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Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Ausência Apesar de o Código Civil de 1916 contemplar os ausentes como absolutamente incapazes, o atual código modificou isso, dizendo que “desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do MP, declarará a ausência e normear-lhe-á curador”. Ausência = desaparecimento da pessoa sem deixar notícia ou procurador. Contudo, mesmo que a pessoa desaparecida deixe mandatário, pode ser declarado a ausência se o mandatário não queira, não possa ou seus poderes forem insuficientes. Há três fases distintas: (I) a curatela dos bens do ausente (23 a 25), (II) a sucessão provisória (26 a 36) e (III) a sucessão definitiva (37 a 39). I. Tem início por qualquer interessado ou do MP. Comprovado o desaparecimento, declara-se a arrecadação dos bens do ausente, a publicação de editais durante um ano, reproduzidos de dois em dois meses, anunciando o levantamento dos bens e convocando o ausente a retomar a posse de seus bens e nomeando um curador para os bens do ausente. Não havendo cônjuge ou companheiro, a curadoria caberá aos ascendentes, e na falta destes, aos descendentes. Entre estes, os mais próximos precedem os mais remotos. Ausentes todos esses, a escolha da curadoria caberá ao juiz. Passado um ano dessa fase, parte para a segunda. II. Poderá se apresentar em duas hipóteses: passado o prazo de um ano da arrecadação de bens; passados três anos da arrecadação, caso o ausente tenha deixado procurador. Nesta fase, haverá uma transmissão precária do patrimônio do ausente para os seus herdeiros. De acordo com o art. 27, os interessados são: (i) o cônjuge não separado judicialmente; (ii) os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários; (iii) os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte; (iv) os credores de obrigações vencidas e não pagas. Vale lembrar que todos os frutos Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 e rendimentos produzidos pelos bens que couberem ao descendente, ascendente ou cônjuge a eles pertencem. Os demais sucessores deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos. Se o ausente aparecer e for confirmado que a sua ausência foi voluntária e injustificada, ele perderá a sua parte nos frutos e rendimentos em favor do sucessor. Passados dez anos, da abertura da sucessão provisória, parte para a terceira fase. III. Os herdeiros podem dispor livremente do domínio dos bens com a condição resolutiva, ou seja, se o ausente aparecer nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, receberá os bens no estado em que se encontrem. Com o trânsito em julgado da sentença que reconhece a abertura da sucessão definitiva, haverá uma presunção de morte do ausente. Se o ausente regressar dez anos após da sentença que declarou aberta a sucessão definitiva, não terá direito a mais nada. Pessoa Jurídica É uma unidade de pessoas naturais ou patrimônios, que visa a consecução de certos fins, reconhecida essa unidade como sujeito de direitos e obrigações. Criação A pessoa jurídica de direito privado terá o início de sua personalidade conferido pelo ordenamento jurídico, mediante o registro do seu ato constitutivo no órgão competente que lhe conferirá personalidade jurídica. As de direito público, a personalidade é conferida pela norma jurídica (em sentido amplo). Nesse sentido, o registro dos estatutos sociais da pessoa jurídica deverá ser realizado em Cartório do Registro das Pessoas Jurídicas, quando se tratar de fundação, associação ou sociedade simples, ou na Junta Comercial, quando se tratar de sociedade empresarial ou microempresa. O processo de criação se divide em duas fases: I) O momento do ato constitutivo, que traz uma parte material relativa aos atos concretos praticados, como, por exemplo, reuniões dos Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 sócios, ajustes entre eles, etc., e uma parte formal, que consiste na elaboração, por escrito, do estatuto ou contrato social. II) O momento de registro público. Elementos caracterizadores I) A vontade humana que lhe dá origem (a chamada vontade humana criadora); II) A organização de pessoas ou destinação de um patrimônio afetado a um fim específico; III) A licitude de seus propósitos; IV) A capacidade jurídica reconhecida pela norma jurídica. Características I) Personalidade jurídica distinta dos seus instituidores, adquirida a partir do registro de seus estatutos; II) Patrimônio também distinto dos seus membros (exceto em casos excepcionais, como a fraude ou abuso de direito, configurando a chamada desconsideração da pessoa jurídica); III) Existência jurídica diversa de seus integrantes (é presentada por eles, não