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1 COMPORTAMENTO E BEM-ESTAR DE FRANGOS EM GRANJAS COMERCIAIS Mateus J.R. Paranhos da Costa ETCO - Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias/UNESP, Jaboticabal, SP. Pesquisador CNPq. email: mpcosta@fcav.unesp.br Como deixar de tratar o tema comportamento animal num livro de fisiologia? Mesmo que a intenção fosse esta, seria muito difícil. Tratando da fisiologia da digestão por exemplo, não teríamos uma descrição completa dos processos digestivos se fossem deixados de lado os comportamentos de busca, apreensão e deglutição dos alimentos. Assim, diversos capítulos deste livro abordam temas relacionados aos comportamentos de frangos de corte. Neste cabe apresentá-los de forma integrada, resgatando os conceitos básicos envolvidos, para que possamos analisar suas relações com as práticas de criação e o bem-estar dessas aves. Introdução A importância econômica da produção de frangos é indiscutível, e o desenvolvimento de linhas genéticas com alta velocidade de crescimento, associado ao desenvolvimento tecnológico nas áreas de nutrição e manejo, conduziram a criação de aves à níveis industriais. Tais condições de criação permitem a obtenção de animais prontos para o abate num período de criação muito curto, geralmente menor do que 50 dias. Embora, tais condições tenham proporcionado ganhos econômicos e sociais, também têm resultado em problemas quanto ao bem-estar dessas aves, dada a utilização de certas práticas de criação e manejo que desafiam preceitos éticos que devem nortear a produção de animais para consumo. Cabe aos pesquisadores e criadores avaliar objetivamente os sistemas de produção, assegurando que tais sistemas não prejudiquem qualidade de vida aos frangos de granja. Na visão de muitos o desafio atual seria desenvolver sistemas de produção eticamente aceitáveis e economicamente viáveis. Como combinar tais condições? Esta deve ser a meta da avicultura moderna, para alcançá-la é necessário um pleno conhecimento da biologia do animal em foco. Enfim, é necessário compreender-mos as relações desses animais com o ambiente de criação, suas necessidades e desejos; resgatando-se na concepção das instalações e dos métodos de criação o conceito mais amplo de ambiência, que seria “o espaço arquitetonicamente organizado e animado que constitui um meio físico e, ao mesmo tempo, meio estético ou 2 psicológico, especialmente preparado para o exercício de atividades humanas” (Novo Dicionário Aurélio). E porque não, também preparado para o exercício das atividades dos animais que nele vivem. Há vários aspectos da vida dos frangos que são pouco ou nunca considerados. Condições e atividades que fazem parte da rotina desses animais. Por exemplo, como eles enfrentariam situações presentes no ambiente natural da espécie (que poderíamos grosseiramente definir como os terreiros ou quintais onde são ainda criados muitos dos frangos, popularmente denominados caipiras). Dentre elas, poderíamos destacar a necessidade de procurar alimentos e de evitar predadores. Muitas vezes a ausência de comportamentos apropriados para tais situações é apenas aparente, e sua expressão depende fundamentalmente do controle ambiental; ou seja o sistema de criação intensivo resultaria em alterações na expressão de vários comportamentos, empobrecendo suas expressões tanto em qualidade com em quantidade (Lewis et al., 1997). Mas uma vez que os frangos de granja estivessem em ambientes mais próximos ao seu natural, muitos de seus comportamentos ancestrais se manifestariam. Entretanto, há quem não compartilhe desta perspectiva, entendendo que: “...a exploração avícola moderna, fundamentalmente, é baseada na mudança de comportamento das aves, pois, prolonga-se a produção de ovos das poedeiras através dos programas de luz, a ocorrência do choco nas aves foi controlada através da genética, toda a produção de pintos é feita através da incubação artificial, os pintos são criados artificialmente, a alimentação é totalmente diferente, a ave já recebe o alimento moído e com alto grau de digestibilidade não dando oportunidade a moela para triturá-los ocorrendo a flacidez muscular da mesma além do aumento do lúmen das alças intestinais, portanto, torna-se difícil o estabelecimento de normas para o bem estar das aves sem que ocorra mudança no seu comportamento. ...” (Campos, 2000). Entendemos que muitas dessas mudanças de comportamento já ocorreram, seriam produtos secundários da intensa seleção para altas taxas de crescimento e de eficiência na conversão alimentar a que foram submetidas várias linhagens de frangos de granja, e que, talvez em decorrência disso, nos deparamos com sérios problemas nos sistemas intensivos de produção, que prejudicam o bem-estar dessas aves (Rauw et al., 1998). Assumimos neste capítulo, diferentemente de Campos (2000), que os frangos de granja ainda são aptos à expressar muitos dos comportamentos típicos da espécie, facilmente observáveis em seus congêneres “caipiras”, e que do conhecimento desses comportamentos depende o desenvolvimento de novas práticas na criação avícola que assegurem bons índices de 3 produtividade e alta qualidade do produto, sem colocar o bem-estar dos frangos em risco. A origem As galinhas domésticas (G. domesticus) são provavelmente descendentes de uma ou mais das 4 espécies do gênero Gallus pertencentes a família Phasianidae que habitam o sudeste da Ásia, G. gallus, G. sonnerati, G. lafayettei e G. varius (Wood-Gush, 1971; Crawford, 1984). Havendo forte indícios que G. gallus possa ter sido o único ancestral, dadas suas características morfológicas, ampla distribuição geográfica e existência de diferenças no comportamento sexual entre a espécie doméstica (G. domesticus) e as outras espécies selvagens (G. sonnerati, G. lafayettei e G. varius). Sabe-se que estas diferenças reduzem a atividade de acasalamento e o sucesso reprodutivo entre indivíduos dessas espécies, embora híbridos possam ser produzidos entre todas elas (Fisher, 1975; Crawford, 1984). Há indícios de que a domesticação das galinhas teve início entre os anos 2500 e 2100 a.C. na Índia, provavelmente por motivos religiosos. O interesse por essas aves parece ter aumentado por conta da briga de galos, resultando na ampla distribuição geográfica das galinhas (Crawford, 1984). Mais tarde, a criação de galinhas passou a ser dominada por aficionados que buscavam animais com padrões variados de cores e formas das penas e cristas (Ensminger, 1992) e recentemente, a produção de ovos, o peso e a velocidade de crescimento dos animais foram as características mais enfatizadas, e as aves com boas características para produção de carne e ovos passaram a ser produzidas através de vários sistemas de acasalamento. A abordagem etológica no estudo do comportamento de frangos de granja Segundo o Novo Dicionário Aurélio, o frango seria “o filho da galinha já crescido, porém antes de ser galo”, constitui-se assim numa categoria – definida pelo sexo e idade – da espécie de galináceo doméstico (Gallus domesticus), que genericamente é chamada de galinha (vocábulo que representa também a fêmea adulta) ou aves domésticas (talvez por ser a principal – embora não a única – espécie dessa classe dentre os animais domésticos). Atualmente, creio seria melhor definir o frango como o sujeito da criação de galináceos domésticos com a finalidade de produção de carne, independente de sexo ou mesmo de idade. É este o tipo de ave que analisaremos neste capítulo, em particular os frangos de granja, ou seja aquelas aves mantidas em sistemas intensivos de criação e que se destinam a produção de carne. Entretanto, dado que ao mantermos essas aves em criação intensiva, com restrição do 4 espaço disponível, alta densidade e num ambiente pobre em estímulos, condições que restringem as possibilidade da apresentação de comportamentos naturais,também apresentaremos descrições de comportamentos de animais criados com maior liberdade do que aqueles mantidos em sistemas intensivos de criação. O primeiro passo nessa análise é a apresentação dos conceitos básicos envolvidos no estudo do comportamento. Conceitos básicos Podemos começar perguntando: o que é comportamento? De maneira geral entendemos o comportamento como os movimentos que o animal faz, mesmo àqueles que levam a imobilidade absoluta. Contudo, tal entendimento é incompleto, afinal além dos movimentos, os animais apresentam outras manifestações (mudanças de cores, produção de odores, emissão de sons, etc.) que também deveriam ser caracterizados como comportamentos. A definição formulada por Kandel (1976) atende a esta expectativa, caracterizando o comportamento como toda resposta muscular ou secretória, observada por mudanças no ambiente interno e externo dos animais. De maneira mais concisa e objetiva, podemos considerar o comportamento como toda manifestação ou resposta de um efetor que possa ser medida. A restrição imposta pela necessidade da medida visa limitar o alcance da definição a situações concretas, pois devemos reconhecer que ainda há muito que aprender sobre as relações dos animais com seu ambiente, sendo ainda presentes várias especulações sobre os animais e seus comportamentos. Trata-se de uma definição muito ampla, incluindo desde as simples contrações musculares e secreções, até categorias mais complexas do comportamento, como o comportamento sexual e a comunicação por exemplo. Tal amplitude se presta justamente para nos