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Investigação Clínica, Epidemiológica, Laboratorial e Terapêutica Recebido em 12.01.2007. Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 01.11.2007. * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) – Jundiaí (SP), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None Suporte financeiro / Financial funding: Programa de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq. 1 Médica residente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) – Jundiaí (SP), Brasil. 2 Professor titular de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), doutor em Dermatologia pela Universidade de São Paulo, professor livre- docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil. Pós-doutoramento na New York University – New York (NY), Estados Unidos da América. ©2007 by Anais Brasileiros de Dermatologia A urbanização da leishmaniose tegumentar americana no município de Campinas – São Paulo (SP) e região: magnitude do problema e desafios* Urbanization of American Cutaneous Leishmaniasis in Campinas – Sao Paulo (SP) and region: problems and challenges* Lúcia Mensato Rebello da Silva 1 Paulo Rowilson Cunha 2 Resumo: FUNDAMENTOS - A leishmaniose tegumentar americana ocupa o segundo lugar entre as protozoonoses por vetores no Brasil. OBJETIVOS - Descrever a distribuição da doença na macrorregião de Campinas-SP e identificar as principais dificuldades em sua prevenção. MÉTODOS - A área estudada abrange 42 municípios. Os dados foram coletados no Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grupo de Vigilância Epidemiológica, de 1998 a 2004, da Superintendência de Controle de Endemias, do Centro de Zoonoses e foi feita revisão da literatura. RESULTADOS - Foram registrados 458 casos, de caráter endêmico e com maior ocorrência em Campinas e Jundiaí. A doença predominava na área urbana (57%), no sexo masculino (62%) e acometia todas as faixas etárias. As espécies vetoras encon- tradas foram Lutzomyia intermedia sl, L. neivai, L. migonei, L. whitmani, L. fisheri, e L. pessoai. CONCLUSÕES - A leishmaniose tegumentar está distribuída amplamente na região (81% dos municípios estudados) e predominava na área urbana (57%). As dificuldades encontradas em seu controle foram a crescente adaptação do vetor ao peridomicílio, a mul- tiplicidade dos fatores envolvidos na transmissão e a resposta insuficiente às medidas de controle atuais. O acompanhamento do ambiente e da doença, o diagnóstico e o tratamento precoces, a notificação compulsória e o seguimento dos casos, além de inves- timento em pesquisas, campanhas e ações diretas junto aos pacientes são importantes para o controle da doença. Palavras-chave: Epidemiologia; Leishmaniose mucocutânea; Psychodidae; Zoonoses Abstract: BACKGROUND - American cutaneous leishmaniasis (ACL) is ranked second among vector-transmitted zoonoses in Brazil. OBJECTIVES - This paper aims at verifying the distribution of this disease in Campinas–SP and surrounding region and to identify the main difficulties for preventive actions to this illness. METHODS - The Campinas area encloses 42 counties. Data from 1998 to 2004 were collected from the National System of Injuries and Notification in Campinas, from the Superintendence for the Control of Endemic Diseases and from the Center for Zoonoses. A literature review on the subject was performed. RESULTS - There were 458 reported endemic cases and most of them were found in the Campinas and Jundiaí metropolitan areas. ACL was predominant in urban areas (57%) and among males (62%). It was also observed in all age ranges, and among women and children. Among the known vector species, Lutzomyia intermedia sl, L. neivai, L. migonei, L. whitmani, L. fisheri and L. pessoai were reported. CONCLUSIONS - Four hundred and fifty eight cases were reported, in 81% of the studied counties. The main difficulties in ACL control have been increasing vector adaptation to the peri-urban environment; the multiplicity of factors involved in its transmission and poor results of current control measures over disease progression. More research efforts are needed to understand the environmental and epidemiological features involved in ACL endemic progression, early diagnosis and treatment. Also important is an efficient notification system, as well as improved patient follow-up and educational programs. Keywords: Epidemiology; Leishmaniasis, mucocutaneous; Psychodidae; Zoonoses An Bras Dermatol. 2007;82(6):515-9. 515 516 Da-Silva LMR, Cunha PR. An Bras Dermatol. 2007;82(6):515-9. INTRODUÇÃO A leishmaniose tegumentar americana (LTA) ocupa o segundo lugar entre as protozoonoses trans- mitidas por vetores no Brasil, superada apenas pela malária.1 É doença infecciosa causada por protozoário do gênero Leishmania e transmitida por flebotomí- neos da família Psychodidae.2, 3 A lesão cutânea clássi- ca corresponde à ulceração de bordas elevadas, endu- radas e de fundo com tecido de granulação.4, 5 A lesão pode evoluir para a forma mucosa por disseminação hematogênica ou linfática do parasita.4, 5 A forma difu- sa cutânea é mais rara, situa-se no pólo anérgico da doença e é mais resistente ao tratamento específico.5 O quadro surge semanas após a característica lesão ulcerada inicial.2, 4, 5 A Leishmania (Viannia) braziliensis é o agente responsável pela quase-totalidade dos casos autóctones do Estado de São Paulo.4, 2 Está princi- palmente associada ao vetor Lutzomyia interme- dia, encontrado no interior e ao redor das habita- ções e em abrigos de animais domésticos, devido à grande adaptação desse vetor a ecótopos artifi- ciais.6,7 As espécies