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CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO – UNIFRA CURSO DE DIREITO DIREITO PENAL II e III MATERIAL DE APOIO E ORIENTAÇÃO SOBRE TENTATIVA E CONSUMAÇÃO Professor Fábio Freitas Dias Santa Maria, março de 2012 CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO – UNIFRA CURSO DE DIREITO DIREITO PENAL II e III MATERIAL DE APOIO E ORIENTAÇÃO SOBRE TENTATIVA E CONSUMAÇÃO Material disponibilizado aos alunos das disciplinas de Direito Penal II e III que compõe a grade curricular do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS, para servir de apóio ao entendimento do tipo penal. Professor Fábio Freitas Dias Santa Maria, março de 2012 TENTATIVA E CONSUMAÇÃO (CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA, ELEMENTOS E PUNIBILIDADE DA TENTATIVA; CRIMES QUE NÃO ADMITEM TENTATIVA, FORMAS DA TENTATIVA) 1. Considerações iniciais: todo crime se desenvolve numa sucessão temporal de atos, que pode variar quanto a sua duração. O crime possui um “caminho” a que denominamos iter criminis. Esse caminho, portanto, é um conjunto de etapas que se sucedem cronologicamente até a configuração final do crime. Segundo a doutrina, no iter criminis é possível distinguir as seguintes fases ou estágios de desenvolvimento do crime: a COGITAÇÃO (idealização + decisão), a PREPARAÇÃO (meios + modos de execução), a EXECUÇÃO e a CONSUMAÇÃO. Como regra geral, podemos afirmar inicialmente que o iter criminis começa a ser punível, quando o agente começa a atividade executiva. Daí concluir que toda e qualquer etapa desenvolvida no foro íntimo do agente não pode ser punida, pois, o tipo penal não os alcança. Também é possível afirmar que os atos preparatórios são atípicos. Se o agente realiza atos preparatórios para realização de um homicídio, por exemplo, não poderá ser punido à título de tentativa. Tal regra, no entanto, costuma ser afastada pelo legislador por duas maneiras: a) equiparação entre tentativa e consumação para determinados crimes. Dessa forma, com tal equiparação, o legislador define a mesma punição para o crime tentado ou consumado. É o caso do art. 352 do CP, define o crime de evasão mediante violência contra a pessoa. Dispõe: Evadir-se ou tentar evadir-se o preso... Pena – detenção de 3 meses a 1 ano. b) a independente tipificação de certos atos preparatórios é outra forma de excepcionar a regra inicial. É exemplo o art. 25 da Lei de Contravenções Penais. Nesse caso, o legislador optou em tipificar um delito autônomo do crime de furto. Basta que o agente possua em seu poder utensílios próprios ao cometimento de furto, para que seja punido. Ocorrido o fato, responde pela consumação do crime previsto nesse artigo e não por tentativa de furto. Outros exemplos: arts. 253 (possuir substâncias ou engenhos explosivos, etc); arts. 291 e 294 (aparelhos para falsificação de moeda); Idéia de cometer o crime Fase interna (cogitação) Deliberação (decisão) ITER CRIMINIS1 Atos preparatórios Fase externa Atos executórios Consumação 1 Conforme JESUS, Damásio E. de, Direito Penal. Parte Geral, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 334. Prof. Fábio Frei ta s Dias 4 2. Conceito e natureza da tentativa: o crime tentado é definido legalmente pelo art. 14, II do CP. A tentativa ocorrerá, quando iniciada a execução, o crime não se consuma por circunstância alheias à vontade do agente. Segundo WESSELS, «É a manifestação da resolução para cometimento de um fato punível através de ações que se põem em relação direita com a realização do tipo legal, mas que não tenham conduzido à sua consumação».2 DAMÁSIO afirma que a natureza jurídica da tentativa «constitui ampliação temporal da figura típica».3 Ela nada mais é do que uma ampliação da tipicidade proibida, abrangente de parte da conduta imediatamente anterior à consumação. Já tivemos oportunidade de referir, quando