Buscar

casa de bonecas henrik ibsen 1

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 51 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 51 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 51 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

(
(
(
(
(
I
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
Colecão EM CARTAZ volume4,
na mesmacoleção
TCHEKHOV TeatroI
(A gaivota,
O tioVania)
TCHEKHOV TeatroII
(As trêsirmãs,
O jardimdascerejeiras)
MOLIERE As preciosasridículas
STRINDBERG A dançadamorte
Ai~TUNES FILHO Gilgamesh(adaptaçãoteatral)
CONSUELO DE CASTRO Only you
Henrik Ibsen
CASA DE BONECAS
EM CARTAZ
Veredas
Titulo original
ETT DUKKEHJEM
(1879)
Traduçãoportuguesaatualizada e corrigida por
MariaCristinaGuimarãesCupertino
Preparação
Kátia deAlmeidaRossini
Revisão
LídiaFurusato
Ilustração da capa
Edvard Munch
Ibsen, Henrik
Casa de bonecas
Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupenino. São Paulo.
Editora Veredas.2007. (Veredas Em Canaz)
1. Teatro norueguêsJ. Título.
ISB1\ 85-88603-11-X
CDD 83982
Todos os direitosdestatraduçãoreservadosa
G.ARANYI UVROS
EDITORA VEREDAS
AJ. dos Bicudos, 360 - Alpes da Cantareira
07600-000- Mairiporã - SP - Brasil
FonelFax: (11) 4485-1087- e-mail: editoraveredas@hotmaiJ.com
2009
--.....---",.. L, 1
(
(
(
(
/
\
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
PERSONAGENS
TORVALDHELMER,advogado
NORA, sua esposa
RM'K, médico
SENHORALINDE
KROGSTAD,advogado
Os três filhos pequenosde HELMER
M'NA-MARlA, a babá
HaENA, a criada
O ENTREGADOR
A ação sepassa na residênciade Helmer
PRIMEIRO ATO
Sala mobiliadacom confortoe bomgosto,massemluxo.
No fundo, à direita, a porta da saleta, à esquerdaa do
escritóriode Helmer.Entre essasduasportas, umpiano.
Do ladoesquerdoda cena,no meiodaparede,outraporta,
e maispertoda bocade cena,umajanela. Ao pé dajanela
uma mesa redonda, poltronas e um divã pequeno. Na
parededa direita,umpouco recuada,umaporta, e maisà
frente uma estufa,diante da qual estão colocadas duas
poltronas e uma cadeira de balanço. Entre a estufae a
porta lateral, uma mesinha, e nas paredes, gravuras.
Prateleiras comporcelanas e outras miuçalhas.Pequena
estantecheiade livros ricamenteencadernados.O chão é
atapetado.A estufaestá acesa.Dia de inverno.Toquede
campainhana saleta;passadoum instanteouve-seabrirem
a porta.Nora entrana sala cantarolandoalegremente.Está
de chapéue de sobretudoe traz muitosembrulhosquevai
colocando na mesada direita. Deixa aberta a porta da
saleta, por onde se vê 11mentregador carregando uma
árvorede Natal e um cesto;o moçopassa essesobjetosà
criada que abriu a porta
NORA Esconda bem a árvore de Natal, Helena. Os meninos
só devemvê-Ia ànoite, depoisde enfeitada.(Aoentregador,
tomandoda carteira) Quanto é?
7
~-
oENTREGADORCinqüentaore.
NORA Aqui temumacoroa.Estácerto,guardeo troco.(O
entregador agradece e sai. Nora fecha a porta, e
enquanto tira o chapéue o sobretudocontinua a rir
alegremente.Puxando do bolso um saco de bolinhos
de amêndoas,comedois ou três; depoisencaminha-se
na ponta dospés atéa porta do escritóriodo marido,
pondo-sea escutar)Ah! estáaqui.(Cantarolanovamente,
enquantose dirigepara a mesado lado direito)
HELMER(doescritório) É aminhacotoviaqueestágorjeando
aí fora?
NORA(desamarrandoanimadamenteos pacotes) É sim.
HELMERQuemestásaltitandoaíéo meuesquilo?
NORA É!
HELMERE quandoregressouoesquilinho?
NORA Agora mesmo.(Guardao sacodebolinhosdeamên-
doasno bolsoe limpaa boca)Venhacá,Torvald,venha
vero queeucompreI.
HELMER Estouocupado.(Ummomentoapósabreaporta e,
depenanamão,percorrea salacoma vista)Vocêdizqúe
comproutudo isso? Entãoa minhacabecinhade vento
encontroumaisumaocasiãodeesbanjarbastantedinheiro?
NORA Mas,Torvald,esteanocomcertezapodemosgastarum
poucomais.É oprimeiroNatalemquenãosomosobrigados
aeconom.lZar.
HELMERConcordo...masnãodevemosserpródigos,sabe?
NORA Só um bocadinho,Torvald,umbocadiquinho.Ainda
maisagoraquevocêvaiterumgrandesalárioefinalmente
hádeganharmuito,muitodinheiro.
HELMER A partirdo Ano Novo, sim - masaindafaltaum
trimestreparaqueeureceba.
8
~~"f"; ••
NORA E quetemisso?Até lá podemospediremprestado.
HELMER Nora! (Aproxima-sedela e puxa-lheumaorelha,
brincando)Semprecomessacabecinhanasnuvens!Suponha
queeupeçahojemilcoroasevocêgastetudocomoNatale,
depois,na vésperado Ano Novo me caia uma telhana
cabeça,e...
NORA(tapando-lhea bocacoma mão) Psss!Não diga es-
sascoisashorríveis!
HELMERMas suponhaqueaconteçaalgodessetipo...
NORASeumacoisaterrívelassimacontecesse...naoseiseme
importariaemterdívidasounão.
HELMERE aspessoasparaquemeuestivessedevendo?
NORAEssaspessoas...queméquepensanelas?sãoestranhos.
HELMERNora,Nora!Sópodiasermulher!Falandosério,Nora;
vocêconheceas minhasidéiasa esserespeito.Nada de
dívidas,nadadeempréstimos!Algo comoum constran-
gimento,ummal-estarsombriose introduzemtodacasa
erigidasobredívidaseempréstimos.Atéhojetemossabido
nosequilibrar,eassimcontinuaremosduranteopoucotempo
deprovaçõesquenosresta.
NORA(aproximando-sedaestufa) Estábem,Torvald;como
vocêquiser.
HELMER(seguindo-a) Então,então,nãoqueroa minhaco-
toviazinhadeasacaída.O esquilinhoestáamuado?(Abrea
carteira)Nora,sabeo quetemaquidentro?
NORA(virando-sevivamente) Dinheiro!
HELMERTome.(Dá-lhealgumasnotas)Compreendoquehá
muitasdespesasnumacasa,quandoseestápertodoNatal.
NORA(contando) Dez,vinte,trinta,quarenta.Obrigada,Tor-
vald,obrigada.Vocêvaivero queistorende.
HELMERÉ preciso,mesmo.
9
I' .~~ ~~~,\
/
\
(
(
(
(
(
(
1
(
(
(
NORA·Podeficarcertodisso.Mas venhacá.Voulhemostrar
oquecomprei,etudotãobarato!Olhe,umroupanovapara
Ivar e um sabre.ParaBob, um cavaloe umacorneta,e
umabonecacom a suacaminhaparaEmmy.São muito
simples,porqueelalogoescangalhatudo.E essesaventais
e lençosparaascriadas...A babánaverdademereciamuito
maIs...
HELMERE o quehánestepacote?
NORA(dandoumgritinho)Nãotoquenele,Torvald;estevocê
só veráà noite.
HELMER Bem, bem.Mas diga-me,minhaperdulária,o que
vocêmaisgostariadeganhar?
NORA Oh, eu?Nãoqueronadaparamim.
HELMER Mas é claroquesim. Diga-mequalquercoisara-
zoável,queatente.
NORA Pois bem,verdadeiramentenãosei. Ou antes,olhe,
Torvald...
HELMER Vamoslá...
NORA(brincandocomos botõesdo casaco,semolharpara
omarido) Semequisessedarqualquercoisa\"ocêpodia...
podia...
HELMER Então...
NORA(deumsófôlego) Podiamedardinheiro,Torvald.Oh!
Apenasaquilodequevocêpudesseprescindir- e umdia
desseseuiria comprarqualquercoisaparamim.
HELMER Mas, Nora...
NORASim, queridoTorvald,sim,façaisso.Eu o embrulharia
numlindopapeldouradoparapendurá-IanaárvoredeNatal.
Vocênãoachagraça?
HELMERComosechamaopássaroqueestásemprefazendoo
dinheirovoar?
10
NORA Bemsei,bemsei;éoestorninho.Mas façaoquepeço,
Torvald; assimterei tempode pensarem algumobjeto
realmenteútil. Diga-me,nãoésensato'?
HELMER (sorrindo) Seria, se você soubesseconservaro
dinheiroquelhedou,enarealidadecompraroquequerque
fosseparavocê;masseeledesaparecenasdespesasdacasa
e em mil futilidades, o certo é que tenhode novo de
desembolsar.
NORA Ah, Torvald,mas...
HELMER Não negue,minhaqueridaNora! (Abraça-apela
cintura)O estorninhoégracioso,masexigetantodinhei-
ro!...Vocênãoacreditariaselhedissessequantoumhomem
temdedespenderquandoarrumaumaavecanoracomovocê.
NORA Oh!nãodigaisso!Eu poupoo maisqueposso.
HELMER(rindo) Concordo.O maispossível.Mas oproblema
équevocêabsolutamentenãopodepoupar.
NORA (cantarolandoesorrindoalegremente)Sevocêsou-
besse,Torvald,comonós,cotoviase esquilos,temosdes-
pesas!
HELMERVocêéumapessoazinhaextraordinária.Talqualseu
pai.Com mil recursosparaconseguirdinheiro,maslogo
queoagarraelelheescapaporentreosdedos,enuncamais
sesabequedestinoeleteve.Enfim,háqueaceitá-latalcomo
você é. Está no sangue.Sim, Nora, essascoisas são
hereditárias.
NORA Quemmederaterherdadomuitasdasqualidadesde
meupai!
HELMERE eunãogostariaquehouvesseamenormudançaem
você,minhaqueridaavecanora.Masperceboagoraque
vocêestáum tanto... um tanto... comodiria?.. quevocê
temo ardequemfez algumatravessurahoje.
11
NORA Eu?
HE:L~R Sim,você.Olhebemnosmeusolhos.
NORA (encarando-o) E então?
HELMER A minhagulosanão andouse regalandohoje na
cidade?
NORA Não,porquediz isso?
HE:L~R Entãoaminhagulosanemsequerdeuumaolhadana
confeitaria?
NORA Não,sinceramente,Torvald.
HELMERNemsombradedoces?
NORA Nemsombra.
HaMER Nem aomenosmordiscouumou doisbolinhosde
amêndoas?
NORA Não,Torvald,nãomesmo;garanto-lhe.
HaMER Bem,bem,naturalmenteeuestavabrincando.
NORA (acercando-sedamesaà direita) Eu seriaincapazde
fazerqualquercoisaquelhedesagradasse.
HEL'v1EREu sei; depois,vocême deusuapalavra... (Apro-
xima-sedeNora) Vamos,guardeseussegredosdeNatalsó
paravocê,minhaqueridaNora;logoelesnosserãoreve1ados,
quandoasvelasna árvoreforemacesas.
NORA.Vocêconvidouo doutorRankparajantar?
Ha.'v1ERNão,masnãohánecessidadedisso.Quandoelechegar,
convido-o.Encomendeivinho,edosbons.Vocênãoimacina.,
Nora,comoestouansiosoporestanoite!
NORA Eu também- ecomoascriançasvãoadorar,Torvald!
HELMER Ah! Como é bom saberquechegamosa umasi-
tuaçãoestável,segura.,ecomumabelaremuneração.Pen-
sarnissonosdámuitasatisfação,nãoé mesmo?
NORA Oh,émaravilhoso!
HELMER Lembra-sedo Natal passado?Três semanasantes
12
---".~
0:11;
vocêjá serecolhiatodasastardes,atémaisdemeia-noite,
paraconfeccionarosadornosparaa árvoredeNatalemil
outrassurpresas... Ah! não me recordode épocamais
aborrecida!
NORA Eu nãomeaborrecinemumpouquinho.
HELMER(sorrindo)Masnofinaloqueapareceufoi tãopouco!
NORA Ah! Nãocomeceacaçoardemimnovamente.Acaso
tiveculpaseogatoentroulá edeucabodetudo?
HELMERCoitadinha!Decertoqueaculpanãofoi sua,minha
Norinha.O seumaiordesejoera alegrar-nos,e isso é o
essencial.Em todoo caso,aindabemqueessestempos
difíceisjá seforam.
NORA É verdade;issoédefatoótimo.
HELMER Agorajá nãofico aquisozinho,aborrecido,assim
comovocêjánãoprecisaestragarseusolhinhostãolindose
essesqueridosdedinhos.