mostrar o grau de complexidade que enfrentamos ao trabalhar com comportamento animal. Em particular, deve ser notado que o comportamento de um animal não é a soma de manifestações isoladas e estanques, mas um conjunto solidário e interdependente destas em todos os níveis do organismo. Evidentemente, que o comportamento de um determinado animal depende em grande parte de sua estrutura biológica, envolvendo caracteres morfológicos, fisiológicos e bioquímicos. Afinal, como os órgãos sensoriais transmitem informações ao sistema nervoso central? Como essas informações são processadas e como os movimentos apropriados são efetuados 5 posteriormente? Pode a experiência alterar o comportamento subsequente? Muitas vezes o fenômeno superficial por nós observado, pode nos levar a descobertas interessantes ao nível de sistemas de coordenação de movimentos, de recepção e interpretação de estímulos, etc.; às vezes possibilitando respostas as questões acima formuladas. Há mais para entender o comportamento do que considerar apenas o que ocorre dentro do animal, os vários mecanismos internos, padrões do comportamento e habilidade para aprender estão envolvidos com vários fatores ecológicos, sendo o próprio animal um fator do ambiente relevante para outros animais e para si mesmo. Generalizando, os organismos estão e fazem parte do ambiente. Esta análise integrada no estudo do comportamento, que leva em conta os efeitos ambientais e genéticos, é que caracteriza a Etologia, o ramo da ciência que trata do estudo do comportamento animal numa perspectiva biológica. Nesse contexto é sempre presente a pergunta: por que um animal se comporta da forma com que o faz? Sendo mais específico: por que um frango come? Obviamente que grande parte do comportamento tem valor para a sobrevivência, embora a maioria deles não se manifeste tão evidentemente como o do exemplo acima. Esta questão pode ser tratada com a perspectiva de se analisar suas causas e não seus efeitos, nesse caso poderíamos reformular a pergunta para: o que faz com que o frango coma? É importante então saber se o frango está com fome ou não (estímulos internos), se a visão da comida o estimula (estímulos externos) e, se quando ele era jovem aprendeu onde e quando deveria procurar alimento. Assim, é fácil perceber que a ocorrência do comportamento - no caso procurar alimento e ingeri-lo - depende de fatores inerentes ao próprio frango e do ambiente que o cerca. Uma vez ocorrendo o comportamento haverá mudanças nos dois níveis (interno e externo). É conveniente enfatizarmos o fato de que os animais respondem a mais de um aspecto de seu ambiente e estado interno, podendo portanto apresentar respostas diferentes num mesmo contexto. Por exemplo, um frango altamente motivado a ingestão de alimentos pode comer ou não, dependendo da combinação de estímulos internos e externos, no momento que lhe é apresentado o alimento, podendo, por exemplo, fugir ao invés de comer caso se sinta muito ameaçado. Ao observarmos o comportamento de um frango devemos também ter em mente que sua capacidade sensorial é diferente da nossa, caracterizando, o que Von Uexkull denominou de "umwelt", ou seja que cada animal tem o seu próprio mundo sensorial e perceptivo (Cunha, 6 1983). Assim,com o objetivo de entender melhor os efeitos de objetos, substâncias e energia sobre ele devemos ter o cuidado de não interpretar a ação dos estímulos (internos e externos) unicamente do ponto de vista humano. O esquema apresentado na Figura 1 permite uma análise integrada desses conceitos. ORGANISMO Receptores - Genótipo - Ambiente - Genótipo - Desenvolvimento - Ambiente Estímulos - Estímulos associados a fome internos - Dor - Hormônios Sistema nervoso sensação (registro inicial da mensagem enviada pelo receptor) Interpretação S.N.C. S.N.A. percepção escolha de pode incluir subsistema mais de um reinterpretação alvo subsistema ou gerando novos estímulos internos orgãos ou outras estruturas orgãos ou outras estruturas respostas respostas voluntárias involuntárias AMBIENTE Estímulos externos 7 COMPORTAMENTO Figura 1. Esquema para o entendimento integrado dos estímulos e mecanismos envolvidos na expressão do comportamento, caracterizando que os organismos de maneira geral estão e fazem parte do ambiente. Bases fundamentais da Etologia É a partir de certas propriedades anatômicas e fisiológicas dos organismos que o comportamento (como observamos) é possível. Devemos reconhecer que na série filogenética há uma enorme variação na complexidade do comportamento, desde atos simples, breves e repetidos (esteriotipados) até seqüências de atos complexos e variáveis (Dethier e Stellar, 1973). No início, em filogenia, um dado estímulo desencadeia uma resposta específica ou várias estímulos desencadeiam várias respostas (em série ou não). Tais respostas são geralmente invariáveis, se apresentam da mesma forma desde a primeira vez que foram apresentadas, sendo portanto inatas, ou seja herdadas geneticamente. Portanto, os comportamentos inatos se caracterizam por não serem modificados pela experiência, os animais estariam potencialmente prontos para apresentá-los desde o nascimento, independente das experiências que venham viver. São, portanto, típicos da espécie e conferem valor adaptativo, pois são produto da evolução. Mais tarde, em filogenia, o comportamento é mais variável, mais passível de 8 modificações. desenvolvendo ajustes de caráterindividual através do processo de aprendizagem, caracterizando os comportamentos adquiridos ou aprendidos. Neste caso o comportamento ganha plasticidade, sendo moldado pelas experiências vividas por cada indivíduo, possibilitando uma melhor adaptação dos animais à condições não previsíveis do ambiente. Dado seu “status” na escala filogenética as aves se caracterizam pela capacidade de apresentarem uma série de comportamentos que podem ser classificadas como inatos ou aprendidos, compondo um conjunto que permite a ação de mecanismos adaptativos apropriados às condições ecológicas em que vivem. Didaticamente, tanto o comportamento inato como o aprendido podem dividido em algumas subcategorias que são resumidamente apresentadas na Tabela 1. Informações complementares sobre algumas destas subcategorias aplicadas aos frangos serão tratadas adiante e aspectos básicos podem ser encontrados em Dethier e Stellar (1973), Manning (1979) e Grier (1984). O comportamento inato A primeira concepção teórica do comportamento inato foi apresentada por Craig em 1918 (Cunha, 1983), caracterizando-o por duas fases: a fase apetitiva, composta por atos variados, em que estaria presente a busca de certos estímulos - como quando um frango cisca em busca de alimento - e a fase consumatória, formado por movimentos esteriotipados, cuja ocorrência poria fim a fase variável do comportamento inato (apetitiva). Por exemplo, quando o frango faz a apreensão e deglutição do alimento que acabou de encontrar. Estes comportamentos caracterizariam, no conjunto, o que hoje denominamos comportamento motivado, sua expressão depende (como mostrado na Figura 1) tanto de uma condição especial do ambiente interno do organismo (no exemplo acima de estímulos que resultam na sensação de fome), como também da ação de estímulos externos (no caso, o acesso ao próprio alimento). Tabela 1 – Caracterização dos comportamentos inatos e aprendidos. Categorias Sub categorias M e c a n i s m o s envolvidos Característ icas básicas F u n ç ã o predominante I N A T O - Taxias - Reflexos - Comportamentos motivados - automatismo - arco reflexo - mecanismo de liberação inato - automático - ato involuntário - padrões fixo de ação - manutenção da homeostase - manutenção individual e social 9 A P R E N D I D O - Aquisição de habilidades - Habituação - Aprendizado latente (*) - Condicionamento clássico - Condicionamento operante - Imprinting - Insight (*) Mecanismos De Aprendizagem Formação de Associações Variação para a adaptação (plasticidade) (*) de ocorrência duvidosa em galináceos Como apresentado na Tabela 1, o comportamento inato é usualmente classificado em 3 categorias, descritas a seguir: 1. Taxias: Trata-se de comportamentos de orientação, na qual os movimentos são continuamente guiados por um estímulo externo específico. As taxias podem ocorrer duma forma simples e direta, com um dado estímulo externo resultando em uma resposta específica de orientação, como por exemplo com mariposas que são atraídas pela luz, o que chamamos de fototaxia positiva. Entretanto, nem todas as taxias ocorrem de forma tão simples na natureza, estando sujeitas aos efeitos do desenvolvimento (maturação e aprendizado) e podendo ocorrer como uma parte de um conjunto complexo de comportamentos, como na manutenção do equilíbrio durante o deslocamento, por exemplo. 2. Reflexos: Quando um estímulo induz a uma resposta automática, involuntária e fixa. São respostas muito rápidas, sem ação do consciente. As vezes é difícil distinguir de taxia. A taxia, que pode envolver várias respostas reflexas específicas, em geral envolve a movimentação do corpo como um todo, enquanto os reflexos podem ocorrer apenas em determinadas partes do corpo, como o reflexo pupilar por exemplo, que resulta na contração da pupila em presença de luz. Muitos padrões de comportamento são séries de reflexos simples. 