do estudo da tipicidade, que a adequação típica pode ser indireta, ou seja, necessita de outro dispositivo legal para haver a adequação do fato concreto. É o caso da tentativa. Não há tipos legais que definam os crimes tentados em espécie. Há uma norma geral (art. 14, II) que se agrega à outros tipos para propiciar a punição à título de tentativa. Podemos citar como exemplo o crime de homicídio tentado. Imaginemos que o agente tenha disparado dois tiros no peito da vítima, mas essa é salva pela habilidade do médico cirurgião. Do exemplo podemos extrair que: a) o agente realizou atos de execução, pois disparou contra a vítima; b) o crime não se consumou, já que, um médico impediu o resultado morte; c) o agente iniciou um ato de execução e o resultado não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade; d) a adequação típica é dita indireta, porque ao caput do art. 121, agrega-se o art. 14, II, ambos do Código penal. 3. Fundamento da punição da tentativa no Direito brasileiro: o Direito penal no sistema jurídico brasileiro tem por missão fundamental a proteção de bens jurídicos. Sempre tendo por paradigma a noção de Estado Social e Democrático de Direito, o direito punitivo, orientado a buscar o maior bem-estar com o menor custo social, deve ser visto como um último e legítimo instrumento positivado que, através da pena, visa conservar a estrutura valorativa da sociedade, jurídico constitucionalmente consagrada, frente a fatos da mais alta nocividade. Sua função, não pode ser outra, senão a de tutelar os bens e valores fundamentais, imprescindíveis ao desenvolvimento das potencialidades humanas no meio social, frente a condutas agressivas graves e intoleráveis. Nesse sentido, não pode ser outro o fundamento da tentativa. Como afirmam ZAFFARONI e PIERANGELI, «nosso código funda a punibilidade da tentativa na impressão que produz no Direito, por ser ameaçadora para o bem jurídico, o que já representa uma 2 WESSELS, Johannes, Direito penal. Aspectos fundamentais, tradução do original alemão e notas por Juarez Tavares, Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 133. 3 JESUS, Damásio E. de, ob. cit., p. 335. Direi to penal III 5 forma de ofendê-los».4 A punibilidade da tentativa é proporcional a atitude desvaliosa contra o bem jurídico. Em comparação à consumação, ela é menos grave e intolerável, por isso, é apenada mais brandamente. Segundo o parágrafo único do art. 14 do CP: Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Há exceções, todavia, como no caso do art. 352, já citado. 4. Elementos da tentativa: pelo que já dissemos, é possível concluir que, no iter criminis, a tentativa encontra-se na execução da conduta. Desse modo, podemos afirmar que seus elementos são: dolo por parte do agente, que visa à consumação do delito, início de execução do crime e inocorrência de consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente. Vamos analisar esses elementos. 4.1 Dolo do agente dirigido à consumação do delito: o dolo requerido no crime tentado é o mesmo dolo que compõe a tipicidade subjetiva do crime consumado. Não há um dolo de tentativa, há tão-somente dolo do crime que se objetiva consumar. Por outras, o dolo exigido requer conhecimento da situação que embasa o tipo objetivo e vontade de realizá-lo. Essa identidade entre o tipo subjetivo da tentativa e do delito consumado põe a descoberto a própria estrutura da tentativa. Como afirmam ZAFFARONI e PIERANGELI, o delito tentado configura-se num «delito incompleto, de uma tipicidade subjetiva completa, com um defeito na tipicidade objetiva».5 Isso porque o aspecto subjetivo que domina a conduta se perfaz com o querer consumar o delito, materializado no iniciar a execução, mas que não se consuma por circunstância alheia à vontade do agente. 