NORA(batendopalmas)Nãoprecisomesmo,nãoé,Torvald?
Nuncamais.Ah, é tãobomouvir isso!(Tomao braçodo
marido)Agoravoulhecontarcomopenseiquepoderíamos
arranjarascoisaslogoquepassaro Natal...
Toquedecampainhanasaleta
Tocaramàporta.(Fazumpoucodeordemnasala)Alguma
visita.Queaborrecimento!
HELMERSefor umavisita,lembre-sequenãoestouemcasa
paraninguém.
A CRIADA(à porta de entrada) Madame,estáaí umase-
nhoraquequervê-Ia.
NORA Mandeentrar.
A CRIADA(a Helmer) O senhordoutortambémchegou.
13
(
(
(
r
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
I (
(
(
(
HELMER Está no meu escritório?
A CRIADA Sim, senhor.
Helmerentrano seugabinete.A criada introduza senhora
Linde, que traja um vestidode viagem,efecha depoisa
porta
SENHORALI0.TIE(timidamente,com certahesitação) Bom
dia, Nora ...
NORA (indecisa) Bom dia...
SENHORALu,mE Você não me reconhece?
NORA Não sei ao certo, mas... parece-me... (exclamando)
Kristina, é você?
SENHOR-'\LnoiDE Sou eu, sim.
NORA Kristina! E eu sem reconhecê-Ia! Mas como pude? ..
(Maisbaixo)Como estámudada,Kristina!
SENHOR-'\LI0.TIE É verdade.Já sepassaramnove... dez longos
anos...
NORA. Hájá tantotempo quenão nos vemos?É verdade,acho
quesim. Ah, sevocê soubessecomo tenhosido feliz nesses
últimos oito anos!E agoravocê tambémveio paraacidade?
Quanta coragem, fazer uma viagem tão longa em pleno
inverno!
SEJo:HOR-'\LIJo:DE Cheguei no vapor, estamanhã.
NORA Para passaras festasde Natal, naturalmente.Que bom!
Como havemosde nos divertir! Mas tire o casaco.Não está
sentindofrio, não émesmo?(Ajuda-a)Pronto; agoravamos
nossentarcomodamenteaopédaestufa.Não, sente-senessa
poltrona! Eu fico na cadeira de balanço, é o meu lugar.
(Toma-lheas mãos)Agora já vejo o semblantede outros
tempos... foi só a primeira impressão... No entanto, você
estáum pouco pálida, Kristina ... e mais magra.
14
SENHORALINDE E tambémmuito envelhecida,Nora.
NORA Sim, um pouco, um pouquinho - masnão demais. (De
súbito interrompe-se,e, com voz grave) Oh! mas que
estorvadaque eu sou, me ponho a tagarelar... Minha que-
rida, minhaboa Kristina, perdoe-me...
SENHORA.LINDE Não a compreendo,Nora.
NORA(meigamente)Pobre Kristina, você ficou viúva.
SENHORALINDE Há três anos...
NORA Soubepelos jornais. Oh! Kristina, acrediteque muitas
vezespenseiemlhe escrevernaquelaocasião...massempre
algumacoisa me impedia e eu adiavaa...
SENHORALINDE Compreendo bem isso, caraNora.
NORA Não, Kristina; foi horrível deminhaparte.Pobre amiga,
como você deveter sofrido. Ele lhe deixou com que viver?
SENHORALI!\'DE Não.
NORA E filhos?
SENHORALINDE Também não.
NORA Absolutamentenada,então?
SENHORALI0.TIE Nem mesmo uma dessassaudadesde partir
coração..
NORA(olhando-aincrédula) Ah, Kristina, isso não pode ser
verdade!
SENHORALINDE (sorrindo amargamentee passando-lhea
mãopeloscabelos) Algumas vezesacontece,minha Nora.
NORA Sozinhano mundo.Como devetersido difícil! Eu tenho
três lindas crianças. Por enquanto não posso mostrá-Ias a
você; saíramcom a babá.Mas conte-meagora...
SENHORALINDE Depois, comece você.
NORA Não, é a suavez. Hoje não quero seregoísta... só quero
pensarem você. Uma coisa, todavi~,vou lhe dizer já. Sabe
quetivemosumagrandefelicidade, há dias?
15
SENHORALINDE Não,quefoi?
NORA Imagine,meumaridofoi nomeadodiretordo banco.
SENHORALIl\'DE Seumarido?Ah, quesorte!
NORA Não émesmo?A advocaciaétãoincertacomoganha-
pão,sobretudoquandosequertomarcontaapenasdeboas
ebelascausas!E eraesse,naturalmente,ocasodeTorvald,
noqueeuoaprovointeiramente.Imaginecomonossentimos
felizes!Devetomarpossedoseulugarnoprincípiodoano,
eteráentãoumaltosalárioemuitascomissões.Assim,de
agoraem diantepoderemosviverdeumamaneiramuito
diferente- damaneiracomogostaríamos.Ah, Kristina,como
mesintofeliz edecoràçãoleve!Naverdadeédeliciosoter
muitodinheiro,e nuncaprecisarse preocupar,vocênão
acha?
SENHORALINDE Decerto.Em todocasojá nãodevesermau
ter-seonecessário.
NORA Não, sóo necessário,não,masmuitodinheiro,muito!
SENHORALIl\'DE(sorrindo) Nora,Nora,entãovocêaindanão
setornoumais sensata?Na escolavocê era umagrande
gastadeira.
NORA(sorrindo meigamente)E Torvald afirma que ainda
sou.Mas (ameaçando-acomo dedo)"Nora, Nora" não
é tãoestouvadacomojulgam.Além disso,atéhojepouco
tenhopodidogastar.Ambosprecisávamosdetrabalhar.
SENHORALINDE Vocêtambém? I
NORA Sim. Pequenascoisas,trabalhosmanuais,rendas,bor-
dados,etc.(Casualmente)E aindaoutracoisa.Vocêsabe
queTorvaldsaiudoministériopúblicoquandonoscasamos.
Não podiaesperaraumentodeordenadona repartição,e
precisavaganharmaisdo queatéentão.No primeiroano,
porém,trabalhoudemasiado.Calcule,tinhadeprocurartoda
16
espéciedeocupaçõessuplementaresetrabalhardemanhã
atéa noite.Caiu gravementeenfermo.Então os médicos
declararamqueeleprecisavair parao sul.
SENHORALINDE É verdade;vocêspassaramumanointeirona
Itália.
NORA Sim.E nãonosfoi nadafácil empreenderessaviagem,
comovocêbempodecompreender.Foi por ocasiãodo
nascimentodeIvar.Masclaro,nãohaviaoutromeio...Ah,
quelindaviagem!queencanto!E salvouavidadeTorvald.
Masquedinheirãonoscustou,Kristina!
SENHOR/I.LINDE Calculo.
NORA Mil eduzentostáleres.Quatromil eoitocentascoroas.
Umabelasoma,nãoé?
SENHORALINDESim,enumcasodesseséumagrandesortetê-
Ia.
NORA Eu lhedigo;foi-nosdadaporpapai.
SENHORALINDEAh! Parecetersidoexatamentenoanoemque
elemorreu,nãoé?
NORA É verdade,Kristina,foi nessaocasião.E eusempoder
ir cuidardele.Todososdiasà esperadequenascesseIvar,
e o meupobreTorvaldmorrendo,necessitandodosmeus
cuidados.Querido,bondosopapai!Nuncamaisovi.Depois
quemecasei,foi aminhamaiordor.
SENHORALINDE Vocêeramuitoligadaaele,bemsei.Enfim,
foramparaa Itália...?
NORAFomos.Tínhamosdinheiro,e osmédicosnos aconse-
lhavamanãoretardaraviagem.Partimosdaliaummês.
SENHORALINDE E seumaridoregressoubomdetodo?
NORACompletamente.
SENHORALINDE Então...eessemédico?
NORA Nãoestouentendendo.
17
l.:J, .10.-.: ),./"\""~"J
(
(
(
(
/,
(
(
(
(
(
(
SENHORALINDE O homemquechegoujuntocomigo.Creioter
ouvidoaempregadadizerqueeraummédico.
NORA Ah! É o doutorRank.Essenãovemcomomédico.É o
nossomelhoramigo;vemcáver-nosumavezpordia,pelo
menos. Torvald nunca mais estevedoentedesdeque
regressamos.As criançastambémestãobemde saúde,e
eu, como você vê. (Levanta-se de um salto, batendo
palmas)Deus,Kristina,ébomdemaisvivere serfeliz!...
Ah, estouinsuportáveL.nãofalo senãoemmim! (Senta-
se numabanquetabemjunto de Kristina, e coloca os
braçosemseusjoelhos)Não fiquezangadacomigo.Então
éverdadequevocênãogostavade,seumarido?Mas seé
assim,porquesecasoucomele?
SENHORALu·mE Minhamãeaindaeraviva,estavaacamadae
semamparo.Além dissotinhameusdoisirmãosmenores
parasustentar.Nãomerestououtraalternativaquandoele
mepediuemcasamento.
NORA Claro.Estoucertade quevocêprocedeubem.Nesse
tempoeleerarico,não?
SENHORALn-mECreioqueestavabemdevida.Masseunegócio
nãoerasólido.Comamortedeletudosedesintegrou,não
sobrounada.
NORA E depois?
SENHORALINDE Tivedemelivrardasdificuldadesrecorrendo
apequenosserviços,dandoaulas,etudomaisqueaparecia.
Enfim, essestrêsúltimosanosforamparamim umlongo
dia de trabalhosemdescanso.Agora acabou-se,Nora.
Minhapobremãejá nãoprecisademim:morreu;eosdois
meninostambémnão: estãoempregados,já podem se
mantersozinhos.
NORA Comovocêdevesesentiraliviada!
18
SENHORALINDE Enganoseu,Nora; o quesintoé um vazio
insuportável.Não termaisnadapor queviver!...(Ergue-
se inquieta)De modo que não pudecontinuarsozinha
naquelecantoinsulado.Aqui devesermaisfácil a gente
encontrarumaocupação,distrairopensamento.Seeutiver
sortedearrumarumemprego,umtrabalhodeescritório...
NORA Masqueidéia!É tãofatigante!E vocêprecisatantode
repouso!Melhor seriasevocêpudessetirarumasférias.
SENHORALINDE(aproximando-sedajanela) Eu não tenho
umpaiquemepagueaviagem,Nora.
NORA(erguendo-se)Ah, nãosezanguecomigo.
SENHORALn'mE(indoatéela) Você,queridaNora,équedeve
medesculpar.A piorcoisaqueexistenumasituaçãocomo
a minhaé que as amargurasse acumulamna alma da
gente.Não ter ninguémpor quemtrabalhar,e, contudo,
nãoconseguirrelaxar.Enfim,énecessárioviver!...Entãoa
gentesetomaegoísta.Comoagora,porexemplo:enquanto
a ouviafalarsobresuaboasortefiqueimaissatisfeitapor
mimmesmadoqueporvocê.
. NORA Quê?Ah!... sim,compreendo.Veio-lhea idéiadeque
Torvaldlhepoderiaserútil.
SENHORALINDE Sim,foi issoquepenseicomigo.
NORA E hádesê-lo,Kristina,deixecomigo.Vouprepararo
terrenocommuitadelicadeza;inventareialgoparacativá-
10,queodeixebem-humorado.Ah, gostariatantodeajudá-
Ia!
SENHORALINDE Como é bonitoda suaparteNora, mostrar
tantoempenho...você,queconhecetãopoucoasmisérias
e ascontrariedadesdavida.
NORA Eu? .. Vocêacha?
SENHORALINDE(sorrindo) Ora,afinalforamsó umascostu-
tinhaseoutrascoisasdogênero.Vocêéumacriança,Nora.
19
NORA (meneandoa cabeça e atravessandoa cena) Não
seja tão superior.
SENHORALINDE Como?
NORA Você é como os outros. Todos julgam que não sirvo
para nada sério...
SENHORALINDE E então...
NORA Que não tenhonenhumaexperiênciado lado difícil da
vida...
SENHORALINDE Mas, minha queridaNora, você mesmaacaba
de me descrevertodasassuasdificuldades...
NORA Ora! ...essasbagatelas!... (Emvozbaixa)Não lhe contei
o principal.
SE"<HORALINDE Que principal? O que você quer dizer?
NORA Você tambémme trata do alto da sua grandeza, Kris-
tina, mas não devia fazer isso. Você se orgulha por ter tra-
balhado durantetantotempoe com tantadedicaçãopor sua
mãe.
SE)''HORALINDE Não tratoningu~mdo altodaminha grandeza;
mas, é verdade que me sinto feliz e altiva ao lembrar-!TIe
que, devido a mim, os últimos dias de minha mãe foram
serenos.
NORA. E tambémsenteorgulho pelo quefez pelos seusirmãos.
SENHORALINDE Parece-meque tenhotodo direito em sentir.
NORA É tambémo quepenso.Agora vou l!1econtarumacoisa,
Kristina. Eu tambémtenhomotivo de alegriae de orgulho.