Lutzomyia whitmani e L. mingo- nei são mais silvestres e também associadas à trans- missão da doença nesse estado, além de outras espécies, como L. fischeri, L. pessoai, L. firmatoi, L. amarali, L. alphabetica, L. shannoni, L. borgmeie- ri, L. sordellii e L. longipalpis, estas encontradas na epidemia de Itupeva em 1992-1993.8, 9 Os flebotomí- nios têm hábitos noturnos, e sua distribuição é influenciada por fatores climáticos, topográficos e pela vegetação, aspectos importantes para com- preender a distribuição da LTA.6 No Estado de São Paulo, a LTA era classicamen- te doença de animais silvestres, transmitida aciden- talmente a trabalhadores de exploração florestal, abertura de estradas e mineração.3,4,6 Caracterizava- se, portanto, como doença profissional, acometendo apenas homens adultos em ambiente silvestre e de forma epidêmica.2,3 Intensas modificações ambientais ocorreram, com grande destruição da cobertura flo- restal primitiva, levando ao quase-desaparecimento da LTA no Estado de São Paulo ao final da década de 1950.2-4,6 Entretanto, a partir da década de 1980, houve aumento significativo no número de casos autóctones, acometendo novas áreas geográficas e de comportamento endêmico, atingindo homens, mulheres e crianças de todas as faixas etárias, na periferia de centros urbanos.3,6,10,11 A LTA tem sido notificada em todos os esta- dos do Brasil, tendo ocorrido aumento expressivo do número de casos nas últimas décadas.3,11,12 Segundo dados da Funasa/Ministério da Saúde, em 1980 ocorreram 4.560 casos da doença, e, em 2001, a incidência foi oito vezes maior (36.601 casos). O mesmo pôde ser observado no Estado de São Paulo, pois os dados do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Ministério da Saúde mos- traram que em 1980 ocorreram 109 casos autócto- nes e que em 2003 a incidência foi 10 vezes maior (1.093 casos). Justifica-se este estudo devido à ampla distri- buição geográfica da LTA, ao aumento de sua incidên- cia, à tendência de crescente avanço para a área urba- na, além de ao risco de determinar deformidades e seqüelas, com grande repercussão psicossocial para o indivíduo.1,3 O conhecimento do ambiente e das peculiaridades da LTA na área de ocorrênciaé funda- mental para o estabelecimento de métodos eficientes de controle.6,10,11,13,14 Este estudo tem como objetivos descrever a distribuição dos casos de LTA na macrorregião de Campinas-SP e identificar as principais dificuldades em sua prevenção. MATERIAL E MÉTODOS A área estudada corresponde à macrorregião de Campinas, localizada no sudeste do Estado de São Paulo. É composta por 42 municípios: Águas de Lindóia, Americana, Amparo, Arthur Nogueira, Atibaia, Bom Jesus dos Perdões, Bragança Paulista, Cabreúva, Campinas, Campo Limpo Paulista, Cosmópolis, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Itupeva, Jaguariúna, Jarinu, Joanópolis, Jundiaí, Lindóia, Louveira, Monte Alegre do Sul, Monte Mor, Morungaba, Nazaré Paulista, Nova Odessa, Paulínia, Pedra Bela, Pedreira, Pinhalzinho, Piracaia, Santa Bárbara d’Oeste, Santo Antônio de Posse, Serra Negra, Socorro, Sumaré, Tuiuti, Valinhos, Vargem, Várzea Paulista e Vinhedo. Estende-se por 9.182,952km2, e sua população alcança quatro milhões de habitantes. A altitude média do relevo é cerca de 650m. A temperatura média é de 21,7°C, e o volume pluviométrico máximo é de 420mm nos meses quentes e até inexistente nos meses frios.15,16 Trata-se de estudo descritivo e retrospectivo em que foram coletados dados do Sistema Nacional de Agravos e de Notificação (Sinan) do Grupo Técnico de Vigilância Epidemiológica DIR XII – Campinas,17 no período de 1998 a 2004. Para a caracterização das principais espécies vetoras e de sua distribuição, foram utilizados dados de pesquisas entomológicas realizadas pela Supe- rintendência de Controle de Endemias (Sucen) da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e pesqui- sa da literatura. Foram obtidas informações sobre a LTA e seu con- trole no Centro de Zoonoses do Estado São Paulo e do município de Jundiaí. Revisão bibliográfica foi realizada A urbanização da leishmaniose tegumentar americana no município de Campinas – São Paulo... 517 An Bras Dermatol. 2007;82(6):515-9. para comparar os dados obtidos com os da literatura.18 RESULTADOS Foram detectados 458 casos confirmados e notificados de LTA na macrorregião de Campinas no período de 1998 a 2004. Os municípios com maior número de notificações foram Campinas (126 casos), Jundiaí (57 casos), Itupeva (21 casos) e Indaiatuba (21 casos). Pode-se observar na figura 1 que a doença está amplamente distribuída na região, presente em 34 (81%) dos 42 municípios da região estudada. Os indivíduos do sexo masculino (62%) e os adul- tos com faixa etária entre 30 e 50 anos foram os mais acometidos pela LTA, conforme observado nos gráficos 1 e 2, respectivamente. O gráfico 2 também aponta que a doença atinge todas as faixas etárias. No gráfico 3 observa-se que a zona de moradia predominante dos casos notificados correspondia à urbana (57,64%). Dados de seguimento dos casos diagnosticados mostram que a maioria evoluiu para a cura (267 casos), tendo havido 17 abandonos ao tratamento; 25 casos foram transferidos para outro serviço, e em sete pacientes a evolução foi ignorada. Não houve infor- mação disponível sobre o seguimento de 133 (29%) dos doentes. A LTA não é doença letal e, portanto, os oito óbitos informados foram, provavelmente, devi- dos a outras causas. (Gráfico 4). Segundo a Sucen, em 25 municípios da região estudada buscou-se a captura dos flebotomíneos, e as espécies vetoras encontradas foram Lutzomyia