4.2 Início de execução: é fácil afirmar que a tentativa é diretamente ligada à execução do crime, àquele momento que se estende desde o começo da execução até à consumação. Em verdade, a tentativa depende de uma conduta que se realiza entre a preparação e a consumação. Todavia, essa afirmação não é composta de elementos suficientes capazes de estabelecer uma diferença entre atos de preparação e atos de execução. A grande questão na tentativa é definir o conceito de início de execução, que estabelece o limite inicial da punibilidade da ação típica e fixa o ponto de separação dos atos preparatórios impuníveis. Vamos nos utilizar de um quadro comparativo entre o homicídio e o furto para exemplificar a dificuldade apontada: 4 ZAFFARONI, Eugênio Raúl/PIERANGELI, José Henrique, Da tentativa, 4.ª ed., São Paulo : RT, 1995, p. 39. Mais adiante afirmam: «atos de tentativa só podem ser aqueles que se mostram como ameaçadores, como capazes de infundir temor e de perturbar, por conseqüência, a relação de disponibilidade do ente que o Direito considera que o homem necessita para a sua auto-realização». Idem, p. 52. 5 Idem, p. 42. Prof. Fábio Frei ta s Dias 6 Etapas criminosas Homicídio qualificado Furto qualificado A quer matar B A quer subtrair bem de B 1. Cogitação A decide fazê-lo A decide fazê-lo A pega a arma e munição A apanha chave falsa (gazua) 2. Preparação A prepara emboscada A vai até a casa de B A aponta arma para B A entra na casa 3. Execução (zona cinzenta) A aciona o gatilho A pega as jóias 4. Consumação A mata B A sai da casa com as jóias Três teorias procuram estabelecer o divisor de águas entre atos preparatórios e atos de execução. 1.ª) Teoria objetiva: se a missão do Direito penal é a tutela ou proteção de bens jurídicos fundamentais com repercussão constitucional, o critério para definir aquela separação deve ser o perigo para o bem jurídico. Ainda mais que, segundo essa concepção, o dolo – o mesmo elemento subjetivo que perpassa todo o iter criminis –, é incapaz de servir de parâmetro a tal tarefa diferenciadora. A teoria objetiva possui duas vertentes: a objetiva formal e a objetiva material. A teoria objetivo-formal define como ato de execução o começo de realização da ação do tipo, aquela capaz de produzir uma afetação ao bem jurídico protegido, de modo que «ações anteriores são preparatórias; ações posteriores são executivas».6 Ação executória é, portanto, ação típica, aquela representada pelo verbo do tipo. Observem que o grande problema dessa teoria é a eliminação do dolo como critério coexistente ou, ao menos, auxiliar nessa tarefa. Como diferenciar, por exemplo, uma lesão corporal consumada de uma tentativa de homicídio, sem recorrer ao dolo do agente? Já a teoria objetivo-material define como ato de execução todo o ato que representa perigo direto para o bem jurídico protegido, «consistente na elevada probabilidade de produção do resultado, caracterizada em atividade imediatamente anterior à ação do tipo, mas pertencente à ação típica conforme um juízo material».7 Veja-se que aqui também corre-se um risco enorme: o de ampliar demasiadamente o âmbito da tentativa. O empunhar uma faca ou uma arma de fogo carregada, apontando- as para alguém, seriam considerados atos de tentativa de homicídio, pois, representariam um perigo à vida.8 Mais uma vez, o grande problema está na exclusão do dolo como critério capaz de, ao menos, auxiliar na tarefa diferenciadora. 2.ª) Teoria subjetiva: para essa teoria o ato de execução deve ser fundamentado 6 SANTOS, Juarez Cirino dos, A moderna teoria do fato punível, Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos Editora, 2002, p. 306. 7 Idem, p. 307. 8 Segundo Frank, inclui-se na tentativa: ações que, por sua vinculação necessária com a ação típica, aparecem com parte integrante dela segundo uma concepção natural. Por outras, de acordo com uma percepção geral da realidade é possível que sacar ou apontar uma arma de fogo carregada representa iniciar a conduta de matar, que encaixa-se no verbo nuclear do tipo de homicídio. Nos trazem essa informação sobre Frank, WELZEL, Hans, Derecho Penal Alemán (Parte General), 4.