Sa-moRALINDE Não duvido.O que é?
NORA Fale mais baixo. Se Torvald nos ouvisse... Por nada
deste mundo eu queria que... Ninguém deve saber isso,
ninguém no mundo,além de você, Kristina.
Sa-mORALINDE Mas o que é então?
NORA Chegue aqui. (Puxando-apara si, nodivã)Ouça... eu
20
~.;,.;;,.
tambémpossoseraltiva e feliz. Fui eu quesalvei a vida de
Torvald.
SENHORALINDE Você salvou? Como foi isso?
NORA Já falei daviagemà Itália, não é verdade?Torvald não
escapariasenão tivessepodido ir parao sul.
SENHORALINDE Sim, e seu pai lhe deu o dinheiro de que
precIsavam.
NORA(sorrindo) Isso é que Torvald e toda a gentesupõem,
mas...
SENHORALINDE Mas...
NORA Papai nãonosdeusequerum centavo.Eu é quearranjei
o dinheiro.
SENHORALINDE Uma quantiadessas? .. Você? ..
NORA Mil e duzentostáleres.Quatro mil e oitocentascoroas.
Que lhe parece?
SENHORALINDE Mas, Nora, como você fez isso? .. Ganhou a
sortegrande?
NORA (numtomde desprezo) A sorte grande... (Com um
jeito de desdém)Que mérito haveria nisso?
SENHORALINDE Nessecaso, onde o foi buscar?
NORA(sorrindomisteriosamentee cantarolando)Hum! trá-
lá-lá.
SENHORALINDE Pedi-Io emprestadovocê nãopoderia.
NORA Porque não?
SENHORALINDE Porque umamulher casadanãopode contrair
empréstimosemo consentimentodo marido.
NORA (meneandoa cabeça) Ah, quando se trata de uma
mulher um poucoprática...umamulher quesabeserhábil...
SENHORALINDE Não, não compreendo.
NORA E nem precisacompreender.Ninguém disse que pedi
emprestadoessedinheiro.Poderia tê-Io conseguidodeou-
21
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
tramaneira.(Atira-separa cinUldosofá)Poderiaatéhavê-
10 recebidodeumadmirador,ora!Comosmeusatrativos...
SE'\HORALDiDE Vocêestálouca!
NoFt-\ Certamentevocêestámorrendodecuriosidade!
SP'HOR.ALr0iDE Diga-me,queridaNora,vocênãoprocedeu
levianamente?
NORA(endireitando-se)Será leviandadesalvara vida do
marido?
SE'iHORALJ;\iDESemelesaber,julgo queo seja...
NoFt-\Mas eraexatamenteisso:elenãodeviasaber.Vocênão
entende?Ele nãodeviaconhecernemagravidadedo seu
estado.A miméqueosmédicossedirigiram,dizendoquea
vidadelecorriaperigo,quesóumaestadanosulpodiasalvá-
10.Vocêpensaquenãotenteidisfarçar?Dizia-lhequeseria
um grandeprazer para mim ir fazer uma viagem ao
estrangeirocomoasoutrasesposasjovens; chorava,su-
plicava,fazia-lheverquenoestadoemquemeencontrava
ele sedeviacurvaraosmeusdesejos;dei-lhea entender
queelepodiamuitobemcontrairumempréstimo.Sevocê
\·isse.Kristina,elequaseperdeuo controle.Disse-meque
euerafrhola, e queo seudeverdemaridoeranãoceder
ao que,sebemmelembro,elechamavademeus"capri-
chosefantasias"."Bem",diziaeucomigo,"heidesalvá-Io,
nãoimportacomo".Foi entãoqueencontreiummodo.
SE'-;'HORALn,mE E seumaridonãosoubepor seupai queo
dinheironãoprovinhadele?
NORA Nunca.O papaimo~eudali adias._Euhavia.pensado I.emlherevelartudo,pedmdo-lhequenaometr31sse,mas r'
eleestavatãomal...Aí nãopreciseidaressepasso.
SE"'BORALJ]\,'DEE depois,vocênuncacontouparaseumarido?
NORA Não,por Deus!Como eupoderia?Ele é tãorigoroso
22
nesseponto!.. E depois,eu feriria seuamor-própriode
homem!Quehumilhaçãosaberquemedeviaalgumacoisa!
Issoteriamodificadotodaa nossarelação,eo nossoado-
rávellarnuncamaisseriao mesmo.
SENHORALrNDE Vocênuncacontará?
NORA(refletindo,enummeiosorriso) Talvez...comotempo,
masnãotãocedo.Só quandoeujá nãofortãobonitacomo
hoje.Nãoria!Querodizer:quandoTorvaldjánãomeamar
tanto,quandojá nãosedeliciartantocomoqueeurecitoou
danço,e asfantasiasqueeuvisto.Então,serábomterum
trunfoà disposição... (Interrompendo-se)Tolice!Essedia
nuncahádechegar.Então,Kristina,oquevocêtemadizer
do meugrandesegredo?Eutambémsirvo paraalguma
coisa...Acredite,essecasomedeumuitapreocupação.Na
verdadenãometemsidofácil efetuaropagamentonadata
pré-estabelecida.Eu lhe explico:nessesnegóciosháuma
coisaque se chamajuros de trimestree outraainda:a
amortização;etudoissoéterrivelmentedifícil dearranjar.
TivequeeconorrUzarumpoucoaqui,umpoucoali.Dacasa,
poucopodiatirar:eraprecisoqueTorvaldvivessecómcerta
comodidade.E ascriançastambémnãopodiamandarmal
vestidas.Parecia-mequetudoquantoparaeleseurecebia
lhespertenciadedireito.Queridosanjinhos!
SENHORALU'mEEntãoodinheirotevedesereconomizadodas
suasdespesaspessoais?PobreNora!
NORANaturalmente.Demaisamais,erajusto.Todasasvezes
queTorvaldmedavadinheiropararoupasnovas,sógastava
metade;compravasempreotecidomaisbaratoedequalidade
inferior.Sorteminhaquetudomecaitãobem,deformaque
Torvaldnadasuspeitou.Algumasvezes,contudo,custava-
me;poisétãobomandarelegante,nãoéverdade?
23
SENHORALrNDE É claro.
NORA E tambémtinhaoutrosganhos.No invernopassado,
porsorte,conseguiummontedetextosparacopiar.Então
recolhia-mee escreviaatéaltanoite.Oh! àsvezessentia-
metãocansada!No entantoeratãodivertidotrabalharpara
ganhardinheiro!Sentia-mequasecomoumhomem.
SENHORALrNDE E quantovocêpôdepagardessaforma?
NORA Ao certonãopossodizer.Vocênãoimaginaquantoé
difícil mantero controledessascontas.O que sei é que
pagueio maisquepude.Às vezesquaseperdiao juízo.
(Sorri)Entãocismavaqueumvelhomuitorico seapaixo-
naraporrrum.
SENHORALIJ\"DEQuê?Quevelho?
NORATolices!...Morrera,e aoabriro seutestamento,estava
escritoemletrasgrandes:"Todaminhafortunafica paraa
encantadorasenhoraNoraHelmer,edevelheserentregue
imediatamente,eemdinheirovivo
SENHORALD>"DEMinhaqueridaNora...quehomemeraesse?
NORA Oh,Deus,entãonãocompreendes?O velhonãoexis-
tia;eraapenasumaidéiaquesempremeapareciaquando
nãoviamaismeiodearrumardinheiro.Além disso,agora
tudomudou.O velhoenfadonhopodeestarondequeira,
nãomeimportomaiscomelenemcomo testamento,pois
hoje estou sossegada.(Ergue-se vivamente)Oh! meu
Deus!Queencantopensarnisso,Kristina!Tranqüila!Po-
derestartranqüila,completamentetranqüila,brincarcom
meusfilhos,terumacasabonita,comgosto,comoTorvald
a quer.Depoisvirá aprimavera,o lindocéuazul! Talvez
entãopossamosfazerumaviagenzinha.Tornaraveromar!
Oh!comoéadorávelvivereserfeliz!
Toquede campainha
24
SENHORALINDE(erguendo-se)Estáchegandoalguém;quer
quemeretire?
NORA Não,fique;nãoesperoninguém;naturalmenteé para
Torvald.
A CRIADA(daportadasaleta) Comlicença,minhasenhora;
estáaliumcavalheiroqueperguntapelosenhoradvogado.
NORA Pelosenhordiretordebanco,vocêquerdizer...
A CRIADASim,minhasenhora,pelosenhordiretordebanco;
mascomoo senhordoutorRankestálá...nãosei...
NORA Quemé?
KROGSTAD(aparecendo)Soueu,minhasenhora.
SENHORALINDE(estremece,perturba-see volta-separa a
janela)
NORA(dá umpassopara elee,perturbada,diz à meiavoz)
O senhor?Que sucedeu?Para quequerfalar com meu
marido?
KROGSTADÉ arespeitodobanco- atécertoponto.Tenholá
umempreguinho,eouvidizerqueoseumaridovaisernosso
chefe...
NORA Ah. entãoéapenas...
KROGSTADAssuntomaçante,minhasenhora,nadamais.
NORA Queiraentãofazero obséquiodeentrarno escritório.
(Cumprimenta-ocomindiferença,fechaaportada saleta
e volta-se,observandoofogo na estufa)
SENHORALINDE Nora...queméessehomem?
NORA É o advogadoKrogstad.
SENHORALINDE Entãoéelemesmo?
NORA Conhece-o?
SENHORALINDE Conheci-ohámuitosanos.Foi algumtempo
auxilardeadvogadonanossaregião.
NORA É verdade.
25
~)
"
(
I
(
i (
(
(
(
(
(
(
(
r
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
( )
SENHORALn,mEComoestámudado!
NORA Creioquenãofoi feliz nocasamento.
SENHORALIl'<'DEE estáviúvo?
NORA Está.Temummontedefilhos.Bom,o fogoagorape-
gou. (Fecha a porra da estufa e afasta a cadeira de
balanço)
SE:\HORALI:\DE Parecequeseocupadenegóciosescusos.
NORA Sim?É possível;nãosei...Mas nãofalemosdenegó-
cios;é tãoenfadonho...
Entrao doutorRank,vindodogabinetedeHelmer
RAt"\lK(conversando,naportaentreaberta)Não; nãoquero
atrapalhá-Io;vouporummomentofazercompanhiaà sua
esposa.(Fecha a porta e nota a presençada senhora
Linde)Oh!perdão!Tambémaquisouimportuno.
NOR.ADe modoalgum.(Apresentando-os)O doutorRank;a
senhoraLinde...
R,,-'\K Ah, umnomequeseouvecomfreqüêncianestacasa.
Parece-mequeaochegar,passeipelasenhoranaescada?
SE:\HOR.ALI\'DE Sim; nãogostodeescadas.Tenhode subir
bemdevagar.
R.\.'\K Algumproblemainterno?
SE\110RALI\'DE Na realidade,sóestoucansada.
RA:\K Nada mais? Então,veio à cidadecertamentepara
descansarfazendovisitas...
SEl\'HORALINDE Vim paraprocurartrabalho.
RAt,1<.Parece-lheremédioeficazcontraocansaço?
SEl'mORALIl'mE É precisoviver,doutor.
RANK É aopiniãogeral:julga-setalcoisanecessária.
SEl\'HORALINDE Oh! doutor,estoucertadequeo senhortam-
bémquerviver.
26
I
t
r,
RANK É claroquequero.Mesmomiserávelcomosou,gos-
tariadeparmaneceraquie sofrerduranteo maiorespaço
detempopossível.Todososmeusclientestêmessedesejo.
E dá-seo mesmocom aquelescujo mal é moral.Agora
mesmodeixeijunto de Helmerumhomemqueé moral-
menteinválido,e...
SENHORALINDE(comVOZ abafada) Ah!
NORA De quemo senhorestáfalando?
RANK Ah, falo desseadvogadoKrogstad,umhomemquea
senhoranãoconhece.Seucaráterestácontaminadoatéos
ossos,masa primeiracoisaquedisse- dando-lhe,pois,
umagrandeimportância- foi queprecisaviver.
NORA É? QuenegóciostemeleatratarcomTorvald?
RANK Parafalaraverdade,nãosei.Apenasouvidizerquese
tratavadobanco.
NORA IgnoravaqueKrog...queesseadvogadotivessealgoa
vercomo banco.
RANK Sim,temlá umaespéciedeemprego.(Dirigindo-seà
senhoraLinde)Não seisenasuaregiãoaconteceo mesm9
também,masaquiháumtipodegentequesededicaafa-
rejaracorrupçãomoral.Mal aencontracoloca-anumem-
pregoondepossavigiá-Ia.Os homenshonestosserãodei-
xadosdefora,aorelento.
SENHORALINDE Devemosconcordaremqueosdoenteséque
precisamsercuidados.
RANK(encolhendoos ombros) Bonito!Essetipo deponto
devistaéqueestátransformandoasociedadenumhospital.
