Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência Ordem dos Advogados do Brasil - Conselho Federal Gestão 2007/2010 Diretoria Cezar Britto Presidente Vladimir Rossi Lourenço Vice-Presidente Cléa Carpi da Rocha Secretária-Geral Alberto Zacharias Toron Secretário-Geral Adjunto Ophir Cavalcante Junior Diretor-Tesoureiro Conselheiros Federais AC: Cesar Augusto Baptista de Carvalho, Renato Castelo de Oliveira e Tito Costa de Oliveira; AL: Marcelo Henrique Brabo Magalhães, Marilma Torres Gouveia de Oliveira e Romany Roland Cansanção Mota; AP: Cícero Borges Bordalo, Guaracy da Silva Freitas e Jorge José Anaice da Silva; AM: Eloi Pinto de Andrade, José Alfredo Ferreira de Andrade e Oldeney Sá Valente; BA: Durval Julio Ramos Neto, Luiz Viana Queiroz e Marcelo Cintra Zarif; CE: Francisco Irapuan Pinho Camurça, Paulo Napoleão Gonçalves Quezado e Valmir Pontes Filho; DF: Esdras Dantas de Souza, Luiz Filipe Ribeiro Coelho e Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira; ES: Agesandro da Costa Pereira, Djalma Frasson e Luiz Antonio de Souza Basílio; GO: Daylton Anchieta Silveira, Felicíssimo Sena e Wanderli Fernandes de Sousa; MA: José Brito de Souza, Raimundo Ferreira Marques e Ulisses César Martins de Souza; MT: Astor Rheinheimer, Dinara de Arruda Oliveira e Francisco Eduardo Torres Esgaib; MS: Geraldo Escobar Pinheiro, Lúcio Flávio Joichi Sunakozawa e Vladimir Rossi Lourenço; MG: Aristoteles Atheniense, João Henrique Café de Souza Novais e Paulo Roberto de Gouvêa Medina; PA: Frederico Coelho de Souza, Maria Avelina Imbiriba Hesketh e Ophir Cavalcante Junior; PB: Delosmar Domingos de Mendonça Junior, José Araújo Agra e José Edísio Simões Souto; PR: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Manoel Antonio de Oliveira Franco e Romeu Felipe Bacellar Filho; PE: Octavio de Oliveira Lobo, Ricardo do Nascimento Correia de Carvalho e Sílvio Neves Baptista; PI: Marcus Vinicius Furtado Coelho, Reginaldo Santos Furtado e Willian Guimarães Santos de Carvalho; RJ: Carlos Roberto Siqueira Castro, Técio Lins e Silva e Nélio Roberto Seidl Machado; RN: Felipe Augusto Cortez Meira de Medeiros, Wagner Soares Ribeiro de Amorim e Sérgio Eduardo da Costa Freire; RS: Cléa Carpi da Rocha, Luiz Carlos Levenzon e Luiz Carlos Lopes Madeira; RO: Gilberto Piselo do Nascimento, Orestes Muniz Filho e Pedro Origa Neto; RR: Alexander Ladislau Menezes, Ednaldo Gomes Vidal e Francisco das Chagas Batista; SC: Anacleto Canan, Gisela Gondin Ramos e José Geraldo Ramos Virmond; SP: Alberto Zacharias Toron, Norberto Moreira da Silva e Raimundo Hermes Barbosa; SE: Carlos Augusto Monteiro Nascimento, Jorge Aurélio Silva e Miguel Eduardo Britto Aragão; TO: Dearley Kühn, Júlio Solimar Rosa Cavalcanti e Manoel Bonfim Furtado Correia. Comissão Nacional de Ensino Jurídico Presidente: Rodolfo Hans Geller; Secretário: Ademar Pereira; Membros: Álvaro Melo Filho, Eid Badr, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Luiz Felipe Lima de Magalhães, Paulo Roberto Moglia Thompson Flores e Walter Carlos Seyfferth. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONSELHO FEDERAL COMISSÃO NACIONAL DE ENSINO JURÍDICO Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência Alexandre Bernardino Juliana Neunschwander Magalhães André Luiz de Lima Loussia Mousse Felix Cláudio Mendonça Braga Maria Paula Dallari Bucci Dilvo Ristohh Mary Rosane Ceroni Frederico Normanha de Almeida Paulo Roberto de Gouvêa Medina Gustavo Raposo Feitosa Paulo Roberto M. Thompson Flores Hallrison Dantas Regina Toledo Damião Inácio José Feitosa Neto Renan Aguiar José Geraldo de Souza Júnior Robertônio Santos Pessoa Colaboração de Evandro Vitoriano Elias e Tarcizo Roberto do Nascimento OAB Ensino Jurídico Brasília 2011 © Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal, 2011 Setor de Autarquia Sul - Quadra 5, Lote 1, Bloco M Brasília - DF CEP 70070-939 Editoração e distribuição: Gerência de Relações Externas/Biblioteca Tel.: (61) 2193-9663 e 2193-9605 Fax: (61) 2193-9632 e-mail: biblioteca@oab.org.br Tiragem: 500 exemplares. Capa: Susele Bezerra de Miranda FICHA CATALOGRÁFICA Desafios rumo à educação jurídica de excelência / Alexandre Bernardino ... [et al.]; Paulo Roberto Moglia Thompson Flores (coordenador); colaboração de Evandro Vitoriano Elias e Tarcizo Roberto do Nascimento;. – Brasília: OAB, Conselho Federal, Comissão Nacional de Ensino Jurídico, 2011. – (OAB Ensino Jurídico). 264 p. ISBN 978-85-7966-006-1 1. Ensino Jurídico – Brasil. 2. Direito – Brasil. I. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Conselho Federal. Comissão Nacional de Ensino Jurídico. II. Bernardino, Alexandre. III. Flores, Paulo Roberto Thompson. CDD 340.07 Suzana Dias da Silva – CRB1/1964 SUMÁRIO Prefácio Cezar Britto...........................................................................................................9 Apresentação Paulo R. Thompson Flores (Coordenador)........................................................11 Repercussão do Estado Gestor como regulador na ação pedagógica da educação jurídica. Maria Paula Dallari Bucci.................................................................................13 Novas tecnologias da informação e da comunicação e o planejamento pedagógico no campo do direito Gustavo Raposo Feitosa.....................................................................................27 A interdisciplinaridade como ação pedagógica na execução do currículo e os ajustes curriculares para alcançar a visão sistêmica do Projeto Pedagógico. André Luiz de Lima............................................................................................39 A posição dos novos direitos na concepção e execução do Projeto Pedagógico. Regina Toledo Damião.......................................................................................47 Educação continuada da docência e a ampliação sistêmica do conhecimento – visão de um jurista José Geraldo de Souza Júnior............................................................................55 Educação continuada da docência e a ampliação sistêmica do conhecimento – visão de um pedagogo Mary Rosane Ceroni...........................................................................................67 Contribuição da formação e práticas pedagógicas da docência e a transdisciplinariedade no processo de aprendizagem. Robertônio Santos Pessoa..................................................................................85 Direito e Literatura Paulo Roberto de Gouvêa Medina.....................................................................93 Direito e Tecnologia Hallrison Dantas..............................................................................................101 Direito e Arte Cinematográfica Juliana Neunschwander Magalhães.................................................................115 Construção de novos parâmetros para avaliação qualitativa: a relação entre o Ministério da Educação e a Ordem dos Advogados do Brasil na atividade de regulação e supervisão dos cursos jurídicos Cláudio Mendonça Braga.................................................................................127 Avaliação da qualidade, profissionalização da docência e ensino jurídico Frederico Normanha Ribeiro de Almeida.........................................................133 Demandas profissionais em direito e avaliação: educação jurídica, competências e sua inserção nas carreiras jurídicas por meio dos exames públicos. Loussia Mousse Felix........................................................................................143 A avaliação e os cursos de direito Dilvo Ristoff ....................................................................................................161Propostas para uma Educação Jurídica de Excelência Inácio José Feitosa Neto..................................................................................175 A função social do núcleo de prática jurídica: ações, limites e desafios Renan Aguiar....................................................................................................195 A função social do núcleo de prática jurídica: ações, limites e desafios Paulo R. Moglia Thompson Flores...................................................................203 Interdisciplinariedade, ensino, pesquisa e extensão em Direito Alexandre Bernardino.......................................................................................211 DISCURSOS Abertura Rodolfo Hans Geller.........................................................................................233 Educação Jurídica: substituição semântica do modelo jurídico de ensino Adilson Gurgel de Castro..................................................................................239 O papel da OAB na avaliação de cursos: visão atual da avaliação institucional, dos cursos jurídicos, dos desempenhos dos docentes e discentes Cezar Britto......................................................................................................255 ANEXOS Carta de Natal ..................................................................................................267 Programação ....................................................................................................271 Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 9 PREFÁCIO O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil está vigilante e atento aos rumos da educação jurídica no país. Não desejamos mercadores trabalhando em setor tão importante da consciência nacional, e precisamos avançar nos marcos referenciais teóricos e normativos. A Comissão Nacional de Ensino Jurídico da OAB realizou em Natal (RN), no período de 23 a 25 de setembro de 