, só há campo DENTRO da bobina. No segundo caso, a bobina menor é percorrida por uma corrente I2, o que provoca um campo B2 (hachurado azul) no seu interior. Isto provoca também um fluxo na bobina maior, mas note que só uma fração de pi R2 2 da área total pi R1 2 da bobina maior sente a presença de um fluxo. O resto da área não conta para o cálculo do fluxo na bobina 1. 2.2 Problemas propostos 13 Um problema pode surgir ao conectar um aparelho ligado na tomada. Vocês já devem ter notado o surgimento de uma faísca. Um eletricista diria que isso ocorre pois há carga na linha. Mas exatamente o que está ocorrendo e o que isto tem a ver com a Lei de Faraday? Basicamente o que ocorre é o seguinte: se o aparelho está com o botão de liga-desliga no ON, ao colocá-lo na tomada ele imediatamente fechará um circuito com a rede elétrica da casa e quase que instantaneamente surgirá uma corrente que o faz funcionar. O problema é que essa variação de corrente é muito brusca (muito mais rápida que o período de oscilação normal da rede, que é de 0.016 s, tempo correspondente a uma frequência de 60 Hz). Como a corrente induzida (ou voltagem induzida) é proporcional à taxa de variação da corrente direta, se a corrente sai do zero e vai muito rapidamente para um valor diferente de zero, a corrente e voltagem induzidas pode ser muito altas, tão altas que elas provocam uma faísca no ponto de fechamento do circuito (a tomada). Portanto a regra é a seguinte: nunca coloque um aparelho com o botão em LIGADO (ou ON) na tomada. Certifique-se que ele está desligado e só o ligue depois, quando já estiver na tomada. Isso também pode provocar a queima de aparelhos quando existe uma �power surge� na rede, tipo um raio ou mesmo a volta da energia elétrica depois que nossa rua ficou algum tempo sem energia. Quando a energia volta, ocorre a mesma coisa. Num átimo, a voltagem de nossa rede elétrica vai de zero para um valor diferente de zero (maisrápido do que o tempo para o qual ela é projetada, que é o tempo relativo à frequência de 60 Hz, como dito acima). Quando a rede elétrica volta, se houver algum aparelho ligado, pode haver uma corrente induzida muito alta que leva à queima do mesmo. Assim, depois de uma parada de luz, é bom desligar alguns aparelhos. Evidentemente há aparelhos que não podem ser desligados (como geladeiras, etc.) mas estes normalmente tem dispositivos de segurança para evitar este tipo de problema. 2.2 Problemas propostos Os seguintes problemas são os problemas 49, 50 e 51 do Tipler, 4a. edição. 1.) Uma bobina tem auto-indutância de 8, 0 H e é percorrida por uma corrente de 3, 0 A que está variando a uma razão de 200 A/s. Determine (a) o fluxo magnético através da bobina; (b) a tensão induzida na bobina. 2.) Uma bobina de auto-indutância L é percorrida por uma corrente dada por I = I0 sin(2pift). Faça um gráfico do fluxo φ e da tensão induzida V como função do tempo (o desenho pode ser esquemático, feito à mão, mas não se esqueça de colocar grandezas nos eixos, com amplitudes máximas em função dos dados da questão). 3.) Um solenóide tem 25 cm de comprimento, 1 cm de raio, 400 espiras e é percorrido por uma corrente de 3 A. Determine (a) o campo B dentro do solenóide, supondo-o ideal; (b) o fluxo magnético dentro do solenóide (se ele é ideal, B é uniforme); (c) a auto-indutância do solenóide; (d) a tensão induzida no solenóide quando a corrente varia à razão de 150 A/s. 14 A Indutância Capítulo 3 Circuitos AC: Corrente Alternada Objetivos: Entender as peculiaridades de um circuito de corrente alternada, contendo resis- tores, capacitores e indutores (bobinas). 3.1 Circuitos LRC (Indutor, Resistor, Capacitor) de corrente alternada. Poderíamos imaginar que a teoria de circuito que aprendemos poderia ser usada também quando colocamos estes sob a ação de uma voltagem alternada (como a tomada em nossos lares). Ela pode mas há certos limites na sua aplicabilidade, pois se a voltagem varia no tempo, surgem efeitos interessantes que estão ausentes em circuitos submetidos a uma tensão contínua. A principal característica é o tempo de resposta dos elementos de um circuito sujeitos a uma voltagem alternada. O que quero dizer com isso? É bem simples: sem entrarmos em muitos detalhes matemáticos, o que faremos oportunamente, a questão toda se reduz a três pontos. i. Resistores: não há nada de especial em relação ao resistor e ao fato dele ser submetido a uma tensão contínua ou alternada. Imaginem a Lei de Ohm aplicada a um circuito com uma fonte de tensão e uma resistência. Sabemos que vale a regra V = RI (3.1.1) Se a voltagem for do tipo V (t) = Vmax sin(ωt) = Vmax sin(2pift) (3.1.2) concluímos que, se vale a lei de Ohm (e ela vale!) e sendo a resistência R algo que não depende do tempo, teremos I(t) = V (t) R = Vmax R sin(ωt) = Imax sin(2pift) (3.1.3) Ou seja, temos a mesma função para as duas variáveis, apenas com amplitudes diferentes. Dizemos que em um resistor a corrente e a voltagem sempre estão em fase. Isto está ilustrado na parte A da Figura 3.1. As duas andam juntas o tempo todo. 15 16 Circuitos AC: corrente alternada Figura 3.1: Uma ilustração da voltagem e da corrente em um resistor submetido a uma tensão alter- nada. Vale lembrar que a voltagem em nossas redes é de 110 (ou 220) Volts. Como já pude explicar anteriormente, quando nos referimos a estes valores estamos falando daquilo que aparece na leitura de um multímetro, e este mostra sempre o valor quadrático médio. O valor quadrático médio de uma função é sempre usado para calcular a média de funções periódicas, particularmente aqueles que tem porções positivas e negativas: no caso do seno ou cosseno, a função é metade do período positiva, metade negativa. Isso significa se fôssemos ler exatamente a média da função, teríamos como resultado sempre 0. Usamos então um truque: tomamos o quadrado da função, que por definição é sempre positivo, e fazemos a média deste quadrado. Daí tiramos a raiz quadrada. O que sobra é a raiz quadrática média, e este valor que os aparelhos