10 3. Comportamentos motivados: Quando a expressão de um comportamento depende de uma condição especial do ambiente interno do organismo, dizemos que ele é motivado. Motivado por um estímulo interno, que caracteriza uma vontade ou impulso de realizá-lo. É um comportamento que envolve uma interação complexa entre influências internas e externas. Por exemplo, o comportamento alimentar, é motivado pela sensação de fome (que tem origem em uma série de estímulos internos) e se consolida na presença do alimento (estimulo externo). O estímulo interno, ou melhor a sensação dele decorrente, é denominada motivação e o estímulo externo, específico, de estímulo sinal. O comportamento aprendido Há interações contínuas entre os organismos e o ambiente que promovem mudanças no estado de um e do outro; portanto, não há organismos sem ambiente nem vice-versa. Dessas interações resulta o aprendizado, que é um processo que se manifesta por alterações adaptativas do comportamento individual como resultado da experiência. Embora o processo de aprendizado seja familiar a todos nós, não é tão fácil defini-lo. Nas aves o aprendizado pode se dar basicamente por dois caminhos, tentativa e erro e imitação; resultando na memorização de experiências que podem alterar a probabilidade de ocorrência de um dado comportamento a ela relacionado. Como apresentado na Tabela 1, o aprendizado pode ser dividido em 4 categorias: 1. Aquisição de habilidades: consiste na integração de componentes separados do comportamento em padrões eficientes que se tornam constantes na forma e pouco sujeitos ao controle da consciência. Como exemplo podemos citar a série de padrões motores envolvidos na busca e apreensão de alimentos pelas aves, como ciscar, bicar e apreender o alimento. 2. Habituação: Se caracteriza quando um indivíduo pára de responder a um dado estímulo, quando este é apresentado repetidamente, não sendo associado a qualquer tipo de recompensa ou punição. Portanto só ocorre em relação a estímulos inócuos ao organismo. Devemos ter o cuidado de diferenciar habituação de fadiga (quando um organismo não responde a um 11 estímulo por estar cansado) e de adaptação sensorial (quando o orgão sensorial deixa de responder a um estímulo constante e inevitável, embora este possa estar causando danos ao organismo, como por exemplo luz forte nos olhos). 3. Condicionamento clássico (ou reflexo condicionado): se caracteriza pela formação ou fortalecimento de uma associação entre um estímulo previamente significativo (por exemplo a visão do alimento => ENC = estímulo não condicionado) e outro previamente neutro (por exemplo o som de uma campainha => EC = estímulo condicionado). Após apresentações sucessivas de EC em relação com ENC, o animal passa a responder à EC da mesma forma que o faz quando apresentado ENC. Para que o condicionamento ocorra é essencial que a apresentação de EC seja contígua à de ENC. Uma vez estabelecida a associação, o animal pode responder ao EC (com a resposta condidionada = RC) mesmo na ausência do ENC. No caso a RC é fenotipicamente a mesma que a resposta não condicionada (RNC), no exemplo acima a produção de suco gástrico. Esquematicamente temos : visão do alimento (ENC) não aprendido RNC produção de suco gástrico som da campainha (EC) Aprendido RC 4. Condicionamento operante: consiste no fortalecimento de uma resposta ativa (operante) pela apresentação de uma reforço (recompensa) se e somente se a resposta ocorrer. Assim, a apresentação de uma dada resposta dá direito a uma recompensa. Este é um tipo de aprendizado muito comum nas granjas que usam bebedouros do tipo “nipple”, no qual as aves devem aprender como acioná-los para ter acesso a água. Esquematicamente temos: EC (bebedouro) RC (bicar bebedouro) ENC (água) RNC (beber água) Reforço (recompensa )ENC só aparecerá se RC ocorrer 12 5. Aprendizado latente: aprendizado sem recompensa evidente. A aquisição do comportamento não é exibida no momento do aprendizado, fica latente, sendo apresentado mais tarde. Este tipo de aprendizado é freqüentemente associado com atividades de exploração e curiosidade, se dá por exemplo quando um dado animal está explorando seu ambiente e aprende novos caminhos, que só serão usados posteriormente. 6. “Imprinting” (estampagem): é um processo que envolve a formação de um vínculo social primário durante períodos sensíveis no desenvolvimento (Hess, 1970). A ocorrência de período(s) sensível(eis) é variável, dependendo da espécie e do objetivo do “imprinting”. O exemplo clássico de “imprinting” é o do aprendizado da identidade dos pais pelos filhotes (caraterístico em jovens de espécies precociais, como os pintainhos por exemplo), o que se dá num tempo relativamente curto. No caso de pintainhos, inicialmente eles seguem qualquer galinha (ou outros estímulos) que atravessem seu caminho, e com o passar do tempo passam a seguir apenas mãe. O período crítico em pintainhos vai desde as pimeiras horas após a eclosão até aproximadamente 3 dias de idade, uma vez formado o vínculo é extremamente difícil mudá-lo ou acabar com ele. 7. “Insight” (aprendizado por compreensão): entende-se por “insight” o meio de resolver um problema através da combinação de duas ou mais experiências isoladas, formando uma nova resposta, que é eficaz. Não há evidências desse tipo de aprendizado em galinhas. Informações mais detalhadas sobre os aspectos básicos do comportamento aprendido podem ser obtidas em Maller e Terrace (1984) e Grier (1984). O estudo do comportamento e a análise do bem-estar de frangos de granja Para garantir que os animais possam expressar seu comportamento natural geralmente assumimos que devemos submetê-los a um sistema de criação com manejo mínimo, ou seja mantendo-os num ambiente similar àquele que viveram seus ancestrais selvagens ou em que vivem as populações asselvajadas (caracterizadas por grupos de animais domésticos, que passaram a viver fora do controle humano), procedendo apenas o manejo essencial para assegurar sua saúde. 13 Esse é um dos princípios que estimulam a criação de frangos ao ar livre, caracterizado pela liberdade de movimento num ambiente mais rico em estímulos. Em alguns países, Grã-Bretanha por exemplo, este sistema de criação resulta na comercialização de frangos certificados como “free-range”, que seria caracterizado grosseiramente pelo frango caipira no caso do Brasil. Tal produto tem um mercado em expansão e, invariavelmente, tem maior custo de produção, mas também alcança maior valor de mercado . É inquestionável que os métodos atuais de exploração avícola resultam em uma série de problemas, muitos deles resultante da expressão de comportamentos inadequados ao contexto da criação, como por exemplo as reações de medo e fuga, produtos da seleção natural que proporcionam valor adaptativo para os animais no ambiente natural (Jones, 1997) e risco para animais em criação intensiva. Em outros casos os problemas podem ser decorrentes da falta ou diminuição de expressão de certos comportamentos, como a locomoção, cuja limitação pode gerar efeitos negativos na formação de músculos, ossos e articulações de pernas e pés (Lewis e Hurnick, 1990). Trataremos desses temas mais adiante. Por agora vamos discutir o conceito de bem-estar animal, analisando a sua utilidade e aplicação na avaliação dos sistemas de produção de frangos de corte. O conceito de bem-estar animal e suas aplicações O tema bem-estar animal, bastante presente quando se discute a criação de animais para consumo, pode ser tratado de diversas formas. Fora do meio acadêmico ele é geralmente tratado do ponto de vista ético, com grupos que atuam em defesa dos animais (e seus direitos) pressionando para definição de normas legais que limitem a ação do homem no trato com os animais. Tais movimentos têm crescido com tal força que grande parte da legislação da União Européia (UE), envolvendo as relações entre homens e animais, foi elaborada sob tais influências. Não estamos tão distantes dessa realidade européia, afinal se quisermos exportar frangos para os países que participam da UE devemos produzi-los segundo suas regras (esta é uma exigência legal). Além disso, há também as pressões internas em defesa dos animais, tanto de caráter social como legal (Levai, 1998) que, de uma forma ou de outra, acabam interferindo na definição do modo que os animais serão criados. Não por acaso, quando abordamos o tema cientificamente encontramos um convergência de interesses. Ou seja, ao conhecer e respeitar a biologia dos animais que criamos, podemos 14 melhor o seu bem-estar, também obtemos melhores resultados econômicos, quer aumentando a eficiência do sistema de criação quer obtendo produtos de melhor qualidade. Uma pergunta básica sobre o bem-estar de frangos em sistemas de criação intensiva seria: como saber se o bem-estar dessas aves está sendo prejudicado ou favorecido pelo meios e métodos de criação (Dawkins, 1999). Injúrias, doenças e deformidades são sinais óbvios de que o bem-estar está prejudicado, como também quando ocorrem alterações no comportamento (Broom e Johnson, 1993; Dawkins, 1999). Para uma boa análise desse tema é necessário lembrar os conceitos de homeostase e necessidade, que são essenciais para a definição do conceito de bem-estar animal. A homeostase, ou manutenção do meio interno do organismo em equilíbrio, se dá através de uma através de uma série de sistemas funcionais de controle, envolvendo mecanismos fisiológicos e reações comportamentais (Cannon, 1929; Macari et al., 1994), mantendo estável, por exemplo, a temperatura corporal, o balanço hídrico, as interações sociais, etc.. O bem-estar