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Resumo para AV2 – Direito Civil I Capítulo 2 – A Pessoa Natural O Domicílio Civil O domicílio civil é o ponto no qual o sujeito de direitos e obrigações se permite ser localizado, onde reside, ou mora. É no domicílio que a pessoa se presume presente para dar cumprimento aos seus atos e negócios jurídicos. Existem dois elementos que caracterizam o domicílio: o elemento objetivo, que é o local propriamente dito, a residência da pessoa, e o elemento subjetivo, que se refere ao ânimo definitivo, que é a intenção de permanecer e ali fixar moradia (domicílio residencial) ou exercer sua atividade central (domicílio profissional). Quanto ao número, o domicílio pode ser único ou plúrimo. Quanto à existência, é real ou presumido. Quanto à liberdade de escolha, pode ser necessário ou voluntário, sendo que o necessário é aquele descrito por lei, e o voluntário o que pode ser estipulado pelas partes em relação jurídica. Capítulo 4 – A Pessoa Jurídica Domicílio da Pessoa Jurídica O domicílio da pessoa natural é, em regra, determinado pela residência com o animus (ou seja, sua vontade) de permanência. Como a pessoa jurídica não tem residência, seu domicílio é determinado, em regra, pela sua sede ou estabelecimento, por ser o local onde costuma celebrar seus negócios jurídicos. Pessoas Jurídicas de Direito Público As pessoas jurídicas de direito público interno que compõem a administração direta têm como domicílio a sede de seu governo: o domicílio da União é o Distrito Federal; o domicílio dos Estados e Territórios são as respectivas capitais; e o domicílio dos Municípios é o lugar onde funcionar a administração municipal. Quanto às pessoas jurídicas de direito público que compõem a administração indireta (as autarquias), o entendimento doutrinário é no sentido de que o seu domicílio é determinado pelo ente a que estão subordinadas (União, Estado, Distrito Federal ou Município). Pessoas Jurídicas de Direito Privado O Código Civil determina que o domicílio das demais pessoas jurídicas é o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos (domicílio de eleição). Se a pessoa jurídica tiver diversos estabelecimentos em lugares diferentes (p. ex.: filiais), cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados, facilitando a vida das pessoas que litigarem com as pessoas jurídicas. Como essa pluralidade de domicílio é estabelecida em favor da pessoa que precisar litigar contra a pessoa jurídica, admite-se que o demandante opte pelo domicílio da sede. Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder. Capítulo 5 – Os Bens Conceito Bens são todos os objetos materiais e imateriais existentes na natureza, que proporcionam uma utilidade às pessoas. O estudo dos bens é importante, pois são considerados objetos de direitos nas relações jurídicas, cujos titulares são as pessoas (sujeitos de direitos). Bens e Coisas: Distinção Existe forte divergência doutrinária sobre a definição de bens e coisas. 1ª Corrente: defende que coisas são todos os objetos existentes na natureza, com exceção das pessoas. Ao passo que bens são apenas aquelas coisas que têm valor econômico e que são suscetíveis de apropriação (animais, livros, automóveis etc.). Em síntese, defende que coisa é o gênero do qual bem é uma espécie. 2ª Corrente: aponta exatamente o oposto da primeira corrente ao defender que coisas são os objetos materiais suscetíveis de valoração econômica. Já os bens têm acepção mais ampla, abrangendo os objetos dotados ou não de conteúdo patrimonial. Para essa corrente, bem seria o gênero; e coisa, a espécie. Com relação à divergência doutrinária exposta, entendemos que a posição mais adequada é a esposada na primeira corrente, que, a propósito, é majoritária. Contudo, no âmbito legal, é de notar que o legislador parece ter adotado a segunda corrente no Código Civil de 2002, pois na parte geral há um capítulo dedicado aos bens (abrangendo os materiais e os imateriais) e, na parte especial, um capítulo dedicado ao direito das coisas, para tratar da posse e dos direitos reais que incidem sobre alguns bens (as coisas). Das Diversas Classificações dos Bens O legislador do Código Civil de 2002 classificou os bens de acordo com três critérios: a) bens considerados em si mesmos (imóveis e móveis; fungíveis e infungíveis; consumíveis e inconsumíveis; divisíveis e indivisíveis; materiais e imateriais; singulares e coletivos); b) bens reciprocamente considerados (principais e acessórios); e c) considerados em relação ao titular (particulares e públicos). Classificação dos Bens de Acordo com a Mobilidade Bens Imóveis Bens imóveis ou bens de raiz são aqueles que não podem ser transportados, sem destruição, de um lugar para outro. A remoção causaria alteração de sua substância ou de sua forma. O conceito legal de bem imóvel, conferido pelo Código Civil, compreende o solo e tudo quanto lhe for incorporado de maneira natural ou artificial. 