nos mostram. Por isso se fala no valor rms de uma grandeza, a sigla em inglês para 'root mean square' (se vocês já se perguntaram o que é aquele rms que aparece em muitos aparelhos, aí está a explicação). Vamos recalcular a Vrms no caso de voltagens que são funções senoidas ou cossenoidais (chamadas normalmente de funções harmônicas). A média f¯ de qualquer função temporal f(t), independente de ser harmônica ou não, é sempre definida via f(t) = 1 T ∫ T 0 f(t′)dt′ (3.1.4) No caso de funções periódicas, T é o período da função. Já para funções não periódicas mas que variam no tempo, T representa um intervalo de tempo que escolhemos livremente. Calculando então a média do quadrado da voltagem temos: V 2(t) = 1 T ∫ T 0 V 2max sin 2(2pift′) dt′ (3.1.5) = 1 T ∫ T 0 V 2max sin 2(2pit′/T ) dt′ (3.1.6) = 1 T V 2max ∫ T 0 sin2(2pit′/T ) dt′ (3.1.7) = V 2max 2 . (3.1.8) 3.1 Circuitos LRC (Indutor, Resistor, Capacitor) de corrente alternada. 17 pois a integral dá simplemesmente T/2. Como a definição da raiz quadrática média é frms = √ f2(t) −→ Vrms = √ V 2(t) (3.1.9) obtemos finalmente Vrms (ou Irms) = Vmax√ 2 (ou = Imax√ 2 ) (3.1.10) Assim, se quisermos representar a voltagem de nossos lares (digamos 110 Volts) pela fórmula devemos escrever V (t) = Vmax sin(2pift) (V olts) (3.1.11) = 155 sin(2pi × 60× t) (V olts) (3.1.12) = 155 sin(377t) (V olts) (3.1.13) Esta é a equação matemática que representa a voltagem numa tomada 110. O valor da voltagem máxima é √ 2Vrms = √ 2 × 110 = 155. Do mesmo modo temos ω = 2pif = 2pi × 60 = 377. Um outro detalhe muito importante. As pessoas muitas vezes se confundem, quando olham para uma função harmônica, com o que realmente representa o período, a frequên- cia e a fase da função. A figura abaixo tenta ilustrar isso. Figura 3.2: Uma função harmônica. O fato de ela ser um seno ou cosseno puro depende da fase ∆ϕ. A figura ilustra a função x(t) = xmax sin(t+ ∆ϕ). Se ∆ϕ = 0 temos a função seno pura. Se ∆ϕ = 90 ◦ a função é um cosseno puro. Isto explica graficamente o resultado sin(t + 90◦) = cos t. Observe que uma fase positiva é o mesmo que deslocar a função para a esquerda � na direção do eixo x negativo. Uma fase negativa corresponde a deslocamento da função na direção oposta. Basicamente podemos entender a fase assim: se ela for positiva, ela 'joga' a função para trás (esquerda) ou, o que é a mesma coisa, faz um shift do eixo y para frente. Se voce tem uma fase negativa, é como se movesse a função para frente (direita) ou, o que é 18 Circuitos AC: corrente alternada equivalmente, arrastasse o eixo y para trás. Assim a função sin(t + 90◦) nada mais é que uma função seno deslocada de 90◦ para a esquerda (y para a direita) , em cujo caso a figura fica idêntica ao gráfico de um cosseno. Por isso temos o resultado conhecido que sin(t + 90◦) = cos t. O período é o tempo, em segundos, necessário para a função executar um ciclo completo, ou seja, sair de um dado valor e retornar ao mesmo valor depois de passar por um máximo e um mínimo. A frequência, que matematicamente é o inverso do período, pode ser interpretada como o número de ciclos que cabem dentro de 1 segundo. Assim, por exemplo, uma onda de 2 Hz de frequência tem 2 ciclos completos em 1 segundo. Portanto seu período é de 0,5 segundos. Da mesma maneira uma onde de frequência 0,5 Hz realiza metade de um ciclo em 1 segundo e portanto necessita de 2 segundos para um período completo. Existe uma definição análoga para comprimento de onda e seu inverso, o número de onda. Este é definido como o inverso do comprimento de onda e representa o número de ondas que �cabem�em uma unidade de comprimento. 3.1 Circuitos LRC (Indutor, Resistor, Capacitor) de corrente alternada. 19 ii. Capacitores: lembrem-se que vimos em um laboratório que o capacitor leva um certo tempo para carregar e descarregar. Isso é simples de entender se ele estiver ligado a uma bateria. Se esperarmos um tempo suficiente, e tivermos uma resistência para limitar a corrente, ele eventualmente carregará e daí pra frente não acontece mais nada no sistema. A corrente cessa. Porém, ao colocarmos uma voltagem alternada, de frequência 60 Hz por exemplo, pode ser que quando a voltagem mudar de polaridade (sendo uma senóide, passar pro lado negativo do eixo), o capacitor não conseguiu carregar-se por completo. Isso acontece se ele for um capacitor que leva um tempo maior que ∆t = 1/120 = 0.008 segundos para carregar. Este tempo é calculado assim: numa frequência de 60 Hz a fonte faz um ciclo completo em t = 1/60 = 0.016 segundos. Ou seja, ela leva metade deste tempo para mudar de polaridade pois uma função seno fica metade do período positiva e metade negativa. Assim metade do período é 0.008 segundos. Inciando com uma voltagem zero, ela atinge seu máximo em 1/4 de período e em 1/2 de um período vai novamente a zero. Durante todo este tempo o capacitor carrega. Dependendo do capacitor, se ele leva mais tempo para carregar que isso, ele não atinge sua capacidade plena, mas carrega até um certo valor de carga máximo naquela circunstância. No mo- mento que a voltagem vai a zero, não há mais voltagem no capacitor e ele começa a descarregar. É o instante em que ele começa a devolver à carga ao sistema e faz isso com força máxima, pois ele com o valor máximo possível de carga para aquela situação. Daí a carga vai caindo até ele descarregar e portanto o ciclo se repete. Resumo: a corrente no capacitor está defasada em relação à voltagem aplicada. Podemos ver isso na equação de Ohm para um capacitor sob ação de uma voltagem. V (t) = Q(t) C . (3.1.14) Se nós derivarmos ambos os lados, lembrarmo-nos que dQ/dt = I e a capacitância não varia no tempo, temos dV (t) dt = I(t) C . (3.1.15) Derivando a função seno da Voltagem obtemos I(t) = ωCVmax cos(ωt). (3.1.16) Observem que se a Voltagem é um seno, a corrente é um cosseno, e vice versa. Ou seja, a voltagem e a corrente estão defasadas. Quando uma é máxima, a outra é mínima, e vice-versa. Esta é a formulação matemática daquilo que foi explicado no parágrafo acima. Como a função cosseno (a contar de t = 0) é maxima e a função seno só atinge o máximo depois, num capacitor a corrente estára sempre na frente da voltagem. Em linguajar técnico se diz que num capacitor a corrente está sempre adiantada em relação à voltagem. Isto pode ser visto na figura 3.3. 