inter- media, L. mingonei, L. whitmai, L. pessoai e L. fishe- ri. A figura 2 mostra a distribuição das espécies veto- ras capturadas na região, de 1998 a 2004. DISCUSSÃO Campinas e Jundiaí são os municípios que mais notificam casos de LTA na macrorregião de Campinas, SP, principalmente devido à centralização de atendi- mentos nessas cidades. Nota-se que o número de casos nessa região é significativo, bem como que a doença ocorre em área urbana. O fato de crianças e idosos também adquirirem a doença é coerente com o dado de que os vetores se estão adaptando à região Fonte (adaptada): Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grupo Técnico de Vigilância Epidemiológica DIRXII – Campinas.17 GRÁFICO 1: Distribuição por sexo dos casos notificados de leishmaniose tegumentar americana, no período de 1998 a 2004 Fonte: Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grupo Técnico de Vigilância Epidemiológica DIRXII – Campinas.17 Fonte: Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grupo Técnico de Vigilância Epidemiológica DIRXII – Campinas.17 GRÁFICO 2: Número de casos de leishmaniose tegumentar americana por faixa etária, no período de 1998 a 2004 FIGURA 1: Número de casos notificados de leishmaniose tegumentar americana nos municípios da macror- região de Campinas (SP), no período de 1998 a 2004 peridomiciliar, já que indivíduos dessa faixa etária costumam ficar principalmente em suas residências ou próximo delas. As espécies de vetores mais encontradas coincidem com os dados obtidos da literatura. Segundo Camargo-Neves et al., as espécies vetoras presentes nas áreas de casos registrados de LTA no Estado de São Paulo foram Lutzomyia intermedia, L. whitmani, L. mingonei, L. pessoai e L. fisheri. A Lutzomyia intermedia encontra-se em maior den- sidade nas áreas endêmicas do Estado, já que cons- titui a espécie predominante no ambiente altamen- te modificado.6,10,19 Devido à impossibilidade de erradicar comple- tamente os vetores e os reservatórios, a LTA mantém caráter endêmico e é crescente o desafio de seu con- trole. CONCLUSÃO A LTA está distribuída amplamente na região, com 458 casos confirmados em 81% dos municípios da macrorregião de Campinas-SP, e adaptada ao meio ambiente urbano, com predomínio de casos nessa área (57%). Há situação de vulnerabilidade em 81% das cidades estudadas, onde a doença foi registrada em seres humanos. Devem-se considerar ainda os casos que não são notificados ou diagnosticados, sendo a magnitude da doença provavelmente maior do que a conhecida. As dificuldades encontradas no controle da LTA foram a crescente adaptação do vetor e de novos reservatórios ao peridomicílio, a multiplici- dade dos fatores envolvidos na transmissão da doença e a resposta insuficiente às atuais medidas de controle. Para melhor controle da LTA são necessários estudo e acompanhamento sistemático do ambiente e da doença, diagnóstico e tratamen- to precoces, notificação compulsória e seguimento dos casos confirmados, além de investimento em pesquisas, campanhas educativas e ações diretas junto aos pacientes. � GRÁFICO 3: Zona de moradia dos casos confirmados de leishmaniose tegumentar americana no período de 1998 a 2004 Fonte: Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grupo Técnico de Vigilância Epidemiológica DIRXII – Campinas.17 GRÁFICO 4: Evolução dos casos notificados de leishmaniose tegumentar americana no período de 1998 a 2004 Fonte: Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grupo Técnico de Vigilância Epidemiológica DIRXII – Campinas.17 FIGURA 2: Distribuição das espécies vetoras de leishmaniose tegumentar americana capturadas na macrorregião de Campinas de 1998 a 2004 Fonte (adaptada): Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grupo Técnico de Vigilância Epidemiológica DIRXII – Campinas.17 518 Da-Silva LMR, Cunha PR. An Bras Dermatol. 2007;82(6):515-9. A urbanização da leishmaniose tegumentar americana no município de Campinas – São Paulo... 519 An Bras Dermatol. 2007;82(6):515-9. REFERÊNCIAS 1. Azulay RD. Dermatologia. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004. 2. Nogueira-Neto JP, Basso G, Cipoli AP, Kadre LE. American cutaneous leishmaniasis in State of São Paulo, Brazil – Epidemiology in transformation. Ann Agric Environ Med. 1998;5:1-5. 3. de Castro EA, Soccol VT, Membrive N, Luz E. Estudo das características epidemiológicase clínicas de 332 casos de leishmaniose tegumentar notificados na região norte do Estado do Paraná de 1993 a 1998. Rev Soc Bras Med Trop. 2002;35:445-52. 4. Brasil. Ministério da Saúde. FUNASA. Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana, 5 ed. Brasília: Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde – NED/ASCOM/FUNASA; 2000. 5. Gontijo B, Carvalho MLR. Leishmaniose tegumentar americana. Rev Soc Bras Med Trop. 2003;36:71-80. 6. Camargo-Neves VLF, Gomes AC, Antunes JLF. Correlação da presença de espécies de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) com registros de casos da leishmaniose tegumentar americana no Estado de São Paulo, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2002;35:299-306. 7. Codino MLF, Sampaio SMP, Henriques LF, Galati EAB, Wanderley DMV, Corrêa FMA. Leishmaniose tegumentar americana: flebotomíneos de área de transmissão no município de Teodoro Sampaio, região sudoeste do Estado de São Paulo, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 1998;31:355-60. 8. Cunha PR. Extensive on-site, focus study of leishmaniasis (abstract). J Eur Acad Dermatol Venereol. 2003;17 (Suppl 3):S443. 