1. Por natureza (ou por essência): trata-se do solo e tudo quanto lhe for incorporado de forma natural (p. ex.: árvores, frutos, pedras etc.). 2. Por acessão física artificial: são todos os bens que as pessoas incorporam ao solo de forma artificial e permanente – não podem ser retirados, em regra, sem destruição, modificação, fratura ou dano. De acordo com o art. 81 do Código Civil, não perdem a característica de bens imóveis: As edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local. Exemplo: o deslocamento de uma casa de madeira ou mesmo de alvenaria de um lugar para outro. Os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem: Se o prédio for demolido para reconstrução, os materiais continuarão sendo tratados como imóveis. Se a demolição não tiver esse propósito, os materiais passarão à condição de móveis. 3. Por acessão intelectual (ou por destinação): são todos os bens móveis que o proprietário mantém empregados de forma duradoura e intencional na exploração industrial, aformoseamento (embelezamento) ou comodidade do bem imóvel. Para que ocorra a acessão, o bem móvel deve pertencer ao proprietário do imóvel e estar à disposição do bem imóvel, e não da pessoa. Essa imobilização pode cessar a qualquer momento, bastando manifestação de vontade do proprietário. Como exemplos de bens imóveis por acessão intelectual, a doutrina costumeiramente aponta os ornamentos (vasos, estátuas nos jardins, cortinas etc.), máquinas agrícolas, animais e materiais utilizados para plantação, escadas de emergência justapostas nos edifícios, geradores, aquecedores, aparelhos de ar-condicionado etc. Bens Móveis São aqueles que podem ser movidos de um local para outro sem que seja alterada a substância ou a destinação econômico-social. A remoção de um lugar a outro pode ocorrer por força própria (semoventes), no caso dos animais, ou por força alheia, que são os móveis propriamente ditos (p. ex.: livro, caneta, fruta etc.). Os bens móveis podem ser classificados em: 1. Por natureza: compreendem tanto os semoventes (aqueles que se movem por força própria – exemplo: os animais) como as coisas inanimadas que possam ser transportadas de um lugar a outro, sem quese destruam, isto é, sem que ocorra alteração de sua substância ou de sua destinação social. Exemplos: carro, lápis, cadeira etc. O bem móvel por natureza é sempre uma coisa corpórea. 2. Por antecipação: são aqueles mobilizados (transformados em bens móveis) pelos seres humanos em atenção a sua finalidade econômica (p. ex.: fruta colhida, madeira cortada, pedra extraída, casa vendida para ser demolida etc.). 3. Por determinação legal: são as energias que têm valor econômico: elétrica, térmica, solar, nuclear, eólica, radioativa, radiante, sonora, da água represada etc. Classificação dos Bens de Acordo com a Fungibilidade Bens Fungíveis São os móveis passíveis de substituição por outros da mesma espécie (gênero), qualidade e quantidade. Como exemplo de bens fungíveis, podemos citar dinheiro, milho, água etc. A fungibilidade é uma característica natural dos bens móveis, mas as partes podem transformar, mediante simples manifestação de vontade (contrato), um bem fungível em infungível. Como exemplo, podemos citar o empréstimo ad pompam vel ostentationem de uma garrafa de vinho para exposição com a obrigação de ser restituída ao final. Bens Infungíveis São os bens que não podem ser substituídos por outros em razão de determinadas qualidades individuais e específicas. A infungibilidade é uma característica própria dos bens imóveis, mas também se encontra presente em alguns bens móveis, como os veículos automotores (individualizados por seu chassi, placa etc.), obras de arte (p. ex.: a escultura O pensador, de Rodin). A infungibilidade pode resultar da natureza do bem ou da vontade das partes. Classificação dos Bens de Acordo com a Consuntibilidade Bens Consumíveis Bens consumíveis são os destinados à satisfação de necessidades e interesses das pessoas. Os bens consumíveis podem ser de duas espécies: 1. Consumíveis de fato: são os bens cujo uso importa na destruição imediata da própria substância ou na sua extinção – a consuntibilidade é natural – p. ex.: frutas, verduras etc.; 2. Consumíveis de direito: são os bens destinados à alienação – a consuntibilidade (característica dos bens