20 Circuitos AC: corrente alternada Figura 3.3: Uma ilustração da voltagem e da corrente em um capacitor submetido a uma tensão alternada. Note a diferença de fase entre voltagem e corrente. Do ponto de vista matemático podemos ver isto também escrevendo o seguinte: cos(ωt) = sin(ωt+ 90◦) (3.1.17) Ou seja, a função cosseno é a função seno adiantada de 90 graus. Do ponto de vista prático, temos o seguinte: se ligamos um capacitor numa fonte de tensão contínua ele carrega e, quando isso acontece, não há mais corrente no circuito. Nesta situação só faz sentido pensarmos num capacitor como um armazenador de energia elétrica (tipo um flash de máquina fotográfica, teclado de laptops, etc.). Já numa fonte de tensão alternada, ele está constantemente carregando e descarregando, e se a frequência da fonte for alta o suficiente, sempre haverá uma corrente no circuito onde o capacitor se encontra. Agora, atenção: mesmo que a fonte seja alternada, se sua frequência for muito baixa em relação ao tempo de carregamento do capacitor, pode ocorrer do capacitor car- regar antes da mudança de polaridade da fonte. Neste caso o capacitor também cortará a corrente no circuito. Assim, normalmente, em circuitos CA o capacitor é usado não como armazenador de energia mas como filtro de frequência. Como assim? Bem, pensemos numa caixa acústica: o sinal que vem dos fios do nosso CD-Player ou amplificador são pequenas correntes elétricas de diferentes frequências, cada uma específica de um som (agudo, grave, etc.). Ao chegar na caixa acústica há atrás do Tweeter (sons agudos) um pequeno capacitor que deixa passar apenas altas frequências. Assim, o Tweeter só reproduz sons agudos, ao passo que o Woofer é usado para sons mais graves. Para que cheguem só sons graves no Woofer, que é aquele alto-falante maior, veremos que quem faz o papel de filtro é uma bobina. Em todo caso, este é o motivo que o capacitor é conhecido no meio técnico como um high-pass filter, ou filtro passa-alta. iii. Bobinas (Indutores): o papel da bobina é de certo modo análogo ao do capacitor. Para o capacitor, quando menor a frequência da fonte, mais ele bloqueia a corrente do sistema pois se carrega antes que a fonte tenha chance de mudar de polaridade. Já para a bobina, o contrário acontece. Sabemos que ao passar uma corrente por uma bobina, surge dentro dela um campo magnético. Porém, se a voltagem é alternada, essa corrente varia e consequentemente o campo magnético varia. Mas a bobina tem uma auto-indutância, ou seja, este campo magnético produz um fluxo dentro de si própria que varia no tempo. Consequência: pela lei da indução de Faraday, surge uma corrente induzida na própria bobina que se opõe à variação do fluxo. O fenômeno é interessante. Se passarmos uma corrente contínua por uma bobina, há evidentemente um fluxo mas ele nao varia (pois a corrente é constante). Não há lei de Faraday e concluímos assim que, num circuito de 3.1 Circuitos LRC (Indutor, Resistor, Capacitor) de corrente alternada. 21 corrente contínua, a bobina nada mais é que um fio enrolado, sem muita função. Já com corrente alternada, quando mais rápida a variação da voltagem da fonte, maior vai ser a corrente induzida na bobina pois pela lei de Faraday ele é proporcional não ao fluxo mas à variação temporal do fluxo, quer dizer Vind = L dI dt (3.1.18) Mas pela lei Ohm, tudo aquilo que ganhamos de voltagem na fonte, perdemos nos ele- mentos do circuito, logo V (t) = L dI dt . (3.1.19) Se integrarmos dos dois lados temos I(t) = 1 L ∫ V (t′)dt′ = 1 L ∫ Vmax sin(ωt ′) dt′ = Vmax ωL (− cos(ωt)) = Vmax ωL sin(ωt− 90◦) (3.1.20) Diferentemente do capacitor, obtemos agora uma corrente no indutor que está atrasada em relação à voltagem. Observem o valor de −90◦ dentro do seno. Enquanto a voltagem é representada por uma função sin(ωt), a corrente produzida varia como a função sin(ωt− 90◦). Isto pode ser visto na figura 3.4. Figura 3.4: Uma ilustração da voltagem e da corrente em um indutor submetido a uma tensão alter- nada. Note a diferença de fase entre voltagem e corrente. Notem que quanto maior a frequência da fonte, menor a corrente produzida (notem que o I da expressão acima é inversamente proporcional a ω), pois fisicamente quanto maior a variação do fluxo, mais forte é a reação contrária da bobina. Por isso a bobina é usada em circuitos como um low-pass filter, ou filtro passa-baixa. Ele deixa frequências baixas (ω pequeno) produzirem correntes altas no circuito, mas a medida que a frequência aumenta, ele faz com que a corrente que passe por ela seja cada vez menor. Essa observação nos leva a uma conclusão interessante: um resistor dificulta a passagem da corrente. Num circuito CA, o capacitor e o indutor tem o mesmo papel, com a 22 Circuitos AC: corrente alternada diferença que o resistor atua sempre igual, independentemente da voltagem ser contínua ou alternada. Já o capacitor dificulta a circulação de corrente pelo sistema se a frequência da voltagem for baixa. O indutor é ocontrário: ele dificulta a circulação da corrente se a frequência da voltagem for alta. Podemos então interpretar o capacitor e o indutor como uma espécie de �resistor� mas cuja �resistência� depende da frequência da fonte. Isto nos dá a idéia de definir um novo conceito, a reatância. Observem que nas figura que representam a relação entre voltagem e corrente nos elementos do circuito, para efeito de comparação, manteve-se sempre um I na forma de uma função cosseno e desenhou-se o V correspondente, que mostra que no caso do resistor não há diferença alguma de fase entre as duas funções; no indutor há uma diferença de fase de modo que podemos ver que a voltagem (sempre tomamos t = 0 para efeito de comparação) representada