se confundindo a personalidade de cada um); IV) Não pode exercer atos que sejam privativos de pessoas naturais, em razão de sua estrutura biopsicológica (verbi gratia, a adoção ou o casamento); V) Podem ser sujeito passivo ou sujeito ativo em atos civis e criminais. Natureza jurídica As duas teorias de maior prestígio sobre a natureza jurídica da pessoa jurídica são (i) teoria da realidade técnica; (ii) teoria da realidade das instituições jurídicas. A primeira entende ser real a pessoa jurídica, porém dentro de uma realidade técnica, ou seja, dentro de uma realidade que é distinta das pessoas naturais, humanas. A segunda centrou seus fundamentos na ideia de que a personalidade humana deriva do direito e também pode ser concedida a certos entes – agrupamentos de pessoas ou destinações de patrimônios – para realizar fins próprios, a partir do desejo, vontade, das pessoas naturais, que lhe deram Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 vida. Ou seja, a pessoa jurídica como uma realidade jurídica, pendente da vontade humana. Classificação Quanto à nacionalidade I. Nacional: Pessoa jurídica na qual a ordem jurídica que lhe emprestou personalidade foi o Direito brasileiro. II. Estrangeira: Pessoa jurídica na qual a ordem jurídica que lhe emprestou personalidade não foi o Direito brasileiro. Nesse aspecto, as pessoas jurídicas estrangeiras obedecem à lei que lhe deu origem. Contudo, suas agências ou filiais no Brasil devem estar sob o império da lei nacional, inclusive no que respeita à autorização para funcionamento. Quanto à estrutura interna Corporações Sociedades: São pessoas jurídicas que visam o lucro, com o objetivo de reparti-lo entre os sócios. A depender de suas finalidades podem ser classificadas como sociedade simples (atividade econômica, visando o lucro, porém o seu objeto não diz respeito a uma atividade típica de empresário), ou sociedade empresarial (quando tende ao exercício de atividade mercantil, relacionada com atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços. Associações: São corporações que não têm em mira uma finalidade lucrativa. Os lucros adquiridos pelas corporações não podem ser repartidos entre os associados, senão reaplicada na própria entidade. A CF/88 consagrou a liberdade associativa, em que ninguém pode ser obrigado a se associar ou a se manter associado. Reconhece-se: Sociedades Associações Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 I. O livre direito de criação e manutenção de uma associação, independentemente de autorização; II. O direito de se associar, não podendoninguém ser obrigado a tanto; III. O direito de desassociação, que nada mais é senão a liberdade de não se manter associado. Toda associação é regida, em suas relações internas, pelo estatuto social. É um documento de natureza estatutária (e não contratual), de modo a vincular todos os associados e os futuros associados. Os estatutos da associação, obrigatoriamente, devem atender aos requisitos segundo o art. 54 do Diploma Substantivo, sob pena de nulidade do estatuto associativo. Vale lembrar que, em regra, a morte de um associado não gera transmissão da sua qualidade associativa aos herdeiros como acontece nas sociedades, salvo disposição contrária dos estatutos. A convocação da assembleia geral deve ser realizada na forma estatutária, podendo um quinto dos associados, em situações extraordinárias, exercer o direito de convocação. No caso de extinção, o patrimônio apurado, depois de deduzidas as frações de cada associado, seguirá o destino indicado na conformidade do próprio estatuto, ou, no seu silêncio, será dirigido a outra entidade de fins não econômicos similar, de acordo com deliberação dos associados. Não havendo, será recolhido o patrimônio remanescente pela Fazenda Pública. Fundações: São organizações com patrimônio afetado por uma finalidade específica determinada pelo instituidor, com personalidade jurídica atribuída pela lei, podendo assumir natureza pública ou privada. As fundações são criadas através de ato formal, passando por quatro diferentes fases: I) Fase de dotação ou de instituição, compreendendo a reserva de bens, por escritura pública ou testamento. O instituidor, que pode ser pessoa física ou jurídica, não pode dispor de mais de metade do seu patrimônio, se tiver herdeiros necessários, bem como não Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 pode dispor de volume de patrimônio que comprometa a sua própria subsistência. II) Fase de elaboração dos estatutos, que poderá se realizar de forma direta, quando o instituidor os elabora juntamente como o ato de instituição, ou de modo fiduciário, quando a elaboração dos estatutos é confiada a terceiro. Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor ou, no silêncio, no prazo de 180 dias, o Ministério Público irá elaborá-los. III) Fase de aprovação dos estatutos pelo Ministério Público, salvo quando criado por ele mesmo. IV) Fase de registro, que será realizado no Cartório de Pessoas Jurídicas. Extinção da fundação nas seguintes hipóteses: I) Quando se tornarem ilícitas ou inúteis à finalidade a que se destinam; II) Quando impossível de serem mantidas; III) Pelo vencimento do prazo de existência, se previsto nos estatutos O patrimônio remanescente será incorporado a outra fundação de igual ou semelhante finalidade, designada judicialmente, salvo se os estatutos ou o ato de dotação indicarem de forma diversa, que deverá ser obedecida. Quanto às funções exercidas No que tange às funções e capacidades da pessoa jurídica, é possível estrutura-las em: (i) pessoas jurídicas de direito público ou (ii) pessoas jurídicas de direito privado. Pessoas jurídicas de direito público: Subdividem-se em pessoas de direito público interno, englobando os entes da administração direta (União, Estados federados, DF e Municípios) e da administração indireta (autarquias e fundações públicas), ou seja, submetidas à normatividade do Direito Administrativo; e de direito público externo, regidas pelo Direito Internacional Público, como, por exemplo, UNESCO, UNICEF, OIT e ONU. Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Pessoas jurídicas de direito privado: Abarcam as fundações, associações, sociedades, organizações religiosas, partidos políticos e as EIRELI’s). Capacidade e direitos da personalidade da pessoa jurídica Ao se reconhecer a personalidade jurídica da pessoa jurídica, a enquadra como sujeito de direito pela ordem jurídica. Assim, é reconhecida às pessoas jurídicas uma capacidade jurídica geral para as relações patrimoniais. Nesse sentido, podem as pessoas jurídicas exercitar direitos potestativos e direitos subjetivos, seja patrimonial ou extrapatrimonial, uma vez que dispõem de atributos da personalidade como o nome, o domicílio, a nacionalidade, a honra, reputação, etc. Ou seja, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, no que couber. Vale ressaltar que as pessoas jurídicas não são titulares de direitos da personalidade, até porque eles estão ancorados na dignidade da pessoa humana, mas sua proteção é reconhecida, por conta de uma expansão da tutela dos direitos da personalidade. Domicílio O domicílio da pessoa jurídica é a sua sede jurídica. O Código Civil, em seu art. 75, indica o domicílio das pessoas jurídicas de direito público: I. Da União, o Distrito Federal (representado pelo Presidente da República ou pelos advogados da União); II. Dos Estados e Territórios, as respectivas capitais (representado pelos seus procuradores); III. Do Município, o lugar onde funcione a administração municipal (representado pelo seu prefeito ou procurador); IV. Das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos (representado pela pessoa indicada nos seus estatutos ou na lei orgânica respectiva). Para as pessoas jurídicas do direito privado, a sua sede jurídica pode ser natural, legal ou convencional. Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Natural: domicílio decorrente do funcionamento da diretoria ou administração da pessoa jurídica, bem como de suas respectivas filiais, sucursais ou agências, ou seja, havendo diversos estabelecimentos será domiciliada em qualquer deles. Legal: decorre de expressa previsão da norma jurídica, ou seja, o domicílio será o lugar da agência que contraiu a obrigação. Convencional ou estatutário: aquele estabelecido no ato constitutivo, regularmente registrado. A pessoa jurídica do direito privado será representada em juízo por quem estiver indicado no estatuto ou contrato social. Na ausência de previsão específica, qualquer dos sócios representará a pessoa jurídica. Extinção da pessoa jurídica A pessoa jurídica de direito público, assim como na sua criação, só poderá ser extinta mediante norma legal (em sentido amplo). É a chamada simetria das formas. Já a pessoa jurídica de direito privado, poderá ser extinta por diferentes causas: I) Pelo decurso de prazo (se constituída a tempo); II) Pela deliberação da unanimidade dos sócios (caso típico de distrato), nos termos do art. 1033, II, da Lei Civil; III) Pela deliberação da maioria absoluta dos membros, resguardados os direitos da minoria vencida, como reza o art. 1033, III, do Código de 2002; IV) Pela falta de pluralidade de sócios, quando não vier a ser reconstituída no prazo de 180 dias, de acordo com o inciso IV, do multicitado art. 1033 do Codex. Ou seja, pelo desaparecimento (declaração de ausência) ou morte dos