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A função reativa A função reativa é a utilização da boa-fé objetiva como exceção, ou seja como defesa, em caso de ataque do outro contratante. Trata-se da possibilidade de defesa que a boa-fé objetiva permite em caso de ação judicial injustamente proposta por um dos contratantes. Nessa breve digressão a respeito do tema, analisaremos três aspectos da função reativa. O primeiro deles e um dos mais interessantes é a idéia de venire contra factum proprium. O venire parte da idéia de que as partes, em decorrência da confiança que permeia a relação jurídica, devem agir de maneira coerente, seguindo a sua linha de conduta, e, portanto, não podem contrariar repentinamente tal conduta, por meio de um ato posterior. Exatamente por isso o contratante não pode contrariar a sua própria atitude. Dois exemplos aclaram a idéia do venire contra factum proprium. O primeiro deles ocorre no caso do locador de um imóvel que, todo mês, aceita receber o aluguel com 5 dias de atraso. Após meses, sem se opor a tal fato, resolve o locador mudar de conduta e passa a exigir a multa moratória do período. Ora, essa mudança repentina frusta a legítima expectativa do inquilino, já que durante meses o locador não se opôs (tolerou) o pagamento do aluguel com dias de atraso. O segundo exemplo vem do próprio Código Civil de 2002 que, em seu artigo 175 (cujo correspondente no Código Civil de 1916 era o artigo 151), determina que o contratante que voluntariamente iniciou a execução do negócio jurídico anulável, não pode mais invocar essa nulidade. O cumprimento voluntário do negócio anulável importa em extinção de todas as ações ou exceções que dispusesse o devedor, pois esse opta por seguir certa conduta e não pode, posteriormente, surpreender a outra parte com tal mudança. A segunda função reativa da boa-fé objetiva é o dolo agit qui petit quod statim redditurus est. Trata-se de uma punição à parte que age com o interesse de molestar a parte contrária e, portanto, age como dolo ao pedir aquilo que deve ser restituído. Caso típico se dá na hipótese de o credor demandar por dívida já paga. Assim, determina o Código Civil que aquele que demanda por dívida já paga fica obrigado a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado (artigo 940 do Código Civil de 2002 e 1531 do Código Civil de 1916). É verdadeiro desdobramento do princípio do dolo agit, pois pune o credor que propõe demanda contra o devedor por puro espírito de emulação, já que nada mais tinha a receber. A última das funções que cuidaremos nesse artigo é o tu quoque. A expressão ficou célebre pela frase de Júlio César ao ser assassinado nos idos de março: “Até tu, Brutus!” Assim o tu quoque é a idéia de que ninguém pode invocar normas jurídicas, após descumpri-las. Isso porque ninguém pode adquirir direitos de má-fé. Um exemplo desse princípio é a exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) que estava prevista no artigo 1092 do Código Civil de 1916 (476 do novo Código Civil). Se a parte não executou a sua prestação no contrato sinalagmático, não poderá exigir da outra parte a contraprestação. Como poderia o inadimplente exigir da outra parte o cumprimento da contraprestação se não prestou? Não poderá invocar a regra que descumpriu em seu benefício SUPRESSIO: Imagine que você tem um contrato de duração continuada mas resolve não exercer seus direitos durante determinado período. Um ano por exemplo. Após esse tempo o seu direito não poderá mais ser exercido! Com a sua inércia você levou a outra parte do contrato a pensar que o contrato estava extinto. Exercer esse direito após um ano contraria a boa-fé objetiva por surpreender o outro contratante. Em suma: Supressio é a extinção de um direito pelo seu não exercício. Dica: Associe a SUPRESSÃO. SURRECTIO: A forma mais fácil de aprender a surrectio é entender que ela é o contrário da supressio. É o direito que nasce pela prática reiterada de um ato. Dica: A tradução do latim equivaleria a ressurreição, mas é melhor associar comSURGIMENTO. “Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade.” Neste mesmo sentido temos o enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil que assim definiu: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.” E por fim iremos citar exemplo dado pelo Prof. Pablo Stolze, vejamos: “Imagine que FREDIE BACANA conduz o seu carro no estacionamento da Faculdade. Em uma manobra brusca e negligente, colide com o carro de SALOMÉ VIENA. Esta última, vítima do dano e titular do direito à indenização, exige que FREDIE chame um guincho. Muito bem. Enquanto FREDIE se dirigia à secretaria da Faculdade para fazer a ligação, SALOMÉ – credora do direito à indenização – verificou que uma pequenina chama surgiu no motor do carro. Poderia, perfeitamente, de posse do seu extintor, apagá-la, minimizando a extensão do dano. Mas assim não agiu. Em afronta ao princípio da boa-fé e ao dever de mitigar, pensou: ‘quero mais é que o carro exploda, para que eu receba um novo’. Neste caso, se ficar demonstrado que o credor poderia ter atuado para minimizar o dano evitável (“avoid his avoidable damages”), não fará jus a um carro novo. Apenas receberá, por aplicação do duty to mitigate, o valor correspondente à colisão inicial.”
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