pela linha verde já passou pelo máximo antes de chegar em t = 0, quando então a corrente chega (corrente atrasada). Para o capacitor, a voltagem (linha laranja) vai atingir o máximo (de novo, a partir do instante inicial) só depois da corrente já ter tido o máximo (corrente adiantada) 3.2 Reatâncias: resistências em um circuito CA Vamos olhar apenas para as correntes máximas (ou valor de pico) nos três elementos de circuito. Imax = Vmax R no resistor (3.2.1) Imax = ω C Vmax no capacitor (3.2.2) Imax = Vmax ω L no indutor (3.2.3) Observem que por análise dimensional, tanto 1/ωC quando ωL tem dimensão de resistência, ou seja, são medidos em Ohms. Costuma-se renomear estes dois termos como 1 ω C = XC (3.2.4) ω L = XL (3.2.5) E as equações acima podem ser reescritas como Imax = Vmax R (3.2.6) Imax = Vmax XC (3.2.7) Imax = Vmax XL (3.2.8) onde agora fica mais evidente que as grandezas XC e XL representam o papel de �resistências� do capacitor e indutor, respectivamente. Para diferenciá-las da resistência R de um resistor, elas são chamadas de reatância capacitiva e reatância indutiva. A diferenciação não é só uma mera questão de nome, pois fisicamente elas tem origens diferentes, embora do ponto de vista do circuito, funcionam como se fossem resistências. A resistência R vem da colisão dos elétrons livres com os átomos do metal. Já a reatância capacitiva e indutiva vêm, respectivamente, da 3.3 Exemplos resolvidos 23 rapidez de um capacitor no processo carga-descarga frente à frequência da fonte de tensão e da lei da indução de Faraday. Convém lembrar que resistores dissipam calor. Capacitores e Indutores não. Eles servem todos como limitadores de corrente, mas apenas resistores jogam energia para fora do circuito. Em outras palavras: o capacitor e indutor não limitam a corrente por oferecer resistência à passagem de elétrons. Eles o fazem pois o capacitor carrega e nao permite mais a circulação de carga pelo circuito. O indutor, pois criam uma corrente induzida contrária que podem �anular� a corrente direta que a fonte gera. Estes sao os principais resultados sobre circuitos de corrente alternada. Ainda falta um conceito importante, o de fasores, mas antes de entrarmos nesta questão, é interessante discu- tir uma questão de cunho prático: embora a grande maioria dos aparelhos que usamos sejam circuitos de corrente alternada, quando fazemos medidas com multímetros estamos apenas inte- ressados nos valores RMS das grandezas. Assim, muitas questões a serem resolvidas requerem apenas o conhecimento das equações acima: se calcularmos valores médios, sem nos preocupar- mos com os senos e cossenos, poderemos obter um grande número de informações pertinentes de nossos sistemas. Vamos olhar alguns exemplos resolvidos para entender um pouco como isto funciona, bem como para que possamos ter uma idéia dos valores numéricos e como as reatâncias mudam drasticamente com a frequência. 3.3 Exemplos resolvidos Problema 1: Reatância de uma bobina. Considere uma bobina que tem uma resistência de 1.00Ω e uma indutância de 0.300 H. Se ligarmos esta bobina numa fonte de tensão, determine a corrente se esta fonte for (a) uma tensão contínua de 120 Volts ou (b) uma tensão alternada de 120 V e frequência de 60.0 Hz. (Detalhe: em todos os problemas, sem exceção, normalmente se indicam sempre os valores de corrente ou voltagem RMS e nunca os valores de pico. Além disso sempre se dá o valor da frequência f . É IMPORTANTE SEMPRE SE LEMBRAR DE MULTIPLICAR f POR 2pi POIS NAS FÓRMULAS USA-SE SEMPRE ω!). Solução: (a) Com voltagem contínua não há reatância indutiva pois XL = 0 se f = 0. Logo, a bobina se comporta simplesmente como um fio de resistência 1 Ohm. Assim I = V R = 120 V olts 1.00 Ω = 120A (3.3.1) (b) Já no segundo caso, onde existe uma frequência de 60.0 Hertz, ou seja, um ω de 377 rad/s, a bobina apresentará uma reatância indutiva igual à XL = 2pifL = (6.28)× (60.0 s−1)× (0.300 H) = 113 Ω (3.3.2) Logo a corrente pelo circuito será Irms = Vrms XL = 120 V 113 Ω = 1.06 A (3.3.3) Estas expressões nos deixam muito claro o quão �resistente� à passagem de corrente uma bobina pode ser, desde que a frequência da fonte seja grande o suficiente. Neste caso temos uma corrente pouco mais de 100 vezes menor do que no caso onde a tensão da fonte é contínua. 24 Circuitos AC: corrente alternada Problema 1: Reatância de um capacitor. Considere uma capacitor de capacitância de 1.0µ F e uma fonte de tensão alternada de 120 Volts. Calcule a corrente no circuito quando (a) f = 60 Hz e (b) f = 6.0× 105 Hz. (Detalhe: notem que, em problemas envolvendo capacitor, nem se cogita discutir casos de tensão contínua, pois o capacitor vai eventualmente carregar e não vai mais ter corrente no circuito). Solução: (a) Com voltagem em 60 Hertz a reatância capacitiva vale XC = 1 2pi f C = 1 (6.28)(60s−1)(1.0× 10−6F ) = 2.7kΩ (3.3.4) Portanto a corrente rms vai ser Irms = 120 V 2.7× 103 Ω = 44 mA (3.3.5) (b) Já no segundo caso, onde existe uma frequência de 600 mil Hertz, ou 0.6 MHz, a reatância capacitiva vale XC = 1 2pi f C = 1 (6.28)(60× 105s−1)(1.0× 10−6F ) = 0.27Ω (3.3.6) Isso implica numa corrente rms Irms = Vrms XC = 120 V 0.27 Ω = 440 A (3.3.7) Notem a enorme diferença entre as duas correntes: existe 5 ordens de grandeza separando-as, quer dizer, uma é 100 mil vezes maior que a outra. Resumo: em um circuito de corrente alternada, capacitores e indutores passam a ter um papel ativo, limitando a corrente para fontes de baixa (capacitores) e alta-frequência (induto- res), funcionando assim como filtros de frequência. Isso se dá através da sua reatância, que é análogo a uma resistência, embora convém lembrar que esta resistência tem uma origem física diferente daquela de um resistor. Um outro detalhe importante é o fato que existe uma de- fasagem, no caso do capacitor e resistor, entre a voltagem aplicada e a corrente que ela gera. Se estamos trabalhando com valores rms, este fato não é tão relevante. Porém, se estivermos olhando para as funções matemáticas que representam correntes e voltagens, veremos que elas são funções harmônicas deslocadas uma em relação à outra. 