NORA(absortanos próprios pensamentos,subitamentedá
um riso baixinhoe batepalmas)
RANK De queri? Acaso sabesequero queé a sociedade?
NORA Quemeimportaa suasociedadeenfadonha?Estava
27
rindodeoutracoisa,engraçadíssima.Ora,diga-me,doutor...
todasaspessoasempregadasnobancodependem,dehoje
emdiante,deTorvald?
R"''''K E éissoqueadivertetanto?
NORA(sorrindo e cantarolando) Não façacaso.(Passeia
pela sala) Sim, é agradável;custa-mecrerquenós... que
Torvaldtenhaagoratamanhainfluênciasobretantagente!
(Tira da algibeira o saco de bolinhos de amêndoas)
Querumpoucodebolinhodeamêndoas,doutor?
R"""'1<:Quê? bolinhodeamêndoas?!Julgavaqueissofosse
proibidonestacasa.
NORA E é,masestasforamtrazidaspor Kristina.
SE.'\'HORALINDE Eu?!...
NORA Não precisaseassustar.Vocênãopodiaadivinharque
Torvaldastinhaproibido.Sabeporquê?Porquereceiaque
me estraguemos dentes.Mas, ora!... umavezsó! Não é
verdade,doutorRank?.. Olhe! (Mete-lheumconfeitona
boca) E você também,Kristina! Para mim só tiro uma
pequenina... ou duas,quandomuito.(Tomaa andarpela
sala) Oh!Estouterrivelmentefeliz!Sóhánestemundouma
coisaquemeapeteceriatanto.
R"""K Queserá...?
NORAUmacoisaqueeugostariaimensamentededizerdiante
deTorvald.
R"""K E por quenãoadiz?
NORA Não meatrevo,émuitofeio.
SD'HORALINDE Feio? ..
RANK Se assimé,defato,o melhorénãodizê-Ia;masanós
podia... Que é entãoquelhe apeteceriadizerdiantede
Helmer?
NORA Tenhomuitavontadededizer:Caramba!
28
RANK Quelouquinha!
SENHORALINDE Então,Nora...
RANK Olhe,digaagora;lávemele.
NORA(escondendoo sacode bolinhos) Pss! Pss!
HELMER(aparecena porta do escritório, de sobretudono
braço e chapéuna mão)
NORA(dirigindo-seaele) Então,Torvaldquerido,já selivrou
dele?
HELMER Já; foi-seagora.
NORA POSSOlheapresentar?É Kristina,quechegouhoje.HELMERKristina?..Queiramdesculpar,masverdadeiramente
nãosei...
NORAA senhoraLinde,meuquerido,asenhoraKristinaLinde.
HELMER Ah! muitobem!É provavelmenteumaamigade.
infânciademinhaesposa?
SENHORALINDE Exatamente,somosvelhasamigas.
NORAImaginequeelaempreendeuessacompridaviagempara
lhefalar!
HELMER Parafalar-me?
SENHORALINDE Nãofoi sóesseo motivo...
NORA É queKristinaémuitohábilemtrabalhosdeescritório,
e desejamuitíssimoestarsob as ordensde um homem
superioreadquiriraindamaisexperiência.
HELMERTemtodaarazão,minhasenhora.
NORA Entãologoquesoubedasuanomeaçãoparadiretordo
banco- soube-oporumtelegrama-, pôs-seimediatamente
acaminho.E você,parameseragradável...hádeseempe-
nharporKristina,nãoémesmo?
HELMERNão édetodoimpossível.Suponhoquetalvezase-
nhorasejaviúva?
SENHORALINDE Sou.
29
____ ._---=-"'--~h::f
(
(
NORA Ah! Um grandecãoatrás·dosmeusfilhos? Mas não
mordia.Não,oscãesnãomordembonequinhoslindosetão
queridos!Ivar,nãoabraosembrulhos.O quetemnesseaí?
Vocênãopodesaber!Não, nãoé nadabonito.Ah, vocês
31
Entãobrincarammuito?Masissoéótimo!Sério?Vocêpuxou
o trenócomEmmyeBob emcima?É impossível!Com os
dois!Ah!vocêéumvalentezinho,Ivar!Ah! deixe-aficarum
instantecomigo,Anna-Maria.Minha queridabonequinha!
(Pega a filhinha e dança com ela) Sim, sim, a mamãe
tambémvaidançarcomBob.Quê?Fizerambolasdeneve?
Ah! quemmederaterido também!Não,deixe-me,Anna-
Maria. Quero eu mesma tirar-Ihesos agasalhos.É tão
divertido!Entre,vocêparecegelada.Na cozinhatemcafé
quente.
A babá entra no quarto do lado esquerdo.Nora tira os
agasalhose os chapéusdosfilhos, espalhando-ospela sala,
enquantodeixaque as criançasfalem ao mesmotempo
O doutorRank,Helmerea senhoraLindedescema escada.A
babáentrana cenacomas crianças.Nora também,depois
defechar a porta
NORA Como estãofrescose alegres!Ah, quefacescoradi-
nhas!Parecemmaçãsou rosas!
HELMER Venha,senhoraLinde, aqui só umamãeagüenta
ficar.
As criançasfalam-lhetodasao mesmotempoatéo final da
cena
HELMERE tempráticaemtrabalhosadministrativos?
SENHORALINDE Simsenhor,bastante.
HELMEREntãoémuitoprovávelquelhearranjeumlugar...
NORA(batendopalmas) Estávendo?
HELMERChegounumaboaocasião,minhasenhora.
SENHORALI1'.'DENão seicomoagradecer-lhe!
HELMER Oh! nãofalemosnisso!(Vesteo sobretudo)Agora,
porém,queiramdesculpar-me...
RANK Espere;voucontigo.(Vaibuscaro casacodepele na
saletae aproxinuz-seda estufapara aquecê-Io)
NORA Não demore,caroTorvald.
HELMERUmahora,quandomuito.
NORA Vocêtambémjá vai,Kristina?,
SENHORALINDE(pondoocasaco) Precisoarranjaralojamento.
HELMERPodemosir juntosumpedaço.
NORA(ajudando-a) É penaestarmostãoapertados... mas
éimpossível...
SENHORALr:'-.'DEQueidéia,Nora!Atédepois,minhaquerida,e
muitoobrigada.
NORAAtélogo.É claro,ànoitevocêvolta.E osenhortambém,
doutor.Quê?Seestiverdisposto?Decertoqueestará.Basta
agasalhar-sebem.
Saem conversandopela porta da entrada. Ouvem-seas
vozesdas crianças na escada
NORA Ai vêmeles!aí vêmeles!(Correa abrir;entraAnna-
Maria, a babá,comascrianças)Entrem,entrem!(Curva-
se e beija-as)Oh! meusqueridos!Estávendo,Kristina?
Não sãoumasgracinhas?
RANK Não fiquembatendopaponacorrentedear.
30
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
:f (
1!
i'l, ,
: (
I
:1
;~1
il
J (
:, (
:1I (
ri (
Ir:
~(
I~'~:r'-'-
querembrincar?De quê?De esconde-esconde?Estábem.
O primeiroa seesconderé o Bob.Eu? Entãosoueu,está
bem.
Nora e os filhos começama brincar,gritandoe rindopelas
duas salas contíguas.Por fim, Nora esconde-sedebaixo
da mesa.As criançaschegamemtropeleprocuram-nasem
a encontrar.Ouvem-lheo riso abafado;precipitam-separa
a mesa,levantamo panoe descobrem-na.Gritosdealegria.
Ela sai comas mãosno chão, comopara os amedrontar,
novosgritos de alegria. Entrementes,alguémbateà porta
de entrada,semqueninguémouça.A porta entreabre-see
vê-seKrogstad.Espera um momento.O jogo prossegue
KROGSTADPerdão,senhoraHelmer...
NORA (solta um grito surdo e ergue-seumpouco) Que
deseja?
KROGSTADDesculpe-me;a portaestavaentreaberta.Esque-
ceram-sede fechá-Ia.
NOR". (levantando-se)Meu esposonãoestáemcasa,'senhor
Krogstad.
KROGSHDBemsei.
NOR". Então...o quequer?
KROGSTADTrocarconsigoalgumaspalavras.
NORA Comigo?.. (Baixo,aosfilhos) Vão ficar comAnna-
Maria. O quê?.. Não, O estranhonão quer fazer mal a
mamãe... Quandoelefor emboravamosjogar outravez.
(Acompanhaas criançasatéo compartimentoda esquer-
da efecha a porta atrás delas)
NORA (inquieta,agitada) Desejafalarcomigo?
KROGSTADSim,minhasenhora,consigo.
32
NORA Hoje? ..Mas aindanãoestamosnoprimeirodo mês...
K.ROGSTADNão; estamosna vésperado Natal.Da senhora
dependequeesteNatallhetragaalegriaoupesar.
NORA Mas quepretende?Hoje é verdadeiramenteimpossí-
vel...
KROGSTADPorenquantonãofalemosnesseassunto.Trata-se
deoutracoisa.Podeconceder-meummomento?
NORA Posso,certamente,aindaque...
KROGSTADBem.Encontrava-menorestauranteOlsenquan-
do vi passaro senhorseumarido...
NORA Ah!
K.ROGSTADComumadama.
NORA E então?
K.ROGSTADPermita-meumapergunta.Essadamanãoeraa
senhoraLinde?
NORA Era.
K.ROGSTADChegouhoje?
NORA Sim,hoje.
KROGSTADEla éumaboaamigadasenhora?
NORA É, masnãopercebo...
KROGSTADTambémaconhecioutrora.
NORA Sim,eusei.
KROGSTADVerdade?Entãoa senhoraouviufalara respeito?
Bemmeparecia.Nessecasopoderádizer-meseasenhora
Lindevaiterumacolocaçãonobanco?
NORA Comoousao senhorinterrogar-meaesserespeito?O
senhor,queé subordinadodo meumarido!Mas, umavez
que estáperguntando,vou satisfazer-lhea curiosidade.
Efetivamente,asenhoraLinde vai serfuncionáriadoban-
co.E foi devidoa mim,senhorKrogstad.E agorajá está
sabendo.
33
~ ~__--.- l .. ít·· "-:"; .-:,./•..•...•
,(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
{
(
(
(
(
(
(
(
KROGSTADSim,éo queeuimaginava.
NORA(andandodeumladopara outroda cena) Como vê,
aindatenhoalgumainfluência.Emborasejamulher,isso
nãosignifica... Sim,quandoseestánumasituaçãosubal-
terna,senhorKrogstad,é preciso ter cuidado em não
molestaralguémque...hum...
KROGSTAD...quetenhainfluência?
NORA Exatamente.
KROGSTAD(mudandode tom) SenhoraHelmer,a senhora
seriaboaapontodeusardasuainfluênciaemmeufavor?
NORA Quê?Nãocompreendo.
KROGSTADTeriaabondadedeintercederparaqueeuconserve
omeumodestolugarnobanco?
NORA Quequerdizer?Quemestátentandotirá-Iadosenhor?
KROGSTADOh! Não é precisosimulardiantede mim. Com-
preendomuitíssimobemqueasuaamiganãosintagrande
prazeremmever,e agoraseia quemdevoagradecerpor
minhadispensa.
NORA Mas afirmo-lhe...
KROGSTADEnfim, emduaspalanas:aindaé tempo,e acon-
selho-aaempregarasuainfluênciaparaevitartalcoisa.
NORAMas,senhorKrogstad,eunãotenhonenhuminfluência.
KROGSTADComoassim?Parece-mequeaindahápoucoaouvi
dizer...
NORA Claroquenãoeranessesentido.Comopodeo senhor
suporqueeutenhatamanhopodersobreomeumarido?
KROGSTADOh! Eu conheçoo seumaridodo tempoemque
éramosestudantes.Não creioqueo nobrediretordobanco
sejamaisinflexíveldoqueosoutroshomenscasados.
NORA Se sereferirdemodoofensivoa meumarido,expul-
so-o!
34
KROGSTADQuecoragema senhoratem!
NORA Não o temo.Passadoo Ano Novo, ficareilivredesi.
KROGSTAD(contendo-se)Ouça, minhasenhora:sendone-
cessário,paraconservaromeuempregolutareicomosese
tratassedeumcasodevidaou morte.
NORA De fato,é issoqueparece.
KROGSTADNãoéapenasporcausadosalário;issoéo deme-
nos.Há,porém,outracoisa...enfim,voulhedizer tudo.A
senhorasabe,naturalmente,comotodaagente,quecometi
umaimprudênciamuitosanosatrás.
NORA Parece-meque ouvi falar...
KROGSTADO casonãochegouaostribunais;masdesdeentão
todososcaminhosmeforamfechados.Assim,eupasseia
mededicaràquelaespéciedenegóciosqueasenhoraconhece;
eranecessárioencontrarqualquercoisa,epossodizerque
nãofui piorqueosoutros.Masagoraquerolivrar-medessetipodecoisa.Meusfilhosestãocrescendo;porcausadeles
querorecuperar,omaispossível,minharespeitabilidadede
cidadão.Esselugarnobancoeraparamimopn,meiropasso.