9. Mayo RC, Casanova C, Mascarini LM, Pignatti MG, Rangel O, Galati EAB, et al. Flebomíneos (Diptera, Psychodidae) de área de transmissão de leishmaniose tegumentar americana no município de Itupeva, região sudeste do Estado de São Paulo, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 1998;31:339-45. 10. Peterson AT, Pereira RS, Neves VFC. Using epidemiological survey data to infer geographic distributions of leishmaniasis vector species. Rev Soc Bras Med Trop. 2004;37:10-4. 11. Gomes AC, Neves VLFC. Estratégia e perspectivas de controle da leishmaniose tegumentar no estado de SP. Rev Soc Bras Med Trop. 1998;31:553-8. 12. Kawa H, Sabroza PC. Spatial distribution of tegumentary leishmaniasis in the city of Rio de Janeiro. Cad Saude Publica. 2002;18:853-65. 13. Santos JB, Luand L. Fatores sócio-econômicos e atitudes em relação à prevenção domiciliar da leishmaniose tegumentar americana, em uma área endêmica do sul da Bahia. Cad Saude Publica. 2000;16:701-8. 14. Moreira RCR, Rebêlo JMM, Gama MEA, Costa JML. Nível de conhecimentos sobre leishmaniose tegumentar americana e uso de terapias alternativas por populações de uma área endêmica da Amazônia do Maranhão, Brasil. Cad Saude Publica. 2002;18:187-95. 15. Ibge.gov.br [homepage]. Dados Estatísticos [acesso 12 Jun 2004]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/. 16. Marcondes CB, Lozovei AL, Vilela JH. Distribuição geográfica de flebotomíneos do complexo Lutzomya intermedia (Lutz & Leiva, 1912) (Diptera, Psychodidae). Rev Soc Bras Med Trop. 1998;31:51-8. 17. Sistema Nacional de Agravos e de Notificação do Grup Técnico de Vigilância Epidemiológica DIRXII-Campinas. 18. Tolezano JE, Taiguchi HH, Elias CR, Larosa R. Epidemiologia da leishmaniose tegumentar americana (LTA) no Estado de São Paulo: III. Influência da ação antrópica na sucessão vetorial da LTA/Epidemiology of american cutaneous leishmaniasis (ACL) in the State of Sao Paulo, Brazil: III. Anthropic action influence in the vectorial succession of ACL . Rev Inst Adolfo Lutz. 2001;60:47-51. 19. Saude.gov.br [homepage].Guia de vigilância epidemiológica. [acesso 07 Abril 2005]. Disponível em: http:// dtr2001.saude.gov.br/svs/pub/GVE/GVE051A.htm. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA / MAILING ADDRESS: Paulo Rowilson Cunha Rua Isaí Leiner, 152 - Jardim Brasil. Jundiaí SP CEP: 13.201-854. Telefone: (11) 4521-7941 e-mail: drpaulocunha@bol.com.br Como citar este artigo / How to cite this article: Da-Silva LMR, Cunha PR. A urbanização da leishmaniose tegumentar americana no município de Campinas – São Paulo (SP) e região: magnitude do problema e desafios. An Bras Dermatol. 2007;82(6):515-9 Investigação Clínica, Epidemiológica, Laboratorial e Terapêutica Recebido em 12.01.2007. Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 01.11.2007. *Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia Sanitária (ADS) – Porto Alegre (RS), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None Suporte financeiro / Financial funding: Centro de Estudos de Aids/DST do Rio Grande do Sul (Ceargs). 1 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre (RS), Brasil. Médica dermatologista do Serviço de Atenção Especializada em DST/HIV/Aids Secretaria Municipal de Saúde de Guaíba - Guaíba (RS), Brasil. 2 Doutor em Fisiologia pela Universidade de Alberta, Canadá. Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre (RS), Brasil. 3 Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre (RS), Brasil. 4 Doutor em Medicina Preventiva e Saúde Pública pela Universidade de Alicante, Espanha. Professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre (RS), Brasil. 5 Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Centro de Estudos de Aids/DST do Rio Grande do Sul (Ceargs) - Porto Alegre (RS), Brasil. ©2007 by Anais Brasileiros de Dermatologia Concordância entre diagnósticos dermatológicos feitos presencialmente e por imagens digitais* Agreement between dermatological diagnoses made by direct observation and digital images * Paula Berenhauser D´Elia 1 Paul Douglas Fisher 2 Ronaldo Bordin 3 Erno Harzheim 4 Mauro Cunha Ramos 5 Resumo: FUNDAMENTOS - A teledermatologia é o uso de tecnologia de telecomunicação para fornecer cuidados de problemas cutâneos à distância. OBJETIVOS - Avaliar a concordância diagnóstica presencial e à distância com imagens de lesões cutâneas. MÉTODOS - Pacientes consecutivos referenciados (n = 100) ao serviço de dermatologia foram divididos em dois grupos: no Grupo 1 foram vistos ao vivo 20 pacientes por dois dermatologistas separadamente; no Grupo 2, as lesões de 80 pacientes foram fotografadas previamente à consulta presencial. A fotografia digital e as informações referentes à história clínica foram enviadas para outro dermatologista para diagnóstico. Foi avaliada a taxa de concordância diagnóstica entre os dois dermato- logistas pelo teste. RESULTADOS - O Kappa presencial encontrado foi de 0,91 (n = 20), e o Kappa virtual foi de 0,66 (n = 80). A teledermatolo- gia mostrou melhor resultado para avaliação de dermatoses classificadas como infecciosas/infestações (Kappa = 0,71) e para alteração dos anexos (Kappa = 0,69). CONCLUSÕES - A concordância à distância foi menor que a concordância presencial. Acredita-se que a teledermatologia não possa substituir a consulta médica convencional, mas possa ser opção para triagem de pacientes, diminuindo o custo do sis- tema público de saúde e o tempo de espera por atendimento médico especializado. Palavras-chave: Atenção primária à saúde; Dermatologia; Telemedicina Abstract: BACKGROUND - Teledermatology is the use of telecommunications technology to provide care of skin lesions at dis- tance. OBJECTIVE - To evaluate agreement between diagnoses of skin lesion