é prejudicado quando o animai não consegue manter a homeostase ou quando ele consegue mantê-la às custas de muito esforço. Intimamente relacionado ao de homeostase está o conceito de necessidade; como segue: animais têm sistemas funcionais de controle, que atuam na manutenção do equilíbrio do organismo (homeostase), assim, a constante estimulação dos animais acionam esses sistemas, levando-os a buscar os recursos e/ou os estímulos necessários para a manutenção da homeostase. Essa situação define uma necessidade, que só pode ser remediada quando um dado animal obtêm um recurso particular ou apresenta uma resposta a um determinado estímulo do ambiente ou do próprio organismo (Fraser e Broom, 1990; Broom e Johnson, 1993). Em um dado momento da vida de um animal, ele terá uma variedade de necessidades, algumas mais urgentes do que outras; cada uma delas tendo uma conseqüência no estado geral do animal (Baxter, 1988; Broom e Johnson, 1993). Se um dado animal não esta apto a satisfazer uma necessidade, a conseqüência, mesmo que rápida e eventual será um prejuízo no bem-estar (Fraser e Broom, 1990). Essas conseqüências nem sempre reduzem o sucesso reprodutivo dos animais, o “fitness”. Existem situações em que o controle da situação é difícil, mas não provoca conseqüências de longo prazo; nesse caso, então, há um efeito momentâneo no bem-estar, sem alterar o sucesso reprodutivo. Em outras situações esse efeito é mais severo, prejudicando de forma acentuada o desenvolvimento do animal, colocando sua vida em risco (Broom e Johnson, 15 1993) . Segundo Dawkins (1999), ao analisarmos o bem estar dos animais devemos considerá-lo com dois componentes distintos, o bem-estar físico e o bem-estar psicológico. A avaliação do bem-estar físico é mais simples, a detecção de problemas de saúde, de ferimentos e de necessidades nutricionais não atendidas, são indicativos seguros de que o estado de bem-estar de um dado animal não é bom. Esta avaliação não é tão simples quando se trata do bem-estar psicológico, por exemplo comoavaliar medo, frustração ou ansiedade em animais, situações que com certeza trazem problemas em termos de bem-estar e que são de difícil acesso (Broom e Johnson, 1993). Há uma série de pesquisadores envolvidos com este tema, tentando encontrar meios para avaliar o bem-estar dos animais de produção, com ênfase na análise de características bioquímicas, fisiológicas e comportamentais de animais submetidos a diversas situações que, supomos, os prejudicam e consequentemente são deletérias ao seu bem-estar. Maior detalhamento sobre essas abordagens pode ser encontrado em Dawkins (1990); Broom e Johnson (1993) e Appleby e Hughes (1997). Ao menos já sabemos que se as necessidades não são atendidas, incluindo aí a manutenção do equilíbrio orgânico, há prejuízos para o bem-estar animal. Mas afinal, o que é bem-estar ? De acordo com a definição de Broom (1986), bem-estar é o estado do organismo durante as suas tentativas de se ajustar com o seu ambiente. Segundo Broom e Johnson (1993: pg. 75 e 76) há várias implicações dessa definição, das quais destacamos: 1) Bem-estar é uma característica de um animal, não é algo que pode ser fornecido a ele. A ação humana pode melhorar o bem-estar animal, mas não nos referimos como bem-estar ao proporcionar um recurso ou uma ação. 2) Bem-estar pode variar entre muito pobre e muito bom. Não podemos simplesmente pensar em preservar e garantir o bem-estar, mas sim em melhorá-lo ou assegurar que ele é bom. 3) Bem-estar pode ser medido cientificamente, independentemente de considerações morais. A sua medida e interpretação deve ser objetiva. Há uma série de recursos e estímulos que supomos serem necessários aos frangos e, dependendo das circunstâncias, a ausência ou baixa disponibilidade desses recursos podem ter efeitos diretos sobre o bem-estar e produtividade desses animais. Destaque para a oferta e distribuição de alimentos - incluindo a água. Para assegurar que os animais mantenham suas atividades de forma equilibrada, tais recursos precisam ser disponibilizados de forma a atender a 16 necessidade de todos. Assim, o espaço que os animais dispõem para ter acesso a esses recursos e a distância entre as fontes é algo que também precisa ser considerado. Ao nosso ver a maneira correta de obter esta resposta é através da observação do comportamento das aves, pois tanto a necessidade de um dado recurso e como seu uso são circunstanciais, dependendo do tipo de frangos que criamos, das condições ambientais e das estratégias de criação. Passemos a análise de alguns desses comportamentos. O desenvolvimento dos comportamentos em pintainhos Logo após o nascimento os animais raramente apresentam todo seu repertório comportamental. Diferentes comportamentos são manifestados em diferentes momentos da vida do indivíduo. Obviamente diferentes organismos desenvolvem-se de maneiras muito diferentes. As taxas e estágios de desenvolvimento no nascimento varia muito entre as espécies, o que permite classificar os filhotes em altriciais, sendo aqueles que dependem muito dos cuidados e atenção de adultos e precociais, que podem se mover, comer, etc., tendo a capacidade, às vezes mínima, de enfrentar os desafios da vida. Dado seu grau de desenvolvimento ao nascimento, os pintainhos são classificados como precociais. Dentre os comportamentos que colocam os pintainhos nesse grupo estão a capacidade de locomoção e o comportamento alimentar. Tomando este último com exemplo vemos que há uma tendência inata dos pintainhos bicarem e ingerirem objetos contrastantes, dentre eles os alimentos, logo após o nascimento. Embora eles não dependam da ingestão de alimentos nos 2 primeiros dias de vida, pois eles têm reservas nutritivas suficientes no saco vitelino (Forbes, 1995), desde as primeiras horas de vida eles já começam a bicar e ingerir substâncias nutritivas e não-nutritivas. Sabe-se que a seleção dos itens a serem ingeridos é primeiramente feita através de estímulos visuais e logo a seguir gustativos (Fisher, 1975; Wood-Gush, 1983) e que a eficiência para acertar as bicadas é, inicialmente, muito baixa, melhorando com o passar do tempo. Tal situação tem levado vários pesquisadores a se perguntar se o aperfeiçoamento do desempenho de determinados comportamento estaria associado a prática ou ao desenvolvimento do sistema nervoso central (maturação). Na busca do entendimento das causas promovem uma melhoria na eficiência de bicar em pintainhos, Cruze (1935) desenvolveu um experimento medindo a precisão das bicadas para 17 apreensão de alimentos em diferentes idades com pintainhos experientes e não experientes (não receberam alimento antes do teste). Para realizar esse estudo ele colocava os pintainhos em um cercado com o piso pintado de preto, sobre o qual eram colocados 2 ou 3 grãos de cereais, permitindo aos pintainhos 25 bicadas, caso um grão fosse ingerido era imediatamente substituído. Cada pintainho era testado em uma determinada idade e 12 horas após o teste, com os pintainhos alimentando-se naturalmente, repetia-se o teste. Os resultados são apresentados na Tabela 2, nota-se que a precisão das bicadas melhorou com a idade e com a prática. Esses resultados levaram o autor a concluir que o desenvolvimento do comportamento de apreensão de alimentos resulta da interação entre tendências herdadas, que estão definindo a maturação do sistema nervoso central, e do aprendizado, com os animais adquirindo habilidade em bicar através da prática. Tabela 2 – Efeito da idade e da prática na precisão de bicadas por pintainhos nas primeiras horas de vida (adaptado de Cruze, 1935) Idade (horas) Prática (horas) Número médio de erros em 25 bicadas 24 0 6,04 48 12 1,96 48 0 4,32 72 12 1,76 72 0 3,00 96 12 0,76 96 0 1,88 120 12 0,16 120 0 1,00 Um outro aspecto importante ligado ao desenvolvimento é a manutenção da temperatura corporal . Embora precociais, nos primeiros dias de vida os pintainhos não são plenamente capazes de, sozinhos, manter a temperatura corporal através de processos endotérmicos. Usam para este fim, seu comportamento, buscando os recursos disponíveis no ambiente para se aquecer. Em condições naturais este recurso é a própria mãe, que abriga os pintainhos em baixo de suas asas para mantê-los aquecidos; nas granjas este recurso é proporcionado pelo homem, com a instalação de aquecedores. A distribuição espacial dos pintainhos em relação aos aquecedores, pode ser usada para a avaliação do seu conforto térmico. Como é de conhecimento de todos, caso os pintainhos se encontrem amontoados próximos aos aquecedores é sinal de que eles estão enfrentando 18 temperaturas abaixo de sua zona de conforto térmico; no outro extremo, caso todos eles se encontrem afastados dos aquecedores, é sinal que a temperatura ambiente está acima da zona de conforto. Em ambos os casos as aves estariam com o bem-estar prejudicado, sendo que na situação de conforto térmico esperamos uma distribuição homogênea dos animais pela área de criação, como ilustrado na Figura 2. Este é um bom exemplo da aplicação prática da observação do comportamento na avaliação das condições de criação e estratégias de manejo. Lembrando que as temperaturas de conforto variam com a idade, sendo recomendado manter a temperatura do ar entre 32 e 35o C sob os aquecedores na primeira semana de vida (Sainsbury, 1988), reduzindo a temperatura por volta de 2,5o C por semana, mantendo-a no mínimo de 21o C a partir da 5a semana de vida (Ewing et al., 1999). Sob temperatura ambiente de 26o C já começa a haver ligeira redução na ingestão de alimentos, conforme a temperatura vai subindo esses efeitos vão se agravando e, entre 29 e 32o C, já ocorre efeitos negativos significativos na produtividade, tornando necessário o uso de esquipamentos de resfriamento (ventiladores, ar condicionado, etc.) (Ewing et al., 1999). As aves apresentam alguns comportamentos que podemser usados como indicadores de estresse de calor, como: queda das asas e postura ereta (Macari et al., 1994). A B 19 C D Figura 2 – Uso do espaço pelos pintainhos em função da fonte de calor (representada pelo circulo menor): A - pintainhos amontoados sob o aquecedor => sinal de que eles estão enfrentando temperaturas abaixo de sua zona de conforto térmico; B - pintainhos afastados dos aquecedores => sinal que a temperatura ambiente está acima da zona de conforto; C – pintainhos amontoados em um dos cantos => situação comum em ambientes com corrente de ar ao nível do piso; D - distribuição homogênea dos pintainhos pela área de criação => situação de conforto térmico; (adaptado de Sainsbury, 1988). O comportamento social dos frangos e o uso do espaço. Frangos são animais gregários, ou seja, vivem em grupos. Isso parece ser tão importante para eles que quando isolados de seu grupo demonstram reações de medo (Keer-Keer et al., 1996) . A socialização nas aves domésticas começa muito cedo, caracterizando-se pelo processo de “imprinting”, pelo qual os pintainhos, em condições de incubação natural, aprendem a reconhecer sua mãe através de estímulos visuais e sonoros (Kruijt, 1964), estabelecendo um vínculo social intenso e duradouro a partir de então. Em condições de incubação artificial o “imprinting” também ocorre, tendo como alvo outras aves (inclusive os pintainhos contemporâneos de incubadoura) e até mesmo seres humanos, se esses dedicarem algum tempo junto a eles durante o período sensível. Na verdade, embora a vida em grupo traga uma série de vantagens adaptativas (defesa contra predadores, facilidade para encontrar o parceiro sexual, etc.), ela também traz o aumento na competição por recursos, principalmente quando escassos, resultando na apresentação de interações agressivas entre os animais do mesmo grupo (Paranhos da Costa e Nascimento Jr., 1986). Em condições naturais essa agressividade é controlada, pois as galinhas apresentam uma série de padrões de organização social, que definem como serão as interações entre grupos e entre animais do mesmo grupo, contribuindo para minimizar os efeitos negativos da competição. 20 Um aspecto importante desses padrões de organização está relacionado com o uso do espaço. As galinhas não se dispersam ao acaso em seu ambiente. Este falta de casualidade no uso do espaço é relacionada com as estruturas física e biológica do ambiente, com o clima e com o comportamento social. Aves criadas extensivamente e pouco manejadas definem a sua área de moradia, que é caracterizada pela área onde elas desenvolvem todas as suas atividades. De maneira geral, estas áreas apresentam dimensões variáveis, dependendo da disponibilidade dos recursos e da pressão ambiental (clima, predadores, etc.). Quando essa área é defendida, surge o que denominamos território. Os resultados sobre territorialidade em galinhas não são absolutos. Num estudo com uma população asselvajada de galinhas, que viviam numa ilha da costa de Queensland - Austrália, MacBride et al. (1969) descreveram a formação de territórios, sendo que cada um deles era ocupado por um grupo composto por 1 galo dominante, 4 ou 5 galinhas, um número variável de frangos e ainda alguns galos submissos. Alguns desses machos subordinados podiam mostrar um certo grau de territorialidade, defendendo pequenas áreas, dentro da qual o macho dominante podia ser considerado um intruso. O território maior se caracterizava por ser de uso múltiplo, compreendendo toda a área de moradia do grupo, enquanto que os territórios defendidos pelos subordinados se restringiam a defesa do espaço para reprodução. Num outro estudo (Wood-Gush et al., 1978), não foi encontrado qualquer indício de comportamento territorial. Possivelmente a manifestação de comportamento territorial dependa de condições ecológicas, principalmente em relação ao espaço disponível e a relação entre o número de machos e fêmeas. Embora não exista relatos sobre o que ocorre com o uso do espaço quando não houve formação de território, é bem descrito para outras espécies (Deag, 1981) que nestas condições a organização social entre grupos pode se dar através de outros padrões de dispersão, num deles os grupos se evitariam quando se encontrassem na mesma área, ou então usariam o espaço de forma conjunta, caracterizando uma situação de tolerância mútua. A organização social dentro do grupo também envolve padrões de espaçamento, além de outros mecanismos. Para cada um dos indivíduos do grupo há a caracterização de um espaço individual, representado pela área onde a ave se encontra ou se encontrará, portanto, se desloca com ela. Esse espaço compreende, aditivamente ao espaço físico ocupado pelo corpo de uma dada ave, o espaço necessário para que ela realize seus movimentos básicos (como deitar e levantar, por exemplo) e um espaço social, que caracteriza a distância mínima que se estabelece 21 entre ela e os demais membros do grupo. Existe também a distância de fuga, que é o máximo de aproximação que ela irá tolerar na presença de um estranho, do predador ou mesmo do dominante, antes de iniciar a fuga, definindo a zona de fuga. Tais comportamentos de espaçamento são ilustrados na Figura 3. Predador Distância de fuga Zona de fuga ----------------------------- Espaço individual (espaço físico + espaço social) Animal Figura 3. Esquema ilustrativo do espaço individual (espaço físico ocupado pelo corpo + espaço social) e a distância de fuga. As diferenças apresentadas no desenho representam a existência de diferenças individuais. Todavia, tais padrões de espaçamento não são suficientes para a neutralização da agressividade entre as aves de um mesmo grupo que estejam competindo por algum recurso. Há outros mecanismo de controle social, que têm origem na competição e na familiaridade entre elas, que resultam na definição da hierarquia de dominância e da liderança, respectivamente. Embora os aves de granja não sejam mantidos em grupos sociais naturais, seus padrões de organização social se mantêm. A dominância se estabeleceria da mesma forma, ou seja pela competição, que resulta de interações agressivas entre os animais de um mesmo grupo quando competem por um determinado recurso, definindo o que Schjelderup-Ebbe denominou “ordem das bicadas” (Guhl, 1970), uma ordem que define quem terá prioridade no acesso a comida, água, sombra, etc. O dominante é o indivíduo (ou indivíduos) do grupo que ocupa a posição mais alta na hierarquia, dominando os demais, atacando-os impunemente e tendo prioridade em qualquer competição; os submissos (ou dominados) são os que se submetem ao dominante. Os fatores que normalmente determinam a posição na hierarquia são o peso, idade e raça. O tempo até o estabelecimento da hierarquia em um lote recém formado vai depender do número e da idade dos animais, além do sistema de criação. A partir da hierarquia estabelecida a agressividade diminui e, eventualmente um movimento de levantar ou abaixar a cabeça pode ser suficiente para representar dominância ou submissão. Há relatos de duas ordens de bicadas dentro de grupos naturais de galinhas, uma para 22 machos e outra para fêmeas; em determinados casos esta ordem pode ser formada sem combates entre as aves, dependendo das características de cada indivíduo, que podem ser menos agressivos, podem estar com saúde precária ou ainda não ter experiência na luta (Guhl, 1970). Outros fatores que influenciam na ordem das bicadas são: a aparência (principalmente da crista e das penas), o nível de hormônios sexuais (testosterona, em particular) e a experiência em lutas (Wood-Gush, 1971). No casos de galinhas criadas juntas desde a eclosão dos ovos, a ordem das bicadas se desenvolve gradualmente. Os pintainhos raramente se bicam, não indo além de posições de ameaça. Estudando o desenvolvimentodo comportamento social de pintainhos, Kruijt (1964) concluiu que não há grandes diferenças entre as espécies selvagens e doméstica; havendo grande variabilidade entre indivíduos com relação a idade em que certos padrões do comportamento aparecem; de maneira geral as interações sociais aparecem numa seqüência mais ou menos uniforme, nessa ordem: orientação em relação a outros membros do grupo, aproximar e seguir, bicar, fugir e reações de medo, agrupar, brincar de lutar, bicadas agressivas, evitar encontros e lutar. A medida que crescem começam as lutas e a partir dessas lutas se forma a ordem das bicadas; há relatos de que as primeiras bicadas agressivas começam a ser dadas a partir da 2a semana de idade (Guhl, 1991). Entretanto, pelo que se sabe, a ordem de bicadas só começa a ser definida a entre a 7a e a 8a semana de idade nos machos e na 9a semana nas fêmeas (Wood-Gush, 1983). Assim, dada as condições atuais de produção de frangos de granja, que leva ao abate animais com idade entre a 6a e 7a semanas de idade, não há tempo para a formação da hierarquia de dominância em frangos de granja, aparentemente porque até a idade de abate eles ainda não são capazes de reconhecer seus parceiros de grupo (Wood-Gush, 1983). Nesse caso as interações sociais competitivas se dão de forma aleatória, sem definição prévia de dominantes e subordinados. Uma vez estabelecida a ordem das bicadas ela se mantém num equilíbrio dinâmico, ou seja, há um nível basal de agressividade, resultante em competições que podem levar a mudanças na ordem hierárquica. Qualquer alteração no grupo, principalmente com a inclusão de novos indivíduos, provoca uma quebra no equilíbrio social. Quando indivíduos do grupo são separados por duas semanas ou mais, eles são tratados como estranhos quando voltam ao grupo, o que indica que a manutenção da ordem das bicadas depende do reconhecimento individual, e que depois de alguns dias de separação, as galinhas esquecem umas das outras (Guhl, 1970; Wood-Gush, 1971). 