ª ed., por Juan Bustos Ramírez y Sérgio Yánez Pérez, Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997, p. 191. Direi to penal III 7 exclusivamente na vontade do autor contrária ou hostil ao Direito, é dizer, no dolo do crime que o agente pretende consumar.9 A teoria subjetiva fixa a tentativa no plano do autor de modo que os atos representados como preparatórios não caracterizam a tentativa, enquanto atos representados pelo autor como executórios identificam-se com ela.10 A recorrência ao puro subjetivismo do autor do fato é recurso com o qual não podemos concordar. A grande conseqüência disso é a admissão da punibilidade da tentativa inidônea. Observe-se o seguinte exemplo: se um sujeito, compra uma arma e munição, decide matar um inimigo seu, segue-o até uma loja de departamentos, saca da arma e atira num manequim pensando ter atingido sua vítima, segundo a teoria subjetiva, haveria o crime de tentativa de homicídio, apesar de não ter havido qualquer perigo para o bem jurídico vida. 3.º) Teoria objetivo-subjetiva: também chamada de mista ou eclética, busca mesclar os critérios da teoria objetiva com os da subjetiva, para considerar como atos de execução e, portanto, de tentativa, aquela realização de vontade contrária ao Direito que, materializada, produz perigo para o bem jurídico protegido. Hoje, a teoria objetivo-subjetiva se identifica com a chamada teoria objetiva individual, que parte da consideração «da conduta típica particular (teoria formal- objetiva), introduzindo um elemento individualizador (subjetivo), como o é o plano do autor; porém, pela sua natureza, é suscetível de ser valorada por um terceiro elemento, que é a determinação da “proximidade imediata” à realização típica».11 De forma sintética, para essa concepção a tentativa começa com a atividade externada com a qual o autor, de acordo com sua idéia de delito, aplica-se imediatamente na realização do tipo do delito objetivado.12 Assim, vamos imaginar a seguinte situação: a esposa traída pelo marido com sua melhor amiga. No âmbito da cogitação, ela idealiza e decide que vai matá-lo. Já como atos preparatórios, de acordo com a fase anterior, ela compra o veneno e faz um lindo jantar. Nele adiciona a substância mortal. Esse último ato tanto poderá ser ato preparatório como de execução, dependerá daquilo que mentalmente foi estabelecido pela autora (representação ou plano). Se no seu plano ela deve servir o alimento ao marido, o ato de adicionar veneno da comida será ato preparatório, mas se o marido deve dele servir-se diretamente, o ato de envenenar a comida será ato de execução. A teoria objetiva individual apresenta critérios que auxiliam na definição da tentativa. A partir dessa teoria podemos fixar as seguintes orientações: • de acordo com o plano do autor, serão atos de execução aqueles imediatamente 9 Nesse sentido, ZAFFARONI, Eugênio Raúl/PIERANGELI, José Henrique, ob. cit., p. 29. 10 No mesmo sentido de SANTOS, Juarez Cirino dos, ob. cit., p. 308. 11 Nesse sentido, ZAFFARONI, Eugênio Raúl/PIERANGELI, José Henrique, op. cit., p. 53. 12 Cf. WELZEL, Hans, ob. cit., p. 190. Prof. Fábio Frei ta s Dias 8 anteriores ao começo de execução típica, que representem ao menos perigo para o bem jurídico; • as vezes, o ato de execução se identificará com o começo da conduta típica, ou seja, aquela que se encaixa no verbo do tipo; • um ato parcial será imediatamente precedente à realização da conduta típica, quando entre este e a conduta típica não existir outro ato parcial. Nesse caso, o ato parcial será um ato de execução, mas sempre teremos que observar o plano do autor; • devemos ressaltar com ZAFFARONI e PIERANGELI, «para se determinar se há ou não outro ato parcial intermediário dever-se-á tomar