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A estrutura de incentivos que conduz à conformidade O custo da corrupção deve ser mais alto para os políticos também Compliance, em sentido muito restrito, significa simplesmente conformidade. Conformidade com o quê? Com regras. Quais regras? As regras mais diversas, podendo ser leis, decretos, regulamentos, instruções normativas, normas regulamentadoras, até as regras internas das próprias empresas. Em razão disso, é possível derivar várias formas de compliance: compliance trabalhista, compliance concorrencial, compliance tributário, compliance societária, compliance ambiental, compliance criminal, dentre outras. No Brasil, o compliance anticorrupção, embora seja, de longe, o mais difundido atualmente, é apenas uma das formas de possíveis de compliance e, em decorrência da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção brasileira ou “LAC”) diz respeito às regras aplicáveis à relação entre agentes econômicos privados (as sociedades empresárias, por exemplo) e os agentes públicos (funcionários públicos e autoridades). De fato, o compliance ganhou força no Brasil em 2013 em consequência da promulgação da LAC, a qual foi resultado tanto de compromissos internacionais de combate à corrupção firmados pelo Brasil, quanto da pressão exercidas pelo povo brasileiro nas ruas. Antes da LAC, existiam diversas leis aplicáveis no Brasil à relação entre agentes econômicos privados e agentes públicos, mas nenhuma com foco na responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica que se beneficia, indevida e ilicitamente, de tal relação. Vale dizer, até a promulgação da LAC, o custo para as empresas praticarem de atos irregulares contra a administração pública era muito baixo. Para entender essa afirmação é preciso agregar à interpretação jurídica de atos ilícitos ou de não-conformidades algumas noções provenientes da ciência econômica, que se dedica, com maior detalhe, ao estudo do comportamento humano. Aplicada ao ramo jurídico, a economia ajuda na interpretação do comportamento dos destinatários da norma, ou seja, oferece ao mundo jurídico ferramentas para entender as reações dos agentes econômicos à aplicação de regras. De acordo com Gary Becker (vencedor do Prêmio Nobel de Economia, 1992), um agente racional praticaria um ato ilícito (ou uma não-conformidade) quando as consequências negativas do ato fossem menores que as consequências positivas. A lógica seria a seguinte: antes de cometer um ato ilícito, o agente se depararia com as seguintes possibilidades: (i) se cometer o ato ilícito, qual a chance de ser pego? (ii) se for pego, qual a chance de ser julgado e condenado pelo ato cometido? (iii) Se for condenado, qual a chance de efetivamente cumprir a pena? Se qualquer das respostas for benéfica para o infrator, as consequências positivas decorrentes do cometimento do ato ilícito superarão as consequências negativas para o autor do ato. Vale dizer, o ato ilícito compensaria para ele. Para Gary Becker, a certeza da punição é mais dissuasória do que a simples existência de uma norma severamente punitiva. A abordagem de outro economista, Douglass North (também vencedor do Prêmio Nobel de Economia, 1993), ajuda no entendimento do comportamento dos destinatários das normas (normas externas e normas internas à empresa). Para Douglass North, as instituições (chamadas “regras do jogo”) importam e definem uma estrutura de incentivos de acordo com a qual os sujeitos de direito agiriam em um sentido ou em outro. Isso vale para várias áreas do direito e, por fim, impactam no próprio desenvolvimento econômico de um país, vez que se a estrutura de incentivos posta orienta os agentes econômicos a atividades delitivas mais do que a atividades produtivas, eles iriam cometer delitos em vez de despender esforços na produção de bens e serviços lícitos. Essas noções econômicas quando aplicadas ao compliance resultam no seguinte: se não houver punição efetiva a quem comete atos ilícitos ou não-conformidades, haverá incentivo para a prática ilícita ou não-conforme, vez que as consequências positivas para o agente delitivo seriam maiores do que as consequências negativas. Ou seja, o agente que cometer o ato ilícito ou a não-conformidade terá mais benefícios do que custos, prejuízos, danos. Como se reverte o cenário de incentivo à prática de atos ilícitos ou não-conformes no curto ou médio prazos? Com formação, educação e mudança cultural dos agentes econômicos? Sim, sem dúvida, a Coreia do Sul é um grande exemplo disso. Mas não é tudo. Essas mudanças somente ocorrerão de fato se houver consequências negativas importantes para quem cometer um ato ilícito ou uma não- conformidade. Isto é, para o autor do delito ou da não-conformidade, o custo para o cometimento do ato deve ser alto o suficiente que o leve a desistir de praticá-lo. Essa noção vale tanto para as situações de compliance anticorrupção quanto para qualquer outra forma de compliance, conforme acima já dito. No ambiente de uma empresa, a efetividade de um programa de compliance passa, por exemplo, por efetivo engajamento da alta administração, estrutura, organização, agilidade nas respostas, proatividade, mas nada disso funcionará se não houver sanções (consequências negativas). Vale dizer, deve ficar claro para os colaboradores em uma empresa que as não-conformidades serão tratadas e deve ser a eles assegurado que os seus atos terão consequências negativas importantes, atingindo- os na pessoa física. Não adianta ter programa de compliance apenas no papel e o mesmo não ser efetivamente praticado. Aliás, já se considera que o uso dos chamados “programas de fachada” pode ser fator para incremento de pena, em vez de redução. O programa de compliance bem estruturado e efetivamente praticado traz diversos benefícios para as empresas, tais como: sustentabilidade do negócio; competitividade; awareness da organização em relação a práticas de concorrentes, prestadores de serviços e fornecedores; mitigação de riscos; menor exposição da empresa, identificação antecipada de práticas ilícitas e de não-conformidade, redução de penalidades, dentre outros. Ao fim do dia, as práticas de compliance são capazes de trazer desenvolvimento econômico, vez que, em um mercado onde todos os players cumprem as regras, os concorrentes terão de se diferenciar uns dos outros por meio da competência, investimentos, eficiência, redução de custos, tecnologias, por exemplo, não mais por meio de propina ou de vantagens indevidas. Estima-se que o custo da corrupção no Brasil gira em torno de 2% do PIB, o que soma aproximadamente R$ 80 bilhões de reais por ano. O custo de oportunidade para o nosso país é enorme, vez que basta ver o quanto poderia ser investido em educação, saúde e, até mesmo, no combate à corrupção. Dessa forma, é simples entender que um caminho possível para o Brasil alterar a sua estrutura de incentivos em relação às práticas ilícitas é assegurar a imposição de consequências negativas. A operação Lava-Jato levou à punição de diversas empresas e ao encarceramento de diversos executivos, mas de poucos políticos. O custo da corrupção deve ser mais alto para os políticos também. As consequências negativas devem ser superiores às consequências positivas para os envolvidos em atos ilícitos e não-conformidades. Em outras palavras, o crime não mais poderá compensar. Luciano Benetti Timm - Advogado. Doutor em Direito. Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia. Renato Caovilla - Advogado. LLM pela University of California, Berkeley.
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