consumíveis) é jurídica – ex.: livros e automóveis à venda em uma loja Bens Inconsumíveis São os que podem ser usados de forma contínua e reiterada, sem que isso importe na sua destruição imediata. Os bens inconsumíveis caracterizam- se pela possiblidade de retirada de suas utilidades, sem que seja atingida sua integridade. As partes podem transformar um bem consumível em inconsumível por meio de disposição contratual. Exemplo: com o contrato de empréstimo ad pompam vel ostentationem que impede a alienação e o consumo do bem (p. ex.: o empréstimo de uma garrafa de vinho para exposição). Classificação dos Bens de Acordo com a Divisibilidade Bens Divisíveis Os bens divisíveis são os que podem ser fracionados em partes homogêneas e distintas, sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam. Para que o bem possa ser considerado divisível, cada fração autônoma deve manter as mesmas utilidades e qualidades essenciais do todo. Exemplo: um saco de feijão é divisível, pois pode ser fracionado em duas ou mais partes, mantendo as suas características originais. Bens Indivisíveis São naturalmente indivisíveis os bens que não podem ser fracionados, sob pena de perderem sua utilidade, valor ou qualidades essenciais. A indivisibilidade de um bem pode ser de três espécies: 1. Por sua natureza: são os bens que não podem ser divididos sob pena de alterarem sua substância, perderem sua utilidade ou reduzirem consideravelmente o seu valor. Exemplos: touro reprodutor, automóvel, obra de arte etc. 2. Por determinação legal: são os bens considerados indivisíveis por força de dispositivo legal expresso. A lei rotula o bem como indivisível. Exemplos: o direito à sucessão aberta/herança, que é considerado indivisível até o momento da partilha; as servidões prediais; etc. 3. Por vontade das partes: são os bens divisíveis transformados em indivisíveis por força da vontade manifestada em contrato (exercício da autonomia privada), deixando seu aspecto de divisibilidade para trás. Temos duas hipóteses legais previstas no Código Civil que bem retratam a indivisibilidade por vontade das partes: quando duas ou mais pessoas forem proprietárias de um mesmo bem (ou seja, o tiverem em condomínio), poderão contratar a indivisibilidade por prazo não superior a cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior; a indivisibilidade também poderá ser imposta pelo doador ou pelo testador por prazo não superior a cinco anos, sem possibilidade de prorrogação. Classificações dos Bens de Acordo com a Materialidade Bens Materiais Também denominados bens corpóreos ou tangíveis, são aqueles que têm existência material, podendo ser percebidos por nossos sentidos. Exemplos: armários, lâmpadas, telefones celulares, livros etc. Bens Imateriais Também denominados bens incorpóreos ou intangíveis, são todos os bens que possuem existência abstrata, não podendo ser sentidos/tocados fisicamente pelos seres humanos. São bens que consistem em direitos. Somente existem porque a lei assim determina, por força de determinação jurídica. Exemplo: direitos autorais de quem escreveu um livro, direitos de crédito, direito à herança, invenções, direitos reais, direitos obrigacionais etc. Classificação dos Bens de Acordo com a Individualidade Bens Singulares Bens singulares ou individuais são aqueles que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais. Os bens singulares podem ser de duas espécies: 1. Bens singulares simples: são os bens cujas partes formam um todo homogêneo e estão agrupadas em razão da sua própria natureza (a coesão é natural). Podem ser materiais (p. ex.: árvore) ou imateriais (p. ex.: crédito). 2. Bens singulares compostos: são aqueles bens que, reunidos, formam um só todo, mas sem desaparecer a condição jurídica de cada parte (a coesão é artificial – p. ex.: navios, materiais utilizados na construção de uma casa etc.). Bens Coletivos Bens coletivos ou universais são aqueles formados por vários bens singulares que, reunidos, passam a formar uma coisa só (individualidade incomum), mas sem que desapareça a condição jurídica de cada parte (autonomia funcional). Dessa forma, o titular dos bens pode contratar sobre a coletividade dos bens (p. ex.: vender uma biblioteca) ou sobre um dos bens de forma individualizada (p. ex.: alienar apenas um livro de uma biblioteca). A coletividade aqui mencionada pode ser de duas espécies: 1. Universalidade de fato (universitas rerum): é a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Exemplos: rebanho, biblioteca, pinacoteca, frota, floresta, cardume etc. 2. Universalidade de direito (universitas iuri): complexo de relações