em conta o plano concreto do autor, e não o que possa imaginar um observador alheio».13 4.3 Inocorrência de consumação: a própria lei ressalta que a inocorrência de consumação (a não-realização de todos os elementos do tipo objetivo) independe da vontade do agente. Como bem observa JUAREZ CIRINO, a consumação do fato punível «representa a transformação da tentativa de lesão do bem jurídico, como situação de perigo concreto, em resultado de lesão do bem jurídico».14 5. Crimes que não admitem tentativa: 5.1 Contravenções penais: as contravenções não admitem a forma tentada por disposição legal (art. 4.º, LCP). 5.2 Crimes condicionados: em alguns casos a lei pune o agente somente quando ocorrer o resultado. É o caso do art. 122 que dispõe: Induzir, instigar ou auxiliar ao suicídio... Nesse caso, o crime é condicionado à ocorrência do resultado, é necessário que o suicídio ocorra. Tendo em vista o condicionamento desse crime ao resultado morte, não é admitida a forma tentada. 5.3 Delitos unissubsistentes: delito unissubsistente é aquele que se realiza com um só ato e que, por conseqüência já produz a consumação.15 É exemplo, a injúria verbal. Nesse caso, também não há a possibilidade da forma tentada. De regra, os crimes formais e os de mera conduta são crimes unissubsistentes. 5.4 Delitos culposos: na culpa o resultado não é desejado pelo agente, ele não quer o resultado, mas esse ocorre porque não cumpriu com um dever objetivo de cuidado. Já na tentativa, o agente tem dolo, ele quer a consumação do delito, que só não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Há, portanto, uma incompatibilidade lógica e conceitual entre culpa e tentativa, já que, o agente não pode tentar alcançar um resultado 13 Op. cit., p. 56. 14 Op. cit., p. 312. 15 Crime unissubsistente é aquele que se constitui de ato único. «O processo executivo unitário, que não admite fracionamento, coincide temporalmente com a consumação, sendo impossível, conseqüentemente, a tentativa (injúria verbal)» (BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal. Parte geral, vol. 1, 3.ª ed., São Paulo : Saraiva, 2003, p. 149) Direi to penal III 9 que não quer16. 6. Tentativa e algumas controvérsias: 6.1 Crimes habituais: crimes habituais são aqueles que dependem da reiteração da mesma conduta reprovável, de forma a constituir-se em hábito de vida. Exemplos clássicos são os crimes de exercício ilegal da medicina (art. 282), curandeirismo (art. 284) e o rufianismo (art. 230). Esses não admitem tentativa, pois, se consumam quando se verifica a reiteração da conduta criminosa, por isso, não possuem um iter criminis, não podendo falar-se em início de execução. Alguns, todavia, admitem tal possibilidade.17 6.2 Omissivos próprios: os crimes omissivos próprios, que possuem tipificação própria e representam a abstenção de um dever de agir, como é o caso da omissão de socorro (art. 135), não admitem tentativa, porque são crimes de mera conduta que não possuem iter criminis.18 Por exemplo, ninguém tenta omitir-se de prestar socorro, omite-se ou não. Ver apêndice 1, anexado ao final deste trabalho. 6.3 Delitos preterdolosos: naqueles delitos em que no antecedente há dolo e no conseqüente há culpa, como por exemplo na lesão corporal seguida de morte, em tese não é admissível a forma tentada. Todavia, é possível imaginar a forma tentada na teoria, ainda que na prática dificilmente poderá ser comprovada. Por exemplo o aborto qualificado por lesões ou morte da gestante, art. 127, do CP, é um crime preterdoloso. Para falar-se em tentativa, deve-se levar em conta a existência desta quanto ao delito doloso, ocorrendo apenas o resultado culposo. Nesse caso, para haver tentativa, o médico teria de tentar o aborto sem consumá-lo, resultando desta lesões graves na gestante. 