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www.cers.com.br 1 www.cers.com.br 2 CORRELAÇÃO ENTRE A ACUSAÇÃO E SENTENÇA: A MUTATIO E A EMENDATIO LIBELLI O princípio da correlação entre a acusação e sentença visa garantir um julgamento nos estritos limites da acusação, evitando assim um julgamento extra petita ou ultra petita. Contudo, as expressões citra petita, extra petita e ultra petita, conforme empregadas no processo civil, não se aplicam ao pro- cesso penal, uma vez que naquele o juiz está, em regra, adstrito ao pedido, enquanto neste deve julgar conforme "a impu- tação". Ocorre que no processo penal a acusação compreende o que chamamos imputação (que significa a narrativa fática da qual o réu é acusado) e o pedido (no qual o Ministério Público ou o querelante formula o pedido de condenação, indicando o artigo de lei imputado ao réu). Assim, devemos observar a seguinte fórmula: Acusação = Imputação + Pedido Por tal motivo, questão relevante dentro do processo penal brasileiro diz respeito aos institutos da EMENDATIO LIBELLI e MUTATIO LIBELLI, consagrados respectivamente nos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal. O tema é dos mais cobrados em todos os concursos públicos do país, para as mais diversas carreiras jurídicas, e não poderia ser diferente no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Ao tratar das sentenças, o Título XII do CPP, buscando garantir o princípio da correlação entre a acusação e sentença, dispõe: Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídi- ca diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Pú- blico deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. § 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. www.cers.com.br 3 § 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo inter- rogatório do acusado, realização de debates e julgamento. § 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste artigo. § 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. § 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá. Emendatio Libelli Imagine a seguinte hipótese: Na denúncia o Ministério Público narra: “naquele dia..., naquele horário..., naquele local..., o denunciado passou correndo pela vítima, puxou sua bolsa e fu- giu...” (...) Diante do exposto, requer seja recebida a denúncia, citado o réu para responder aos termos da ação penal, e, ao final, julgado procedente o pedido para condenar o réu nas penas do art. 157 do CP.” Verificamos claramente que o fato narrado indica a prática de um crime de furto, ou seja, o descrito pelo órgão de acusação em sua “causa de pedir”, que aqui chamamos “imputação”, foi o crime previsto no art. 155 do CP. Entretanto, por um equívoco, que pode até mesmo decorrer de um erro material, o pedido formulado indicou o artigo de lei referente ao crime de roubo (art. 157 do CP.). Pergunta-se: poderá o juiz julgar o réu por furto tendo o órgão de acusação formulado o pedido nas penas do art. 157 do CP? A resposta é: Lógico que sim! No processo penal o juiz não julga o pedido, O JUIZ JULGA OS FATOS! Daí a máxima: narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me o fato e eu te darei o direito). Repare que, na hipótese acima indicada, foi possível ao réu defender-se amplamente dos fatos, já que os réus não se defen- dem de um número, e sim dos fatos que se encontram narrados na denúncia ou na queixa. www.cers.com.br 4 Na emendatio libelli, na qual se enquadra a hipótese acima narrada, a denúncia se encontra perfeitamente adequada aos fatos, apresentando apenas um erro na tipificação ou qualificação jurídica, sendo permitido ao juiz operar uma correção ou emenda. Assim, Emendatio Libelli é o ato permitido ao juiz de, na sentença, corrigir eventual erro da denúncia ou queixa na classifica- ção do delito (art. 383 CPP). O juiz faz a correção independentemente de qualquer diligência, mesmo aplicando pena mais grave. Neste caso, aplica-se a máxima: “narra os fatos e o juiz aplica o direito”. O réu não se defende da tipificação indicada pelo órgão de acusação, e sim dos fatos narrados. Portanto, se a instrução criminal confirma a narrativa fática contida na imputação da denúncia, viabilizando o contraditório e a ampla defesa, não há qualquer impedimento a que o juiz faça a ade- quação da definição jurídica ao tipo penal correto, independentemente de aditamento. Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídi- ca diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. Pergunta relevante surge acerca da possibilidade da referida correção (emendatio libelli) ocorrer em momento anterior à ins- trução criminal, já que o instituto está previsto dentro do Título XII do Código de Processo Penal, que trata da Sentença. Qual seria o momento ideal para se operar a emendatio? Grande parte da doutrina e da jurisprudência defendem que tal instituto somente poderia ser aplicado pelo juiz no momento em que os autos fossem conclusos para sentença. Contudo, vários autores sustentam que não haveria qualquer óbice à sua aplicação até mesmo no momento do recebimento da exordial, ou ainda, após a apresentação da resposta à acusação de que trata o art. 396 do CPP. Isso porque a emendatio nada mais é que uma mera correção, sem que qualquer alteração se opere na narrativa fática. Além disso, um mero erro (mui- tas vezes material) na tipificação poderia inviabilizar institutos em verdade devidos ao caso concreto, como por exemplo, a suspensão condicional do processo, ou ainda, o emprego de um rito processual inadequado à hipótese, além das questões relacionadas à legitimidade e competência. Este último posicionamento foi, inclusive, adotado pela banca examinadora no VIII Exame Unificado. Mutatio Libelli Maior preocupação surge quando ocorre a necessidade de se operar uma mutatio libelli. www.cers.com.br 5 Mutatio significa mudança, indicando que, na instrução criminal, fase de colheita de provas durante o processo, fica demons- trado que os fatos praticados pelo agente são diferentes daqueles narrados na exordial. Vamos agora imaginar esta outra hipótese: Narra a denúncia: No dia..., horário..., local..., o denunciado, com animus furandi, ingressou na residência de seu vizinho de lá retirandodolosamente as obras de arte de propriedade do mesmo... (...) Diante do exposto, requer seja recebida a denúncia, citado o réu para responder aos termos da ação penal, e, ao final, julgado procedente o pedido para condenar o réu nas penas do art. 155 do CP.” Repare que neste último caso o pedido encontra-se adequado à narrativa fática. Entretanto, suponhamos que, durante a ins- trução criminal, a vítima e o próprio denunciado, bem como testemunhas, produzam provas que demonstrem que na verdade a vítima havia deixado as referidas obras de arte, antes de uma viagem, na posse de seu vizinho, ora réu, e que, ao retornar e procurar o mesmo para pegar os objetos, o mesmo recusou-se a devolvê-los. A denúncia neste caso narrava furto, porém, durante o processo, a prova mostrou-se diversa, os fatos mudaram, já que ficou comprovado o crime de apropriação indébita. Ora! Quem se defendeu de subtrair coisa alheia móvel não se defendeu de ter a posse lícita da coisa e ter invertido o animus da posse... Assim, para garantir o contraditório e a ampla defesa, faz-se totalmente necessária a alteração da narrativa apresentada na denúncia. No momento em que o sistema processual penal adotado no Brasil é o sistema acusatório, no qual o juiz é inerte e imparcial e a ação penal pública foi entregue privativamente ao Ministério Público, somente este poderá alterar os fatos narrados na de- núncia, sob pena de violação dos princípios acusatório, da inércia, da imparcialidade, do devido processo legal e da congruên- cia ou correlação entre acusação e sentença. Assim, a Mutatio Libelli ocorrerá quando, no curso da instrução processual, surgir prova de elementar ou circunstância não contida na peça acusatória. Nesse caso, deverá o Ministério Público aditar a exordial, com posterior oitiva da defesa, respei- tando-se assim o contraditório, a ampla defesa e o sistema acusatório. Nesse sentido, preleciona o art. 384 do CPP: www.cers.com.br 6 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Pú- blico deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. § 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. § 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo inter- rogatório do acusado, realização de debates e julgamento. § 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste artigo. § 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. § 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá. Qual o momento ideal para o aditamento à denúncia, operando-se a mutatio libelli? É evidente que a mutatio depende do surgimento das provas durante a instrução criminal, motivo pelo qual é inviabilizada em momento anterior. Contudo, o que se espera do Promotor de Justiça é, tão logo surja referida prova nova, promova, espontaneamente, a alteração devida, de forma a garantir o contraditório, a ampla defesa e a congruência. Não o fazendo espontaneamente, o juiz poderá, exercendo o papel de fiscal do princípio da obrigatoriedade, aplicar o art. 28 do CPP. O aditamento à denúncia configura-se, assim, medida essencial a assegurar os princípios processuais penais. Portanto, caso surjam provas durante o processo que indiquem que o crime supostamente praticado é distinto do que se encontra na inicial acusatória e o Ministério Público não proceda ao aditamento, deverá o réu ser absolvido, por não ter sido aquele o crime por ele praticado. Da mesma forma, importante ressaltar que o limite para aditamento é a sentença de 1º. grau, não sendo possível inovação em fase de recurso, o que caracterizaria supressão de instância. Neste sentido, veja-se a Súmula 453 do STF: Não se aplicam à segunda instância o Art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamen- te, na denúncia ou queixa. www.cers.com.br 7
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