E agorao seumaridoquerempurrar-medevoltaà lama.
NORA Mas, honestamente,senhorKrogstad,eunadaposso
fazerparaauxiliá-lo.
KROGSTADIssoporqueasenhoranãoquer.Mas tenhomeios
queaobrigarãoafazê-Ia.
NORA O senhor,decerto,nãoirádizerameumaridoquelhe
devodinheiro?
KROGSTADRum!E seassimfosse?
NORA Seriaindecorosodasua parte.(Coma vozembarga-
da) Esse segredode quetantome orgulho,nãogostaria
queeleo soubessedessamaneirafeia e brutal...pelose-
nhor. Seriaexpor-mea grandescontrariedades.
35
)<:;
H~
j,;\
.~. ,
ii:,_
li!' .~··r·-- "'". _. __
37
queriadizerquequemdeviaindicara datada assinatura
erao seupai.Recorda-sedisso?
NORASim,efetivamente...
KROGSTADEntãoeulheentregueiapromissóriaqueasenhora
tinhaderemeterpelocorreioaseupai.Foi assimquetudo
sepassou,nãoé verdade?
NORA Foi.
KROGSTADE, claro,asenhorao remeteuimediatamente,pois
daíacincoouseisdiasmeapresentavaapromissóriacom
aassinaturadeseupai.E aquantiafoi-lhe entregue.
NORASim,eentão?Nãopagueiminhasprestaçõescompon-
tualidade?
KROGSTADSim,commuitapontualidade.Mas, voltandoao
queestávamosfalando Aquelestempos,decerto,foram
difíceisparaa senhora.
NORA Nãonego.
KROGSTADParece-meque seupai estavaacamado,muito
doente.
NORA Ele estavamorrendo.
KROGSTADE nãodemoroumuito,elemorreu.
NORA Sim.
KROGSTADDiga-me,minhasenhora,acasoserecordadadata
damortedeseupai?Querodizer,aquediadomês...?
NORA Meupaifaleceua29desetembro.
KROGSTADExato.Estouinformado.E poressamesmarazãoé
quenãoconsigoexplicar... (tira do bolsoumpapel) uma
coisacuriosa...
NORA Quecoisacuriosa?Não sei...
KROGSTADO curioso,senhoraHelmer,équeseupaiassinoua
promissóriatrêsdiasdepoisdemorto.
NORA Comoassim?Não entendo.
KROGSTADSomentecontrariedades?
NORA (vivamente)Procedacomoquiser:diga-lhetudo.Quem
sofrerámais seráo senhor;meumaridoveráentãoque
espéciede homemé,eentãopodeficarcertodequeper-
deráo seulugar.
KROGSTADPerguntei-lhesereceiaapenascontrariedadesna
suavidadoméstica.
NORA Semeumaridosouberdetudo,naturalmenteiráquerer
pagarlogo;eentãoficaríamoslivresdosenhor.
KROGSTAD(dandoumpassopara ela) Ouça,senhoraHel-
mer...Ou asenhoranãotemmemória,ouentãotempouca
experiênciaem negócios.Precisoesclarecê-Iaumpouco.
NORA Paraquê?
KROGSTADNa épocadaenfermidadedeseumaridoasenhora
dirigiu-seamimparalheemprestarmil eduzentostáleres.
NORA Não conheciamaisninguém...
KROGSTADPrometiconseguir-lheessaquantia.
No!?,.",.E conseguiu.
KROGSTADPrometi obter-lheessaquantiasobcertascon-
dições.A senhora,porém,estavatãopreocupadacom a
doençade seumaridoe tão empenhadaem conseguiro
dinheirodaviagemque,julgo, nãodeuatençãoaosdeta-
lhes.Eis arazãoporquenãoachodemaisrepeti-Iasagora.
Poisbem!Prometiobter-lheodinheiromedianteumrecibo
queeuelaborei.
NORA E queeuassinei.
KROGSTADBem.Mas, maisabaixoacrescentavam-sealgu-
maslinhaspelasquaisseupai setornavaseufiador.Essas
linhasdeveriamserassinadasporele.
NORA Deveriam,diz o senhor?E eleassimo fez.
KROGSTADEu haviadeixadooespaçodadataembranco;isso
36
i
:1
I
!iI
(
i
:(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
KROGSTADSeupai faleceuno diavintee novedesetembro.
Mas veja.Suaassinaturaé datadado diadoisdeoutubro.
Não é estranhoisso?
NORA(silencia-se)
KROGSTADTambémée\'identequeaspalavras:doisdeoutubro,
assimcomoo ano,nãosãodopunhodeseupai,mastêm
umacaligrafiaquemeéconhecida.Enfim, é coisaquese
podeexplicar.Seupai teriaseesquecidodedatara assi-
natura,ealguémofezaoacaso,antesdeterconhecimento
dasuamorte.Nãohágrandemalnisso.Aqui o essencialé
a assinatura.E estaé autêntica,não é mesmo,senhora
Helmer?Foi defaro,seuprópriopaiquemescreveuaquio
seunome?
NORA(depoisde brevesilêncio,erguea cabeçae encara-o
comar provocante) Não,nãofoi ele.Quemescreveuo
nomedepapaifui eu.
KROGSTAD Sabe,minhasenhora,queessaconfissãoé pe-
rigosa?
NORA Por quê?Daquiapoucoo senhorteráo seudinheiro.
KROGSTADPermita-meoutrapergunta.Por quenãoenviouo
papela seupai?
NORA Era impossível.Ele estavatãodoente!Paralhepedira
assinaturaeu tinhade lhe explicara quese destinavao
dinheiro.Maseunãopoderialhedizer,noestadoemquese
encontrava,quea vidademeumaridocorriaperigo.Era
impossível.
KROGSTADNessecasoomelhorteriasidorenunciaràviagem.
NORA De modoalgum.Essaviagemdeviasalvara vidade
meumarido.Nãopodiarenunciaraela.
KROGSTADE a senhoranãopensouquecometiaumafraude
paracomigo?
NORA Nãopodianempensarnisso.Quemeimportavaamim
38
iiJ:.~~
o senhor!Eu já nãoo podiasuportarporcausadetodosos
frios argumentosqueme apresentava,sabendoquemeu
maridoestavaemperigo!
KROGSTADSenhoraHelmer,vejo claramentequea senhora
nãopercebea extensãoda suaculpa.Mas vou lhe dizer
umacoisa:o atoquearruinouaminhareputaçãosocialnão...
eramaIScnmmosoqueo seu.
NORA O quê? O senhorestáquerendome fazercrer que
praticouuma açãocorajosapara salvar a vida de sua
mulher?!
KROGSTADAs leisnãosepreocupamcommotivos.
NORA Nessecaso,sãoleisbastantemás.
KROGSTADMás ou não... seeumostrarestepapelà justiça,
segundoas leisa senhoraserácondenada.
NORA Não acredito.Entãoumafilha não teráo direitode
evitaraseuvelhopaimoribundoinquietaçõeseangústias?
Umamulhernãoteráo direitodesalvara vidadeseuma-
rido?Eu nãoconheçoa fundoas leis, é claro;masestou
certade quedeveestarescritoem algurpapartequetais
coisassãopermitidas.E osenhornãosabedisso?O senhor,
um advogado?!Parece-mepoucohábil comohomemde
leis,senhorKrogstad.
KROGSTADÉ possível.Masdenegócioscomoessesnossos...
concordaqueentendo,nãoéverdade?Bem.Agoraproce-
dacomobementender;oquelhepossoafirmaréqueseeu
forexpulsopelasegundavez,asenhoramefarácompanhia.
(Cumprimentae sai)
NORA(refletepor algum tempo;depois erguea cabeça)
Ora! Ele queriaassustar-me!Mas eu não sou tão tola!
(Começaa apanharas roupasdosfilhos, masdetém-se
passadoum momento)Mas...? Não, é impossível!Se o
quefiz foi poramor!
39
As CRIANÇAS(ã porta da esquerda) Mamãe,o estranhojá
foi embora.
NORA Sim,sim,já sei.Masnãofalemaninguémsobreaquele
estranho,entenderam?Nem mesmoaopapai.
As CRIANÇASNão, mamãe.Vamosagorabrincardenovo?
NORA Não,não;agoranão.
As CRIANÇASMas vocêprometeu,mamãe...
NORA Agoranãoposso.Entremno quarto.Vão-seembora;
tenhomuito que fazer.Vão, meusfilhinhos queridos...
(Empurra-osmeigamentee fechaaportaatrásdeles.Sen-
ta-seno sofá;peganumbordado,dá algunspontos,mas
logopára)Não! (Atirao bordado,ergue-se,vaiàportada
entradae grita)Helena!traga-mea árvore.(Aproxima-se
dámesadaesquerdae abrea gaveta;depoisestaca)Não,
éabsolutamenteimpossível!
A CRIADA(trazendoa árvoredeNatal) Ondea coloco,se-
nhora?
NORA Ali; nomeiodasala.
A CRIADA A senhoraprecisademaisalgumaçoisa?
NORA Não, obrigada;tenhotudoaqui: (Deixandoa árvore
de Natal, a criada sai)
NORA(omamentandoa árvore) Aqui, devemficar umas
velas...ali, osadornos...Quehomemmau!Tolice!Tolice!
Issotudonãotemimportância.-Há deficarlindaaárvore
deNatal.Querofazertudoo quete trazalegria,Torvald;
dançareiparavocê,cantarei...
HELMER(entracom umapasta cheia de documentossob o
braço)
NORA Ah! Vocêjá voltou!
HELMER Já. Veio alguém?
NORA Aqui emcasa,não.
40
~a~,
HELMERÉ estranho.Vi Krogstadsairdoprédio.
NOR..\ Ah, sim,Krogstadmefezumabrevevisita.
HELMERNora,possoverpelasuaexpressãoqueelelhepediu
paraintercederemseufavor.
NORA Foi.
HEL\1ER E vocêtencionavafazercom queessepedidopa-
recesseumaidéiasua.Eu nãodeviasaberdavisitadele.
Nãofoi o queelepediu?
NORA Foi, Torvald,mas...
HEL"-1ERNora, Nora! Como você se prestaa essetipo de
coisa?Dar ouvidosaumhomemcomoesseecomprome-
ter-secomele!E, aindaporcima,mentirparamim!
NORA Mentir?
HEL\1EREntãovocênãomedissequeninguémtinhavindo
aqui? (Ameaçando-acom o dedo)Não faça mais isso,
minhaavecanora.Uma avecanoradevetero bico limpo
paragorjear;e nadade notasdesafinadas.(Passa-lheo
braçopela cintura)Não é verdade?... Eu sabiaqueera.
(Solta-a)E agora,nemmaisumapalavrasobreo assunto.
(Senta-sejunto da estufa)Como estáquentee acolhedor
aqui!(Fo lheia os papéis)
NoR.1>,(ocupa-seguamecendoa árvore.Após umbrevesilên-
cio) Torvald!
HELMERSim.
NORA Estouterrivelmentefeliz pelobailea fantasiaqueos
Stenborgvãodardepoisdeamanhã.
HELMER E euterrivelmentecuriosoem ver a surpresaque
vocêmeprepara.
NORA Ah, essahistóriaboba!
HELMER O quê?
NORA Não soucapazdeencontraralgoquedêcerto;tudoé
tãotoloeinsignificante.
41
;"
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
i (
(
(
(
HELMER Ah, entãoa minhapequenaNora chegoua essa
conclusão?
NORA(por detrásdo cadeirado mnrido,coma mãono en-
costa) Vocêestámuitoatarefado,Torvald?
HELMER Estou...
NORA Quepapéissãoesses?
HELMER Negóciosdobanco.
NORA Já?
HELMER Sohciteidosantigosdiretoresplenospoderespara
empreenderas mudançasnecessáriasno pessoale nos
negócios.VouempregarasemanadoNatalnessetrabalho.
QuerotertudoemordemparaoprinCípiodoano.
NORA Entãofoi por issoqueo pobreKrogstad...
HELMER Hum!...
NORA (cun·a-seumPOllCO paraafrenteepassaa rnãopelos
cabelosdeHelmer) Sevocênãoestivessetãoocupadoeu
lhepediriaumenormefavor,Torvald.
HELMERVamosver.O queé?
NORA Ninguémtemmaisbomgostoquevocê,eeuqueriame
apresentarbemno baile...Vocênãopoderiaseocuparum
pouquinhocomigoeajudaraescolheraminhafantasia?
HELMER A-há! A minhamulherzinhaobstinadaestáemdi-
ficuldadesequerquealguémasocorra?
NORA É verdade,Tor\'ald,nadapossoresolversemvocê.
HaMER Bem,bem;pensaremosnisso,edecertoencontraremos
algumacoisa.
NORA Ah? comovocêé amável!(Voltaà árvorede Natal.
Silêncio)Como estasfloresvermelhasficamlindas!Tor-
vald,oqueKrogstadfez foi tãoterrívelassim?
HELMER Falsificouassinaturas.Vocêcompreendeo queisso
significa?