3.4 Circuito RLC em série O que acontece quando colocamos agora um resistor, um capacitor e um indutor em série em um circuito alimentado por uma fonte de tensão alternada? Se formos olhar para os resultados anteriores, fica a dúvida: no capacitor a corrente está adiantada em relação à voltagem. No indutor, atrasada. No resistor, em fase. Então, onde está a corrente? Atrasada, adiantada ou em fase? Quem ganha, o resistor, o indutor ou o capacitor? Esta dúvida surge pois a maneira como coloquei a pergunta está equivocada, ou seja, ela induz ao erro (isso se chama um sofisma: você introduz um erro na lógica de modo que as 3.4 Circuito RLC em série 25 pessoas chegem a uma conclusão errada). O erro está em eu afirmar que a corrente pode estar atrasada, adiantada ou em fase. A corrente nunca está adiantada, atrasada ou em fasepois a característica PRINCIPAL de um circuito em série é que a CORRENTE é sempre a mesma em qualquer parte do circuito, pois todos os elementos estão no mesmo fio. Não importa em que parte do circuito você coloque um amperímetro, a corrente medida será sempre a mesma, em qualquer ponto. Logo, quando dizemos �a corrente está adiantada, etc. em relação à voltagem�, pode parecer que no fundo quem dita a regra é a voltagem e não a corrente. Na verdade seria mais correto dizer �a voltagem está adiantada,etc. em relação à corrente� pois é a corrente que devemos tomar por base! Pense em um circuito submetido a uma tensão contínua. Quando resolvemos o circuito usando a lei de Ohm, usamos o mesmo I para um circuito de uma malha mas a VOLTAGEM é diferente em cada resistor, etc.. Sabemos apenas que a soma das voltagens em cada elemento é igual à voltagem da fonte. Assim, num circuito de voltagem alternada, a corrente é igual e daí podemos dizer que no capacitor a voltagem vai estar ATRASADA (que é o mesmo que dizer que a corrente está adiantada); no indutor a voltagem está ADIANTADA (ou a corrente atrasada). E no resistor, a voltagem está em fase. Resumindo: a corrente é nosso fundamento e uma vez tendo uma corrente, que é a mesma para todos (como no circuito de corrente contínua), as voltagens são diferentes (como no circuito de corrente contínua). Só vale lembrar que isto significa, já que estas voltagens estão todas defasadas, que as voltagens também atingem seus picos em tempos diferentes. A todo instante a soma das voltagens é igual a voltagem da fonte, como no caso de corrente contínua, mas temos que lembrar que em sistemas de corrente alternada estamos somando senóides. Isto implica que pode haver instantes de tempo em que a voltagem no indutor, por exemplo, seja maior que a voltagem na fonte (!), mas daí haverá uma senóide, digamos do resistor ou do capacitor, que estará do lado negativo do eixo, fazendo que a voltagem total, que é a soma de todas as voltagens, seja igual a voltagem da fonte. Isso normalmente causa surpresa quando vamos ao laboratório e vemos por exemplo que para uma voltagem de pico da fonte de 10 Volts chegamos a medir em certos momentos uma voltagem no indutor (ou capacitor) de 12 Volts, apenas para dar um exemplo. Mas quando isso ocorre, haverá nos outros elementos do circuito uma voltagem negativa que somada à voltagem de 12 Volts levam a uma voltagem total MENOR. A lei de Ohm não perde sua validade: as voltagens nos elementos se somam para dar a voltagem na fonte. Só devemos nos lembrar que estamos somando 3 funções que variam no tempo. Consequentemente a sua soma também variará no tempo. No entanto, somar funções senoidais é uma tarefa um tanto complicada. Vamos imaginar que temos uma voltagem máxima Vmax L no indutor e uma voltagem máxima Vmax C no capacitor. Sendo assim, a soma das duas voltagens para uns instante de tempo t arbitrário seria Vmax L sin(ωt+ α) + Vmax C sin(ωt+ β) (3.4.1) que pela lei de Ohm deve ser igual a voltagem da fonte naquele mesmo instante de tempo t Vmax L sin(ωt+ α) + Vmax C sin(ωt+ β) = Vmax sin(ωt+ δ) (3.4.2) A tarefa matemática é a seguinte: partindo do lado esquerdo, chegar ao lado direito, ou seja, escrever a soma de 2 senóides arbitrárias como sendo também uma senóide. Note que mantemos o mesmo ω nas diferentes funções pois estamos pensando sempre que a frequência da tensão da 26 Circuitos AC: corrente alternada fonte é só uma, e portanto esta mesma frequência estará sendo aplicada em qualquer elemento do circuito. Há porém uma maneira geométrica bastante interessante de fazer isso. O segredo está em representar uma função senoidal como sendo a projeção no eixo y de um vetor que gira com velocidade angular ω em torno de um ponto fixo. Isto está ilustrado na Figura 3.5. Figura 3.5: A relação entre o movimento de um vetor que gira em torno de um ponto fixo e uma função senoidal. Observem o vetor em diferentes instantes de tempo e vejam que a curva senoidal representa a altura de sua ponta até o eixo x, ou seja, o valor da componente y do vetor. Matematicamente, o movimento circular é o mesmo que um movimento senoidal, mas visto de um referencial diferente. Prestem bastante atenção a esta figura. Se imaginarmos o vetor girando, a 'sombra' de sua ponta descreverá, no eixo y, uma senóide. Isso equivale a dizer que um movimento circular e um movimento senoidal são matematicamente equivalentes. Na verdade são iguais! A diferença está no referencial. Tente imaginar um ponto fixo no perímetro de um círculo que gira. Se o centro do círculo, à medida que ele gira, se deslocar também com uma velocidade constante para a direita, quem estiver parado vai ver este ponto descrever uma senoidal. Se a pessoa se move com o círculo, com a mesma velocidade para a direita, ela verá apenas o ponto girando em torno do centro do círculo. 