23 Assim, para que a ordem das bicadas se estabeleça e se mantenha cada ave deve ser capaz de reconhecer e lembrar das outras que compõem seu grupo, há indícios de que as galinhas são capazes de memorizar esse tipo de informação por, no máximo, 2 semanas. Estudos têm sugerido que o reconhecimento individual é baseado principalmente em características da cabeça (Wood-Gush, 1971 e 1983); por exemplo, uma ave submissa pode não evitar um contato com a dominante até que esta tenha a cabeça visível (Wood-Gush, 1971). Tal condição se aplica facilmente em pequenos grupos; em grandes grupos algumas aves podem evitar outras simplesmente por que são maiores (Wood-Gush, 1983). Há evidências de efeitos genéticos na definição de quem será dominante ou submisso, o que indica a possibilidade de se selecionar linhagens para uma ou outra tendência dentro da ordem de bicadas, havendo relatos de diferenças entre raças e linhagens nas relações sociais que determinam a hierarquia (Wood-Gush, 1983). Outros aspectos interessantes sobre comportamento social das aves são a liderança e a facilitação social, que muitas vezes resultam na apresentação de atividades sincronizadas. Um bando de galinhas se comporta como uma unidade, na qual a maioria dos membros apresentam o mesmo comportamento ao mesmo tempo. Bicar e comer são comportamentos diretamente facilitados pela estimulação social, a visão de outra ave comendo, ou mesmo o som das bicadas, estimulam as outras aves a também bicar ou comer (Wood-Gush, 1983). Há sempre um animal que inicia o deslocamento ou as mudanças de atividade, quando ele é seguido pelos outros, trata-se do líder; que não necessariamente está no topo da ordem de dominância. Nas condições de sistemas intensivos de produção é muito comum a formação de grandes grupos de animais, freqüentemente mantidos em altas densidades. A expectativa é que essas condições aumentem a produtividade, mas não podemos nos esquecer que também terão efeitos sobre a expressão do comportamento. Por exemplo, para as galinhas em condições de alta densidade populacional, é difícil evitar a violação de seu espaço individual, o que pode resultar num aumento de agressividade e estresse social. Quando os grupos são muito grandes, os animais podem ter dificuldades em reconhecer cada companheiro e em memorizar o “status” social de todos eles, com isso também há um aumento na incidência das interações agressivas. Nestas condições os animais ficam mais sujeitos a lesões, que podem prejudicar seu desenvolvimento e a qualidade da carne . O ambiente de criação e seus efeitos no comportamento 24 Os frangos de granja geralmente são criados de forma intensiva, mantidos confinados em lotes de milhares de aves, todos com a mesma idade e origem genética, sobre um piso coberto com uma cama, que pode ser feita de casca de arroz, casca de amendoim, maravalha, palha, etc.. Comedouros e bebedouros são distribuídos de forma a minimizar a competição e a energia gasta com o deslocamento. Cortinas e ventiladores (além de, ocasionalmente, sistemas para aquecimento e refrigeração) são utilizados para o controle do clima (microclima) dentro das instalações, estando disponível aos pintainhos, aquecedores para assegurar o conforto térmico nos primeiros dias de vida. Controlamos também a duração do fotoperíodo e a intensidade de luz incidente no interior das instalações que abrigam os frangos de granja. Além disso o frangos de granja pertencem a linhagens que vêm sendo, nos últimos 40 anos, submetidas a intensa seleção para taxa de crescimento e eficiência na conversão alimentar. Uma tal seleção tem resultado em aves geneticamente muito diferentes, com alterações estruturais, fisiológicas e comportamentais (Weeks et al., 2000). Tais condições diferem drasticamente daquelas originais, presente no inicio da história evolutiva da espécie Gallus domesticus ou mesmo das condições em que ainda vivem muitos indivíduos dessa espécie, frangos caipira por exemplo, que ainda estão sujeitos a uma série de estímulos e pressões ambientais diferentes daquelas que ocorrem nas granjas. Nessas condições, de grande variabilidade ambiental e genética, sempre surge indagações sobre os efeitos dos sistemas intensivos de produção sobre o bem-estar das aves. Para muitos, os bons índices de produtividade, com rápido crescimento, boa conversão alimentar e boa saúde, são suficientes para justificar os atuais sistemas intensivos de produção e assegurar que as aves não enfrentam problemas maiores quando criadas nessas condições (Campos, 2000). Entretanto, para outros, também muitos, a ausência da manifestação de comportamentos originais pode resultar em problemas funcionais, servindo como um indicador de que as aves nesses sistemas de produção enfrentam problemas de bem-estar (Blokhuis, 1986; Fraser e Broom, 1990; Newberry, 1999). Por exemplo, a baixa atividade locomotora, pode estar associada com a crescente ocorrência de anormalidades nas pernas (Weeks, et al., 2000), têm sido usadas para se questionar os atuais sistemas de produção sob os pontos de vista ético e biológico (Gregory, 1998). A seguir passamos a discutir algumas dessas situações de risco, tendo em conta que a ausência de problemas que prejudicam o bem-estar de frangos de granja, não pode ser justificada apenas com bons resultados de produtividade e sanidade, mas sim de forma integrada, com 25 análises de parâmetros fisiológicos e de comportamento. Sobre a atividade locomotora e suas relações com anormalidades nas pernas A atividade locomotora compõe muitos padrões de comportamento, como buscar alimento, água e abrigo, fugir dos predadores, explorar o ambiente, etc.. Entretanto, quando consideramos os frangos de granja, esta atividade provavelmente perdeu parte de seu valor adaptativo, já que eles são criados em condições nas quais os recursos mais importantes, alimento e água, estão facilmente disponíveis(Bizeray et al., 2000), não havendo muito o que explorar e nem predadores que os ameacem. A diminuição da necessidade de se locomover, decorrente das condições de alojamento, associada a seleção para melhor conversão alimentar e maior peso, parece estar levando os frangos de granja a se locomoverem menos (Newberry, 1999; Weeks et al., 2000), como resultado há conseqüências negativas para o bem-estar dessas aves (Bizeray et al., 2000), principalmente em decorrência do aumento de incidência de anormalidades nas suas pernas (Haye e Simons, 1978). Algumas pesquisas têm sido realizadas sobre este tema, analisando os efeitos da disponibilidade de espaço e densidade (Lewis e Hurnik, 1990), do aumento da distância entre comedouros e bebedouros (Newberry, 1999), além do oferecimento de outros estímulos, como os poleiros, por exemplo (Hughes e Elson, 1977; Newberry, 1999; LeVan et al., 2000). Entretanto, a incidência de problemas que afetam as pernas dos frangos contínua alta (Weeks et al., 2000), sem que se tenha uma proposta concreta de como resolvê-los. Com interesse na atividade exploratório, que implica em locomoção, Newberry (1999) realizou um experimento testando vários tratamentos que promoviam o aumento da área disponível, sem (vazia) e com enriquecimento ambiental, caracterizados como recursos essenciais (dobrando a oferta de comedouros, bebedouros e aquecedores), recursos suplementares (colocando um fardo de feno e plataformas de madeira na área extra) e novidades, objetos que eram colocados nas áreas com recursos suplementares, e mudados sistematicamente. Foram encontradas diferenças significativas no número de aves que visitavam a área extra em função dos tratamentos; as aves com o tratamento que continha recursos essenciais foram as que mais usaram a área extra, e as que receberam os outros tipos de enriquecimento ambiental visitaram mais a área do que as do tratamento sem enriquecimento (área vazia). A idade também afetou as freqüências de visitas nas áreas, com um constante aumento de visitas até a 5a 26 semana de idade, caindo ligeiramente na 6a . Nem o peso dos frangos, nem a eficiência alimentar diferiram entre os tratamentos no 21o e 42o dias de idade. As causas mais comuns de mortalidade foram: morte súbita (3.9 ± 0,47%), ascite (0,5 ± 0,16%) e deformidades nas pernas (0,3 ± 0,12%), não havendo diferenças entre tratamentos. A autora concluiu que as aves de todos os tratamentos se mostraram motivadas a visitar a área extra, e que a presença de recursos essenciais em um dos tratamento manteve as aves por mais tempo na área. Dada a forte seleção artificial a que foram submetidas essas aves, a autora sugeriu que os frangos ajustaram seu tempo na área de acordo com seu valor liquido para maximizar as características de