6.4 Tentativa e crimes complexos: crimes complexos são aqueles que contêm em si duas ou mais figuras penais, seja como elementar seja como qualificadora. Exemplos: extorsão mediante seqüestro (art. 159), em que a extorsão (art. 158) e o seqüestro fazem 16 É possível admitir a tentativa numa omissão imprópria culposa: Imaginemos o exemplo do hábil nadador que convida alguém a acompanhá-lo em um longo nado e, a certa altura, percebendo que o companheiro perde forças, não o acode, deixando-o perecer afogado, o que não ocorre porque um barco de pescador passava por perto e salva o agonizante. 17 De regra, o crime habitual não admite a tentativa, mas é aceitável a tentativa no crime do art. 282. (MIRABETE, Júlio Fabrini,Manual de direito penal, São Paulo: Atlas, 1994, p. 154). No mesmo sentido ZAFFARONI e PIERANGELI . «...haverá tentativa de curandeirismo (art. 284, I) na conduta de quem, havendo instalado um consultório médico – sem diploma e sem licença – está examinando um paciente, sem lhe haver receitado algum medicamente e nem aplicado qualquer tratamento, e que tem mais pacientes na sala de espera (Ob.cit, pp. 59-60). Apesar desse posicionamento dos referidos autores, desconhecemos casos julgados que tenham consagrado condenações por tentativa dos crimes habituais citados. 18ZAFFARONI e PIERANGELI, admitem a tentativa nas omissões próprias. Segundo eles, «se se encontra alguém que se acha dentro de um poço e não se lhe presta auxílio quando já se passara meio hora, estando o acidentado ileso e sendo o único perigo que possa morrer de sede se no poço ficar vários dias (o que pode suceder se é um lugar isolado), veremos que não se consuma, ainda, a omissão de socorro. O ato é de tentativa, pois já estarão presentes todos os requisitos típicos e o perigo para o bem jurídico (se o agente segue em frente talvez outro não o veja senão depois de muitos dias). Acreditamos que o caso constitui uma tentativa inacabada de omissão de socorro. Aqui, os atos de tentativa existem desde que o agente, com o dolo de omitir o auxílio, realiza uma ação diferente, enquanto que o delito está consumado quando o transcurso do tempo aumenta o perigo e diminui as possibilidades de auxiliar». Idem, p. 123. Também desconhecemos julgados que consagrem a tentativa nesses tipos de crime. Prof. Fábio Frei ta s Dias 10 parte daquele como elementares ou elementos constitutivos; o chamado latrocínio (art. 157, § 3.º, in fine), em que o homicídio deixa de ser autônomo para qualificar o roubo. Em termos gerais há três posições acerca do assunto, mas devemos observar que a solução da tentativa para o crime complexo, poderá variar conforme o crime. Vejamos as três posições jurisprudenciais existentes e exemplifiquemos com o crime de roubo próprio: 1.ª) A primeira posição é de algumas câmaras criminais do TJSP. Para os seus defensores, se a tentativa acontece em relação ao crime-meio e ao crime-fim, há tentativa. Se, porém, o crime-fim se consuma, não mais se poderia falar em tentativa de crime complexo (TJSP). Façamos breve análise do roubo para compreender quando ele seria tentado ou consumado em face dessa primeira posição jurisprudencial. O crime-fim no roubo é a subtração enquanto que o crime-meio é a violência. Portanto, para a posição em análise, se o crime-meio e o crime-fim, portanto, a subtração e a violência, estiverem na forma tentada, teremos o roubo tentado. Se a subtração está consumada e o crime-meio fica na forma tentada, teremos o roubo consumado. 2.ª) A segunda posição também é de algumas câmaras do TJSP. Segundo elas, se um ou outro dos crimes elementares se consumou, não mais se poderia falar em tentativa de crime complexo. Portanto, teríamos o roubo na forma consumada caso uma das elementares se consumasse e a outra estivesse na forma tentada, não importando se a consumação ou a tentativa seja quanto ao crime-fim ou ao crime-meio. Nesse sentido, só teríamos a forma tentada do roubo se dos dois crimes elementares estivessem na forma tentada. 