2009, o I SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO JURÍDICA, sob o tema central Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência. Participamos e sentimos os debates elevados à construção de renovadas bases para o estudo do Direito, que agora mais adequada e sistemicamente esta se designando de “Educação Jurídica”. Visando marcar o evento, divulgar as idéias, os estudos e debates havidos, a OAB decidiu fazer a presente publicação, homenagem mínima a todos os que lá se reuniram de boa fé para trabalhar com denodo e honestidade de propósitos em favor da melhor qualidade dos cursos jurídicos no Brasil. Não se trata de uma obra acabada, antes constitui mais um firme passo no processo de permanente busca da excelência na educação jurídica neste país de tantos “jeitinhos” e “arranjos”. A igualdade de condições para o acesso, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas na coexistência de instituições de ensino públicas e privadas são alguns vetores principais a considerar nesse processo. Ademais disso, a valorização dos profissionais da educação e a garantia de padrão de qualidade possuem elevado peso e importância destacada na busca da excelência na educação jurídica. Todos estão convidados a colaborar e contribuir com essa magna tarefa, inclusive criticando, sugerindo medidas e correção de rumos, pois a qualidade do serviço público está diretamente relacionada com a qualidade dos cursos jurídicos. Cezar Britto Presidente do Conselho Federal da OAB Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 11 APRESENTAÇÃO Ao receber a gratificante missão do Presidente da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB para coordenar o presente volume da Coleção- Ensino Jurídico editado pelo Conselho Federal da OAB, senti-me simultaneamente honrado e desafiado para o desempenho deste trabalho, de ordem a situá-lo no mesmo patamar de excelência dos demais exemplares que compõem essa coleção que, hoje é referência para tantos quantos se dedicam à questão do ensino e, por que não dizer, da educação jurídica no Brasil. A qualidade dos palestrantes do I SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO JURÍDICA, realizado em Natal, de 23 a 25 de setembro 2009, bem como o trabalho sempre qualificado e exemplar da equipe técnica de assessoramento da Comissão, desde logo, asseguraram que o desafio seria vencido. Este Seminário que sucede a nove Seminários de Ensino Jurídico promovidos pela OAB Federal, desde 2000, traz em sua denominação significativo avanço no que se refere a seu foco e suas ambições. Em verdade, ao substituir em seu título a expressão ensino por educação jurídica, está indo muito além do sentido meramente semântico e situando-se perfeitamente alinhado com o trabalho, ao longo dos anos desenvolvidos por esta Comissão, a qual certamente, como já é consenso, terá, por igual, seu nome alterado para Comissão de Educação Jurídica. Quem acompanha os esforços da Comissão, nem sempre bem compreendidos, em prol da melhoria da qualidade dos cursos de direito, certamente perceberá que, em seus pareceres, resoluções e debates, está sempre presente a preocupação com a educação em seu sentido integral que transcende ao ensino, na medida que este é um dos aspectos da questão educacional. A formação do bacharel em direito, em especial do advogado, como ser humano, como cidadão consciente de seu papel de protagonista para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e da própria sociedade, é o que, em última análise buscamos ferrenhamente. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 12 A programação do I SEMINÁRIO, emblematicamente realizado em Natal, sob a indesmentida tradição potiguar na história das discussões e avanços no campo da educação jurídica, foi cuidadosamente elaborada para que este rito de passagem, do enfoque no ensino, elemento integrante de um conjunto maior, para educação jurídica, responsável pela formação integral dos egressos dos cursos jurídicos extraísse das palestras e debates lá desenvolvidos, um substrato teórico a sustentar este novo marco referencial. Os textos, compilados nesta obra, resultantes das palestras e pronunciamentos que deram origem à Carta de Natal, esperamos que expressem com fidelidade o grande manancial de idéias e de ricas contribuições que dali brotaram como frutos do empenho e da dedicação de tantos homens e mulheres que há décadas dedicam consideráveis esforços para que, efetivamente, avancemos na direção da educação jurídica de qualidade. Nesta luta permanente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representado por sua Comissão de Ensino (Educação) Jurídica, hoje realizada em crescente harmonia com o Ministério da Educação, por sua Secretaria de Educação Superior, e com boa parte das instituições de ensino Jurídico que norteiam suas práticas educacionais pela qualidade, desejamos que esta obra que ora se disponibiliza a toda a comunidade jurídica, em especial a acadêmica, venha a contribuir como elemento de referência para pesquisa e reflexão dos grandes temas que envolvem a educação jurídica e o perene desafio para elevação de sua qualidade, tornando-a efetiva para formação de bacharéis e advogados à altura de seu papel como agentes transformadores de uma sociedade mais humana e justa. Paulo R. Thompson Flores Membro da Comissão Nacional de Ensino Jurídico Coordenador Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 13 REPERCUSSÃO DO ESTADO GESTOR COMO REGULADOR NA AÇÃO PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO JURÍDICA1 Maria Paula Dallari Bucci2 Muito bom dia a todas, a todos. Inicialmente, cumprimento a Comissão de Ensino Jurídico da OAB, na pessoa do Presidente da Mesa. Gostaria de cumprimentar nosso amigo, Professor Adilson Gurgel e, na pessoa dele e do Doutor Hans Geller, a todos osdemais presentes, integrantes da OAB, das Comissões de Ensino Jurídico e das instituições aqui presentes. É muito importante esse tipo de evento, que nos permite demarcar os passos já traçados numa caminhada que é de interesse de todos nós; e vislumbrar quais são os rumos para onde nós todos queremos caminhar, em direção a uma educação mais qualificada, e uma formação jurídica mais adequada àquilo que é a necessidade do Brasil. O tema proposto, o tema do Estado regulador, é da maior importância porque nos permite pensar em uma série de questões. E a primeira delas, eu, na minha condição de publicista, não poderia deixar de pensar quando há cerca de 10 ou 15 anos se começou a falar com mais intensidade, no Brasil, sobre o tema da regulação; vários publicitas manifestaram uma certa estranheza, disseram: “Que modismo é esse?” Porque a Constituição não falava em regulação, e não se falava em regulação. Estou falando de tempos pré-privatização. E se nós formos ao tratamento que a Constituição dá à educação, e à educação superior, e à atuação do Estado em relação às instituições, nós vamos ver não apenas que não consta o termo “regulação”, como o que é expresso na Constituição, no artigo 209. São conceitos há muito consagrados e há muito familiares para nós, na nossa vivência jurídica, que são as noções de autorização e de avaliação de qualidade. Quando o artigo 209 fala de autorização, ele fala de autorização como um conceito que já existia, que há muito estava incorporado no nosso patrimônio intelectual, sem que precisássemos fazer menção ao termo regulação. Então, eu acho que essa é a primeira questão a pensar: 1 - Material oriundo de degravação de palestra. 2 - Secretária de Educação Superior do MEC (SESu). Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 14 por que falar em regulação? Qual é o sentido de regulação? Qual é o significado e o que nós queremos alcançar com essa menção à regulação? E eu acho que a menção à regulação atualiza esse conceito, e ela coloca, e nos deve colocar, em um cenário mais de acordo com as demandas contemporâneas. Em relação ao ensino superior, a primeira coisa a destacar é que educação superior no Brasil e no mundo inteiro é uma atividade em expansão. A atividade de formação em geral, e a formação institucionalizada, a formação escolar, por assim dizer, está em franca ampliação. Os países todos estão buscando. Há metas de ampliação da população escolarizada em todas as faixas etárias. Então, os países que atingiram boas marcas e atingiram a integralidade da formação na Educação básica, estão se dirigindo à educação superior, aqueles que completaram a sua maioria da população na educação superior estão mirando a formação de pós-graduação e, no contexto europeu, se fala em educação ao longo da vida e educação para a vida toda, educação continuada. Esse é um tema ao qual o Brasil, se não chegou completamente, porque ainda está preenchendo um déficit em relação à educação básica, vai chegar. Certamente, essa meta do PNE, do Plano Nacional de Educação, que está em vias de expirar, de 30% dos jovens de 18 a 24 anos na educação superior, e que é possível que nós nos aproximemos dela, se nós considerarmos a faixa etária mais larga. Até porque, no Brasil, ainda não temos uma regularidade de idade séria que seria desejável, quer dizer, na educação brasileira ainda há muita gente que está estudando depois da idade. Então, se nós considerarmos essa faixa depois da idade, é possível que em 2011 nós atinjamos alguma coisa próxima... a taxa bruta já está em 23%, salvo engano. É possível que nós atinjamos a faixa próxima de 30%. E, certamente, para o decênio seguinte, a meta vai ser colocada mais adiante. Então, estamos falando de expansão. Se tivermos atingido próximo de 50%, certamente o Brasil fará uma proposta ambiciosa para si mesmo e mirará numa porcentagem mais