sócios, sem que os herdeiros deles venham a prosseguir na atividade empresarial; V) Pela perda da autorização para funcionar, nas hipóteses em que se faz necessária a anuência governamental; Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 VI) Quando, constituída para atingir determinado desiderato, sua finalidade já tenha sido atingida ou tenha se tornado ilícita ou impossível; VII) Pela verificação de ser nociva ou impossível a sua manutenção, por decisão judicial, em ação promovida pelo ministérioPúblico ou pelo interessado (que poderá ser um dos sócios ou mesmo terceiro). Vale lembrar que o cancelamento do registro somente será promovido depois de encerrada a liquidação. O seu patrimônio terá o destino que lhe apontam os estatutos. No silêncio, serão partilhados entre os sócios na proporção de suas cotas. Desconsideração da personalidade jurídica A criação de personalidade autônoma tem, dentre suas consequências, a separação entre seus patrimônios, separando o patrimônio das pessoas naturais da sociedade que tenham criado. Essa separação serve como proteção à pessoa natural, para que não venha a ter sua situação patrimonial devastada decorrente de eventual insucesso econômico da pessoa jurídica e, portanto, servindo de estímulo para a sua criação. Contudo, existem abusos à proteção conferida por esta separação patrimonial, o que acabou gerando a desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido, a desconsideração da personalidade jurídica desconsidera a separação patrimonial existente entre pessoa jurídica e pessoa natural que nela seja sócia ou atue como administradora, com o fim de alcançar o adimplemento de determinadas obrigações. Nesse contexto, para que ocorra a desconsideração não basta que a separação patrimonial seja empecilho para o adimplemento obrigacional, mas também que isso seja consequência de ter havido abuso de personalidade, caracterizados no ordenamento como confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Em resumo, o objetivo da desconsideração é atribuir responsabilidade patrimonial aos sócios ou administradores que praticaram o ato fraudulento ou abusivo, que passam a responder como o seu patrimônio pessoal por uma obrigação constituída, originariamente, pela pessoa jurídica. Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Vale lembrar que a desconsideração não extingue a personalidade jurídica, mas apenas afasta naquele caso concreto. No rol da doutrina e jurisprudência há quatro teorias da desconsideração da personalidade jurídica: a desconsideração expansiva, a desconsideração indireta, a desconsideração por subcapitalização e a desconsideração inversa. Expansiva: surge como tentativa de conseguir atingir o sócio oculto, que não seria alcançado pela forma regular da desconsideração; Indireta: tem como objetivo alcançar empresas controladoras daquela que é devedora da obrigação que a primeira pessoa jurídica não tem condições de adimplir. Ou seja, há empresas utilizando da personalidade jurídica da empresa controlada para prejuízo de terceiros ou para obtenção de vantagens indevidas. Assim, há a desconsideração indireta da personalidade jurídica, na qual é permitido o levantamento episódico do véu protetivo da empresa controlada para responsabilizar a empresa-controladora por atos praticados com aquela de modo abusivo ou fraudulento. Subcapitalização: forma de confusão patrimonial. A pessoa jurídica não possui capital social suficiente para satisfazer aos seus objetivos sociais. Ou seja, capital que deveria ter migrado do patrimônio dos sócios para o da pessoa jurídica, mas que efetivamente não foi, gerando assim situação de confusão patrimonial e transferindo o risco da atividade empresarial para os credores. Nesse sentido, há a desconsideração da personalidade jurídica, por conta de o capital social da empresa não ser suficiente e adequado para honrar as suas obrigações. Sendo assim, não se pode permitir que a responsabilidade de cada sócio esteja limitada à contribuição que efetuou. Inversa: quando se afasta o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade (pessoa jurídica) por obrigações assumidas pessoalmente pelos sócios. Ou seja, alcança bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desvias bens pessoais, com prejuízo a terceiro. O campo para tal situação é o Direito de Família, quando um cônjuge ou companheiro adquire bens valiosos e registra-os em nome da pessoa jurídica. Em casos como esse, é possível responsabilizar a sociedade pelo devido valor ao outro cônjuge ou companheiro, a título de meação. Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Os bens jurídicos Os bens jurídicos são aqueles suscetíveis de uma valoração jurídica, aqueles que podem servir como objeto de relações jurídicas, ou seja, são as utilidades materiais ou imateriais que podem ser objeto de direitos subjetivos. Bem x Coisa Há divergências sobre a abrangência que se dá ao termo coisa e ao termo bem. Há doutrinas que consideram a “coisa” como um gênero da qual o “bem” se aproxima como espécie, sob a justificativa de que existem coisas que não têm valoração econômica e, por isso, não seria possível considera-las bens. Tal teoria é corroborada por Maria Helena Diniz, Francisco Amaral e Sílvio Rodrigues. Por outro lado, há doutrinas que defendem o conceito de bem como gênero da qual a coisa lhe seria espécie, sob a justificativa de que a noção conceitual de bem engloba a possibilidade de constituição de direitos sem expressão econômica, enquanto coisa é ideia relativa às utilidades patrimoniais, sendo sempre corpórea. Dessa forma, coisa apresenta-se como todo objeto material suscetível de valor, enquanto bem assume feição mais ampla. Tal teoria é defendida por Orlando Gomes e Caio Mário. Patrimônio jurídico De uma forma ampla, patrimônio pode ser compreendido como a totalidade dos bens dotados de economicidade pertencentes a um titular, sejam corpóreos (casa, automóvel, etc) ou incorpóreos (direitos autorais). Refere-se, portanto, sempre aos bens apreciáveis economicamente. Nesse contexto, há variação da noção de patrimônio, conforme os efeitos jurídicos que se pretende dele extrair. Assim, admitem-se diferentes acepções para a expressão patrimônio: (i) patrimônio global; (ii) patrimônio ativo, que é subdividido em bruto e líquido. Patrimônio global: Constitui-se de todas as relações jurídicas de uma pessoa de cunho patrimonial. Ou seja, envolvem tanto os direitos, créditos, as coisas, quanto as obrigações e débitos. Sempre as relações de apreciação econômica. Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Patrimônio ativo: É uma noção mais estrita, reportando-se somente às situações jurídicas em que o titular assume a posição e credor. Subdivide-se em: I. Patrimônio bruto: Diz respeito a todas as relações jurídicas em que o sujeito está no polo ativo, perfazendo uma verdadeira soma de todos os direitos econômicos de uma pessoa. II. Patrimônio líquido: Resultante da operação aritmética pela qual se subtraem as relações jurídicas passivas do patrimônio bruto. O patrimônio admite uma função de garantia dos credores. Ou seja, na falta de cumprimento coluntário das obrigações, permite-se que o Poder Judiciário penetre no patrimônio do devedor para retirar a quantidade necessária. Contudo, há bens que são impenhoráveis, como os que estão listados no art. 649 do Código de Processo Civil, como, por exemplo, os retratos de família, o anel nupcial, os utensílios necessários ao exercício de qualquer profissão, etc. Teoria do patrimônio mínimo da pessoa humana Historicamente, o Código Civil foi pautado na Revolução Francesa, onde o patrimônio era o bem a ser protegido. Contudo, com a adoção da Constituição de 1988, o direito brasileiro rompe com essa corrente e assume a necessidade da promoção da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, além da impositiva igualdade substancial. Ou seja, visa preponderar a pessoa em relação ao patrimônio. A partir daí criou-se a teoria do patrimôniomínimo da pessoa humana, relacionando-o com o princípio da dignidade da pessoa humana, afirmando a necessidade da existência do mínimo existencial. Dessa forma, cria-se a ideia de que há bens indispensáveis para as necessidades básicas das pessoas. Corroborando com essa ideia, há a previsão da impenhorabilidade de determinados bens (CPC, arts. 648 e 649). Classificação Bens considerados em si mesmos Bens móveis e imóveis Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Imóveis: Os bens imóveis são aqueles que não se podem transportar, sem destruição, de um lugar para outro, ou seja, são os que não podem ser removidos sem alteração de sua substância. Eles são classificados por sua natureza, por acessão artificial, física ou industrial, por acessão natural e por disposição legal. Pela natureza refere-se ao solo, com sua superfície, subsolo e espaço aéreo; por sucessão aritifical, física ou industrial são basicamente as construções e plantações, ou seja, tudo aquilo que o homem incorporar permanentemente ao solo; por acessão natural, que compreende as árvores e frutos, bem como os acessórios e adjacências naturais; por fim, por disposição legal que são os imóveis considerados para efeitos legais, englobando os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram e o direito à sucessão aberta. OBS: OS BENS IMÓVEIS POR ACESSÃO INTELECTUAL NÃO MAIS SÃO REFERENCIADOS NA NOVA