3.4 Circuito RLC em série 27 Se pegarmos agora duas funções senoidais, podemos representá-las juntas como na Figura 3.6. O que é importante notar nesta figura é que estamos trabalhando com 2 vetores que giram Figura 3.6: Duas funções senoidais representadas conjuntamente como vetores girando num círculo. Se a velocidade angular dos dois é a mesma, eles mantém o mesmo ângulo ϕ entre si o tempo todo. com a mesma velocidade angular ω. Isto significa que eles mantém sempre a mesma distância entre si (distância medida em ângulo, obviamente). Se quisermos então somar duas funções senoidais, já que elas podem ser representadas por vetores, basta fazer a soma de dois vetores, como na figura 3.7! Tentem entender bem esta figura. Ela é mais simples do que parece. Transcrevo abaixo o texto do meu livro (e da Profa. Gallas) onde mostro como calcular isto. Isto serve apenas de ilustração, pois no caso dos circuitos RLC que estamos interessados, todas os vetores fazem 90 graus entre si e daí aplicamos diretamente Pitágoras (lembrem-se: se a corrente no circuito é uma, a voltagem no resistor está em fase, no capacitor atrasada de 90 graus e no indutor adiantada de 90 graus. Logo os três vetores de voltagem são perpendiculares entre si). No caso ilustrado abaixo, usamos a Lei dos Cossenos, que recai em Pitágoras quando γ é 90 graus. 28 Circuitos AC: corrente alternada Figura 3.7: A soma de duas senoidais como se fossem vetores. A primeira função (azul) é I1M sin(ωt+ β). A segunda (verde) é I2M sin(ωt+ α). A soma resultante é representada pelo vetor em preto. 3.5 Correntes e Voltagens A regra então é bem simples. Se submetermos um circuito a corrente alternada (estamos pensando em capacitores, indutores e resistores em série), a voltagem em cada elemento vai ser sempre representada pela figura 3.9. Isto se chama representação de FASORES da voltagem. A voltagem, sabemos, é um escalar, mas podemos representá-la como se fosse um vetor: trata- se apenas de uma representação matemática, desprovida de conteúdo físico. Por isso, para evitar que se confunda escalar com vetor, achando que a voltagem é um vetor, quando na realidade ela não é, dá-se o nome de fasor para este �vetor� (nome inspirado, obviamente, no fato que voltagens tem diferentes fases em diferentes pontos do circuito). Olhemos a figura 3.9 detalhadamente. Um primeiro detalhe importante: no resistor, a corrente e a voltagem estão sempre em fase. Como a corrente é a mesma para todo o circuito, isto significa que a representação da corrente em termos de fasores é um vetor na mesma direção e sentido que VR. Na figura não foi desenhado este fasor para não sobrecarregar o desenho, mas este resultado é sempre válido. Se quisermos saber onde está I, basta imaginarmos um �vetor� junto com VR. Segundo detalhe importante: o que os aparelhos de medida realmente mostram e o que realmente está presente no circuito: são os valores destes fasoresprojetados no eixo y. As projeções no eixo x são desprovidas de sentido físico. Lembrem-se novamente que estamos representando uma função seno pela projeção de um vetor que gira em torno da origem. Terceiro detalhe: como todo o circuito está submetido a uma tensão de frequência f (ou frequência angular ω = 2pif , que é o mesmo), todos os vetores rodam juntos e mantém a mesma posição relativa entre si. (a) Nesta parte da figura está representado um instante de tempo em que uma medição instantânea das voltagens nos daria VR = 0 (a projeção do fasor no eixo y é zero), VL estaria no seu valor de pico positivo V maxL e a voltagem VC no seu valor de pico, mas negativa V maxC . A voltagem na fonte seria o vetor verde, cujo valor calcularemos abaixo. Notem uma coisa importantíssima, que não deve nos causar surpresa: o fasor azul é o 3.5 Correntes e Voltagens 29 Figura 3.8: O cálculo matemático da soma de duas funções senoidas, usando vetores. maior de todos e ultrapassa o limite da circunferência verde, cujo raio é o módulo da voltagem de pico da fonte. Isto significa que podemos, em instantes de tempo, ter um valor de VL projetado no eixo y maior que o valor máximo de V . Isso não representa nenhum problema pois neste instante, em que a voltagem na resistência é nula, a voltagem no capacitor é negativa e V = VL − VC . (b) Um certo instante de tempo depois, todos os fasores giraram, mantendo entre si sempre os mesmos ângulos. Se fizéssemos uma leitura instantânea das voltagens em cada elementos do circuito, todos eles nos dariam uma voltagem positiva, com exceção do capacitor, cuja voltagem é negativa. Neste instante a voltagem no indutor ainda é maior que a da fonte. (c) Passado mais algum tempo, a voltagem na fonte está quase chegando ao seu valor de pico, as voltagens do indutor e resistor ainda são positiva e a do capacitor negativa. Neste instante, nenhuma voltagem medida de qualquer elementos é maior, por si só, da voltagem da fonte. (d) Neste instante posterior, chegamos a uma situação onde a voltagem no resistor é máxima, 30 Circuitos AC: corrente alternada VL VL VL VC VL VC (a) (d)(c) (b) V VR V VR VC VR VVR V VC Figura 3.9: A representação de fasores para as voltagens nos diferentes elementos do circuito em sucessivos instantes de tempo, de (a) → (b) → (c) → (d). Em preto representamos a voltagem no resistor. Em vermelho no capacitor e em azul no indutor. A soma dos três vetores é a voltagem na fonte, em verde. Notem que a medida que o tempo passa, os vetores rodam no sentido anti-horário em relação à origem. A todo instante, eles não mudam de posição relativa entre si, estão sempre defasados pelo mesmo ângulo um em relação ao outro. As linhas pontilhadas servem apenas para ilustrar os paralelogramos usados para somar vetores. A circunferência verde mostra o traçado da ponta do fasor de voltagem da fonte. No corpo do texto, uma explicação mais detalhada do que cada figura representa. 