made by direct observation and at distance. METHODS - Patients consecutively referred (n=100) to a dermatology service were divided into 2 groups: group 1 comprising patients (n=20) directly and independently examined by 2 dermatologists; and group 2 included patients whose history was taken and lesions were digitally photographed before diagnosis by direct observation. The history and images were sent to another dermatologist for diagnosis at distance. Agreement between diagnoses made by direct observation and at distance was evaluated using the Kappa test. RESULTS - Good agreement was achieved between2 dermatologists both making diagnoses by direct observation; Kappa=0.91 (n=20). Agreement between diagnoses made by direct observation of lesions and those made using images of the same lesions was lower; Kappa=0.66 (n=80). Teledermatology worked best with skin conditions classified as infec- tious/infestations (Kappa=0.71) and disorders of skin appendages (Kappa=0.69). CONCLUSIONS - The direct observation/distance image diagnostic agreement was lower than that direct observation/direct observation diagnostic agreement. Based on these findings we believe teledermatology will not replace direct observation but may serve as a screening tool, therefore reducing referral and waiting list time for appointments. Keywords: Dermatology; Primary health care; Telemedicine An Bras Dermatol. 2007;82(6):521-7. 521 522 D´Elia PB, Fisher PD, Bordin R, Harzheim E, Ramos MC. An Bras Dermatol. 2007;82(6):521-7. INTRODUÇÃO As doenças da pele e anexos são comumente causas da procura de atendimento em atenção primá- ria em saúde.1 Os médicos não dermatologistas tratam cerca de 60% desses pacientes, embora as evidências mostrem que os dermatologistas fornecem atendi- mento superior a pacientes com doenças cutâneas.2-4 O custo das doenças cutâneas nos EUA é esti- mado em mais de dois bilhões de dólares anualmen- te. O custo mais elevado do atendimento do especia- lista é geralmente relacionado com o custo da tecno- logia. Mas isso pode não ser aplicado à dermatologia devido ao fato de essa especialidade usar na prática clínica geralmente poucos recursos tecnológicos. Em análise econômica, alguns autores acreditam que os gastos médios de atendimento a doenças cutâneas seriam um pouco menores se esse atendimento fosse realizado por dermatologista. Apesar dos honorários mais caros dos especialistas em dermatologia, a preci- são do diagnóstico, a solicitação de menos exames complementares, de reconsultas ou de encaminha- mentos feitos por eles minimizam os custos.3 A Sociedade Brasileira de Dermatologia estima- va haver no Brasil, em 2003, aproximadamente, 4.438 dermatologistas em atividade.5 Tais profissionais assis- tem 184.736.723 de pessoas numa área de 8.514.876,599km2.6 A distribuição desses especialistas é bastante irregular, pois cerca de 63,5% deles se con- centram na Região Sudeste, que tem apenas 41,6% da população brasileira. Isso leva algumas regiões a terem dificuldade de acesso à consulta especializada em dermatologia.7 Os encaminhamentos para consulta com derma- tologista no nível secundário no Sistema Único de Saúde são feitos através de formulário de referência. Quando o médico no nível primário de saúde necessi- ta de avaliação do especialista, ele preenche um formu- lário com os dados referentes ao paciente e as informa- ções clínicas, justificando seu encaminhamento. Em Porto Alegre, esses encaminhamentos for- malizados são agendados por intermédio da Secretaria de Saúde via central telefônica comum a todos os pos- tos de saúde. Durante 2005, a Central de Marcação de Consultas Ambulatoriais da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre agendou 14.059 consul- tas referenciadas ao dermatologista no nível de aten- ção secundária. No primeiro semestre de 2006, foram agendadas 7.422 consultas dermatológicas.8 A SMS de Porto Alegre não tem disponível o dado referente ao tempo de espera desde o agenda- mento até a consulta com o especialista nem informa- ções referentes à demanda reprimida dessa especiali- dade. Dependendo da demanda de consultas e da oferta dos serviços de saúde especializada, o tempo decorrente entre o encaminhamento do usuário e a consulta com o especialista pode ser longo.9 Várias alternativas estão sendo propostas como possíveis soluções para esse problema, entre elas, o uso de novas tecnologias, como a telemedicina. Telemedicina é o uso de tecnologia de teleco- municação para fornecer cuidados de saúde a distân- cia. A utilização desse recurso tem ocorrido em várias especialidades, por exemplo, na radiologia, na patolo- gia e na dermatologia.10-12 Na teledermatologia, as ima- gens são transmitidas de duas maneiras: de forma estática, através do uso de câmeras fotográficas digitais – store-and-forward system (SFS) – ou de maneira dinâmica com o uso de câmeras de vídeo digitais em videoconferência.13, 14 Alguns estudos têm avaliado a concordância entre o diagnóstico a distância e o diag- nóstico presencial em dermatologia através de video- conferência, concluindo ser método confiável e com boa relação custo/benefício em situações específicas.15 A teledermatologia também tem sido usada para diagnóstico em uma série de populações especí- ficas como as de idosos institucionalizados, apontan- do sua alta aceitação e satisfação por parte dos pacientes.16 Outra vantagem de seu uso é reduzir o tempo de espera para o atendimento, em especial para cuidado de pacientes com condições que requei- ram urgência na referência a serviços secundários de dermatologia.17 A implantação dessa modalidade na interface entre os níveis