jurídicas de uma mesma pessoa, dotadas de valor econômico. Classificação dos Bens de Acordo com a Dependência ou Reciprocidade Bem Principal Considera-se bem principal todo aquele que tem sua existência independente de qualquer outro. O bem principal existe sobre si mesmo, abstrata ou concretamente, enquanto o acessório depende de outro para sua existência. Quanto aos imóveis, o solo é o bem principal e tudo que se incorpora nele de forma permanente é acessório. Quanto aos móveis, bemprincipal é aquele para o qual os outros bens se destinam (para enfeitar, permitir o uso ou servir como complemento). Exemplos: a caneta é o principal, a tampa é o acessório; o computador é o principal, o teclado é o acessório; o automóvel é o principal, o pneu é o acessório; o capital é o principal, os juros são acessórios etc. Bem Acessório Bem acessório é aquele cuja existência pressupõe a do principal, isto é, sua existência é subordinada à existência de outro bem considerado principal (vide exemplos acima). A maior consequência que se extrai da distinção é o princípio da gravitação jurídica: o acessório segue o principal (acessorium sequitur principale). Embora essa seja a regra, ela não é absoluta, podendo haver disposição das partes ou da própria lei em sentido contrário (como ocorre com as pertenças. Os bens acessórios também podem ser de diversas espécies: frutos, produtos, benfeitorias e pertenças. Vejamos, então, as regras aplicáveis a cada um desses bens acessórios: Fruto Fruto é toda utilidade que um bem produz de forma periódica e cuja percepção mantém intacta a substância do bem que a produziu. Embora sejam bens acessórios, podem ser objeto de relação jurídica independentemente do bem principal. Em relação à sua natureza, os frutos podem ser classificados em: naturais ou verdadeiros (p. ex.: frutas), civis (p. ex.: aluguel) e industriais (p. ex.: canetas fabricadas). Os frutos também podem ser classificados de acordo com a vinculação com o bem principal e o seu estado em: 1. Percebidos ou colhidos: aqueles que já foram colhidos, isto é, já foram destacados do bem principal. Se o fruto for natural ou industrial, reputa-se colhido e percebido logo que é separado do bem principal. Se o fruto for civil, reputa-se percebido dia por dia. 2. Pendentes: aqueles que ainda estão unidos naturalmente ao bem principal (p. ex.: uma fruta que está ligada à árvore que a produziu). 3. Percipiendos: aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas não o foram. 4. Estantes: são os frutos que já foram colhidos e encontram-se armazenados ou acondicionados para venda. 5. Consumidos: são os frutos que não mais existem em razão de seu destino normal (consumo), ou que pereceram. Produtos Embora seja comum a utilização das expressões frutos e produtos como sinônimas, existe uma distinção entre os termos que deve ser observada. Enquanto os frutos são bens que se reproduzem periodicamente, os produtos são bens que se retiram da coisa desfalcando a sua substância e diminuindo a sua quantidade. As frutas colhidas de um pomar são frutos, pois nascem e renascem de forma periódica. Os cereais colhidos de uma plantação de arroz, assim como os minerais extraídos de uma jazida e o petróleo extraído de um poço, são produtos, por não se renovarem. Assim como os frutos, os produtos também pode ser objeto de negócio jurídico autônomo. Benfeitorias Benfeitoria é toda espécie de despesa ou obra (melhoramento) realizada em um bem, com o objetivo de evitar sua deterioração (benfeitoria necessária), aumentar seu uso (benfeitoria útil), ou dar mais comodidade (benfeitoria voluptuária). Os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor, não devem ser considerados como benfeitorias. Sobre o tema preparamos o seguinte quadro comparativo: Valor da indenização: se o possuidor for de boa-fé, o reivindicante será obrigado a indenizar as benfeitorias pelo valor atual delas. Se o possuidor for de má-fé, o reivindicante tem o direito de optar entre o seu valor atual e o de seu custo (Código Civil, art. 1.222). Em ambas as hipóteses, as benfeitorias podem ser compensadas com os danos e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem Pertenças Pertenças são os bens que, não constituindo partes integrantes, destinam-se, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro (p. ex.: trator em uma fazenda, cama, mesa ou armários de uma casa, o ar-condicionado de uma loja etc.). Em regra, são bens móveis que servem a um imóvel, mas, excepcionalmente, um bem imóvel também pode ser pertença. São consideradas coisas anexadas (res annexa) ao bem principal, embora não o integrem. Classificação