3.5 Correntes e Voltagens 31 a voltagem na fonte é positiva mas já começou a cair e tanto o indutor como o capacitor tem uma voltagem nula. Como calcular agora a corrente, que é nosso objetivo? Basta fazermos a soma de 3 �vetores� VR, VC e VL e impor que a soma destes três vetores seja igual ao vetor que representa a voltagem na fonte. Na verdade só devemos tomar um cuidado. Reservamos os nomes VR, VC e VL para os valores realmente medidos nos multímetros. Quanto aos fasores, para que façamos uma distinção entre sua projeção no eixo y e os fasores em si, chamaremos eles de VˆL e VˆC e VˆR. Já que os dois primeiros são sempre colineares e de sentidos opostos podemos somá-los diretamente VˆL+C = VˆL + VˆC (3.5.1) cujo módulo ‖VˆL + VˆC‖ será{ V maxL − V maxC se V maxL for maior que V maxC V maxC − V maxL se V maxC for maior que V maxL (3.5.2) Agora, basta somar o termo com VˆR. Como ele faz 90 graus com a resultante de VˆL + VˆC , podemos escrever direto o módulo do vetor total (que tem que ser igual ao valor do Vmax da fonte) usando Pitágoras ‖VˆL + VˆC + VˆR‖ = √ (V maxR ) 2 + (V maxL − V maxC )2 (3.5.3) Agora, lembremos que o que aparece na expressão acima são os módulos (tamanhos) dos vetores e não suas projeções, ou seja, seus valores máximos. Como o módulo do vetor acima tem que ser o módulo do fasor que representa a voltagem na fonte Vmax, temos que Vmax = √ (V maxR ) 2 + (V maxL − V maxC )2 (3.5.4) Agora, sabemos que V maxR = R Imax (3.5.5) V maxL = Imax ωL (3.5.6) V maxC = ω C Imax (3.5.7) Substituindo estes valores na expressão para Vmax obtemos Vmax = √ Imax 2 R2 + ( ωL Imax − Imax ωC )2 = √R2 + (ωL− 1 ωC )2 Imax (3.5.8) Resumindo Imax = Vmax√ R2 + ( ωL− 1ωC )2 = Vmax√R2 + (XL −XC)2 = VmaxZ (3.5.9) Ou seja, num circuito RLC em série, esta é o valor máximo de corrente que medimos. Notem que ela é dada pela voltagem máxima da fonte dividida por uma grandeza Z (que tem 32 Circuitos AC: corrente alternada VC VL V φ ω t ω t − φVL − VC VR Figura 3.10: A relação entre os ângulos ωt e φ dimensão de OHM) e pode ser interpretada como uma �resistência� generalizada do circuito. Esta grandeza recebe o nome de IMPEDÂNCIA. Resta responder uma pergunta: esta corrente na verdade é o valor de pico, o valor máximo de I que podemos medir. Agora, ele é um fasor colinear com o fasor verde da figura 3.9 e gira junto. O valor que observaríamos num instante de tempo qualquer seria a projeção deste fasor de corrente no eixo y, ou seja I(t) = Imax sin(ωt− φ) (3.5.10) onde φ é ângulo entre o fasor verde (que representa a voltagem na fonte) e o fasor preto (pois o fasor que representa I é colinear com o fasor que representa a voltagem no resistor). Isto está representado na figura 3.10. Achar φ é simplesmente uma questão geométrica pois o ângulo φ é o ângulo cuja tangente vale φ = arctan VL − VC VR = arctan ω L− 1/ω C R (3.5.11) Uma outra expressão bastante prática é cosφ = R Z (3.5.12) Com isso resolvemos o problema de um circuito RLC em série. A corrente é representada pela função (3.5.10). Na verdade o que acabamos de fazer pode parecer complicado, quando na realidade não é. O que fizemos pode, basicamente, ser resumido a três passos: (1) Queremos aplicar a lei de Ohm a três voltagens que variam no tempo e são representadas por funções seno de diferentes fases. O problema é que somar diferentes senóides pode ser algo muito trabalhoso. Buscamos assim representar o seno de uma forma que torne a 3.6 Potência Dissipada 33 x y ω t A ω tω tA sin ( ) A cos ( ) Figura 3.11: A representação na forma de fasor de uma grandeza arbitrária que varia no tempo segundo a equação A sin(ωt). Nos interessa apenas a projeção (em azul) no eixo y, pois esta é a grandeza física que medimos em laboratório (no caso de uma voltagem ou corrente). Devemos lembrar que o ângulo θ = ωt aumenta com o passar do tempo. operação de soma mais fácil. Por isso representamos a função do tipo A sin(ωt) como um vetor de módulo A girando em torno da sua base com velocidade (ou frequência) angular ω. Estes vetor tem duas projeções: no eixo y e no eixo x. Só nos interessa a projeção no eixo y, pois esta é dada pelo seno. Tecnicamente, por se tratar de voltagens ou correntes, que não são vetores mas escalares, chamamos esta representação de �representação de fasores�, embora trabalhemos como se fossem vetores. A distinção se faz necessária para que não passemos a imaginar que voltagem e corrente sejam vetores! (2) Somar diferentes senóides passa a ser então um problema equivalente à soma de diferentes fasores. Transformamos um problema ALGÉBRICO num problema GEOMÉTRICO. (3) No caso particular de um circuito RLC, sabemos que os fasoresque representam as voltagens fazem SEMPRE um ângulo de 90◦ entre si. Assim, ao invés de usarmos a lei dos cossenos para soma de vetores com ângulos arbitrários, usamos simplesmente Pitágoras. Assim que se chega à equação para a corrente. 3.6 Potência Dissipada Quando discutimos há pouco sobre a IMPEDÂNCIA, que é a �resistência� generalizada de um circuito, lembramos que cada elemento exerce, a seu modo, uma resistência à passagem de corrente. Isso ocorre por fenômenos físicos diferentes: o resistência pura surge da colisão dos elétrons com os átomos da rede, que absorvem parte do momento dos elétrons e a rede se torna mais agitada. Consequementente o material esquenta, e energia é dissipada na forma de calor. O capacitor corta a corrente se a voltagem tiver frequência muito baixa: o capacitor carrega antes e não deixa mais passar corrente no sistema. O indutor limita a corrente criando uma corrente contrária, ou seja, quanto maior a frequência da voltagem, maior vai ser a variação da corrente direta e o campo magnético dentro da bobina gera um fluxo que varia muito 34 Circuitos AC: corrente alternada rapidamente. Surge uma corrente induzida contrária que em certos casos leva a uma corrente total próxima de zero. Nestes dois últimos casos, não há perda de energia, pois não há dissipação de forma alguma 1 . Por isso se quisermos saber quanto da potência P = V I que colocamos no sistema é perdida, basta ver qual a resistência e multiplicar pela corrente. Como a corrente varia no tempo, define-se a potência média P através de P = R Irms 2 (3.6.1) Ou seja, lembrando que R = Z cosφ podemos também escrever P = R Irms 2 = Z cosφIrms 2 = Irms(Irms × Z) cosφ = IrmsVrms cosφ (3.6.2) Que é uma maneira prática de escrevemos a