CODIFICAÇÃO, OPTANDO POR ACOLHÊ- LOS NO CONCEITO DE PERTENÇAS. Móveis: São aqueles suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico- social. São classificados móveis pela própria natureza, móveis por disposição legal e móveis por antecipação. Pela natureza, diz respeito aos bens que se deslocam de um lugar para outro sem perder sua substância, como, por exemplo, navios, automóveis, etc.; por disposição legal são as energias que tenham valor econômico, os direitos reais sobre objetos de móveis e as ações correspondentes e os direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações; por fim, os móveis por antecipação são aqueles bens que, embora imóveis pela sua natureza, foram mobilizados pela vontade humana, em face de sua função econômica. Por exemplo: árvores convertidas em lenhas e dos frutos separados antecipadamente. Vale ressaltar, ainda, algumas distinções entre eles. Por exemplo: os bens imóveis só podem ser adquiridos por escritura pública registrada no Cartório de Imóveis, enquanto os móveis os são pela tradição (efetiva entrega da coisa); os prazos para a aquisição dos bens imóveis pela usucapião são de 15, 10 ou 5 Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 anos, enquanto que para os bens móveis são 5 ou 3 anos; a hipoteca é garantia destinada aos bens imóveis, enquanto a penhora aos bens móveis, etc. Bens fungíveis e infungíveis Essa distinção diz respeito à possibilidade de sua substituição. Fungíveis: São os bens que podem ser substituídos por outro de mesma espécie, qualidade e quantidade, determinados por número, peso ou medidas. Exemplo: dinheiro. Vale lembrar que a fungibilidade é própria dos móveis. Infungíveis: São os bens que não podem ser substituídos por outro de igual qualidade, quantidade e espécie, como, por exemplo, um quadro de Portinari. A infungibilidade pode se apresentar tanto em bens móveis, quanto nos imóveis. Bens consumíveis e inconsumíveis Consumíveis: São os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância. Por exemplo: carro. Bens inconsumíveis: São os bens que admitem uso constante, possibilitando que se retirem todas as suas utilidades sem atingir sua integridade, como, por exemplo, um livro. Bens divisíveis e indivisíveis Divisíveis: São os bens possíveis de fracionamento em partes homogêneas e distintas, sem alteração das qualidades essenciais do todo, sem desvalorização, e sem prejuízo do uso a que se destinam, formando um todo perfeito. A diminuição considerável do valor da coisa impede a sua divisibilidade. Indivisíveis: São aqueles que não se pode fracionar sem alterar a substância ou diminuir-lhe consideravelmente o valor, como um livro. A indivisibilidade pode ocorrer de três origens: (I) por natureza, (II) por determinação legal ou (III) por vontade das partes. I. Quando a impossibilidade de fracionamento advém da substância da coisa, como no exemplo de um animal; II. Quando a lei determina a indivisibilidade; Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 III. Quando as partes pactuam a indivisibilidade, embora a coisa seja, por natureza, divisível. Por exemplo: obrigações em dinheiro, quando as partes, no contrato, estabelecem o pagamento em uma só parcela. Bens singulares e coletivos Singulares: As coisas que, embora reunidas, devem ser consideradas individualmente, independentemente das demais que a compõe. Podem ser (I) simples ou (II) compostas. I. As simples são aqueles bens que formam um todo homogêneo, cujas partes, unidas pela natureza ou pelo engenho humano, não precisam de determinação da lei, como, por exemplo, um animal. Aqui a coesão é natural; II. As compostas são aqueles formados pela conjunção de coisas simples que, em consequência, perdem autonomia. Podem ser de ordem material (construção civil) ou imaterial (fundo de comércio). Aqui a coesão é artificial. Coletivos: São aqueles agregados a um conjunto, constituídos por várias coisas singulares, passando a formar um todo único, possuidor de individualidade própria, distinta de seus componentes. Por exemplo: árvore (singular simples) forma uma floresta (coletivo). São subdivididos em: (I) universalidades de fato e (II) universalidades de direito. I. A primeira refere-se ao conjunto de bens singulares, corpóreos e homogêneos, ligados pela vontade humana para a consecução de um fim, por exemplo, uma biblioteca; II. A segunda refere-se aos bens singulares aos quais a norma jurídica dá unidade, por exemplo, o patrimônio, a herança e a massa falida. Bens reciprocamente considerados Bens principais e acessórios Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Principal: É aquele que tem existência própria, concreta ou abstrata. Exerce sua função e finalidade