3.ª) A terceira posição é defendida pelo TJRS (ver decisões do desembargador Eládio Lecey). No crime complexo haverá tentativa desde que iniciada um de seus delitos elementares, sem que tenha se consumado, ou tendo sido consumado um dos delitos elementares, o outro não venha ocorrer (TJRS, ver decisões do desembargador Eládio Lecey). Tal posição se justifica e parece ser a mais acertada, pois, para que ocorra a consumação a realização da descrição típica deve ser completa. Digamos que alguém subtrai coisa alheia móvel mediante violência, é perseguido pela polícia imediatamente após, resiste contra seus perseguidores, mas acaba sendo preso. O roubo não se consumou, porque o agente não conseguiu a posse tranqüila da coisa. Nesse caso, não há divergência, temos um roubo próprio19 na forma tentada, pois a violência a pessoa se consumou e a subtração permaneceu na forma tentada. Todavia, o roubo pode ser impróprio, ou seja, aquele em que, efetuada a subtração, a tentativa da violência sobrevém para garanti-la. Nesse caso: a) segundo DAMÁSIO DE JESUS, não há tentativa de roubo, pois a natureza da subtração é outra, podendo subsistir o furto tentado ou consumado. 19 Roubo próprio é aquele em que o agente realiza a violência para depois realizar a subtração. Direi to penal III 11 b) há quem entenda, acertadamente, que havendo a subtração e a tentativa da violência, ter-se-ia o roubo impróprio na forma tentada, nesse sentido, é perfeitamente aplicável a posição jurisprudencial do TJRS. Outra questão relevante é em relação ao chamado latrocínio, que nada mais é do que um roubo seguido de morte. Se o agente mata mas não consegue subtrair a coisa, baseado na posição “b”, haveria, a tentativa de latrocínio. Todavia, através da súmula 610, o STF decidiu que o caso é de latrocínio consumado.20 7. Formas da tentativa: segundo a doutrina, há duas formas de tentativa, as chamadas tentativa perfeita ou acabada e a tentativa imperfeita ou inacabada. 7.1 Tentativa perfeita ou acabada: é a forma clássica da tentativa, aquela em que o agente conclui toda a execução da conduta capaz de produzir o resultado, mas que por circunstância alheia à sua vontade, não produz o resultado. Exemplos: agente dispara todas as balas da arma de fogo, mas não consegue acertar a vítima; o agente dá uma facada na região do coração da vítima, mas essa é salva por uma cirurgia bem sucedida. 7.2 Tentativa imperfeita ou inacabada: nessa hipótese, o agente quer a consumação do delito, inicia a execução, mas é interrompido por circunstância alheia à sua vontade. Exemplo: o agente atira uma vez e é repelido pela ação de um policial. Observe-se que, enquanto na tentativa acaba a produção do resultado é interrompida ou impedida, na tentativa inacabada a execução é impedida e, por conseqüência, a produção do resultado. Ressalte-se, todavia, que o nosso código não faz qualquer diferença entre tentativa perfeita ou imperfeita no artigo 14, II. Mas, tal diferenciação, teoricamente, será exigida pelo art. 15 que estabelece a desistência voluntária e o arrependimento eficaz, já que a primeira coaduna-se com a tentativa imperfeita e o segundo, com a tentativa perfeita.21 20 No chamado latrocínio, o roubo seguido de morte, se o agente mata mas não consegue subtrair a coisa, haveria tentativa de latrocínio, todavia, por motivos de política criminal, o STF decidiu por várias vezes que se tratava de latrocínio consumado. Hoje, matéria está hoje sumulada (Súmula 610): «Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima». 21 Tentativa irreal: consiste na conduta de que, acreditando numa relação causal não admitida pela ciência – bruxaria, magia negra, parapsicologia - , efetua certos atos tendo em vista a obtenção de algum resultado ilícito. Ver ZAFFARONI, Eugênio Raúl/PIERANGELI, José Henrique, op. cit., p. 84.
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