de atenção primária e secundária do sistema de saúde brasileiro é de extrema relevância, pois seria de grande utilidade para otimizar o encami- nhamento dos pacientes, freqüentemente difícil e demorado no Brasil. O objetivo deste estudo é avaliar a concordân- cia diagnóstica presencial e por imagem digital de lesões cutâneas em pacientes provenientes de uma unidade básica de saúde através do SFS. CASUÍSTICA Calculou-se a amostra considerando 95% de confiança e o erro absoluto máximo de 7%, obtendo- se tamanho de amostra de 196 lesões. Para isto, foi utilizado o cálculo de tamanho amostral para propor- ção com variância maximizada. O estudo foi realizado em um ambulatório público estadual de referência em atenção secundária em dermatologia na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Os pacientes encaminhados ao dermatologista para primeira consulta pela Unidade Básica de Saúde Municipal Santa Marta foram convidados a participar do estudo. Os pacientes submeteram-se, inicialmente, a uma entrevista realizada por dois enfermeiros resi- dentes em dermatologia sanitária. A partir dos relatos, Concordância entre diagnósticos dermatológicos feitos presencialmente e por imagens digitais 523 An Bras Dermatol. 2007;82(6):521-7. obteve-se a história clínica padronizada do problema dermatológico que era o motivo da consulta. Os primeiros 20 pacientes entrevistados foram avaliados presencialmente por dois dermatologistas especialistas pela Sociedade Brasileira de Derma- tologia que participaram do estudo. Ambos os médi- cos formularam seus diagnósticos separadamente e com base na história clínica e no exame físico. Os outros 80 pacientes foram entrevistados e fotografa- dos pelos enfermeiros previamente à consulta con- vencional com o dermatologista Y. Foi utilizada a câmera digital Fuji Finepix modelo S7000 com resolução de 3 megapixels para fotografar as lesões. As imagens foram transferidas da câmera para o computador através de cabo USB e armazenadas no formato JPG. A iconografia foi feita com a câmera adaptada a um tripé. Foi usada luz arti- ficial através de um iluminador externo de 500 watts, além de luz natural proveniente de uma janela lateral no local em que o paciente era posicionado para ser fotografado. Os enfermeiros foram treinados previa- mente por cerca de um mês, três tardes por semana. A câmera era usada no modo automático, e as fotos eram feitas no modo macro em distância que variou de um a 20cm. Cabia aos enfermeiros a decisão do local a foto- grafar, de acordo com a queixa do paciente. Em um formulário anexo eram anotados todos os locais que haviam sido fotografados a fim de que o dermatolo- gista que vira o paciente presencialmente pudesse diagnosticar as mesmas lesões digitalizadas. Foram excluídos pacientes que vieram à consulta com quei- xas,mas sem lesões visíveis. As fotos foram analisadas pelo dermatologista X, que formulou seu diagnóstico com base apenas nas informações clínicas coletadas pelos enfermeiros e nas fotografias digitais. Foram comparados os diag- nósticos dos dermatologistas X e Y através do coefi- ciente de concordância interobservador (Kappa) de duas maneiras: 1º) Chamou-se de Kappa presencial o coefi- ciente de concordância interobservador obtido após a visita ao paciente dos dois dermatologistas (separada- mente), que, em nenhum momento, puderam trocar informações sobre o caso. 2º) Chamou-se de Kappa virtual o coeficiente de concordância interobservador que resultou da comparação feita entre o diagnóstico presencial for- mulado pelo dermatologista Y com o realizado pelo dermatologista X, com base apenas na entrevista padronizada e na fotografia das lesões dermatológi- cas. O fluxograma a seguir explica o desenho do estu- do (Figura 1). A fim de demonstrar homogeneidade de classi- ficação diagnóstica entre os dois dermatologistas, as lesões dermatológicas foram classificadas pelo tipo de lesão. Para essa classificação foi empregado como referência de literatura nacional o livro-texto de Sampaio e Rivitti, de 1998.18 O cálculo do Kappa foi realizado pelo programa Stata versão 8.2. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre. Todos os pacientes que aceitaram parti- cipar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. As fotografias e as entrevistas foram reali- zadas mantendo-se o caráter confidencial. O fato de participar do estudo não prejudicou a assistência, pois todos os pacientes foram atendidos por um der- matologista após a entrevista e a fotografia. RESULTADOS No total de 100 pacientes entrevistados, foram vistas 240 lesões, das quais 188 foram fotografadas, com 46 diagnósticos diferentes. Em dois pacientes (um presencial e um virtual) um dos dermatologistas não conseguiu estabelecer o diagnóstico. A amostra de 80 pacientes, dos quais foram fotografadas 188 lesões, consistia de 72 brancos e 62 mulheres. A idade média dos pacientes era de 45,42 (desvio padrão de 22,45 anos), com a média de esco- FIGURA 1: Fluxograma do estudo pcte(s): paciente(s) 524 D´Elia PB, Fisher PD, Bordin R, Harzheim E, Ramos MC. An Bras Dermatol. 