produção, justificando assim o maior tempo despendido o maior tempo na área extra com recursos essenciais. Tais conclusões também encontram suporte nos resultados de Hocking et al. (1993), que a atividade locomotora de frangos aumentou consideravelmente quando eles foram submetidos a restrição alimentar. Num estudo recente, Bizeray et al. (2000) se propuseram a descrever o comportamento locomotor de pintainhos com diferentes taxas de crescimento (diferentes grupos genéticos). O autores trabalharam com as perspectivas de que na fase inicial há maiores taxas de crescimento e de mineralização dos ossos, e assim sendo, exercícios nessa fase seriam mais efetivos na prevenção de deformidades nas pernas (Kestin et al., 1992). Consideraram ainda que o nível de atividades na fase inicial seria um bom indicador do nível de atividades em outras idades (Gordon e Tucker, 1993), sugerindo linhagens mais ativas, em termos de locomoção, poderiam ser selecionadas como base na atividade dos pintainhos nas primeiras semanas de vida. Essas hipóteses foram testadas com dois grupos experimentais, um composto por 30 machos de uma linhagem de crescimento rápido (B, IJV 915) e outro por 30 machos “label rouge” (L, T551, SASSO) de crescimento lento. Ambos originários da mesma incubadora. Os animais foram mantidos em baixa densidade (2,5 aves/m2) para permitir a identificação individual. Os animais foram estudados até o 22o dia de idade, registrando-se: o comportamento, o crescimento e o número de aves com laminite. De maneira geral, os resultados mostraram que, independentemente das linhagens, os frangos despenderam pouco tempo em atividade locomotora, mesmo quando eram bem jovens. Durante a fase inicial eles se locomoveram apenas 5% do tempo, ficando deitados a maior parte do tempo (70%). Esses resultados foram muito próximos daqueles relatados para frangos em 27 lotes comerciais (Murphy e Preston, 1988). Resultados semelhantes também foram obtidos por Gordon e Tucker (1993) que, estudando frangos (machos e fêmeas) da linhagem Ross alojados em densidades de 16 e 20 aves/m2, reportaram episódios muito curtos de andar (mais de 75% dos episódios durou menos do que 41 s), e que as aves despenderam mais tempo andando em busca dos comedouros e bebedouros do que andando por outros motivos. Segundo Bizeray e colaboradores (op cit.), o baixo nível de atividade pode ter resultado de vários fatores ambientais, dentre eles o sistema de alojamento, que não teria recursos suficientes para estimular um maior nível de atividade exploratória (Newberry, 1999). Entretanto, conforme demonstrado Hughes e Elson, (1977) e LeVan et al. (2000), o enriquecimento ambiental com a oferta de poleiros não resultou num aumento significativo de locomoção, cabe aqui uma observação: para empoleirar os frangos devem andar até o poleiro, saltar sobre ele se equilibrar (o que as vezes exige também algum deslocamento sobre o poleiro). Partindo da constatação de Bizeray e colaboradores (op.cit), de que a duração média dos surtos de atividades não alimentares foi muito curta, é licito supor que os frangos não andam muito quando não têm necessidades essenciais que só podem ser atendidas com o deslocamento. Entretanto, os resultados de Lewis e Hurnik (1990) mostraram que os frangos não restringem seu deslocamento apenas andando para buscar alimento e água, reportando que a distância média percorrida por dia foi maior do que àquela necessária para visitar comedouros e bebedouros. Bizeray e colaboradores (op cit.) encontraram ainda que a freqüência de aves com laminite foi maior na linhagem de crescimento rápido, que também apresentou maior peso no 22o dia de idade (707,3 ± 16,2 e 413,7 ± 6,7 g, respectivamente). Um outro estudo, sobre os efeitos da laminite no comportamento de frangos de granja (linhagem Ross 308), foi realizado por Weeks et al. (2000), eles observaram que, independentemente das condições de laminite, os frangos despenderam a maior parte do dia deitados (76 a 86%), sendo que mais de ¼ desse tempo eles estavam aparentemente sonolentos ou completamente inativos. Observaram também que, com o avançar da idade, houve um aumento significativo no tempo deitado e uma deterioração na atividade de andar. É provável que os longos períodos de tempo deitado sejam relacionados com as altas taxas de crescimento e de peso corporal dos frangos de granja. O que levou os autores a postularem que a seleção para melhorar a eficiência na conversão alimentar inevitavelmente favorece os animais menos ativos. 28 Os resultados de Weeks e colaboradores (op cit.) também mostraram que os frangos com laminite despenderam ainda mais tempo deitados, geralmente com uma das pernas estendida, num ângulo de aproximadamente 90o em relação ao seu corpo. Tal postura provavelmente está associada com a falta de habilidade para ficar em pé e de se locomover devido a dor. Resultados semelhantes foram obtidos por Falcone et al. (2000) com frangos Hubbard-Petersen a partir da 4a semana de idade, com os animais com laminite despendendo mais tempo deitados e se alimentando (geralmente deitados) e menostempo andando, sendo que quando oferecido enriquecimento ambiental, as aves com laminite despenderam menos tempo interagindo com os estímulos oferecidos. Os resultados acima apresentados (Newberry, 1999; Bizeray et al., 2000; LeVan, 2000; Weeks et al., 2000) caracterizam as diversas linhagens frangos de granja com extremamente inativas, muito diferentes de seus ancestrais selvagens e co-específicos não selecionados intensamente para produção de carne. Essa condição caracteriza um dos efeitos indesejáveis da seleção para alta eficiência de crescimento nos frangos de corte, resultante de problemas nos ossos e nas articulações das pernas (Rauw et al., 1998). Sobre a necessidade ou desejo de empoleirar. Empoleirar é um comportamento natural em galináceos selvagens (Collis e Collis, 1967) e também na espécie doméstica (Blokhuis, 1984). Entretanto o uso de poleiros nas instalações para produção de frangos de granja não é considerado. O uso desse estímulo (ou recurso?) tem sido preconizado para frangos de granja com base no comportamento das aves em vida livre e também porque traria benefícios diretos ao sistema de produção: aumentando a utilização do espaço vertical (MacBride, 1970) e a complexidade do ambiente. Neste caso funcionaria como uma estratégia de enriquecimento ambiental para melhorar o bem-estar das aves (Newberry, 1995). Acredita-se que com a possibilidade de empoleirar poderia haver diminuição na incidência de deformação nas pernas, um sério problema na produção de frangos, dado os efeitos positivos do exercício extra decorrente dessa atividade (Haye e Simons, 1978; Kestin et al., 1992). Entretanto, há relatos de que os frangos de granja não usam os poleiros com a intensidade esperada (Hughes e Elson, 1977; LeVan et al., 2000). No estudo mais recente sobre este tema, LeVan et al.(2000) testaram poleiros colocados em três ângulos diferentes (0, 10 e 20o), todos a uma altura que permitisse fácil acesso aos 29 frangos (8 cm, 0 a 17 cm e 0 a 35,5 cm do piso, respectivamente). Os resultados mostraram que, independente da idade, o uso dos poleiros ficou muito aquém do esperado em todos os tratamentos, com média de apenas 2% das aves usando-os (no máximo 8% das aves usaram os poleiros). Contudo, houve um padrão consistente nesse uso: os poleiros na horizontal (0o e a 8 cm do chão) foram os mais usados e houve um aumento do uso dos poleiros da 1a a 5a semana de idade com decréscimo a partir da 6a semana em todos os tratamentos. A taxa de mortalidade e a porcentagem de aves apresentando problemas nas pernas foram iguais em todos os tratamentos. Assim, há fortes indícios de que os poleiros não devem ser caracterizados como um recurso importante para os frangos de granja, mas ainda não se sabe ainda e se eles deixaram de empoleirar por falta de motivação ou se a ausência desse comportamento é decorrente de algum tipo de desconforto. Sobre as reações de pânico e outros comportamentos de fuga. Há várias reações apresentadas por frangos que podem ser atribuídas ao medo. Algumas delas, como as reações de pânico por exemplo, podem ser causa ou conseqüência de problemas de bem-estar e, em alguns casos, resultar em prejuízos econômicos, com elevação da mortalidade e da incidência de problemas na carcaça (ossos quebrados, contusões, etc.). Medo é uma das emoções primárias, que determinam as formas com que os animais respondem ao seu ambiente físico e social (Jones, 1997). Aceita-se que o medo caracteriza uma reação adaptativa, fazendo com que os animais (e seres humanos) se mantenham distantes de qualquer estímulo que lhes represente perigo. Em sistemas intensivos de produção, onde não há ameaça de predadores, a fonte de medo é geralmente o próprio homem, o que transforma as reações de medo em algo indesejável. Desde os primórdios da domesticação temos selecionado aves menos medrosas, mais adaptadas aos seres humanos e ao ambiente artificial,; entretanto, as reações atribuídas ao medo ainda estão presentes nas diversas raças e linhagens de frangos de corte. Dentro dos atuais sistemas de produção tais reações são potencialmente prejudiciais ao bem-estar das aves, podendo resultar inclusive em redução da produtividade (Jones, 1997). Há diferenças consistentes no temperamento dessas aves entre raças e linhagens, ou mesmo entre indivíduos dentro de linhagens (Murphy e Wood-Gush, 