dos Bens de Acordo com a Titularidade O Código Civil realiza a classificação dos bens públicos e particulares utilizando o critério da titularidade em razão de sua simplicidade. Além dos bens particulares e públicos, existem aqueles que não pertencem a ninguém, por nunca terem sido apropriados (res nullius) ou por terem sido abandonados (res derelictae). Exemplos: animais selvagens, conchas na praia, águas pluviais não captadas etc. Devemos lembrar que os bens imóveis nunca serão res nullius, pois, se forem abandonados, serão arrecadados como bens vagos e incorporados ao patrimônio do Município ou do Distrito Federal. Bens Particulares O conceito de bens particulares é extraído por exclusão do conceito de bens públicos, tendo em vista que o Código Civil de 2002 limitou-se a definir apenas estes últimos. Assim, são bens particulares todos aqueles que não forem públicos, isto é, que não pertencerem às pessoas jurídicas de direito público interno. Bens Públicos São públicos os bens de domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, como os de propriedade da União, Estados e Municípios. Os bens públicos podem ser classificados em três tipos: 1. Bens públicos de uso comum do povo: aqueles bens que, embora pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, podem ser utilizados por qualquer pessoa do povo. O domínio é da entidade de direito público e o uso é do povo (p. ex.: mares, rios, estradas, ruas, praças etc.). 2. Bens públicos de uso especial são os bens que as pessoas jurídicas de direito público interno destinam aos seus serviços ou outros fi ns determinados. Como exemplos, podem ser citados os imóveis onde estão instalados prefeituras, escolas, creches, hospitais, quartéis, museus e teatros públicos e os móveis utilizados na realização dos serviços públicos (radar, caneta, computador etc.). 3. Bens públicos dominicais: também conhecidos como patrimoniais, são aqueles que compõem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público interno, como objeto de direito pessoal ou real, de cada uma dessas entidades. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. Admite-se, assim, que a lei instituidora dessas pessoas jurídicas qualifique seus bens como públicos ou particulares. Características dos Bens Públicos Inalienabilidade: é uma característica dos bens afetados, logo os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação. Por outro lado, os bens públicos desafetados, também denominados como bens dominicais, podem ser alienados, observadas as exigências da lei: em regra, deve haver prévia avaliação e a alienação deve ser realizada mediante licitação. Imprescritibilidade: são imprescritíveis as pretensões da administração pública com relação aos bens públicos. Como efeito da imprescritibilidade, os bens públicos também não podem ser adquiridos por usucapião. Impenhorabilidade: a impenhorabilidade dos bens públicos decorre de sua inalienabilidade. Desta forma, os bens públicos não podemser dados em garantia e não podem ser objeto de execução judicial (adjudicação ou arrematação). Capítulo 6 – Dos Fatos Jurídicos Fato Jurídico Humano Ilícito Também conhecido como ato ilícito, é todo comportamento humano contrário ao ordenamento jurídico: lei, moral, ordem pública e bons costumes. No Direito Penal, a importância do ato ilícito está na caracterização do crime e sua punição. No Direito Civil, a preocupação do estudioso do Direito está na apuração da responsabilidade patrimonial pelos danos causados. A definição do ato ilícito civil está presente no art. 186 do Código Civil, que dispõe: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O legislador do Código Civil de 2002 inovou, igualmente, ao introduzir o conceito de abuso de direito no art. 187: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fi m econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. O abuso de direito é uma espécie de ato ilícito, mas não se confunde com o ato ilícito previsto no art. 186. O ato ilícito previsto no art. 186 é duplamente ilícito: ilícito em seu conteúdo (viola direito) e em sua consequência (causa dano a outrem). Nos termos do art. 188 do Código Civil, não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; e II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fi m de remover perigo iminente. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. Negócio Jurídico Negócio jurídico é todo comportamento humano lícito capaz de gerar consequências jurídicas permitidas pela lei e desejadas pela pessoa. Tanto o conteúdo do negócio como os seus efeitos são determinados pela vontade das partes, gozando, portanto, de eficácia ex voluntate. É justamente no negócio jurídico que a autonomia privada se manifesta em sua plenitude, criando um instituto jurídico próprio voltado à composição do interesse das partes, que buscam alcançar um objetivo (finalidade) permitido pela lei. Como exemplos de negócios jurídicos, podemos citar os contratos, a promessa de recompensa, o testamento etc. Capítulo 7 – Dos Negócios Jurídicos Planos do Negócio Jurídico Com base no direito romano e no direito alemão, Pontes de Miranda dividiu o estudo do negócio jurídico em três planos distintos: existência, validade e eficácia. Assim como subimos uma escada degrau por degrau, devemos estudar o negócio jurídico plano por plano. Se não forem preenchidos os requisitos de existência, o negócio jurídico será inexistente. Se não forem preenchidos os requisitos de validade, o negócio será inválido, podendo ser nulo ou anulável, a depender da situação específica. E se não forem preenchidos os requisitos de eficácia, o negócio será ineficaz. Antes de proceder à análise de cada um desses planos, devemos alertar que o legislador do Código Civil de 2002 não adotou integralmente a teoria de Pontes de Miranda, pois referiu se apenas à validade e à eficácia dos negócios jurídicos, deixando de fora o plano de existência. Plano de Existência O plano de existência compreende os elementos mais básicos do negócio jurídico: agente, objeto, vontade e forma. Esses elementos (substantivos) serão adjetivados (ou seja, têm suas qualidades examinadas) somente no plano de validade. No plano de existência exige-se apenas que o negócio contenha esses elementos e, caso não estejam presentes, o negócio jurídico deverá ser considerado inexistente. Plano de Validade O plano de validade é a continuação do plano de existência, pois, a partir dos elementos do negócio, impõe a análise dos seus requisitos. Indaga-se, desta forma, o que cada um dos elementos do negócio deve conter para que seja válido: os requisitos são as qualidades dos elementos. O art. 104 do Código Civil inaugura o estudo do negócio jurídico, dispondo que a validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei. Partes Para que o negócio jurídico exista, vimos que deve conter agente (parte, sujeito etc.) e, para que seja válido, o agente deve ser capaz e legitimado. A capacidade exigida é, em princípio, a plena, que decorre das somas da capacidade de direito/gozo (que todas as pessoas têm) com a capacidade de fato/exercício/ação (que decorre do discernimento e é normalmente adquirida com a maioridade). Se o agente for incapaz, também poderá ser praticado o ato desde que suprida a incapacidade. Os absolutamente incapazes devem ser representados nos atos da vida civil, sob pena de nulidade; o negócio será considerado nulo e deverá ser proposta ação declaratória de nulidade. Os relativamente incapazes devem ser assistidos nos atos da vida civil, sob pena de anulabilidade: o negócio será anulável (ou seja, poderá ou não ser considerado nulo), devendo ser proposta ação anulatória. Embora o art. 104 do Código Civil mencione apenas a capacidade do agente, a legitimidade também dever ser verificada para que o negócio seja válido. A legitimidade é uma capacidade especial exigida para a prática de certos negócios jurídicos. Exemplificando: uma pessoa maior de dezoito anos tem capacidade para celebrar contratos de compra e venda de imóvel. Mas, se for casada, dependerá, em regra, de autorização do outro cônjuge – exemplo de legitimidade. Objeto Todo negócio jurídico possui um objeto, seja ele material ou imaterial, fungível ou infungível, com conteúdo econômico ou não. Para que o negócio seja válido, exige-se apenas que o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável. Se o objeto for ilícito, impossível ou indeterminado, o negócio será considerado nulo, devendo ser proposta ação declaratória de nulidade. Objeto lícito é aquele que está de acordo com o ordenamento jurídico, pois não ofende a lei, a moral, a ordem pública e os bons costumes. Objeto possível é aquele que pode ser realizado do ponto de vista físico e jurídico. A possibilidade física é examinada sob a luz das leis da natureza. Somente a impossibilidade física absoluta (aquela que atinge a todas as pessoas no universo) determina a nulidade do negócio. Exemplos: construir uma ponte ligando a Terra à lua; colocar toda a água do rio São Francisco em um copo etc. Objeto determinado é aquele que está individualizado no negócio jurídico. No estudo das obrigações o objeto determinado é o conteúdo da obrigação de dar coisa certa. Objeto determinável é aquele que será