potência numa forma tipo P = V I. O termo cosφ é o que os engenheiros chamam de fator de potência de um circuito. Se o sistema for puramente resistivo (não há capacitor nem indutor, só resistência), Z = R e cosφ = 1. Logo, como a energia fornecida pela fonte é Pfonte = IrmsVrms e a potência dissipada P = IrmsVrms isto significa que toda energia fornecida ao sistema é dissipada no resistor. No caso de sistemas puramente indutivos ou capacitivos (só L ou só C), cosφ = 0 pois φ = −90◦ (capacitor) ou φ = 90◦ (indutor). Se houver uma combinação de capacitores e indutores não importa, pois cosφ nestes casos ainda é zero. Lembrando um ponto importante: assim como potencial, que não tem um valor absoluto, pois só faz sentido falarmos em diferença entre potenciais de diferentes pontos, a escolha da corrente como sendo algo do tipo I(t) = Imax sin(ωt) ou I(t) = Imax sin(ωt + α) não tem a menor relevância. Fases numa função não são relevantes. Elas indicam apenas uma escolha arbitrária do tempo inicial, quando começamos a medir a função. No caso aqui mostrado, a função é a mesma, a única diferença é que se podemos escolher nosso tempo inicial como sendo aquele quando I(0) = 0 ou aquele quando I(t) = Imax sinα. Você sempre tem a liberdade de começar a medir algo quando ela sai de um valor zero ou de um valor qualquer, diferente de zero. Isto não altera o comportamento da função. O que é realmente relevante é a DIFERENÇA DE FASE entre a corrente e a voltagem na fonte, o φ que foi por nós calculado. Esta grandeza não tem nada de arbitrária, como sua definição mostra. 3.7 Exemplos de aplicação Exemplo 1: Circuito RLC. Um circuito tem uma resistência de R = 25.0Ω , uma indutância L = 30.0 mH e uma capacitância de C = 12.0µF. Todos estão conectados em série a uma fonte de 90.0 V ac (rms) de frequência 500Hz. Calcule (a) a corrente rms no circuito; (b) a leitura do voltímetro (rms) em cada elemento; (c) o ângulo de fase φ e (d) a potência dissipada no circuito. Solução: (a) primeiro temos que achar as reatânciasXL eXC de cada parte do circuito quando 1 É claro que na vida real uma bobina e um capacitor são feitos de metais que também esquentam e dissipam calor, mas o que estamos dizendo aqui é que, desprezada esta resistência natural do metal do qual a bobina e o capacitor são feitos, eles não dissipam energia pela simples razão de que sua �resistência� não é baseada em efeitos dissipativos. 3.8 Problemas propostos 35 f = 500 Hz e a impedância Z. XL = 2pifL = 94.2Ω XC = 1 2pifC = 26.5Ω Z = √ R2 + (XL −XC)2 = √ (25.0Ω)2 + (94.2Ω− 26.5Ω)2 = 72.2Ω (3.7.1) Disto segue que Irms = Vrms Z = 90.0 V 72.2Ω = 1.25 A (3.7.2) (b) As voltagens rms são (VR)rms = IrmsR = (1.25 A)(25.0 Ω) = 31.2 V (VL)rms = IrmsXL = (1.25 A)(94.2 Ω) = 118 V (VC)rms = IrmsXC = (1.25 A)(26.5 Ω) = 33.1 V (3.7.3) Observe aqui que se fôssemos simplesmente adicionar as voltagens, a soma seria bem maior que os 90.0 V da fonte. De novo, vale lembrar: estes valores são os valores máximos das voltagens em cada elemento divididos por √ 2. As voltagens rms são por definição sempre positivas mas a voltagem real em cada elemento é uma senóide que horas é positiva, horas negativa, e todas elas estão defasadas entre si. Isso quer dizer que para qualquer instante de t que escolhermos, estas senoidais se somam para dar o valor da voltagem na fonte naquele t particular. (c) O ângulo de fase vale cosφ = R Z = 25.0 Ω 72.2 Ω = 0.346 (3.7.4) o que implica em φ = 69.7◦. Notem que φ é positivo pois XL > XC . Finalmente (d) P = IrmsVrms cosφ = (1.25 A)(90.0 V )(0.346) = 39.0 W . 3.8 Problemas propostos 1.) Desenhe um diagrama de fasores para um circuito RLC em série indicando: (a) A voltagem Vfonte da fonte; (b) Os fasores correspondentes a VR, VL e VC , que representam as quedas de voltagens no resistor, indutor e capacitor respectivamente; (c) a fase, no caso em que a queda voltagem no indutor é menor que no capacitor, ou seja, VL < VC (d) o valor da fase em termos das grandezas acima. 2.) Uma bobina com resistência r diferente de zero e indutância L é ligada numa fonte de tensão (rms) de 120 Volts e frequência f = 60 Hz. A potência média fornecida a bobina é de 60 W e a corrente (rms) vale I = 1, 5 Ampère. Determine: 36 Circuitos AC: corrente alternada (a) o fator de potência; (b) a resistência da bobina; (c) a indutância da bobina. Notem que neste problema a bobina, como acontece em situações reais, tem uma resistência não nula, embora normalmente pequena comparada àquelas de resistores. Isso não nos deve preocupar pois podemos simplesmente modelar uma bobina com resistência como se fosse uma bobina ideal acoplada em série com um resistor. 3.) Mostre que num transformador a relação entre a voltagem VP de entrada na bobina do primário e a voltagem de saída VS na bobina do secundário vale VS = NS NP VP (3.8.1) onde NP e NS representam o número de voltas da bobina do primário e do secundário, respectivamente. É possível ter um transformador com mais de um secundário, ou seja, um transformador que tenha duas saídas com 2 voltagens diferentes? A idéia deste problema é vocês pesquisarem um pouco sobre transformadores, um assunto rela- tivamente simples e fácil de entender. Qualquer livro de física básica discute transformadores. Mas convém estabelecer uma certa terminologia. Um transformador é, no caso mais simples, compostos sempre de 2 bobinas conectadas por um núcleo de ferro - pensem nestes transfor- madores 110 - 220 que temos muitas vezes em casa. Digamos que voce tenha uma tomada 110 e um aparelho 220. Daí você liga o lado marcado 110 na tomada, que é tensão de entrada ou primário do transformador. Do outro lado surgirá uma tensão 220, a tensão de saída ou secundário do transformador. O primeiro ponto importante: transformadores são sempre bi- volts, quer dizer, você ligar o mesmo transformador na tomada 220 e obter uma tensão 110 do outro lado. Assim, o primário ou secundário é simplesmente uma questão de quem voce coloca na
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