2007;82(6):521-7. laridade de 8,5 anos de estudo (desvio padrão de 4,97 anos). Os tipos de doença dermatológica mais encon- trados foram lesões tumorais benignas/malignas (32,4%) e alterações de anexos cutâneos (19,7%). O início dos sintomas em 70 dos pacientes entrevistados era auto-referido como lento. Em relação ao curso da doença, 65 pacientes relataram ser contínuo. O sinto- ma mais citado pelos entrevistados foi prurido (32,5%). Os locais de lesão mais constatados foram: face e cabeça (26,3%) e membros superiores (21,7%). O Kappa presencial encontrado foi de 0,91 (IC 95% = 0,83-1) e o Kappa virtual foi de 0,66 (IC 95% = 0,63-0,70). Em relação aos tipos de lesões dermatológicas, os dois maiores valores de Kappa encontrados foram nas dermatoses classificadas como infecciosas/infesta- ções em que foi obtido Kappa igual a 0,71 (IC = 0,48- 0,95) e nas alteração dos anexos, em que o Kappa encontrado foi 0,69 (IC = 0,54-0,85). Na tabela 1 são apresentados os valores de Kappa encontrados con- forme a classificação pelo tipo de lesão. Não foram realizadas comparações estatísticas dos valores de Kappa, por não ser esse o foco do estudo. DISCUSSÃO A teledermatologia é uma subespecialidade da dermatologia que está em grande ascensão. O núme- ro de publicações abordando esse assunto vem cres- cendo anualmente, a maioria apresentando grande entusiasmo, tendo em vista os resultados favoráveis, a possibilidade de usar tecnologias relativamente sim- ples e a boa aceitação por parte dos pacientes.10,13,19,20,21-25 No Brasil, projetos nessa área vêm sendo desenvolvi- dos na Universidade de São Paulo e no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.21 A coleta dos dados de história clínica padroni- zados e as fotografias das lesões foram realizadas por enfermeiros. Acredita-se que tal procedimento pode refletir, de forma mais apropriada, a situação real nos postos de saúde, onde os profissionais da enferma- gem, bem treinados, podem coletar os dados, não sobrecarregando o trabalho do médico de atenção primária em saúde. Esta logística é importante, por- que permite ao médico generalista do posto dar con- tinuidade a sua rotina de atendimento. Embora os dados e imagens coletados por pro- fissionais de saúde não médicos possam ter reduzido a qualidade das informações recebidas pelo dermato- logista, acredita-se que o enfermeiro seja o profissio- nal mais capacitado para esse tipo de trabalho.23 Foi escolhida uma amostra de conveniência, na qual todos os 100 pacientes agendados para consulta de referência com um dermatologista foram incluí- dos. De acordo com a rotina desse ambulatório da atenção secundária, os quatro pacientes agendados a cada hora eram instruídos a chegar no mesmo horá- rio para pegar uma senha e aguardar, em uma sala de espera, o atendimento, que era realizado por apenas um especialista. Os pacientes eram convidados a par- ticipar do estudo durante o período em que espera- vam ser chamados para a consulta. Assim, a pesquisa alterou pouco a rotina de atendimento desses pacien- tes, visto que eles participavam da coleta de dados em um período de tempo no qual estavam ociosos. * na categoria “Outras” foram agrupadas as categorias: dermatoses purpúricas, papulopruriginosas, por causas externas e alterações do colágeno Fonte adaptada: Sampaio SAP, Rivitti EA.18 TABELA 1: Distribuição dos diagnósticos dermatológicos das lesões fotografadas e valores de Kappa N. total % de concordância N. concordância Kappa (IC 95%) Eczematosas 15 60 9 0,36 (0,10-0,63) Eritêmato-escamosas 9 33,3 3 0,05 (0-0,19) Discromias 31 77,4 23 0,61 (0,41-0,82) Afecções 7 71,4 5 0,63 (0,27-1,00) queratóticas Alteração de anexos 37 78,4 29 0,69 (0,54-0,85) Infestações/ infecções 19 78,9 15 0,71 (0,48-0,95) Lesões tumorais 62 67,7 42 0,56 (0,47-0,71) benignas/malignas Outras * 08 37,5 3 0,29 (0,02-0,55) Total 188 68,6% 129 Concordância entre diagnósticos dermatológicos feitos presencialmente e por imagens digitais 525 Certamente essa atitude contribuiu para a alta partici- pação dos pacientes. Uma limitação deste estudo, decorrente do uso de amostra de conveniência, é o fato de não haver boa representação da população em geral. Inicialmente, a escolha do modo mais apro- priado para se fazer a coleta da história clínica e das imagens que substituíram o exame físico foi um obs- táculo encontrado pela pesquisadora principal. Há referência bibliográfica (Sampaio e Rivitti) que sugere que a anamnese na consulta convencional deve ser orientada pela lesão visualizada,19 enquanto outros artigos, como Kvedar (1997), ressaltam a importância de sua padronização por acreditar que os dados da história clínica complementam os da imagem.1 Preferiu-se usar coleta padronizada/uniforme de informações clínicas. Assim, haveria menos riscos de viés de aferição do que com a coleta da história clí- nica realizada livremente pelos enfermeiros. Esse pro- cedimento, entretanto, por ser a anamnese padroni- zada bastante rígida, faz com que alguns pequenos detalhes não sejam informados aos especialistas. Isso pode ter prejudicado o médico que fez o diagnóstico a distância, pois, como não se impuseram limites na coleta de dados de história clínica realizada pelo der- matologista que avaliou os pacientes presencialmen- te, pode-se perceber que ocorreu desnivelamento de informações entre os dois especialistas que participa- ram do estudo. Outra situação problemática é que, devido ao fato de os pacientes terem esperado longo tempo para conseguiro atendimento especializado, eles che- gavam na maioria das vezes com mais de uma queixa dermatológica. Essas queixas múltiplas correspon- diam, em alguns casos, a lesões da mesma doença em locais diferentes do corpo ou a doenças diferentes. Por isso, tomou-se a decisão de se fazer uma cataloga- ção topográfica. Constatou-se que embora alguns pacientes tivessem o mesmo problema, em mais de uma região, em muitos casos, tratava-se de doenças distintas em locais variados. Uma grande incerteza que ocorreu durante a análise dos dados dizia respeito à possibilidade de o diagnóstico do dermatologista que examinou os pacientes presencialmente ser considerado ou não o padrão ouro. Esse assunto