individualizado no futuro, contendo, de início, ao menos a indicação do gênero e da qualidade. No direito das obrigações o objeto determinável é o conteúdo da obrigação de dar coisa incerta. Se faltar a indicação do gênero ou da quantidade, a obrigação e o negócio jurídico serão nulos. Forma A forma é o meio pelo qual se revela a manifestação de vontade do agente. Para que o negócio jurídico seja válido, a forma deve ser aquela prescrita ou não defesa (não proibida) em lei. Contudo, no Direito Civil, a regra é a forma livre e somente em situações excepcionais é exigida formalidade (forma escrita) ou solenidade (instrumento público). De acordo com o art. 107 do Código Civil, a validade da declaração de vontadenão dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Diversamente, será nulo o negócio jurídico que não revestir a forma prescrita em lei ou se for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país. Vontade O negócio jurídico é uma manifestação de vontade que está de acordo com o ordenamento jurídico e produz efeitos desejados pelo agente. Entretanto, para que o negócio seja válido, a vontade deve ser manifestada de forma livre. Vontade livre é aquela manifestada de forma consciente e sem qualquer um dos defeitos ou vícios do negócio jurídico: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, fraude contra credores e simulação. Os cinco primeiros são denominados vícios da vontade ou do consentimento e contaminam a formação da vontade. Os dois últimos são denominados vícios sociais e contaminam a manifestação da vontade. Devemos lembrar que o silêncio importa anuência (concordância), quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. Portanto, não se pode afirmar que o direito tenha acolhido por completo o ditado popular “quem cala, consente”. Representação Representação é a legitimidade conferida a uma pessoa para praticar atos em nome de outra. A pessoa que atua é denominada representante e a pessoa em nome de quem são praticados atos é denominada representado. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado. A representação legal é aquela conferida pela lei aos pais, tutores, curadores, síndicos, administradores etc. Trata-se de um munus público e somente pode ser exercida no interesse do representado. Na verdade, os únicos representantes legais são os pais, tutores e curadores. Síndicos e administradores da falência ou da recuperação são representantes judiciais, contudo o Código Civil de 2002 unificou o tratamento das duas espécies sob o título de representação legal. A representação convencional, também denominada voluntária, é aquela conferida mediante o contrato de mandato. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato. Tanto na representação legal como na convencional exige-se que o mandatário tenha capacidade civil plena (capacidade de direito/gozo + capacidade de fato/exercício/ação). É anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo, se não existir autorização legal ou do representado. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos. O art. 119 do Código Civil dispõe que é anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. A ação anulatória deve ser proposta no prazo decadencial de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade. Se a pessoa absolutamente incapaz celebrar negócio jurídico sem estar representada, este será nulo, devendo ser proposta ação declaratória de nulidade (a qual não tem prazo para ser proposta). E se pessoa relativamente incapaz celebrar negócio sem assistência, este será anulável, devendo ser proposta ação anulatória no prazo de quatro anos, contados a partir do dia em que cessar a incapacidade. Plano de Eficácia Em regra, o negócio jurídico que existe e é válido tem eficácia imediata, devendo as partes cumprir as obrigações assumidas logo após a sua formação. Contudo, nada impede que as partes insiram no negócio jurídico uma cláusula acessória para modificar ou limitar os efeitos que seriam produzidos ou até mesmo para determinar o surgimento de um direito. Essas cláusulas acessórias são denominadas elementos acidentais (acidentalia negotii), pois o negócio subsistiria e produziria efeitos mesmo sem eles. Capítulo 8 – Defeitos nos Negócios Jurídicos Estado de Perigo a Coação O estado de perigo consiste na celebração de um negócio jurídico com onerosidade excessiva porque o agente estava premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte. Como exemplos de estado de perigo, podemos citar: a) a pessoa que dá um cheque caução de alto valor em um hospital para garantir a internação de um familiar doente; b) a pessoa que aceita