42
NORA Nãoteriasidolevadoa issopelanecessidade?
HELMER Pode ser...ou, como tantosoutros,por simples
imprudência.E eunãosoutãocruela pontodecondenar
umhomemporumúnicodeslize.
NORA Vocênãofariaisso,nãoé,Torvald?
HELMERMuitoshomenssereabilitammoralmente,maspara
issoéprecisoqueconfessemsemrodeiosseucrimeeque
aceitemapunição.
NORA A punição?
HELMER Mas Krogstadnãoquis seguiressecaminho.Pro-
curouescapardasituaçãorecorrendoadiversosexpedien-
teseàhabilidade;foi o queo arruinou.
NORA Entãovocêacreditaque...
HELMER Ora,imaginecomo,depoisdeum delitodesses,o
indivíduotemdepassara mentire a serhipócritatodoo
tempo.Ele éobrigadoadissimularatécomosquelhesão
maispróximosecaros:aesposae os filhos.Sim,atécom
osfilhos...e issoéo maisterrível,Nora.
NORA Porquê?
HELMERPorqueumaatmosferamentirosacontagiaeenvenena
avidadaquelelar.Decadavezqueosfilhosrespiramnaque-
la casa,absorvemos germesdo mal.
NORA(aproximando-se)Tem certezadisso?
HELMERComoadvogadojá vi issomuitasvezes,querida.Quase
todososjovensquesevoltaramparao crimetiverammães
mentirosas.
NORA E porqueexatamentemães?
HELMER Quasesemprea falhaé damãe,mas,é claro,o pai
podeinfluirnomesmosentido.Todososadvogadosreco-
nhecemisso.E certamenteessesujeito,Krogstad,durante
anosvemenvenenandoos própriosfilhoscommentirase
43
11
! ji
1 I
! l'
~
dissimulação. Por isso eu o considero um homem
moralmenteperdido.(Estende-lhea mão) E por isso a
minha pequenae queridaNora precisa prometernão
intercedermaisemseufavor.Dê-mea suapalavra.Mas o
que é isso? Estenda-mea mão. Assim. Está decidido.
AfIrmo-lhequemeseriaim-possíveltrabalharcomele.Sinto,
literalmente,ummal-estarfísicojuntodepessoasassim.
NORA(retiraa mãoe vai se colocardo outrolado da árvo-
re) Como estáquenteaqui!Além dissoeu tenhoainda
muitacoisaparafazer.
HELMER(levanta-see reúneos papéis) . Sim, eu também.
Tenhodeexaminaristoantesdo almoço.Depoispensarei
emsuafantasia.Podeserqueeutambémtenhaqualquer
coisa para dependurarna árvore,num papel dourado.
(Coloca-lhea mãosobrea cabeça)Oh! minhaquerida
avezinhacanora!(Entra no escritórioefecha a porta)
NORA(baixo, após umbrevesilêncio) Ah! não pode ser.
Issonãoépossível.Nãopodeserpossível!
BABÁ (à porta da esquerda) As criançasquerementrar
paraficar com a senhora;estãopedindodeum modotão
engraçadinho!
NORA Não,não,não,nãoosqueroaqui.Fiquecomelas,An-
na-Maria.
BABÁ Estácerto,senhora.(Fechaaporta)
NORA(pálidadepavor) Perverteros meusfilhinhos!... En-
venenaro meular!... (Brevesilêncio,ergueafronte)Não
é verdade!Não podeserverdade.Nunca,nunca!
44
SEGUNDO ATO
Mesmacena.A árvorede Natal desnudadae desgrenhada
comos ceposdas velas queimadasestáà um canto,junto
do piano. Sobre o sofá, ao acaso, o chapéue a capa de
Nora. Nora, sozinha,anda de um lado para o outro,agi-
tada;por fim detém-sejunto do sofá e pega a capa
NORA(largandoa capa) Chegou alguém!... (Dirige-se á
portaepõeo ouvidoà escuta)Não,nãoé ninguém.Não,
não;aindanão é parahoje, dia de Natal; paraamanhã
tambémnão... Mas, quemsabe...? (Abre a porta e olha
parafora) Nada; a caixade correspondênciaestávazia.
(Vempara afrente)Quebesteira!Aquelaameaçanãoera
a sério!Tal coisanãopodeacontecer... é impossíveL.te-
nhotrêsfIlhinhos.
A babá,carregandoumagrande caixa de papelão,entra
pela porta esquerda
BABÁ Até queenfimencontreia caixacomasfantasias.
NORA Obrigada,ponha-anamesa.
BABÁ(obedecendo) Naturalmenteprecisaserarrumada.
NORA Ah, meudesejoérasgá-Iaemmil pedacinhos.
45
!:
H
li 11
!ir
!11i
1'(
1I
ii 'iJ
11 (iI'·
11
i:,(
j,
I' (
I
(
(
(
(
(
(
(
B.~Á Ah! isso não!Podeserconsertadalogo; é precisosó
umpouquinhodepaciência.
NORA Sim,voupedirà senhoraLinde quevenhameajudar.
B.~Á Sair outravez?Com essetempo?!A senhorapode
apanharumresfriado... e cair decama.
:t\ORA Há coisaspioresqueisso...Comoestãoascrianças?
BABÁ Coitadinhas,estãobrincandocom seuspresentesde
Natal,mas...
NORA Perguntammuitopormim?
B.~Á Elas estãomuitohabituadasaficarcoma senhora.
NORA Decerto,Anna-Maria;mas,olhe,daquipordiantenão
possoestartantasvezesjunto delas.·
B.~Á Estábem,elasacabarãoseacostumando.
:t\ORAVocêacha?Seeuasdeixasseparasempre,vocêacredi-
taquemeesqueceriam?
BABÁ Parasempre?...Deusnoslivre disso!
:t\ORAOuça,Anna-Maria...quantasvezestenhopensadonisso,
medigacomofoi que"ocêtevecoragemdeconfiaro seu
filho aestranhos?
BABÁ Assimfoi preciso,paracriaraminhapequenaNora.
:t\ORASim,mascomovocêpôdetomaradecisão?
BABÁ Quandoéqueeuteriaumacolocaçãotãoboa?Erauma
sortemuitograndeparaumamoçaquederatãomaupasso...
E o tratantenãoqueriasaberdemim.
NORA A suafilha aesqueçeu,semdúvida.
B.~Á Não, nãoesqueceu.Escreveu-mequandofoi crismada
e depoisquandosecasou.
NORA(lançando-lheos braçosao pescoço) Minha velhae
boaArma-Maria,vocêfoi umaboamãeparamimquando,
euerapequena.
B.~Á PobrepequenaNora,nãotinhaoutramãe,senãoeu.
46
NORAE seosmeusfilhinhostambémnãotiveremoutra;bem
sei quevocê... Bobagem,bobagem!(Abre a caixa) Vá
ficarcomeles,euagorapreciso...vocêvai vercomofica-
reibonitaamanhã.
BABÁ Tenhocertezadequenobailetodonãohaveráninguém
tãobonitacomoa senhora,donaNora. (Saipelaportada
esquerda)
NORA(abrindoa caixa,mas logo atirando tudopara lon-
ge) Seeumeatrevesseasair...Seestivessecertadeque
nãoapareceráninguém...Sesoubessequenadaacontece-
riaatéaminhavolta...Quetolice!Precisoparardepensar
nisso.Ninguémvirá.Vouescovaro regalo.Quelindaslu-
vas,quelindas!Não voupensar,nãovou.Um, dois,três,
quatro,cinco,seis... (Soltaumgrito) Ah! aí vem... (Quer
se encaminharpara a porta, masfica indecisa)
SENHORALINDE(entra,depoisdedeixaro casacoe o chapéu
nasaleta)
NORA Ah, évocê,Kristina?Não hámaisninguémlá fora?..
Quebomvocêtervindo! •
SENHORALINDE Soubequevocêestevemeprocurando.
NORA É verdade,passeipelasuacasa...Querialhepedirque
meajudasse.Sente-seaquinosofá, ao meu lado. Olhe,
amanhãháumbailea fantasiano andarsuperior,nacasa
do cônsulStenborg.Torvaldquerqueeu me disfarcede
pescadoranapolitanae dancea tarantelaqueaprendiem
Capri.
SENHORALINDE Sim,senhora,vocêvaidarumespetáculo!
NORAÉTorvaldquemquer.Estáaquiaroupa;elememandou
fazê-Iaaindalá no sul. Mas estátão estragadaquenão
sei...
SENHORALINDE Issosearranjadepressa.Só osbabadoséque
47
Ilr
;~ li': f
i: j
estãodescosturadosemalgunspontos.Dê-melinhaeuma
agulha.Ótimo,temtudoOquepreciso.
NORA Comolheagradeço!
SENHORALINDE(costurando) Então você vai se fantasiar
amanhã.Sabedeumacoisa,virei aquiparavê-Iafantasia-
da.Olha! Já estavameesquecendodeagradecer-lhepela
noiteagradáveldeontem.
NORA(erguendo-see atravessandoa cena) Oh, ontem...
Pareceu-mequenãoseestavatãoagradávelcomodecos-
tume.Vocêdeviaterse lembradodessaviagemhá mais
tempo,Kristina...É verdadequeTorvaldtemograndedom
detomaracasaanimada,aprazível.
SENHORALINDE E vocêtambém,Nora..: creioeu... a digna
filha deseupai.Mas,diga-me,o doutorRankestásempre
assimsoturnocomoestavaontem?
NORA Não, ontemestavamaisdesanimado.Atacou-ouma
terríveldoença:sofredetabe,o coitado.O paideleeraum
libertino.Tinhaamantes...ecompreende...aconseqüência
dissofoi o filhojá nascerassimdoente.
SENHORALINDE(repousandono colo 6 trabalhoqueestáfa-
zendo) Mas, minhaqueridaNora,quemé quelheconta
essashistórias?
NORA(andando) Ora!... Quandojá se temtrêsfilhos... re-
cebe-seavisitadecertassenhorasquesãomeiomédicase
quenoscontamcoisas...
SENHORALINDE(continuaa costurar;brevesilêncio)O doutor
vemaquitodososdias?
NORATodos.É omelhoramigodeinfânciadeHelmer,eémeu
amigotambém.O doutorRanké,porassimdizer,decasa.
SENHORALINDE E seráhomemabsolutamentesincero?Quero
dizer... nãoé dadoa dizercoisassóparaagradar?
48
NORA Pelocontrário.Queidéiafoi essa?
SENHORALINDEOntem,quandovocênosapresentou,eleafirmou
quejá ouviramuitasvezeso meunomenestacasa;ora,
depoiseupercebiqueseumaridonãotinhanenhumaidéia
dequemeuera.Comofoi entãoqueodoutorRankpôde...?
NORAVocêtemrazão,Kristina.Torvaldmeadora;equerque
eusó vivaparaele,comoele própriodiz. Nos primeiros
temposficavaenciumadoquandoeumencionavaalguma
pessoaqueridaquemerodeavaantigamente.Assim,acabei
porcensurá-Iasnaminhaconversa.MascomodourorRank
possoexpandir-me,poiseleatégostademeouvirfalardelas.
SENHORALINDE Ouçabemo quelhedigo,Nora; sobmuitos
aspectosvocêé comoseaindafosseumacriança:eusou
umpoucomaisvelhae tenhotambémumpoucomaisde
experiência.Vou dar-lheum conselho,quantoaodoutor
Rank:énecessáriopararcomisso.
NORA Pararcomo quê?
SENHORALINDE Bem...Comasduascoisas,acho.Ontemvo-
cêmefaloudeumricoadmiradorquelheiriaconseguirdi-
nheiro.
NORA Falei; masnãoexiste... infelizmente!Mas o quetem
isso?
SENHORALINDE O doutorRankérico?
NORA É, temfortuna.
SENHORALINDE E ninguémquedependadele?
NORA Não,mas...
SENHORALINDE E vemcátodosantodia?
NORA Vocêsabequesim.
SENHORALINDE Comopodeessehomemdelicadosertão...
NORANãocompreendoabsolutamentenadadoquevocêestá
dizendo.
49
(
(
/
I
(
(
(
(
(
(
(
(
SEl'<'HORALI'\'DE Nãofinja, Nora,pensaqueeunãoadvinhei
quemlheemprestouosmil eduzentostáleres?
NORA Vocêperdeuo juízo? Comopodepensarnumacoisa
dessas?De umamigoquevemcátodososdias!Seriauma
situaçãotenivel.
SENHORALr~TIEEntão,deverdade,nãofoi ele?
NORA Não, asseguro-lhe.Isso nuncapassoupelaminhaca-
beça,nemporuminstante.Além detudo.naquelaépocae-
lenadapodiaemprestar;sódepoiséquerecebeuaherança.
SENHORALr~TIEEntão,queridaNora,foi umasorteparavocê
quetenhasidoassim.
NORA Não,nuncapassariapelaminhacabeçapediraodoutor
Rank...No entantoestoucertadequeseeulhepedisse.
SENHORAL~TIE ...coisaque,naturalmentevocênãofaria .