ampliada. Então, essa é uma primeira consideração a se ter: o ensino superior está em expansão no mundo, e deve percorrer um rumo de expansão também no Brasil. E eu sei que essa afirmação causa um certo desconforto, porque ela, muitas vezes, é lida como a ideia de que: “Bom, o MEC está sinalizando que vai abrir as portas e vai permitir qualquer expansão”. Evidentemente, não é disso que se trata, porque se eu começo com a menção da Constituição, a Constituição falava em autorização, fala Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 15 também em qualidade. Mas, mais adiante, vamos refletir um pouco sobre o que é a qualidade. A questão importante é saber que saímos de uma zona de conforto, saímos dos conceitos estabelecidos e vamos ter que enfrentar o tema da expansão, não apenas porque isso é uma meta legal, mas porque hoje, para o desenvolvimento estratégico de qualquer país, a condição da formação do seu povo é essencial. Nós vemos movimentos de migração, a discussão da globalização, quando ela toca o aspecto humano da economia, ela sempre se refere à qualificação das pessoas. Isso vale para todos os níveis da educação, não é apenas por um princípio moral, filosófico, por uma questão de justiça que se fala em educação e se fala em ampliação e educação em todos os níveis. No Ministério da Educação, o Ministro gosta de usar uma figura que é “um passo a mais”, um passo a mais em cada nível. Então, quem fez educação básica, o ensino fundamental, deve aspirar o ensino médio, quem fez o médio deve aspirar o técnico ou o superior, quem fez o superior deve aspirar a pós-graduação, e assim por diante. Trata-se, além disso, de uma questão econômica. Não vamos pensar em cenário de desenvolvimento se nós não tivermos uma massa de pessoas educadas, em todos os níveis e, permanentemente voltadas à educação. Então, esse é um desafio para instituições, esse é um desafio para o poder público. Quando falamos em expansão, falamos nesse cenário todo. Então, que expansão é essa e qual é o papel do Estado, em relação a esse desafio? E eu já marquei, quis propositadamente marcar que isso nos causa um desconforto, e causa porque nos obriga a repensar ou rever uma velha concepção que se estabeleceu que opunha, de um lado, expansão, de um lado, disseminação e, de outro lado, qualidade, como se houvesse uma tensão necessária entre as duas, quer dizer, qualidade, fosse na oferta de educação para poucos, e oferta de educação para muitos fosse sinônimo de baixa qualidade. E eu acho que isso é uma falsa dicotomia, assim como houve várias falsas dicotomias que se estabeleceram na nossa mentalidade e que precisam ser revistas: as dicotomias tradicionais, ou público, privado, grande, pequeno, para um grupo maior, para um grupo menor, precisamos... presencial ou à distância. Há uma série de dualidades que nós precisamos ter o desprendimento de examinar para refletir sobre a sua atualidade, a sua pertinência diante desse quadro de necessidade de expansão. E, mais do que isso, essa expansão, além de ser um elemento Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 16 estratégico para o desenvolvimento de qualquer país, e não podia deixar de ser assim também para o Brasil. Essa integração das pessoas no ensino superior, ela representa... e eu acho importante marcarmos aquilo que foi um avanço muito bem definido e muito bem localizado, no âmbito da Conferência Latino-Americana de Educação Superior, realizada na Colômbia em 2008, que é tratar a educação como bem público. E essa... é interessante notar que isso ficou marcado regionalmente a ponto de, na Conferência de Paris, nesse ano, em julho de 2009, a Conferência de Educação Superior, houve uma discussão entre as várias regiões do mundo e acabou sendo incluída no texto final a menção da educação como bem público, graças à articulação, graças à mobilização da América Latina. E isso tem uma razão, porque essa expansão, para nós,não pode ser levada a efeito por objetivos outros que não os da emancipação das pessoas que moram no país, o compromisso com aquilo que acontece, com os desafios do que acontece no país, nas regiões, nas comunidades. Então, temos aqui alguns referenciais, seja para essa expansão, seja para a evolução ou seja para a própria permanência da oferta daquilo que já existe e que já está instalado: o bem público, o compromisso com o bem público. A educação não pode ser mercadoria. A educação não é passível de ser entregue como um serviço qualquer, ela é um serviço que sempre tem algo a dizer à comunidade que o recebe. E isso tudo deve embeber toda a nossa reflexão a respeito de qualidade e a respeito de quais as posturas que o Estado deve tomar, no sentido da regulação da educação superior, em especial no campo do Direito que, sabemos nós, por razões diversas, razões culturais e outras razões, é um dos campos que mais imediatamente, talvez até por essa valorização cultural que o Direito tem, é o que primeiro... é o objeto de desejo de expansão e ampliação. Isso é alguma coisa que um dia, com mais vagar, eu vou refletir. Mas eu não consigo entender por que os mantenedores de educação superior, em especial no campo privado, têm um particular carinho, uma particular predileção pelo Direito e pela Medicina. Sem entrar em outras considerações, de demanda social e etc., mas são dois cursos que simbolizam, em termos de prestígio da instituição, uma série de coisas, aquilo que se vê, numa visão mais tradicional, como o que seria desejável para uma instituição. Muito bem. Então, quebrados os raciocínios, a priori, vamos Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 17 começar a pensar o que deve ser e como é que se deve trabalhar a questão da relação entre a regulação e a avaliação. Porque esse é o pressuposto: não se pode pensar em expansão, como foi feito no passado, descomprometida da concepção da educação como bem público e, portanto, não se pode pensar sequer em expansão, mas também não na manutenção daquilo que já existe, em descompromisso com a qualidade, seja a qualidade o que entendamos que queira dizer esse vocábulo. Esse é um ponto. Porque qualidade, se nós estamos diante de um cenário de muitas situações desconformes a um padrão mínimo, essa discussão quase não se coloca, ou a premência dessa discussão não se coloca, porque existe um senso comum em relação àquilo que não é qualidade, em relação àquilo que está tão rebaixado que não atinge aquilo que, no senso comum, referimos como qualidade. Mas, eu desejo, e tenho certeza que todos aqui também desejam, que a gente supere esse momento. E, aí, vou me referir um pouco àquilo que o MEC vem fazendo para superar esse momento, em que as situações mais desconformes, mais gritantemente distantes daquilo que o senso comum considera como um padrão mínimo de qualidade, essas situações devem, espero, em um período breve, ter sido equacionadas e enfrentadas. E, aí, a questão fica um pouco mais complexa, um pouco mais sofisticada. Então, vamos pensar um pouco nessa dualidade, nesse balanço avaliação-regulação. Regulação é a atividade do Estado que diz respeito a esse termo que consta da Constituição, a autorização. Na verdade, a LDB acabou usando cinco termos, dois para se referir às instituições, que são credenciamento e recredenciamento; e três para se referir a cursos: autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento. Para simplificar, o marco normativo em vigor, no MEC preferiu utilizar o termo mais abrangente: ato autorizativo. Todos os atos autorizativos são a expressão do poder decisório exercido pelo MEC e pelos órgãos que o compõem, com base em um referencial, que é o referencial de qualidade. E o referencial de qualidade, em primeiro lugar, não é estático e, em segundo lugar, não é monopólio do MEC, não é decidido pelo MEC. Ao contrário, todo o sistema de avaliação, baseado na Lei dos Sinaes mas, mais do que isso, já incorporado à nossa tradição educacional, bastante explorado e bastante firmado pela CAPES, é o da avaliação por Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 18 pares, quem avalia são os pares. As comissões que vão avaliar in loco são compostas de pares, quem avalia são docentes, são professores, são gestores educacionais, são pessoas que, melhor do que o MEC, conhecem o cotidiano das instituições de educação superior. E essa noção de avaliação por pares perpassa toda a sistemática de avaliação do MEC. Quando nos referimos aos instrumentos de avaliação, que são aprovados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior, ou que são orientados pelas deliberações da CONAES e aprovados pelos colegiados pertinentes, também estamos trabalhando com a ideia de avaliação entre pares. A CONAES é uma Comissão representada por pares. Isso é importante porque a avaliação tem um componente dinâmico. A avaliação precisa incorporar essa... o referencial da avaliação é que vai definir essa atualização de patamares que vai se fazer na medida em que a educação superior evolui, se expande. Porque essa tendência de evolução, de expansão, nós temos que considerar que ela vai levar em conta vários fatores. Primeiro, uma diversificação da tipologia da oferta. Hoje, o tipo de instituição que oferece educação superior já é diversificado. Houve até um certo enxugamento, para que não extrapolássemos aquelas três categorias: faculdade, centros e universidades, estipulando, de maneira definida, as condições para o uso das prerrogativas de autonomia, no caso das duas segundas espécies. Mas, mais importante, na discussão dos cursos jurídicos não é isso. Mais importante, quando se pensa em diversificação, é contemplar a diversificação regional. E sabemos que há condições de ofertas