1978; Keer-Keer et al., 1996), ou seja as aves de algumas linhagens parecem ser mais medrosas e reativas do que as de 30 outras. Além das diferenças genéticas em reatividade, há fatores ambientais que também influenciam a reatividade das aves; a falta de habituação a seres humanos por exemplo (Suarez e Gallup, 1982), resultou que as aves reagiram a presença destes como se fossem predadores. Foi, provavelmente, a combinação desses fatores que levou Hemsworth et al. (1994), a encontrar uma grande variação nas respostas de evitação por aves de 22 granjas comerciais, frente à aproximação de humanos. Nesse estudo os autores constataram que a eficiência na conversão alimentar foi pior naquelas granjas em que as aves mostraram maior reatividade. De fato, o nível de medo dos frangos em relação aos humanos explica 28% da variância na conversão alimentar a nível de granjas comerciais (Jones, 1997); segundo esse autor, essa variação provavelmente reflete diferenças na qualidade de mão de obra empregada no cuidado das aves. Reações de pânico são mais comuns em momentos críticos de manejo, como na apanha e ao pendurar os animais pouco antes do atordoamento que antecede o abate. Na apanha, bem como nos abatedouros, usualmente pegamos os frangos pelas pernas levantando-os do solo (ou da caixa de transporte) num movimento abrupto. As reações mais comuns das aves submetidas a esse tipo de manejo é se debater (o corpo todo) e bater as asas (Gregory e Bell, 1987; Jones et al., 1997). Tais respostas podem comprometer seriamente o bem-estar das aves e a qualidade do produto, pois certamente causam dor e contusões na carcaça (Jones et al., 1998). Além disso, ao se debater, os frangos geralmente levantam a cabeça, o que pode reduzir a eficiência do atordoamento (Gregory e Bell, 1987) . Numa série de trabalhos conduzidos por Jones e colaboradores (Jones e Satterlee, 1997; Jones et al., 1997; Jones et al. 1998) foram analisadas várias estratégias para reduzir tais reações, estudando-se, em sistemas que imitavam as condições que as aves enfrentam quando são penduradas na linha de abate, os efeitos de: diminuir da intensidade de luz no local onde se procedia o manejo, cobrir a cabeça das aves com um capuz e restringir o movimento das aves através de um aparato (semelhante a uma cortina) que ficava em contato com o corpo das aves. Os resultados demonstraram que manipulações simples podem ser eficientes na redução da agitação da aves durante a apanha e ao pendurar as aves na linha de abate. Embora exista alguma controvérsia (Jones et al., 1997), há fortes evidências de que a diminuição na intensidade de luz acalma as aves (Gregory e Bell, 1987; Jones et al. 1998). Na visão de Jones et al. (1997) tal medida poderia ser adotada sem problemas nas instalações 31 comerciais de abate de frangos diminuindo a agitação dos mesmos sem colocar as operações de atordoamento e abate em risco. O uso de capuz, cobrindo a cabeça das aves, praticamente eliminou as reações delas se debaterem (Jones et al., 1997; Jones et al., 1998). Os autores assumiram que esse tipo de manipulação não é praticável em escala comercial, mas o resultado é sugestivo, pois outras estratégias para bloquear a visão das aves podem ser desenvolvidas, esperando-se resultados semelhantes aos observados com o capuz (Jones et al., 1998). A utilização de cortinas (pesada o suficiente para limitar os movimentos das aves) também reduziu as reações das aves se debaterem (Jones et al., 1998), os autores explicaram que esse efeitopode ter sido em decorrência da limitação física proporcionada pela cortina ou porque as aves assumiriam uma resposta de imobilidade ao receberem um estímulo tátil continuo. Pelos resultados acima fica claro que os avanços na compreensão dos comportamentos das aves podem gerar novas estratégias para seu manejo, promovendo seu bem-estar e assegurando melhor rendimento econômico. Entretanto, para implementa-las de forma eficiente ainda temos muito o que aprender, particularmente sobre as reações de pânico e os outros comportamentos de fuga dos frangos de granja. Sobre a seleção de dieta. A hipótese de que as aves podem escolher alimentos de acordo suas características nutritivas, tendo em conta suas necessidades, tem sido explorada com certa freqüência (Forbes, 1995). Havendo evidências de que frangos de corte são capazes de balancear a ingestão de proteína através da seleção de dieta (Forbes e Shariatmadari, 1994). Obviamente as aves mantidas em sistemas intensivos de produção ficam impossibilitadas de proceder esse tipo de seleção, uma vez que elas são alimentadas com rações balanceadas e homogenizadas, caracterizando a oferta de um único alimento. Isto não ocorre em condições naturais, onde os animais têm oportunidade de selecionar o que vão comer dentre os vários itens disponíveis. Essa condição, de variedade de recursos alimentares com diferentes composições nutricionais, deve ter resultado na evolução de estratégias que capacitassem as aves a balancear sua dieta, a seleção de alimentos que atendam suas necessidades. Há fortes evidências de que o aprendizado tem importante papel na escolha desses 32 alimentos (Forbes, 1995; Capítulo 12). Por exemplo, o aprendizado por imitação: ao ver e ouvir a mãe comendo, os pintainhos, desde as primeiras horas de vida, são estimulados a bicar os alimentos (Savory et al., 1978) e a partir da ingestão de alimentos agradáveis ao paladar há o reforçamento do comportamento de bicar e ingerir. Assim os pintainhos aprendem, através de imitação e condicionamento operante, o que comer. Esse aprendizado se daria principalmente pela associação entre a cor e o sabor do que foi ingerido, pois apesar de haver uma preferência natural por alimentos com determinadas cores, a associação entre a cor do alimento e a experiência adquirida durante a ingestão (particularmente envolvendo o paladar) parece ser mais importante na definição do que será ingerido ou não (Forbes, 1995). Talvez esse seja o mecanismo que assegure a seleção de uma dieta balanceada pois, como descrito por Forbes (1995), devem existir meios de transmitir as informações sobre os efeitos metabólicos de determinados alimentos para o cérebro, e a partir dessas informações as aves poderiam estabelecer associações com uma ou mais propriedades sensoriais do alimento, capacitando-as a proceder a seleção da dieta. Uma outra possibilidade é a de que as aves (e outros animais) tenham sido selecionadas para apresentar motivações específica à determinados nutrientes, o que é denominado apetite específico ou fome específica (Forbes, 1995). Para a água por exemplo, que é considerada o nutriente mais importante na dieta de várias espécies animais, há a manifestação de uma sensação específica, a sede, que resulta na sua busca e ingestão. Para outros nutrientes não é tão simples caracterizar o apetite específico. Obviamente que não é tão fácil encontrá-los isoladamente na natureza. Entretanto, há evidências experimentais de que as aves apresentam apetite específico por alguns outros nutrientes além da água, como por exemplo o apetite por minerais e vitaminas e a regulação da ingestão de proteínas e amino ácidos (Forbes, 1995). Para as aves o apetite por cálcio é o mais amplamente reconhecido, havendo evidências de que é aprendido (Hughes e Wood Gush, 1971). Embora haja recomendações de que as aves são capazes de balancear a dieta, selecionando alimentos com taxas de proteína e energia próximas daquelas que proporcionam um crescimento ótimo, ainda há muitas dúvidas sobre como se dá a formação de apetites específicos e quais os fatores que podem interferir nessa seleção (Forbes, 1995). Assim, do ponto de vista das práticas de criação, recomenda-se continuar oferecendo rações balanceadas, de acordo com as necessidades nutricionais das aves, e homogenizadas, assegurando a correta ingestão dos nutrientes essenciais. 33 Considerações finais Para melhor avaliar os sistemas de produção de aves é necessário ampliar o conhecimento sobre seus comportamentos e bem-estar, independente dos sistemas de criação. Só assim poderemos interferir de forma adequada, proporcionando instalações e manejos adequados com o propósito de minimizar os riscos de acidentes e garantir melhores desempenhos e qualidade do produto obtido, além de atender a demanda da população por sistemas de produção que assegurem que o bem-estar das aves não é comprometido. Para tanto precisamos de contar com instalações adequadas (que facilitem o trabalho sem causar restrições severas as aves e garantam a preservação dos recursos naturais), pessoal convenientemente treinado (conhecedores das necessidades das aves e das técnicas de como bem manejá-las), animais com nível adequado de reatividade (que não sejam muito reativos durante o manejo, mas também não sejam extremamente passivos, incapazes de responder a estímulos que se caracterizem como ameaça) e supervisão das atividades (para avaliar a adequação das instalações e garantir a eficiência no treinamento dos trabalhadores). Referências bibliográficas Appleby, M.C.; Hughes, B.O. (1997). Animal welfare. CAB International: Wallingford,UK. Baxter, M.R. (1988). Needs - behavioural or psychological? Applied Animal Behaviour Science, 19: 345 - 348. Bizeray, D.; Leterrier, C.; Constantin, P., Picard, M.; Faure, J.M. (2000). Early locomotor behaviour in genetic stocks of chickens with different growth rates. 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