NORA Não,claro.Nemprevejoessanecessidade.Estoubem
certa,porém,dequeseeufalasseaodoutorRank...
SENHORALI'\'DE Semqueseumaridosoubesse?
NORA Precisosairdessaoutrasituação- essasim,ignorada
por ele.Isso temdeterminar.
SE?\'HORALI~TIEEraoqueeuestavalhedizendoontem,mas...
NORA(andandodeumladopara o outro) um homemdes-
vencilha-semelhordessesnegóciosqueumamulher...
SENHORALemE Sefor seuprópriomarido,sim!
NORA Toljces!(Detendo-se)Depoisdeumacontapagaen-
tregam-nosumanotapromissóriaquitada,nãoéassim?
SENHORALI'\'DE Semdúvida.
NORA E podemosentãorasgá-Iaemmil pedacinhos,queimá-
Ia...Papelnojento!
SENHORALll\'DE(olha-afixamente,depõeo trabalho, e le-
vanta-sedevagar) Nora,vocêmeescondealgumacoisa.
NORA É tãoóbvioassim?
50
SENHORALINDE Desde ontempela manhãalgumacoisa
aconteceucomvocê.Diga-me:o quefoi, Nora?
NORA(virando-separa ela ) Kristina!(Apurandoo ouvido)
Pss!Torvaldchegou.Olhe,vá parao quartodascrianças.
Torvaldnãotoleravercosturas.DigaàAnna-Mariaquea
ajude.
SENHORALINDE(juntandoumaparte dos enfeitese utensÍ-
, lios decostura) Estábem;masnãovouemboraenquanto
nãoconversarmostudofrancamente.(Sai pela porta da
esquerda;ao mesmotempoHelmerentrapela da saleta)
NORA(indoao seuencontro) Esperava-ocomimpaciência,
caroTorvald!
HELMEREra acostureira?
NORANão,eraKristina;estámeajudandoaconsertararoupa.
Vocêveráquesensaçãofarei!
HELMERSim,nãofoi umaidéiabrilhante,essaminha?
NORA Umaótimaidéia.Mas tambémnãofoi gentildeminha
parteseguirasuasugestão?
HELMER(afagando-lheo queix@)Gentilporobedecerao seu
marido?Vamos,minhatontinha,bemseiquenãofoi isso
quevocêquisdizer.Mas nãovou importuná-Ia.Sei que
vocêestáquerendoexperimentararoupa.
NORA E você,vaitrabalhar?
HELMERVou.(Mostrandopapéis)Estávendo?Fui aobanco.
(Dirige-separa o escritório)
NORA Torvald.
HELMER(parando) Quê?
NORA Seo seuesquilinhopedissemuitograciosamenteuma
coisa?
HELMERQual?
NORA Vocêafaria?
51
HELMER Em primeirolugarprecisariasaberdoquesetrata.
NORA Se vocêfosseamávele dócil, o esquilinhosaltariae
fariatodotipodegracinhas.
HELMER Diga depressa.
NORA A cotoviatrinariae a suacançãoencheriaa casain-
teira.
HELMER A cotovianãofaz outracoisa.
NORA Seriaumafadae dançariaparavocêsoba luz do luar,
Torvald.
HELMER Nora... nãomedigaquesetratado assuntoa que
vocêfez alusãoestamanhã?
NORA(aproximando-se) Sim,Torvald... eulhepeço.
HaMER Surpreende-mequevocêvolte{falarnisso.
NORA Sim, Torvald,sim,é precisoconsentir,é precisoque
Krogstadconserveo seulugarnobanco.
HELMER Minha queridaNor~ destineiesselugar à senhora
Linde.
NORAAgradeço-lhe,masvocêpodedespediroutroempregado
emvezdeKrogstad.
HELMERIssoéumateimosiaqúeexcedetodososlimites!Só
porterfeitoumapromessairrefletida...vocêqueriaque...
NORANãoéporisso,Torvald...É porvocê.Vocêmesmodisse
queessehomemescrevenamaisbaixaimprensa...Quanto
malelenãopodelhefazer!...Estousimplesmentemortade
medodele..
HaMER Oh! compreendo;sãoantigasreminiscênciasquea
assustam.
NORA O quevocêquerdizer?
HELMERÉ evidentequevocêlembrou-sedeseupai.
NORA Lembrei-me,é claro.Vocêserecordadetudoquanto
essagenteinfameescreveusobrepapainosjornais...e to-
52
daSascalúniasquelheimpingiram.Creioqueoteriamdemi-
tidoseoministérionãotivesseenviadovocêparaproceder
à sindicânciae sevocênão tivessesemostradotãobem
intencionadoeprontoparaajudar-lhe.
HELMERMinhapequenaNora,háumagrandediferençaentre
mimeseupai.Seupainãoeraumfuncionárioinatacável.
E eusoue esperocontinuara sê-loenquantoconservara
minhaposição.
NORA Ah! Vocênãopodeimaginaro queasmáslínguaspo-
deminventar.Poderíamosvivertãobem,tãotranqüilos,tão
felizes,nonossodoceninho,você,eueosnossosfilhinhos!
É porissoqueeusuplicoardentemente...
HELMER Mas é exatamentepedindoporelequevocêtorna
impossívelconservá-Io.No bancojá sesabequedevodes-
pedirKrogstad.Seagoraviessemasaberqueo novodire-
tormudoudeidéiaporinfluênciadamulher...
NORA Quemalhaveria?...
HELMERNenhum,éclaro- contantoqueprevaleçaaopinião
deumamulherzinhaobstinada!Não é assim?Realmente,
você crê que eu vá me tornar ridículoperantetodo o
pessoa1?... Demonstrarque dependode todaespéciede
influênciasestranhas?Podeestarcertadequebrevesentiria
asconseqüênciasdisso.E há aindaumaoutrarazãoque
impossibilitaapermanênciadeKrogstadnobancoenquan-
toeufor o diretor.
NORA Qualé?
HELMER Talvezemcasodenecessidadeeunãodessetanta
importânciaàsuafalhamoral.
NORA Vocênãopoderiafazerisso,Torvald?
HELMERTantomaisquemeafiançaramserumbomemprega-
do.É,porém,umantigoconhecido.Um dessesconhecimen-
53
"
'1.
(
(
(
(
(
I (
(
(
(
(
(
(
(
l
I
Ir
!
i(
!
(
(
tos dos temposderapaz,contraidoslevianamente,e que
maistardenos pesamna existência.Enfim, tratamo-nos
porvocê.E eleéumindivíduotãodesprovidodetatoque
nemsequermudaessetratamentona presençade outras
pessoas.Julga-seaténo direitode usarum tomfamiliar
comigo,eacadainstantediz:você,Helmer,issoaqui,você,
Helmer,aquilolá...Juroquetalprocedimentomedesagrada
aoextremo.Acabariaportomarintolerávelaminhasituação
nobanco.
NORAVocênãoacreditaemumapalavradoqueestádizendo,
Torvald.
HELMERAcredito,sim.E porquenãoheideacreditar?
NORA Porqueseriaummotivomesquinho.
HELMERO quê?mesquinho?!Vocêmeachamesquinho?!!
NORA Não,pelocontrário,meuqueridoTorvald:eépor isso
mesmo...
HELMER Tantofaz. Vocêdiz queasminhasrazõessãomes-
quinhas,nessecasoéporqueeutambémosou.Mesquinho?!
Comefeito!...éprecisoacabarcomisso.(Dirige-seàporta
da saletae grita) Helena!
NORA O quevocêvai fazer?
HELMER(remexendoentreos papéis) Tomarumadecisão.
A criadaentra
HELMER Olhe,estacartaé paraserentregueimediatamente.
Arranjeummensageiroparalevá-Iaao destinatário.Mas
depressa.O endereçoestáai. Tomeo dinheiro.
A CRIADA Estábem,meusenhor.(Sai, levandoa carta)
HELMER(juntandoos papéis) Pronto, minhamulherzinha
teimosa!
54
NORA(coma vozestrangulada)Torvald,paraqueméaquela
carta?
HELMERParaKrogstad,despedindo-o.
NORA Não a deixeir, Torvald!Ainda é tempo!Chame-a,
Torvald!Façaissopormim porvocêpróprio,pelosseus
filhos!Atenda-me,Torvald nãodeixe...vocênemsabeo
queaquelacartapodecausara todosnós...
HELMERÉ muitotarde.
NORA Sim...émuitotarde.
HELMER QueridaNora,perdôo-lheessaangústia,apesarde
queno fundoela sejaparamim umaofensa.Sim, é uma
ofensa.Queoutracoisaserájulgar-metemerosodavingan-
çadeumescrevinhadormiserável?No entantoperdôo-a,
porqueissoé umaprovado grandeamorquevocêmede-
dica.(Toma-anosbraços)É preciso,minhaadoradaNora.
Aconteçaoqueacontecer.Nosmomentosgravesvocêverá
quetenhoforçaecoragemesabereichamaramimtodasas
responsabilidades.
NORA(apavorada)O quevocêquerdizer?
HELMERResponsabilizo-meportudo,já disse.
NORA(recompondo-se)Nunca,nuncavocêfaráisso!
HELMERBem;entãoaspartilharemos,Nora...comomaridoe
mulher.Comosedeve.(Afagando-a)Vocêestásatisfeita,
agora?Vamos,nadadeolhosdepombinhaassustada.Tudo
issosãopurasfantasias.Vá ensaiara tarantelae exercitar-
secomo tamborim.Eu vou meencerrarno escritóriodo
fundo,fechandoaportaintermediária,assimnadaouvirei.
Vocêpodefazero ruído quequiser,(vira-seda porta) e
quandoRank chegar,diga-lheondeestou.(Faz-lhe um
acenocoma cabeça,entrano escritório,levandocon-
sigo os papéis,efecha a porta)
55
NORA (semi-mortadeangústia,fica comopregadaao chão
e murmura)Ele é capazde fazer isso. E o fará, apesarde
tudo. Ab, nunca, isso nunca! Qualquer c'oisamenos isso!
Alguma fuga... um caminho salvador...
Toquede campainha
o doutor Rank! ... prefiro qualquer outra coisa! Tanto
faz!(Passaa mãopelafronte,procurandose acalmQJ;e
vai abrir a porta de entrada.)
Vê-seo doutor Rank pendurandoo casaco.Devagar vai
caindo o crepúsculo,durantea cenaseguinte
NORA Boa tarde, doutor Rank. Reconheci-o pelo toque da
campainha.Mas não entreagorano escritório de Torvald;
parece-mequeeleestátrabalhando.
RANK E a senhora?
NORA (entrana sala efechaa porta) Ah, bem sabe que...
para o senhor sempredisponho de um momento.
RANK Obrigado. Vou aproveitaressagentilezao máximo do
tempoque me resta.
NORA Que quer dizer com "o máximo do tempoque me res-
ta"?
RANK Isso a assusta?
NORA É uma expressãoinabitual. Está acontecendoalguma
coisa?
RANK Sim... algo que há muito eu previa. O que não imagi-
nava éque chegassetãocedo.
NORA (apertando-lheo braço) O que foi? O que lhe disse-
ram? O senhorprecisame contar,doutor.
RANK (sentando-sejunto da estufa) Cheguei ao fim da jor-
nada. Nada há a fazer.
56
NORA (aliviada) Trata-se do senhor? ..
RANK De quem havia de ser? Para que hei de mentir a mim
mesmo?Sou o mais desditosode todosos meuspacientes,
minhasenhora... nestesúltimos dias tenhome dedicado ao
exame geral do meu estado. É a falência. Antes de um
mês,talvez, eu estejaapodrecendono cemitério.
NORA Ah, não! É horrível falar assim!
RANK É queo casotambémédiabólicamentehorrível. O pior,
todavia, são todos os horrores que haverão de precedê-Io.
Só me falta um exame. Tão logo o faça, saberei mais ou
menosquandocomeçaaderrocada.Por isso querolhe dizer
umacoisa: Helmer, com o seudelicadotemperamento,tem
pronunciadaaversãopor tudo quantoé feio. Não o quero à
minhacabeceira.
NORA Ah, mas, doutor Rank!
RANK Não o querolá. Sob nenhumpretexto.Fecho-lhe aporta.
Logo que tiver a certezado pior, vou enviar-lhe um cartão
de visita marcado com uma cruz preta:ficará sabendoque
começouo horror da desintegração.
NORA Hoje o senhor estáde fato insuportável. E eu que de-
sejavatantoque estivessedebom humor.
RANK Com a morte diante dos olhos!... e pagando pelo pe-
cadode outra pessoa!Será isso justo? E pensarque de um
modoou de outro em todasasfamílias existe uma desforra
implacáveldessetipo!
NORA (tapandoos ouvidos) Pss! Ânimo, ânimo!
RANK De fato, o caso é motivo para piada. Minha coluna.
pobreinocente,temdepagarpelavida alegrequeo meupai
levouquandoeraumjovem militar.
NORA(aopé da mesaà esquerda) Era excessivo apreciador
de aspargos e de foie gras,não é verdade?