distintas, conforme as regiões. E não é mau que seja assim, é bom que seja assim. Condições, diversidade de ofertas conforme o alunado que se pretende atingir. Isso também não é mau. Algumas instituições miram o alunado que vai exercer determinadas profissões, e outras, outro alunado. O que é importante é que cada uma dessas instituições tenha clareza do seu papel e do seu projeto. Não é por outra razão que o instrumento de avaliação de curso tem como primeiro quesito, primeiro tópico, qual é o perfil do egresso. No fundo, o que o instrumento de avaliação quer saber é se a instituição tem clareza de qual é o aluno que ela forma, e se o projeto está montado, está estruturado em torno dessa proposta. O projeto não será o mesmo se o tipo de aluno for A ou se for B. E é possível desenvolver bons Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 19 trabalhos, boas propostas, para o aluno A e para o aluno B. Então, essa diversidade, de alguma maneira, precisava ser contemplada nos instrumentos de avaliação. E esses instrumentos de avaliação, e toda atividade de avaliação, é referencial básico – essa é a expressão usada pela Lei dos Sinaes – para a atividade regulatória do poder público. Aquilo que era quase que um lugar comum, passa a ser, então, um referencial prático e concreto para a atuação do poder público. Lembrando que além das funções de avaliação e de regulação, esse novo marco regulatório trabalha também com a função de supervisão. Então, qual é a ideia que está por trás da articulação das três funções? A regulação é uma atuação periódica, que diz respeito à abertura e à manutenção do funcionamento de instituições e cursos de educação superior. Hoje, de acordo com o marco regulatório, ela está estruturada com base no ciclo avaliativo que se repete a cada três anos, por causa do calendário do ENADE. Esse é o funcionamento mais rotineiro do sistema. E ele deve, na medida do possível, ser racional, lógico, e não exigir aspectos que vão onerar demais aqueles que trabalham bem. Aqueles que não vêmtrabalhando bem, as instituições que não têm bons resultados, elas têm que ser abordadas de uma maneira diferente, distinta e, parta isso é que foi estruturada a função de supervisão. Então, o balanço entre as três funções se dá dessa maneira. A avaliação é o pressuposto básico da regulação, a regulação é uma função de rotina, e os problemas, as irregularidades e outras situações que merecem esse acompanhamento mais estreito do MEC devem ser dirigidos apenas a alguns cursos, de maneira mais detida, de maneira mais próxima, para que aqueles que vêm trabalhando bem sigam em uma relação mais leve com o poder público. Esse, então, é o desenho geral do marco regulatório, que veio sendo elaborado desde a edição da Lei dos Sinaes, depois, com o Decreto 5773, em 2006, se consolida. E depois passa, então, à ação prática, para pôr em funcionamento esse conjunto de estratégias de abordagem que visam colocar a educação superior, no Brasil, num patamar mais adequado a um país em desenvolvimento. E isso contextualiza aquela menção à expansão que eu fiz no início. Não podemos nos prender a um acanhamento de uma visão que se protegia na reduzida oferta. Talvez fosse mais uma medida de cautela reduzir a oferta e Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 20 diminuir, aparentemente, a margem do problema. Mas essa, certamente, não é uma solução que, a médio prazo, seja suficiente. Nós precisamos dar conta de dois desafios, a ampliação da oferta, mas, primeiro, eliminar, banir do cenário, todas as más práticas e todas as perversões porventura abrigadas no funcionamento, na oferta de educação superior no País. O importante é que o marco regulatório leve em conta todos esses fatores. A regulação, ela não pode ser um soluço, ela não pode ser uma manifestação episódica. É importante que a regulação funcione de maneira contínua, permanente. Mais do que isso, é preciso que ela seja credível, é preciso que ela seja estruturada de tal maneira racional, nem excessivamente e nem lacunosamente, de maneira a criar uma percepção de que as regras se fazem valer, de que as decisões são pautadas por referenciais racionais, de que não há improviso e que há condição de continuidade, não apenas continuidade por força da decisão daqueles que têm a incumbência de proferir as decisões, mas continuidade porque todo o conjunto regulatório, todo o marco regulatório está estruturado em bases sustentáveis. A sustentabilidade do marco regulatório é a palavra chave nesse momento. E a sustentabilidade depende de saber se as regras estão calibradas de maneira correta, nem de mais, nem de menos. E se as ações que o poder público toma se fazem sustentar, se fazem manter, não apenas porque o regramento assim dispõe, mas porque elas encontram legitimidade no seio da comunidade para a qual se dirige. E, nesse sentido, eu quero enaltecer a importância desse encontro e, mais do que isso, a importância da colaboração que a OAB vem dando, em especial pela Comissão de Ensino Jurídico; e quero destacar o trabalho importante, o auxílio e a colaboração valiosos prestados pelo Professor Adilson Gurgel, que tem sido um parceiro constante na disseminação das razões e dos motivos, e dos meios como vem se definindo, como vem se implantando esse marco regulatório, que atingem, os senhores sabem, várias situações constituídas, em relação ao ensino jurídico. Se tomarem por base a lista de cursos sob supervisão, vão ver que ali são 89 cursos, quer dizer, a amostra não é pequena. Há instituições que estão há muito no mercado, há muito oferecendo seus serviços; e o cenário, o simples aceno da desconstituição dessas situações representa um abalo, uma mexida profunda num estado de coisas que estava estabelecido. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 21 Então, ter tido o apoio, a presença da Ordem nesse trabalho foi da maior relevância, e é uma parceria a ser cultivada ao longo dos próximos tempos, até porque ela vai garantir a permanência. O MEC tem um esforço de permanência, e a OAB também tem que desenvolver um esforço de permanência, para que se possa, então, criar esse marco regulatório contínuo, credível e, mais do que isso, indutor de qualidade. E quem está fora, é comum que a imprensa cobre do MEC o seguinte: “Vai fechar o curso? Fechou? Tomou uma medida?”. Há uma certa aspiração de pirotecnia. E essa é uma tentação à qual nós não devemos ceder. Não devemos ceder, porque o papel do poder público, o marco regulatório é, antes de mais nada, induzir qualidade. E, nesse sentido, eu quero já partir para a parte final da minha exposição. Eu queria destacar alguns pontos que compõem essa estratégia de induzir qualidade num prazo curto, não podemos falar em abstrato, indução de qualidade como um desejo, uma aspiração vaga que cada um, individualmente, tem. Temos que falar de um objetivo posto pela legislação e que precisa ser cumprido. Nesse sentido, eu acho que há alguns pontos que merecem ser destacados, frisados que, na minha opinião, respondem a essa questão da sustentabilidade do marco regulatório. O primeiro ponto é que esse marco regulatório é baseado em indicadores objetivos de qualidade. Acho que o nó que o MEC tinha diante de si foi desatado quando foi possível, graças a um trabalho muito sério e muito bem conduzido, no âmbito do INEP, quando foi possível produzir os conceitos, o conceito preliminar de curso e o índice geral de cursos da instituição. Eu repito: eu sei que há algumas questões, há alguma controvérsia em relação aos conceitos. Mas assim como nós dissemos que a avaliação contempla uma diversidade de olhares, uma diversidade de perspectivas, é possível que esses não sejam os únicos conceitos, eu posso extrair outros conceitos. Eu posso levar em conta não apenas o corpo docente, mas posso pontuar de maneira diferente. E tanto posso fazer isso no âmbito dos conceitos que já estão em vigor e, para isso, toda essa matéria é discutida, ela passa pelo controle da CONAES, que é, como eu disse, uma comissão de pares, que faz o olhar sobre aquilo que o poder público, estricto sensu, o INEP realiza e o MEC realiza. É possível que esses conceitos até evoluam. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 22 Mas é importante dizer que esses conceitos não foram extraídos arbitrariamente, porque o Professor Reinaldo Fernandes, porque o Presidente do INEP ou porque alguém achou que eles deviam ser assim ou assado. Eles são baseados em um modelo estatístico, e em um modelo estatístico de correlações, que foi organizado do seguinte modo: se colheu, se levantou uma amostra do ENADE, em relação a vários cursos, e se procurou fazer regressões para entender quais as correlações que explicavam aquelas notas elevadas. Então, se colocou lado a lado alguns fatores controlados: os resultados do ENADE e o número de alunos; os resultados do ENADE e a composição do corpo docente; os resultados do ENADE e a avaliação sobre o projeto pedagógico. E uma série de correlações que eu não vou detalhar, até porque a estatística não é a minha área de domínio, mas eu entendi o modo como a coisa foi estruturada. Essas correlações identificam o que é que tem poder explicativo sobre os resultados altos. E, então, a composição do CPC, que é a base do IGC, é extraída dessas variáveis que têm poder explicativo sobre o resultado final. Então, esse modelo é um modelo rigoroso, um modelo estatístico controlável, passível de ser visto de fora e de ser calculado de fora. E a sua força e a sua legitimidade vêm, em grande medida, daí. Não houve uma composição arbitrária. E eu gasto um pouco de tempo nisso, porque eu sei que há muita polêmica, especialmente regionalmente, em relação