pagar a um médico o dobro do valor normalmente cobrado por uma cirurgia para salvar a vida do filho atropelado; c) a pessoa que vende uma casa a um amigo por um preço irrisório para pagar o resgate do sequestro de seu irmão etc. O estado de perigo não se confunde com a coação, uma vez que nesta o outro contratante compele o agente a contratar. No estado de perigo, há uma situação que força o agente a celebrar o negócio. Além disso, no estado de perigo deve estar presente a onerosidade excessiva (requisito objetivo), enquanto na coação não importa se o coagido sofreu prejuízo ou não. Requisitos do Estado de Perigo Para configuração do estado de perigo, devem estar presentes um requisito objetivo (onerosidade excessiva) e dois requisitos subjetivos (situação de perigo e dolo de aproveitamento): 1. Onerosidade excessiva: para que o negócio possa ser anulado por estado de perigo, será necessário que a obrigação assumida seja exorbitante, isto é, que gere onerosidade excessiva para o agente. O Código Civil não estabelece qualquer porcentagem para a caracterização da onerosidade, deixando o seu reconhecimento a cargo do juiz, que irá analisar as circunstâncias do caso concreto e decidir com base na equidade. Essa onerosidade deve ser avaliada no momento da celebração do negócio, não importando se o objeto do contrato sofreu redução ou majoração de valor no futuro. Assim, se uma pessoa vender uma casa por um preço justo para pagar o tratamento de saúde de um filho e dois anos após a venda a casa dobrar de valor, não será possível a anulação do negócio. 2. Situação de perigo: para caracterização do estado de perigo, o agente deve ter assumido a obrigação excessivamente onerosa com o objetivo de livrar a si próprio, um familiar ou uma pessoa próxima de uma situação iminente de perigo de vida (morte) ou grave dano moral (integridade física, moral ou intelectual). A situação de perigo é a razão de a pessoa contratar em condições desfavoráveis. De acordo com o caput do art. 156, a situação de perigo pode acometer o próprio agente que realizou o negócio jurídico ou alguém de sua família: filhos, netos, bisnetos, pais, avós bisavós, irmãos, tios, sobrinhos, primos, sobrinhos-netos etc. Como o dispositivo se referiu a familiares, e não a parentes, podem ser contempladas outras pessoas que não são parentes, como os filhos dos cunhados ou os tios do cônjuge. Não bastasse isso, o parágrafo único do art. 156 dispõe que “tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”. Admite-se, assim, que o estado de perigo seja reconhecido quando o agente praticar o ato para salvar um grande amigo, a namorada, a noiva etc. 3. Dolo de aproveitamento: como último requisito para caracterização do negócio jurídico, oart. 156 do Código Civil exige que a situação de perigo que levou o agente a contratar seja conhecida do agente que se beneficiou. Exemplo: a pessoa que comprou a casa por preço irrisório sabia que a outra estava vendendo para salvar a vida do filho. A expressão dolo de aproveitamento representa corretamente o seu conteúdo: intenção de se aproveitar. Em algumas situações, esse requisito pode ressaltar da própria circunstância que envolve o negócio jurídico (p. ex.: o hospital que exige o cheque caução para aceitar internar um enfermo), mas em geral deverá ser objeto de prova específica no processo. Consequências Conforme determinação do art. 178, II, do Código Civil, o estado de perigo determina a anulabilidade do negócio, devendo ser proposta ação anulatória no prazo decadencial de quatro anos a contar da celebração do negócio. A legitimidade para a propositura da ação é da parte prejudicada pelo negócio com onerosidade excessiva. “Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”. Tal dispositivo consagra o princípio da conservação dos contratos, que encontra suas raízes no princípio da função social, para privilegiar a subsistência do contrato com revisão do seu conteúdo, em vez da anulação. A aplicação analógica dessa regra prevista para a lesão ao estado de perigo é justificada pela semelhança entre os institutos, como veremos adiante. Embora o Código Civil preveja apenas a anulabilidade como consequência do estado de perigo, há entendimento doutrinário no sentido de que a parte prejudicada pode optar pela propositura de ação de revisão contratual, com base nos mesmos princípios: conservação dos contratos e função social. Concordamos com esse entendimento, até porque em muitas situações não será possível às partes retornar ao status quo ante, isto é, ao estado anterior à realização do negócio.
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