57
(
(
(
(
(
(
RAc"'X Era; e detrufas.
NORA Ah! sim,detrufas;e deostrastambém?
RAc'-JKSim, deostras,deostras;é evidente.
NORA E tudoregadocomvinho do Portoe champanhe... é
penaquetodasessasboascoisasafetema coluna.
RAc"'K Mormentequandoafetamumadesditosacolunaque
nuncaassaboreou.
NORA Sim! É esseo aspectomaistristedo caso!
RAc"'X(observando-aatento) Hum!...
NORA(apósummomentodesilêncio) Por quesorri?
RAc"<'XA senhoraé quesorriu.
NORA Não,doutor,afirmo-lhequefoi o senhor.
RAc"'X(erguendo-se)É maisespertado queeusupunha.
NORA Hoje estoutãodispostaadizerloucuras!
RAc"'K Bem sevê.
NoR.A.(pousandoambasasmãosnosombrosdeRank) Que-
rido,queridodoutorRank,nãoqueroquemorra,nãoquero
quenosdeixe,amimeaTorvald!
RAc"'KDepressaseconsolarãodessaausência.Quemparte,é
logoesquecido.
NoR.A.(olhando-o,inquieta) Acha queé assim?
RAc"'K Criam-senovasrelaçõese depois...
NORA Quemé quecrianovasrelações?
RAc'\'KA senhorae Helmer,amboso farãodepoisdeeu de-
saparecer.Parece-mequea senhorajá começoua fazê-
Ias.Por queasenhoraLinde veioaquiontemànoite?
NORA Ah!... nãová agoraterciúmesdapobreKristina.
RM.'K Tenho,simsenhora.Ela ocuparáo meulugarnestaca-
sa. Quandoeumefor,talvezessasenhora...
NORA Pss!Nãofaletãoalto.Ela estáaquiaolado.
RM'K Hoje também?Estávendo?
58
NORA Foi sóparaconsertaraminhafantasia.Ah, meuDeus,
hojeo senhorestádetãomaugosto!(Sentando-senosofá)
É precisoserrazoável,doutorRank. Amanhãverácomo
vou dançargraciosamente,e podepensarquesó emsua
honra... e na de Torvald,é claro. (Tira váriascoisasda
caixa de papelão) Doutor Rank, sente-seaqui, quero
mostrar-lhealgo.
RANK (sentando-se)Então,o queé?
NORA Primeiroveja...olhe!
RANK Meiasdeseda!
NORA Cor dapele.Não sãobonitas?Agorajá estáescure-
cendo,masamanhã... não,não,não;sósedeveverapar-
tedospés.Estábem,podevermaisacima...
RANK Rum!...
NORA Por queo senhortemesseardecritica?Achaquenão
meficarãobem?RANK Acho quenãopossolhedaropiniãosobreisso.
NORA(olhando-ouminstante)Ah, o senhordeviaseenver-
gonhardisso. (Fustigando-lhede levea orelhacomas
meias)O que o senhormerece... (Guarda-asoutra vez
na caixa)
RANK Quemaravilhasfalta-meaindaver?
NORA Nadamaishádever,já queétãoindecoroso.(Remexe
nos objetos,cantarolando)
RANK(apósumcurto silêncio) Quandoaquime encontro
coma senhora,tãofamiliarmente,nãopossoconceber...
sim,nãopossoconceber,o queteriasido demimsenão
freqüentasseessacasa.
NORA(sorrindo) Acho querealmenteo senhorsesenteem
casaconosco.
RANK(baixandoa voze olhandofixamenteà suafrente) E
terdedeixartudoisso...
59
NORA Bobagem.Nãovaideixar.
RA,''K(comoacima) E não poderdeixaro menorsinal de
agradecimento... somenteumasaudadepassageira... nada
maisqueumlugarvagoquepoderáserocupadopelopri-
melroqueaparecer.
NoR.-\ E seeulhepedisse...? Não...?
RA:\'K Se mepedisseo quê?
NoR.-\ Uma grandeprovadasuaafeição.
RA,''K Sim,então?
NoR.-\ Ou melhor,umfavorgrandedemais.
RA,''K Quermetomarfeliz, umavezpelomenos?
NoR.-\ Quero;masnemsequersabedo quesetrata.
AA''X Vamos,diga.
NoR.-\ Não,nãoposso,doutorRank;éalgorealmenteenorme.
Não é apenasumconselhoouumaajuda;érealmenteum
grandefavor.
AA'\'K Quantomaior,melhor.Não imaginoo quepossaser;
masdiga.Não confiaemmim?
NoR.-\ Como em maisninguém.O senhoré meumelhore
maisfiel amigo,bemo sei.E épor issoquelhevoudizer
tudo.Pois bem:háumacoisaquemedeveajudaraevitar,
doutor.Bem,sabecomoTorvaldmequer;nemporumins-
tanteelehesitariaemdaravidapormim.
AA'\'K(curvando-separa ela) Nora...julgaqueapenaseleo
faria?
NoR.-\(com umpequenomovimentode recuo) O quê?..
RM'K Queeleé o únicoquedariaavidapelasenhora?
NoR.-\(triste) Realmente?
RM'X Jurei amimmesmoconfessar-lheissoantesdedesa-
parecer.Não poderiaacharmelhorocasião.Sim, Nora,
agorajá sabe.Equiv.a1ea dizerquepodeconfiaremmim
comoemmaisninguém.
60
NoR.-\(erguendo-se,simplese tranquilamente)Com licen-
ça.
RANK (afasta-separa elapassar,masconserva-sesentado)
Nora!
NORA(à porta da entrada) Helena,tragaa luz! (Encami-
nhando-separa a estufa)Oh! carodoutorRank,o queo
senhorfezfoi horrível.
RANK(levanta-se)Amá-Iamaisprofundamentequequalquer
um...issoéhOrrlvel?
NORA Não; masmedizer,sim.Não havianenhumanecessi-
dadedefazerisso.
RANK O quequerdizer?Quejá o sabia...?
A criada entracoma lamparina,coloca-asobrea mesa,
e sai
RANK Nora...senhoraHelmer...pergunto-lhesejá sabia...?
NORAAh, oquevoudizer?Naverdade,nãotinhaidéiadoque
sabiaounão.Ah,doutorRank,comopôdesertãodesastrado!
Tudocorriatãobem...
RANK Pelo menos,agoratem certezade que estouà sua
disposição,decorpoealma.Diga-me,então.
NoR.-\(olhando-o) Depoisdo queaconteceu?
RANK Por favor,conte-meo queé.
NORA Acabou-se!O senhornadasaberá.
RANK Oh! Não mecastigueassim.Permita-mequeeufaça:
pelasenhoratudooqueépossívelfazer.
NORA Agorajá nãopodefazermaisnadaemmeufavor...
Além domais,eucertamentenãoireiprecisardeajuda.O
senhorverá;issonãopassadepurafantasia,nadamais.É
claro! (Senta-sena cadeira de balanço e contempla-o
61
(
Ir~;~~
l~(-I~/
l(
(
(
I (
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
sorrindo) É verdade, o senhor é um cavalheiro muito
amável,doutor Rank. Não seenvergonhaagora,com a luz
acesa? diga...
R-\NK Para dizer a \"erdade,não. Mas talvezdevame retirar...
para sempre?
NORA De modo algum. Virá natúralmente,como até agora.
Bem sabeque Torvald não pode passarsem o senhor.
R-\NK Sim, e a senhora?
NORA Eu? Sinto-me muito alegrequandoo senhorestáaqui.
R-\NK Foi isso exatamenteque me levou à pista falsa. A se-
nhora é um enigma para mim. Quantas vezes me pareceu
vê-Ia tão alegrejunto de mim como ao lado deHelmer.
NORA Aí está;há pessoasque amamos e pessoascuja com-
panhia nos agrada.
R-\NK Tem algo de verdadenisso.
NORA Quando eu era solteira, naturalmenteamavameu pai
acima detudo: maso meu maior prazererair escondidaao
quarto das criadas: lá nunca me faziam sermão, e conta-
vam-sesemprehistórias tãodivertidas!
R-\NK Ah! Foi emão a elas que substitui.
NORA (erguendo-sel'ivamentee correndopara ele) Meu
caro doutor Rank. não foi isso que quis dizer. Pode, no en-
tanto,compreenderque sucedecom Torvald o mesmo que
sucediaco1'1.1meupai.
Criada vindoda saleta
A CRIADA Minha senhora! (Fala-lheaoouvidoeapresenta-
lhe um cartão)
NORA (olhandopara o bilhete) Ah! (Guarda-ona algibei-
ra)
RANK Alguma contrariedade?
y
NORA De modo algum; é a minha nova roupa.
RANK Como pode ser isso? Sua roupa estáali.
NORA Sim, aquele; mas tenho outro, que eu encomendei...
Torvald não deve saberdisso.
RANK Ah! é esseentãoo grande segredo.
NORA Pois é; vá depressapara junto dele. Está no escritório
do fundo; não o deixevir aqui...
RANK Pode ficar sossegada,não vai escaparde mim. (Entra
no escritóriode Helmer)
NORA (à criada) Ele estáesperandona cozinha?
A CRIADA Está; subiu pela escadade serviço.
NORA Não lhe disse que eu estavacom uma visita?
A CRIADA Disse sim, minha senhora; mas foi o mesmo que
nada.
NORA Não quis se retirar?
A CRIADA Não, minha senhora;dissequenãovai emborasem
falar com a senhora.
NORA Pois bem, mande-o entrar; mas semruído, Helena, e
não diga a'ninguém.É uma surpresaparameumarido.
A CRIADA Sim, minha senhora,compreendo... (Sai)
NORA Oh, isso é medonho... está para acontecer.Não, não,
não! Não pode ser!Não deve acontecer!(Dirige-seàporta
de Helmere puxa a trava)
A criada introduzKrogstadefecha a porta.Ele apresenta-
se de casacode viagem,longas botase gorro de pele
NORA (caminhandopara ele) Fale baixo, meu marido está
em casa.
KROGSTAD E daí?
NORA O que o senhor quer?
KROGSTAD Um esclarecimento.
--....,.l\"----- -
(
(
(
62 63
NORA Diga depressa.O queé?
KROGSTADSabemuitobemquefui despedido.
NORANãoopudeevitar,senhorKrogstad.Luteiporsuacausa
atéo fim, masnadaconsegui.
KROGSTADPouco amorlhe temo seumarido!Sabeo que
podeacontecer,e apesardissoousa...
NORA Comoo senhorpodecrerqueeleo saiba?
KROGSTADDefato,nuncapenseiisso.Nãocondirianadacom
o nossodignoTorvaldHelmermostrartantacoragem.
NORA SenhorKrogstad,exijoquerespeiteo meumarido.
KROGSTADClaro.Trato-ocomtodoorespeitoqueelemerece.
Mas,vistoqueasenhorapõetantoempenhoemocultarde
seumaridoessecaso,permita-mesuporqueestámelhor
informadasobreagravidadedoatoquecometeu.
NORA Muito melhorinformadadoqueo seriapelosenhor.
KROGSTADNão admira,umtãopéssimojuristacomoeu...
NORA O quequerdemim?
KROGSTADNada.Apenasvercomopassa.Penseinasenhora
todoo diâ.Até mesmoeu,umagiota,umescrevinhador...
emsuma,umindivíduocomoeu,nãodeixodeterumpouco
doquesechama"sentimento",sabe?
NORA Prove-o;pensenosmeusfilhinhos.
KROGSTADE asenhoraou o seumaridopensaramnosmeus?
Mas,poucoimporta.Somentelhequerodizerquenãoleve
o casotantoparao lado trágico.Por enquantonão apre-
sentáreiqueixacontraa senhora.
NORA Não apresentará?Eu tinhacertezadisso.
KROGSTADPode-semuitobem resolveresseassuntoami-
gavelmente.Não é necessáriotorná-Iapúblico.Ele pode
ficar entrenóstrês.
NORA Meu maridonãodevesaberdenada.
64
KROGSTADComoquera senhoraimpedirqueele o saiba?
Acasopodesaldaro seudébito?
NORA Já, já, não.
KROGSTADEncontroumeiodeobterodinheiroporessesdias?
NORA Não.A minhatentativafalhou...
KROGSTADDe nadalheserviria,aliás.A senhorapoderiame
oferecerumasomafabulosaqueeunãolherestituiriaasua
promissória.
NORA Explique-meentãocomotencionaservir-sedela.
KROGSTADQuerosimplesmenteconservá-Ia,tê-Ia em meu
poder.Nenhumestranhoteráconhecimentodela.Assim,se
a senhoraestápensandoemalgumaresoluçãodesespera-
da...
NORA Pensei.
KROGSTAD...ouemabandonartudoe fugir...
NORA Tambémpensei.
KROGSTAD...ouaindaemqualquercoisapior...
NORA Comoo senhorsabeisso?
KROGSTAD...desistadessasidéias.
NORA Comoo senhorsabequeeupenseinaquilo?

Outros materiais