à composição do corpo docente. A composição do corpo docente, a presença de mestres, a presença de doutores não é uma escolha arbitrária,nem do INEP, e nem da CONADE, e dos pares. Ela é uma variável que tem poder explicativo sobre os resultados. Por isso que há uma correlação, em geral, há uma correlação entre o serviço que a instituição presta e o conceito. Então, são conceitos que não são definitivos, aí tem toda uma mecânica que não cabe aqui detalhar, prevendo o sistema de revisão dos conceitos, mas o fato é que eles provêm o MEC de um referencial objetivo para fazer as suas... para tomar as consequências regulatórias. E essa é a palavra importante, também, na reflexão sobre a relação entre avaliação, regulação e supervisão. Porque nós vivíamos, até 2004, um quadro em que os resultados insuficientes de avaliação não desencadeavam consequências regulatórias, não desencadeavam nenhuma consequência regulatória. Eu cansei de ver situações de instituições com uma série de resultados negativos e a vida regulatória seguindo, como Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 23 se nada houvesse acontecido, então, credenciando, recredenciando, autorizando, reconhecendo, e assim por diante. O nosso desafio é estabelecer consequências regulatórias. Os resultados insatisfatórios precisam gerar alguma resposta, e essa resposta não pode ser episódica, não pode ser momentânea, e ela não pode ser precária, sob pena de ser desconstituída pelo Poder Judiciário, como vinha acontecendo historicamente, de maneira reiterada, reiterada. Toda vez que o MEC era cobrado, no passado, por adotar qualquer comportamento, ele tomava uma medida isolada, pontual, e, em seguida, a Justiça desconstituía essa medida. Isso é um ponto que eu quero marcar também. Esse marco regulatório está, por assim dizer, vacinado. Ele foi contestado judicialmente diversas vezes. Em relação ao suposto direito adquirido das instituições, que aceitavam, algumas instituições antigas, aceitavam se submeter à avaliação, mas não aceitavam as consequências regulatórias. Essa questão foi levada ao Judiciário e o Judiciário entendeu que as consequências regulatórias devem ser extraídas, não há instituição blindada desse mecanismo. E mais, a Justiça vem se pronunciando em relação à instrução dos processos regulatórios, entende que o MEC deve fazer, e deve fazer de maneira completa, e em relação a uma série de consequências. O marco regulatório passou pelo crivo da Justiça porque ele foi estruturado inteiramente em bases legais, inteiramente conforme a Constituição. Então, um outro ponto a destacar é que foi regulamentado pelo Decreto 5773 a figura do saneamento de deficiências, o prazo para saneamento de deficiências, que constava do artigo 46 da LDB desde 1996, e nunca sido utilizado, ou tinha sido utilizado de maneira muito localizada ou episódica. Então, a regulamentação do termo de saneamento esvazia a ideia de que o MEC está querendo punir ou perseguir. Não, a indução de qualidade tem um instrumento. Esse mecanismo tem um prazo limitado de duração, é um ano, ao final do qual as consequências terminativas e decisivas serão extraídas. Eu quero lembrar que nós estamos concluindo o processo de supervisão de Direito que se iniciou em 2007, e que, como foi o primeiro, tinha uma magnitude muito grande, gerou uma série de questões operacionais que vieram sendo enfrentadas. Mas estamos chegando ao momento de extrair consequências regulatórias que talvez não sejam Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 24 do agrado dos mantenedores daqueles cursos, em relação aos 89 cursos sob supervisão. Então, esse é o grande teste, é saber... Há uma série de casos isolados, aqui e ali, em outros processos que já chegaram a essas consequências, mas agora nós vamos falar de uma escala maior. E esse é o momento de saber se, de fato, aquele compromisso com a qualidade é um compromisso apoiado socialmente. Porque é comum que esse clamor venha pelos jornais, ou venha em artigos, mas nas relações diretas que se fazem em relação a cada processo específico, a aspiração, a reivindicação muda um pouco de figura. Então, há um discurso em público pela qualidade, mas quando é atingida a instituição X ou Y, a reação sobre aquele curso muda inteiramente de figura. E eu entendo que isso é inadequado, isso não é o desejável. Nós precisamos saber que essa concepção macro precisa ir sendo traduzida e chegar ao caso concreto, no limite, fechar um curso ou reduzir as vagas, ou suspender as prerrogativas de autonomia, enfim, aplicar uma das sanções que a legislação prevê e que muito remotamente acabam sendo aplicadas. Então, a existência dos indicadores é um primeiro ponto da estratégia; a regulamentação das medidas de ajuste, tanto os termos de saneamento de deficiências como o protocolo de compromissos, acho que são outros pontos importantes dessa estratégia. E, finalmente, a questão da existência dos recursos, no âmbito do processo administrativo. Isso nada mais é do que a concretização de uma diretriz constitucional. Isso é permitir que haja diálogo, haja exercício do contraditório, no âmbito do poder público. Isso, ao contrário do que pensavam aqueles que desconhecem o Direito, no âmbito do MEC houve uma certa interrogação, num primeiro momento, a existência desses recursos esvazia a necessidade de demandas judiciais, porque há espaço para rever decisões eventualmente incorretas, imprecisas, no âmbito do próprio poder público. Enfim, é um conjunto de iniciativas, coroadas – e eu finalizo já, senhor Presidente – coroadas pela organização de tudo isso num processo eletrônico, num processo administrativo eletrônico, cuja meta final a ser atingida agora, nos próximos meses, é transparência. Transparência não apenas para aquilo que se faz no âmbito do MEC, mas para os resultados da atividade regulatória do MEC. De tal maneira que quem está fora possa saber exatamente o que é que ocorre com esse campo de instituições e cursos, como é que cada uma delas vem atuando e em que consiste cada uma delas. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 25 Isso também parece uma coisa óbvia, parece uma coisa banal, mas é possível prever que a transparência total também vai encontrar resistências tão logo isso venha a ser implementado. E, por essa razão, poder expor esse trabalho, poder expor esses desafios e poder compartilhar com as senhoras e os senhores a demanda por uma base de legitimidade que sustente a marcha que ainda tem vários passos a serem dados, em sentido da qualidade, é algo da maior importância. E, nesse sentido, eu quero finalizar agradecendo a atenção de todos os senhores e o trabalho que a OAB vem fazendo, em nome desse objetivo comum. Muito obrigada. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 27 NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO E O PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO NO CAMPO DO DIREITO Gustavo Raposo Pereira Feitosa 3 Francisco Otávio de Miranda Bezerra 4 INTRODUÇÃO Não há jurista, advogado, juiz, promotor e, principalmente, professor que não se veja constantemente incomodado com os desafios, fragilidades e potencialidades que a nossa experiência no campo do ensino do direito evidenciam. Revela-se alentador o evidente crescimento da inquietação diante da realidade dos cursos de Direito brasileiros e de como estes cursos contribuem para a formação dos nossos bacharéis. Certamente, não há curso superior no país objeto de tanta discussão. O debate em torno do tema mostra uma nova dimensão e ganha nos últimos anos grande consistência, especialmente, quando se observa o diálogo mais amplo com outras áreas do saber e a quebra gradual da tradição de tratar o ensino jurídico e seu planejamento como domínio exclusivo dos advogados. O próprio deslocamento da terminologia ensino jurídico para educação jurídica mostra uma evolução nos marcos definidores da discussão sobre o tema. Não seremos nós, advogados,que encontraremos sozinhos as soluções para os problemas que afligem a educação jurídica brasileira, especialmente quando se põe em perspectiva o fato de que grandes problemas associados à formação dos bacharéis em Direito envolvem necessidades maiores inerentes ao sistema educacional do país. 3 - Advogado, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Coordenador do Núcleo de Pesquisa do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade de Fortaleza UNIFOR, professor adjunto da Faculdade de Direito da UFC 4 - Advogado, Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará, Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, professor titular da UNIFOR, Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 28 E é exatamente com este enfoque que pretendemos desenvolver a presente análise, tentando destacar algumas dimensões da ambiência tecnocientífica das sociedades contemporâneas para que possamos rediscutir os pressupostos dos seus usos no planejamento pedagógico no campo do Direito. Antes de empreender qualquer análise, contudo, parece essencial iniciar indagando: de que nos servem os cursos de Direito? Ou ainda: qual é o bacharel que nós queremos? Para responder a estas perguntas, mostra-se necessário refletir um pouco sobre a história do ensino jurídico no Brasil. ENSINO JURÍDICO E O PAPEL DOS BACHARÉIS NA FORMAÇÃO NACIONAL A organização colonial portuguesa não comportava a existência de cursos superiores em suas colônias. De modo diferente das áreas sob dominação espanhola, o Brasil continuou ao longo de todo o período colonial sem uma única universidade em suas terras. O controle sobre a formação universitária representava um aspecto estratégico do domínio português sobre seus territórios e sobre a coesão interna da sua elite nacional. Em Coimbra, forjavam-se os laços iniciais necessários à inserção na elite burocrática portuguesa e reafirmava-se uma ideologia comum indispensável à vinculação aos interesses do Estado Português (CARVALHO, 2003; SCHWARTZ, 1979). Raymundo Faoro (1984) bem nos ensina que a formação jurídica representava não apenas a porta de entrada para os cargos públicos, mas um elemento estruturante das relações entre a economia e o Estado patrimonialista em Portugal. Os egressos de Coimbra percorriam um longo caminho através de diversos postos na metrópole e nas colônias antes de chegar aos degraus mais altos da burocracia portuguesa. A circulação interna dos magistrados constituía uma praxe importante para o seu processo de treinamento e socialização. As funções desses bacharéis não envolviam a solução apenas de questões de natureza jurídica, mas exigiam também sua intervenção direta em assuntos administrativos. Em todos os casos, os magistrados representavam, antes de tudo, o interesse da Coroa e não deveriam se identificar com os anseios das populações ou lideranças locais (SCHWARTZ, 1979). Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 29 A vida e a carreira dos magistrados portugueses no período colonial sofriam certo controle, havendo necessidade de autorização para contrair núpcias e restrições à propriedade de terras ou ao comércio dentro da sua jurisdição. A preocupação central era evitar a ligação com as questões locais e com o afastamento dos vínculos com a monarquia (SCHWARTZ, 1979). Todo esse caminho que se iniciava em Coimbra e acarretava um intenso processo de socialização e treinamento nos negócios da Coroa dava aos magistrados um perfil diferenciado. Não bastasse o fato de se apresentarem como letrados em um universo de amplo analfabetismo, vinculavam as suas vidas e carreiras à estabilidade e ao funcionamento do Estado. Sobre esse Estado, seus territórios, seus bens, seus interesses e sobre a sua administração possuíam uma visão privilegiada, fruto da circulação interna pelo território português e da passagem por diversas funções. Com a Independência Brasileira, coube a essa elite letrada, treinada para cuidar dos interesses do Estado, a construção e consolidação das instituições nacionais. José Murilo de Carvalho (2003) considera fundamental o papel desses magistrados para a manutenção da unidade territorial brasileira e para a relativa estabilidade das suas instituições. Principalmente na primeira metade do Império, os magistrados e bacharéis oriundos de Coimbra e, posteriormente, dos cursos jurídicos brasileiros, ocuparam a maioria dos principais postos da política e da administração. A imbricação entre as funções de magistrado e o papel de elite política produziria importantes conseqüências no quadro geral da organização das instituições de justiça e na sua prática cotidiana. Observe-se nesse contexto o papel estratégico do curso de Direito. Ao nos tornarmos independentes, poderíamos ter investido em cursos de Engenharia, no ensino fundamental ou mesmo adotada uma postura mais livre e flexível sobre funcionamento das universidades. Todavia, optamos por criar dois cursos de Direito, um em Olinda e outro em São Paulo, e seguir um modelo centralizado de formação de elites a cargo das faculdades de Direito. A opção do país revela a importância dada a esses cursos para a formação nacional. Não necessitávamos verdadeiramente de advogados, juízes e promotores. Precisávamos formar uma nova elite. Uma elite nacional, educada no Brasil, coesa, dotada de laços comuns e interessada na preservação da integridade territorial e na continuidade das instituições do Estado herdadas de Portugal. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 30 Os cursos de Direito estavam longe de oferecer uma grande formação jurídica. A maior parte da formação ocorria fora da sala de aula, com atividades que envolviam o aprimoramento de capacidades retóricas, a participação em debates e grupos políticos, a elaboração literária e a atividade jornalística. Permeando tudo isso, havia um curso fortemente influenciado pelo Direito Eclesiástico, com um número relativamente pequeno de aulas e baixa ênfase na formação prático-profissional (VENÂNCIO FILHO, 1982). Tratava-se, enfim, de um curso de formação de elites e para elites. A localização geográfica de São Paulo e Olinda revelava-se também estratégica. Nesse ambiente, mostrava-se mais importante ler os autores clássicos da literatura mundial, elaborar e proferir discursos, debater e participar da vida política do que se aprofundar no conhecimento das instituições do Direito Civil ou preparar-se para vida forense. Diante dessa exposição, já podemos vislumbrar que a compreensão sobre o papel pretendido para os cursos de Direito apresenta- se fundamental para entender como se constrói o ensino jurídico do país. Nesse cenário, as fragilidades do ensino apresentam pouca importância, pois lidávamos com jovens oriundos, em sua maioria, das melhores escolas e que não enxergavam verdadeiramente o curso superior como uma via de acesso às profissões jurídicas. A transição para a República não modificou fundamentalmente o perfil dos cursos, mas acarretou uma transformação gradual no caráter centralizador e nacional destes instrumentos de formação das elites, na medida em que se criavam novas faculdades de Direito nos estados. A República presenciou ainda uma redução lenta e gradual da importância dos bacharéis em Direito, com o crescimento da influência dos militares e de outras profissões e formações como a Medicina e a Engenharia. A intersecção entre ensino, formação profissional e vida política nacional consiste num dos aspectos mais relevantes que precisam ser analisados ao se estudar retrospectivamente a educação no Brasil. Um exemplo interessante disto, encontra-se na própria formação dos militares brasileiros. Por muitas décadas, grande partedas escolas militares nacionais pretendeu formar “doutores de farda”, numa espécie de concorrência com os “doutores do direito” que dominavam a política nacional. Este objetivo acarretava uma menor ênfase nos estudos voltados para os temas bélicos e propriamente militares, para se concentrar nas grandes doutrinas políticas, nos autores clássicos e na discussão dos grandes assuntos nacionais (CARVALHO, 1978). Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 31 O cenário do ensino jurídico brasileiro, todavia, começou a mudar de maneira mais intensa sob a influência de transformações econômicas, sociais e políticas vividas pelo país, principalmente após os anos de 1930. O Brasil vivia um processo de preparação para o avanço de um modelo econômico mais industrial e urbano, fundado no trabalho livre e sob forte influência do jogo de forças internacionais. Um movimento renovador da legislação que introduziu na década de 1940 o Código de Processo Civil, o Código Penal, a Lei das Contravenções Penais, a Consolidação das Leis do Trabalho, entre outras normas, projetava um futuro de novas relações econômicas para o qual se considerava que os nossos bacharéis não se encontravam preparados. Observa-se, assim, ao longo das décadas seguintes, um movimento de valorização de competências técnico-profissionais, de busca da redução do papel político dos bacharéis em Direito e de reformas do ensino superior no Brasil. Não cabe aqui avançar muito nas condicionantes destas mudanças, contudo vale a pena destacar que o aspecto central destes projetos consistia na prevalência do que se poderia chamar de uma formação técnica, voltada para as necessidades práticas dos operadores do direito e, principalmente, das demandas do mercado. Mais uma vez, chamamos atenção para a necessidade de pensar sobre o papel dos cursos de Direito, e sobre o ensino jurídico que esses projetos reformadores contemplavam. Antes nós estávamos formando elites, agora caminhávamos para formar mão-de-obra para o mercado de trabalho. Esta nova realidade veio acompanhada de uma expansão do ensino superior, de uma mudança no perfil de renda e origem social dos estudantes e de frágeis instrumentos de controle sobre a educação ofertada pelos cursos jurídicos. Ao se observar a mudança no cenário, entende-se com maior clareza como as distorções e deficiências históricas se agudizam ou se tornam mais evidentes diante de um quadro de novas demandas e de um “novo” aluno. NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO E OS DESAFIOS PARA O PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO Chegamos então num terceiro momento: a fase da reconstrução das instituições democráticas, do esforço para redefinir o papel da educação superior do Brasil num contexto de redemocratização. E nessa etapa, não se pode negar que, desde a década de 1980, discute- Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 32 se com intensidade o ensino jurídico no país. Em todos estes anos foram muitas as análises, críticas e propostas, todavia gostaríamos de destacar algumas delas: expansão descontrolada dos cursos de Direito; baixa qualidade da formação oferecida; excessiva ênfase na formação técnica e profissional, gerando bacharéis incapazes de atuar de maneira autônoma e crítica na realidade nacional. Orientados por tais críticas, tentamos reformar o ensino jurídico no Brasil para encontrar um ponto de equilíbrio entre a grande tradição da formação humanística, marcada por uma inserção mais profunda nos problemas nacionais, e o fortalecimento das competências e conhecimentos necessários às demandas do mercado de trabalho. Superar, assim, uma dicotomia entre o saudosismo do “curso aristocrático”, mas capaz de preparar indivíduos para uma participação