é controverso, e alguns estu- dos analisam desta maneira, considerando o diagnósti- co presencial padrão ouro.26 De acordo com a interpre- tação dos autores, isso não se aplica a este estudo. O planejamento da pesquisa foi realizado para medir o índice de concordância interobservador (Kappa), e, assim, o desenho do estudo não possibilita avaliar, nas situações em que houve discordância, qual dos diag- nósticos, presencial ou virtual, está correto. Para a análise do Kappa foi utilizado apenas o primeiro diagnóstico e considerado que houve con- cordância quando os diagnósticos formulados foram iguais. Os casos em que houve concordância parcial não foram considerados concordantes. Entende-se que essa forma mais rigorosa em relação à análise dos dados pode levar a índices menores de concordância interobservador. Entretanto, optou-se em fazer dessa maneira, considerando as concordâncias totais, por ser menos subjetiva. Os resultados apresentados (Kappa = 0,66; concordância = 68,6%) estão de acor- do com os dados da literatura internacional, confor- me mostrado no quadro 1. Cabe ressaltar que os estu- dos apresentam metodologias muito variáveis, e isso talvez seja outra razão para se entender a grande variabilidade de concordâncias encontradas.27-29 Não é possível explicar por que as lesões ecze- matosas apresentam Kappa tão baixo (0,36), mas acredita-se que a justificativa para o fato de o grupo de dermatoses classificadas como lesões tumorais benignas/malignas apresentar o segundo pior Kappa (0,56) seja a impossibilidade de palpação das lesões através da teledermatologia. Assim, a maneira assincrônica de transmissão de imagens na teledermatologia tem suas característi- cas, vantagens e desvantagens. O modo SFS, por ser menos complexo e ter custo reduzido, é uma forma vantajosa para o uso na realidade brasileira em Atenção Primária em Saúde e no contexto do SUS. Acredita-se que os grandes usos da telederma- tologia são, além de na triagem de consultas, em vigi- lância sanitária, na elaboração de banco de dados de imagens dermatológicas e em educação. O uso dessa tecnologia para promover conhecimento pode ser feito através de educação continuada de médicos de atenção primária e alunos de graduação, e da discus- são de casos mais complexos para a troca de expe- riências entre dermatologistas como, por exemplo, a solicitação de segunda opinião.21 CONCLUSÕES Diante do resultado geral do Kappa virtual, poderia questionar-se o valor da teledermatologia em Atenção Primária em Saúde. Uma das vantagens foi citada por Perednia, que enfatiza o fato de o exame físico realizado através da teledermatologia não ser igual ao realizado no paciente ao vivo. Apesar disso, esse autor acredita que a teledermatologia funcionará como um nível de atenção intermediária entre aten- ção primária e secundária, tentando fazer interação entre ambas que talvez de outro modo não fosse pos- sível. Dessa maneira ela apenas deverá tomar o lugar da consulta convencional em situações específicas em que não haja prejuízos sociais, médicos ou econômi- cos.30 A autora concorda, e também acredita que a teledermatologia não deve substituir a consulta der- An Bras Dermatol. 2007;82(6):521-7. 526 D´Elia PB, Fisher PD, Bordin R, Harzheim E, Ramos MC. An Bras Dermatol. 2007;82(6):521-7. matológica convencional devido às limitações da téc- nica. Mas sugere que, em situações especiais, como na triagem de pacientes de Atenção Primária em Saúde, possa ser ferramenta de grande utilidade. Miot (2005) sugeriu que os casos provenientes de uma Unidade Básica de Saúde teriam grandes benefícios com assistência através da teledermatolo- gia, por acreditar que haveria mais casos de baixa complexidade. Assim, com este estudo reconhece-se que o índice de concordância interobservador virtual geral mostrou resultado favorável.24 Apesar do Kappa de 0,66, a teledermatologia mostrou-se alternativa viável para potencializar o acesso de pacientes que se consultam em serviços de Atenção Primária em Saúde ao especialista. Finalmente, acredita-se que a teledermatologia de maneira SFS por ser menos complexa e ter menor custo seria um modo vantajoso para uso na realidade brasileira em Atenção Primária em Saúde e no contex- to do SUS. � REFERÊNCIAS 1. Kvedar JCME, Syam B, Smuldres-Meyer O, Gonzalez E. The substitution of Digital Images for Dermatologic Physical Examination. Arch Dermatol. 1997;133:161-7. 2. Federman DGCJ, Kirsner RS. 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Estudo para identificação QUADRO 1: Resumo de concordância completa de estudos com teledermatologia Estudo Número Concordância Observações importantes Pak K, et al.27 404 pacientes 70% Avaliado a concordância completa intra-observador Kvedar JCME, et al.1 116 pacientes 61-64% Pacientes com acne e verrugas foram excluídos por serem considerados diagnósticos muitos fáceis Jaramillo F, et al.23 126 diagnósticos 90% Sugere a palpação ser de grande importância na semiologia dermatológica High WA, et al.28 92 pacientes 64-77% Concordância completa Caumes E, et al.29 130 diagnósticos 92% Melhora da concordância entre o dermatologista e o médico de APS decorre do tempo de uso da teledermatologia evidenciando valor educativo e acúmulo de conhecimento Eminovic N, et al.17 105 pacientes Kappa = 0,66 APS: Atenção Primária em Saúde Concordância entre diagnósticos dermatológicos feitos presencialmente e por imagens digitais 527 de necessidades de profissionais e especialidades na área da saúde - componente: distribuição espacial dos vínculos empregatícios das especialidades médicas. 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