independendo de outro, como, por exemplo, o solo e o crédito. Acessório: É aquele que não tem existência própria, dependendo de um outro bem, o principal. Por exemplo: a árvore, que depende do solo, e os juros, que estão subordinados ao crédito. Ou seja, o acessório carrega a ideia de subordinação ao principal, adotando-se o princípio da gravitação jurídica, onde a coisa acessória segue a principal, salvo disposição especial em contrário. Como dito anteriormente, a intelecção legal foi tirada do novo Código, adotando a ideia de pertenças. Estas são os bens que, não constituindo partes integrantes, destinam-se, de modo duradouro, ao uso, ao serviço, ou ao aformoseamento de outro. Por exemplo: o ar-condicionado em uma casa ou as máquinas utilizadas em uma fábrica. Por outro lado, as partes integrantes são os bens que se unem ao principal, formando um todo, uma massa única, desprovidas de existência material própria, embora mantenham sua utilidade. Por exemplo: a lâmpada de um abajur, as telhas de uma casa, ou os pneus de um automóvel. Ou seja, as pertenças e as partes integrantes não se confundem, na medida que as pertenças estão a serviço da finalidade econômica de outro bem, mantendo a sua individualidade e autonomia, e as partes integrantes incorporama uma coisa, completando-a e tornando possível o seu uso. Classificação dos bens acessórios: 1. Frutos: são as utilidades produzidas com periodicidade pela coisa principal, cuja percepção mantém intacta a substância do bem. Podem ser civis, naturais ou industriais. Os frutos civis são os rendimentos, como, por exemplo, o dinheiro do aluguel, os industriais decorrem da atuação humana e os frutos naturais proveem da força animal ou vegetal da natureza. 2. Produtos: são as utilidades que podem ser retiradas da coisa alterando sua substância, diminuindo a quantidade e levando até o Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 esgotamento de seu conteúdo, como, por exemplo, o petróleo de um poço. 3. Benfeitorias: são as despesas e obras realizadas em determinada coisa (móvel ou imóvel) para a sua conservação, melhoramento ou para simples deleite, embelezamento. Há três espécies de benfeitorias: (I) as necessárias (II) as úteis (III) e as volupturárias. I. As necessárias são aquelas indispensáveis à conservação da coisa, evitando deterioração ou destruição, como, por exemplo, o reforço das fundações de um edifício por andares ou a construção de paredes em uma casa; II. As úteis tratam daquelas que aumentam ou facilitam o uso da coisa, dando maior conforto ao usuário, como a instalação de aparelhos hidráulicos em uma casa; III. As voluptuárias são aquelas destinadas a tornar a coisa mais formosa, bela, servindo para mero deleite. Não aumentam, nem melhoram o uso habitual, apenas servido para o seu embelezamento. Por exemplo: construção de piscina ou quadra de tênis em uma casa particular. Vale ressaltar que jamais deverá conceituar algo como benfeitoria necessária, útil ou voluptuária, visto que, a depender da destinação e finalidade, a mesma coisa poderá ter diferentes classificações. Por exemplo: uma piscina em uma casa particular se constitui em benfeitoria voluptuária, ao passo de que a construção de uma piscina em um ginásio de natação se constitui uma benfeitoria necessária. Vale pontuar também que a lei permite que o possuidor de boa-fé tenha direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis e quanto às voluptuárias, se não pagas, poderá levantá-las, quando puder, sem danificar o bem, tendo ainda o direito de retenção pelo valor das necessárias e úteis. Já o possuidor de má-fé será ressarcido somente pelas benfeitorias necessárias. Bens públicos Bens públicos são aqueles, materiais ou imateriais, cujo titular é uma pessoa jurídica do direito público ou uma pessoa jurídica de direito privado Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 prestadora de serviço público, quando o referido bem estiver vinculado à prestação desse serviço público. Há três espécies: I. Bens de uso comum: admite a utilização por qualquer pessoa, a título gratuito ou oneroso. Exemplo: praças, mares ou ruas. Há a possibilidade de o Poder Público exigir o pagamento de taxa para a utilização, o chamado pagamento de retribuição, como os pedágios ou a cobrança de ingresso em museus; II. Bens de uso especial: categoria integrada pelos bens utilizados pelo próprio poder público para instalações do próprio serviço público, como os prédios que servem para os tribunais ou escolas; III. Dominiais ou dominicais: englobam os bens que integram o patrimônio disponível estatal, compondo as relações apreciáveis economicamente da União, dos Estados, do DF e Territórios ou dos