diferenciada na vida política e social do país, e as necessidades imediatas do mercado de trabalho que parecem, muitas vezes, aviltar a natureza da formação oferecida aos bacharéis. Eis o enorme desafio que cada curso de Direito do país enfrenta desde o momento em que as instituições de ensino elaboram seu projeto político pedagógico, passando pelo planejamento das atividades de ensino e até chegar às ações concretas em sala de aula. E aqui chegamos ao ponto pretendido. A tarefa da instituição de ensino superior e do professor revela-se enorme e sujeita a forças contra as quais se mostra difícil lutar. Precisamos oferecer ao aluno um volume enorme de conhecimento, transitar pela sociologia, filosofia, economia e antropologia, contribuir para uma compreensão mais ampla dos direitos fundamentais e da Constituição, explorar os diversos ramos do Direito, oferecer uma rica experiência de estágios, estimular a pesquisa e a extensão, entre inúmeras outras exigências. Ao mesmo tempo, o estudante que chega às nossas faculdades sofre com sérios problemas para ler e compreender textos complexos, para usar a linguagem escrita, construir raciocínios a partir dos conhecimentos estudados, problematizar os conteúdos apresentados, contextualizar o saber e posicionar-se de modo autônomo. Diante deste descompasso, o que nós temos a oferecer a este aluno? Nós temos um curso tradicional, em que o processo de ensino Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 33 e aprendizagem reproduz as velhas fórmulas observadas por nós em nossos velhos e queridos professores. Isto significa, na maioria das vezes, simplesmente oferecer uma aula expositiva de conteúdos segmentados e isolados nas respectivas disciplinas, fruto de um esforço de sistematização e síntese dos manuais. As dificuldades agravam-se diante da influência crescente das novas tecnologias sobre a maneira como os jovens lidam com a informação e com os instrumentos essenciais para uma boa formação jurídica: a leitura e a escrita. Se no passado o acesso à informação e ao conhecimento representavam um enorme obstáculo aos estudantes, hoje vivemos um problema oposto, qual seja, a dificuldade em lidar com a avassaladora massa de informação oferecida de maneira relativamente simples e ampla. Quem ainda lembra do tamanho do investimento necessário para adquirir uma enciclopédia Barsa? Ou de como era difícil o acesso às decisões dos Tribunais ou aos livros que tratassem dos problemas jurídicos mais recentes? Hoje, o desafio consiste em convencer um jovem, que conversa com oito pessoas ao mesmo tempo, usa celular, MSN, e-mail, Orkut, facebook e twiter, a ler um livro inteiro. Como fazer com que este aluno, que vê o mundo de modo fragmentado, em pedaços dispersos num mar de blogs, notícias e textos curtos, consiga encontrar sentido, contexto e explicações complexas para os fenômenos que o cercam? Para responder a tais problemas, precisamos encarar esses desafios sob várias perspectivas. No novo cenário das instituições de ensino verificado nas últimas décadas, sobressai a necessidade de pensar o processo de ensino e aprendizagem como algo que não se desenvolve apenas na sala de aula, mas em outras ambiências. Em tempos de avanço das tecnologias da informação e da comunicação, nada mais natural do que defender a visão do espaço virtual, com todas as tecnologias que ele contempla, como uma nova ambiência a ser explorada. Esta outra dimensão produzida pelos avanços tecnológicos inserir-se-ia como parte essencial do planejamento pedagógico. Defender o uso do potencial da ambiência tecnocientífica Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 34 como espaço pedagógico parece banal e segue um discurso recebido de maneira aparentemente fácil para quem milita no campo da educação jurídica. Este parece o caminho mais claro, contudo, tal opção segue uma leitura excessivamente simplificada sobre o papel e os usos desta nova ambiência. Não são poucas as dificuldades e limitações enfrentadas cotidianamente por professores ao se verem diante do desafiode pensar possíveis usos para as novas tecnologias na sua rotina docente ou mesmo para aplicar as ferramentas disponíveis na interação com os alunos. De maneira bastante livre, podemos aplicar sobre esta questão as categorias desenvolvidas por Umberto Eco (1993) para analisar as posições diante da indústria cultural e da cultura de massa no final dos anos de 1960. Adaptando-se à distinção feita por Eco entre apocalípticos e integrados, podemos dividir as posições diante das novas tecnologias entre aqueles que as repelem (apocalípticos), atribuindo a estas a fonte de parte significativa dos nossos problemas como educadores, e o que aceitam de maneira acrítica (integrados), defendendo-as com o fervor dos convertidos. No campo do ensino, podemos nos servir desta leitura para perceber que há um charme e uma aparente modernidade na defesa dos novos recursos tecnológicos. Mas, ao mesmo tempo, encontramos a imputação de culpa à internet e seus desdobramentos por deficiências apresentadas pelos estudantes. Quantos de nós já nos deparamos com alunos respondendo provas com textos codificados em linguagem de chat, ou seja, contendo “vc, tb, naum, bj”, entre outros? Quantos de nós já tiveram a chance de ler ou ouvir sobre as maravilhas que o novo mundo da tecnologia nos trará, com suas vídeo conferências, com os bancos de dados, com as bibliotecas virtuais etc.? Infelizmente, o caminho mais comum seguido diante de tais indagações fundamenta-se numa crença na inexorabilidade dos efeitos das revoluções tecnológicas sobre o modo de pensar do jovem. Ou seja, se o aluno que nós recebemos no curso de Direito cresceu mergulhado no universo das novas tecnologias da informação e da comunicação, se ele pensa, lê, escreve e lida com o conhecimento de modo diferente, logo eu devo me aproximar do seu mundo para conseguir alcançar meu objetivo como educador. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 35 Em parte esta visão apresenta importância, na medida em que me obriga a conhecer como pensa o meu aluno e a buscar formas diferentes de interagir. Contudo, ao nos atirarmos na torrente dessas transformações, negamos parte importante do que se tem pregado em todas as discussões sobre ensino jurídico. O acesso à informação não é compreensão, articulação, contextualização e produção de conhecimento. O mundo da internet e suas potencialidades não garantem por si uma experiência que capacite a refletir sobre os problemas do país, a se posicionar criticamente sobre qualquer assunto, quem dirá a analisar com profundidade os temas do Direito. Quando muito, a internet oferece um instrumento para que aquele espírito forjado fora do mundo virtual encontre um veículo ágil de difusão de informação e integração com outras pessoas. Em resumo, pode-se afirmar que a resposta para os desafios postos por essa nova ambiência tecnológica não se encontra nos extremos sintetizados no confronto entre apocalípticos e integrados. O caminho adequado consiste em buscar encontrar, de maneira mais equilibrada, formas de utilizar os recursos das novas tecnologias para aprimorar a experiência docente ou ainda para efetivamente criar novas ambiências pedagógicas. A aplicação desta abordagem ponderada depende inicialmente de uma reflexão sobre o próprio significado que representa “inovar”. Aparentemente, qualquer aplicação de computador parece inovadora. Muitos professores aderiram às aulas com datashow. Mas qual a inovação real de uma aula elaborada com imagens e projetada numa tela branca? Da mesma forma, a aplicação de ferramentas de internet também pode parecer inovadora. Mas qual ferramentas utilizamos? Trocamos a Xerox, pelo blog ou pelo site, enviamos e recebemos e-mails e mensagens curtas e, ocasionalmente, participamos de chats ou de comunidades virtuais. Tudo isso parece novo, mas até que ponto oferece um espaço inovador para aprimorar a experiência de ensino e aprendizagem? A televisão representou uma revolução nos meios de telecomunicação, com enormes impactos sobre a vida cultural, econômica e social. Passamos horas diárias usufruindo do que a programação das TVs nos oferece, contudo, essa nunca consolidou-se como uma ferramenta de ensino realmente interessante (BODIÃO, 1999). Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 36 Será que o estudante que passa horas em chats (ou outra ferramenta equivalente) está realmente interessando em “teclar” com seu professor para discutir questões importantes do processo civil? Ou ainda, será que o professor possui condições de estabelecer um diálogo proveitoso e rico com 50, 100 ou 150 alunos conectados por meio da internet? Em grande medida, os usos das novas tecnologias da comunicação situam-se no campo do prazer e da diversão ou das necessidades de mercado, não apresentando a potência atribuída por aqueles que enxergam nas inovações tecnológicas e comunicacionais uma verdadeira revolução (BODIÃO, 1999). Se seguirmos na análise de todas as grandes inovações trazidas pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, verificaremos que cada uma delas apresenta sérias limitações quando aplicadas na rotina dos cursos de Direito. As aplicações se mostram benéficas apenas para aspectos marginais que pouco, modificam a forma como se dá o ensino. Mesmo em seguimentos como o Ensino à Distância (EAD), em que já possuímos uma trajetória mais longa de aplicações e usos das novas tecnologias, ainda se observa uma grande necessidade de aprimoramento das plataformas utilizadas, não se podendo afirmar, igualmente, que sua expansão implicou em qualquer potencial renovador para o campo da educação jurídica. CONCLUSÕES A compreensão sobre os desafios postos ao ensino jurídico diante das exigências da nova ambiência tecnocientífica envolve uma releitura sobre o papel desempenhado historicamente pelos bacharéis na sociedade brasileira e sobre a função atribuída aos cursos de Direito. Sem este olhar sobre o processo histórico, não entenderemos parte importante das dificuldades e carências apresentadas pelos estudantes de Direito nos dias de hoje, bem como das distorções encontradas no cenário da educação jurídica nacional. Enfrentamos o dilema de resgatar uma tradição de formação humanística sólida, de preparação de cidadãos autônomos e críticos, ao mesmo tempo em que pretendemos atender às demandas de um mercado Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 37 de trabalho que exige competências técnicas, mas produz pressões sobre a dinâmica de ensino com grande potencial para distorcer e fragilizar o esforço para renovação pedagógica empreendido nas últimas décadas. Em meio a isso, recebemos alunos com grandes problemas oriundos do ensino fundamental e médio que, em grande medida, repercutem na dificuldade em implementar um projeto mais amplo de transformação da educação jurídica brasileira. Nesse cenário, as novas tecnologias da informação e da comunicação surgem como um fenômeno que condiciona e modifica o modo de agir, pensar e estudar dos jovens. Por um lado, esta nova realidade se apresenta como algo capaz de oferecer um espaço inovador para a reconstrução da experiência de ensino e aprendizagem. Poderíamos, assim, nos aproximar da linguagem e da rotina do jovem e aderir ao que parece ser uma nova forma de sociabilidade para atingir de maneira mais eficaz os objetivos traçados para uma adequada formação acadêmica. Por outro lado, percebe-se uma visão negativa dos efeitos das novas tecnologias, tendo em vista a possibilidade dos seus usos acentuarem as dificuldades na utilização da linguagem escrita, na compreensão de texto, no tratamento da informação e na reflexão mais acurada e cuidadosa sobre as questões do mundo contemporâneo. Some- se a isso, a constatação de que as ferramentas e recursos introduzidos pelas transformaçõestecnológicas não cumpriram ainda, no campo da educação, as grandes promessas de revolução e emancipação. A leitura sistemática de todo esse cenário e das polêmicas e indagações em torno do tema leva a concluir que o caminho mais prudente e eficaz não se encontra na rejeição ou adesão à dinâmica imposta pelas novas tecnologias. A verdadeira revolução consiste em fortalecer o aspecto mais consistente e significativo da experiência docente, qual seja, o diálogo em sala de aula. Não se trata pura e simplesmente do diálogo como expressão da uma conversa ou de troca de idéias, mas do aprofundamento e do aprimoramento daquilo que continua sendo o momento mais rico da rotina do professor. O maior desafio nesse momento consiste em conhecer o aluno, compreender como ele pensa, busca informação e constrói o conhecimento para que possamos, assim, contribuir para a criação de conflitos cognitivos que servirão de base para o aprendizado, evidenciarão contradições e produzirão espanto e interesse pelo conhecimento. A internet e toda a revolução que segue na sua esteira não deve impor Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 38 como este processo se dará. Sua utilização se mostra relevante como um instrumento que condiciona o planejamento pedagógico ao permitir uma aproximação com o aluno, todavia sua utilização jamais deverá obscurecer ou afastar os grandes objetivos projetados para uma educação jurídica renovada e de qualidade. REFERÊNCIAS BODIÃO, Idevaldo da Silva. Estudos sobre o cotidiano das classes do telensino de uma escola da Rede Pública Estadual do Ceará.1999. 212p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. CARVALHO, Jose Murilo de. A Construção da Ordem: elite política nacional. Teatro de Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ________________. Forças Armadas na Primeira República: o Poder Desestabilizador. In: FAUSTO, Boris. História geral da civilização brasileira - o Brasil republicano. 2. ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Difel, 1978. Tomo III, v.2. ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados . São Paulo: Perspectiva, 1993. FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro. Vol. I e II. Porto Alegre: Editora Globo, 1984. SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial – A Suprema Corte da Bahia e seus Juízes: 1609- 1751. São Paulo: Perspectiva, 1979. VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 39 A INTERDISCIPLINARIEDADE COMO AÇÃO PEDAGÓGICA NA EXECUÇÃO DO CURRÍCULO E OS AJUSTES CURRICULARES PARA ALCANÇAR A VISÃO SISTÊMICA DO PROJETO PEDAGÓGICO5 André Luiz de Lima6 Bom dia a todos e a todas. E alguém já tinha me perguntado, já, se perguntando porque um coordenador-adjunto, com formação em Ciências Sociais e não em Direito. Talvez, na minha explanação, eu possa explicar o por quê. É fruto, também, das palestras de ontem e dos reflexos no que estão acontecendo nos cursos de Direito no Brasil todo. E quero, também, não me desculpar, mas dizer para vocês que a apresentação não era essa, era mais colorida, tinha mais coisas, mas eu não consegui abrir quando cheguei aqui, no evento. E rapidamente o pessoal da técnica, aí, conseguiu dar um trato. Mas, mesmo assim, o conteúdo não foi perdido, foram perdidas só as cores, não é? Mas, tudo bem. Pois bem, tenho 30 minutos para expor a nossa ação lá na FACEX, que é uma ação que, juntamente com o Professor Adilson Gurgel, eu acredito muito e é muito gratificante trabalhar com ele e, também, fazer parte dessa nova dinâmica educacional. Então, partimos do título, apresentação com texto histórico, a crise do... (sistema) educacional. Foi falado ontem que a cabeça cheia não está em crise, ela está sendo criticada. É muito conteúdo, pouco sentido, pouco conteúdo, nenhum sentido, isso, na relação do resumo. Treino, instinto para simulados de curso, OAB e carreira jurídica. Avaliação dos mais capazes e das instituições que aprovam, principalmente na OAB. E a venda dessa proposta. Então, consideramos a cabeça cheia nessa perspectiva, porque vai trazer alguns problemas, problemas principalmente no que se chama de educação. Nessa perspectiva, a gente... a emergência, observo uma 5 - Material oriundo de degravação de palestra. 6 - Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Coordenador Adjunto do Curso de Direito da Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do Rio Grande do Norte - FACEX. Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 40 emergência na elaboração ou estratégia educacional, a cabeça bem feita, que Paulo Freire já comentava, bem anteriormente, e agora que está sendo resgatado muito do seu discurso para dentro de sala de aula, e como é a prática do educador. As críticas: discursamos aulas, não debatemos ou discutimos temas. Não proporcionamos ao educando meios para o pensar autêntico, porque recebemos a fórmula como damos, simplesmente se guarda, não se incorpora, porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e procura. Então, eu escolhi Paulo Freire apenas como exemplo, porém existem outros autores que discutem muito essa nova perspectiva educacional. Esse resgate desses pensadores é de fundamental importância para a nossa proposta pedagógica, principalmente do que eu considero na parte dos professores, dos educadores. Eles precisam incorporar essas novas lógicas, para que a sala de aula, ela seja um local de prazer e não de conteúdo apenas. Eu gosto muito quando o Professor Adilson fala assim: “Nós temos que dar sempre a melhor aula, sempre. Nunca esquecer nossos problemas, esquecer todas as questões que estão envolvidas, sociais. Mas, quando entrar em sala de aula, dê a melhor aula”. E isso é fundamental. E digo mais para vocês, como trabalho de coordenação: isso alivia em mais de 80% os problemas com os alunos. Então, diante disso, esse conteúdo tem que ser resgatado, dado um sentido, criar uma inter-relação. A proposta é educação e formação, principalmente no resgate dos valores e práticas educacionais e éticas. Mas nós não estamos, aqui, abolindo o que nós chamamos de “cabeça cheia” como crítica. Nós tentamos aqui, na FACEX, criar uma relação que é possível aos extremos: a construção de um equilíbrio entre a cabeça cheia e a cabeça bem feita. É possível relacionar conteúdo e sentido, trabalhar estratégia para concurso através de um planejamento, e as ações relacionadas com demandas sociais, projeto de curso e extensão. Então, para isso, a prática pedagógica, na execução do currículo, os reflexos do PPC. Então, a primeira grande necessidade é o atendimento ao educando, planejar para o educando as suas dimensões: atendimento, anseios, trocas e complementação. O educando vem pensando que ele vai se formar em Direito em seis meses ou um mês. E ele começa a perceber que o curso não é fácil. O curso requer outros níveis de conhecimento que Desafios Rumo à Educação Jurídica de Excelência 41 não só leis, o curso requer noção de filosofia, sociologia, as propedêuticas faladas. E isso cria um certo anseio, porque eles querem, de toda forma, resolver o problema, principalmente da disciplina Direito, esquecendo as outras, que são complementares a esse curso. E, a verificação de práticas de avaliação, refletidas no plano de ensino, nas ações dos professores em sala de aula, e as avaliações integradas. O que eu estou querendo falar com isso? Os planos de ensino, como prática dessa proposta pedagógica, eles têm que refletir a proposta do curso, principalmente como vai ser avaliado esse aluno. Geralmente,
Compartilhar