Municípios, como objeto do direito pessoal ou real dessas pessoas respectivas e direito público interno. OBS: Há a possibilidade de os bens dominicais serem convertidos em de uso especial, através do procedimento denominado “afetação”. Por sua vez, os bens de uso especial podem sofrer “desafetação” e passarem a integrar a categoria dos bens dominicais. O segundo caso ocorre quando o poder público quer alienar o bem e, para isso, é preciso que o bem se encaixe na categoria dos bens dominicais. Esses procedimentos acontecem por força de lei. OBS: Os bens de uso comum e de uso especial são classificados como bens do domínio público do Estado, enquanto que os bens dominicais são classificados como bens do domínio privado do Estado. Assim, os primeiros são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis. Já o segundo poderá ter seu uso concedido a um particular, mediante ato regulado pelo Direito Administrativo, através de autorização, permissão ou concessão de uso. Podem, também, ser objetos de contratos de direito privado, como a locação. Bens de família O ordenamento jurídico brasileiro admite duas modalidades de bem de família: o bem de família convencional, disciplinado pelo Código Civil, e o bem de família legal, tratado na Lei 8.009/90. Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Bem de família convencional Tem como características: I. Impossibilidade de ter o prédio destino diferente, nem mesmo podendo ser alienado sem o consentimento de todos os interessados (inclusive filhos); II. Instituição mediante testamento ou escritura publicam constituindo- se pelo registro de seu título no Cartório de Imóveis; III. A fração do patrimônio destinado à instituição do bem de família não pode ultrapassar o montante de u terço do patrimônio líquido do instituidor, existente ao tempo da instituição. Extensão da proteção Instituído o bem de família, através de procedimento público no Cartório Imobiliário, torna-se impenhorável e inalienável, restringindo sua comerciabilidade. Estas características atingem, além do imóvel, suas pertenças e acessórios. Contudo, é possível penhorar o bem de família instituído pelos titulares para o pagamento de dívidas oriundas de tributos relativos ao próprio prédio, como o IPTU ou o ITR, ou ainda de despesas condominiais. Duração Não há extinção do bem de família pela dissolução da entidade familiar. O bem de família extingue-se com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não estejam sujeitos à curatela, apresentando hipótese de prorrogação da proteção patrimonial. Bem de família legal O imóvel residencial próprio do casal ou entidade familiar (união estável) é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais e filhos que sejam proprietários e nele residam, salvo previsão específica da lei. Se o proprietário possuir mais de um imóvel, vai ser considerado bem de família o de menor valor, ainda que esteja residindo em outro mais valioso. Leonardo David – 2º semestre – Direito Civil I – T2AA – 2017.2 Aqui, diferente do bem de família convencional, se vê um alargamento do objeto de proteção, na medida em que a impenhorabilidade legal do bem de família atinge não apenas o imóvel, mas também suas construções, plantações, benfeitorias de qualquer natureza e os equipamentos (inclusive profissionais), além de acobertar os móveis que guarnecem o lar, desde que quitados. Apenas não estão alcançados os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos, que poderão ser penhorados para o pagamento das dívidas do titular. Características do bem de família legal Enquanto o bem de família voluntário decorrem inalienabilidade e impenhorabilidade, o bem de família legal gera apenas a impenhorabilidade, não respondendo pelas dívidas civis, trabalhistas, comerciais, fiscais, previdenciárias e de qualquer outra natureza. Exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família legal A impenhorabilidade não produzirá efeitos quandose tratar de uma cobrança de: I. Créditos de natureza trabalhista ou previdenciária de trabalhadores da própria residência; II. Créditos financeiros destinados à construção ou aquisição do próprio imóvel, mas não abrangidos os créditos destinados à reforma do imóvel; III. Pensão alimentícia; IV. Impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel; V. Execução de hipoteca que recaia sobre o próprio bem, dado voluntariamente em garantia pelos titulares, em prol do núcleo familiar; VI. Valores decorrentes da aquisição do imóvel com o produto de crime ou para execução de sentença criminal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII. Dívida de fiança concedida em contrato de locação.
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