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Realismo ou Relativismo para Pesquisa e Teoria de Marketing: um Comentário sobre o “Realismo Científico” de Hunt A interpretação de Hunt sobre o realismo científico é comparada com a visão relativista/construcionista introduzida anteriormente neste jornal. Embora algumas semelhanças sejam encontradas, as duas visões se diferem de forma mais relevante em termos da natureza da realidade, da natureza da verdade e do valor do conceito de incomensurabilidade. Muitas implicações são oferecidas para cientistas do marketing sobre qual a diferença que faz a visão que eles aceitam. Contudo, o autor conclui que os teóricos do marketing filosoficamente orientado precisam demonstrar mais o valor do trabalho deles para cientistas do marketing. (MINHA PARTE) No nível de investigação empírica – e concentrando na prática de investigadores do que em comentários teóricos que eles fornecem – existem mais evidencias a serem citadas em prol do relativismo do que contra ele. O realismo científico foi apresentado recentemente neste jornal como uma filosofia apropriada da ciência para guiar a pesquisa e teorias de marketing (Hunt 1990). Essa visão rejeita todas as formas de relativismo, incluindo aquelas propostas no marketing, que incluem o relativismo crítico (e.g., Anderson 1983, 1986) e a perspectiva relativista/construcionista (e.g,, Peter e Olson 1983. 1989). O realismo científico defende que a verdade é o objetivo apropriado para a teoria e pesquisa de marketing e que a ciência pode vir a conhecer o mundo real, porém sem muita certeza. (CONCEITO) Para acadêmicos procurando reconciliar posições filosóficas na teoria do marketing, várias semelhanças são encontradas entre o realismo científico e as visões relativistas. Por exemplo, o realismo científico rejeita o positivismo lógico, o empirismo lógico e a falsificação como filosofias aceitáveis para as pesquisas e teorias de marketing (Hunt 1990, p.11). Relativistas do marketing têm rejeitado essas filosofias por muito tempo. O realismo cientifico defende que “não existe nenhuma grande teoria da ciência” (Hunt 1990, p.8). Relativistas também têm defendido por muito tempo que não existe um único método ou abordagem para a ciência. Contudo, vários pontos divergentes também são percebidos entre o realismo científico e a visão relativista. As duas filosofias divergem na natureza da realidade, na natureza da verdade e no valor do conceito de incomensurabilidade. Essas questões são críticas para as pesquisas e teorias do marketing, assim como para qualquer campo que procure desenvolver conhecimento. OBJETIVO DO ARTIGO: O propósito deste artigo é avaliar a posição do realismo científico em relação a essas questões e compará-la com a visão relativistas/construcionista. Tal comparação permite que os teóricos e pesquisadores do marketing possam julgar melhor qual abordagem da ciência faz mais sentido para eles e qual oferece um guia melhor para seus trabalhos. Ainda, tal comparação pode ajudar a determinar qual trabalho futuro necessita ser feito na área. Visões sobre a natureza da realidade A principal diferença entre o realismo científico e a visão relativista/construcionista está na natureza da realidade científica, porém sem muita certeza. A perspectiva relativista vê a ciência como construtora de várias visões da realidade. Visão realista da realidade O realismo científico é baseado em quatro posições; três são investigadas aqui e a quarta é examinada em uma seção subsequente. As três primeiras são: “(1) o mundo existe independente de sua percepção (realismo clássico), (2) o trabalho da ciência é desenvolver conhecimento genuíno sobre aquele mundo, mesmo se tal conhecimento nunca será conhecido com certeza (realismo falível), e (3) todo o conhecimento exige avaliações e teste críticos para determinar a extensão para a qual eles de fato representam ou não ou correspondem à aquele mundo (realismo crítico)” (Hunt 1990, p.9) A figura 1 é uma representação gráfica da visão realista da ciência. Basicamente, cientistas através de seus processos de avaliação e teste produzem conhecimento legítimo sobre o mundo. Esses conhecimentos pedem para não serem conhecidos e são falíveis, mas aparentemente, de acordo com a terceira proposição de Hunt a extensão para a qual eles de fato representam ou não ou correspondem à aquele mundo pode ser determinada. Certamente tal visão da ciência parece plausível e convidativa. A ciência é vista como capaz de julgar as demandas dos conhecimentos e de controlar quando elas estão conformes com o mundo real. Se a ciência puder ser conduzida para este caminho, muitos relativistas aceitariam o realismo científico. Contudo, há um problema com essa visão que reduz o seu valor aparente – a não ser que a ciência possa conhecer com certeza o quão verdadeiro é o mundo real, é impossível julgar a extensão para a qual as demandas do conhecimento de fato correspondem àquele mundo. Em outras palavras, sem o conhecimento independente de um padrão (i.e., qual é a verdadeira realidade), como os cientistas podem saber o quão perto eles estão de atingir o padrão? É como defender que um time de futebol pode saber o que são 10 jardas ao marcarem um touchdown sem saberem onde é a linha do gol. Esta é a falácia do realismo, em que a extensão para a qual as demandas dos conhecimentos de fato representa a realidade e pode ser conhecida sem se saber qual realidade é de fato. A visão relativista/construcionista evita essa falácia ao reconhecer que padrões para se aceitar o conhecimento são desenvolvidos pela comunidade científica. Por exemplo, em muitas áreas do marketing a primeira barreira empírica para uma teoria é que os testes de suas hipóteses devem produzir efeitos estatisticamente significantes. Embora existam boas razões para as quais este padrão é fraco (ver Sawyer e Peter 1983), muitos estudos de marketing publicados o usam. (MINHA PARTE) Um segundo problema com a visão realista é mais evidente na Figura 1 – nada no realismo científico indica os processos em que as teorias são construídas ou criadas. Nenhuma conta é oferecida de onde as teorias vêm para que os cientistas as testem e avaliem. De algumas maneiras, esse é o retrato da insistência do empirismo lógico, em que a filosofia da ciência escolhe apenas a justificativa das demandas do conhecimento e evita dificultar as questões envolvidas em explicar como as teorias são criadas. Por ser uma filosofia da ciência adequada para o marketing, deveria incluir uma conta que não só inclua os processos envolvidos em testar e avaliar teorias, como também a criação e a difusão dessas teorias nas comunidades científicas, o realismo científico está em seu melhor incompleto. Foi defendido anteriormente no marketing que “a ciência cria muitas realidades” (Peter e Olson 1983, p.119), uma posição rejeitada pelo realismo científico (Hunt 1990, p.2). Uma explicação dessa constatação segue para que os leitores possam julgar qual visão da realidade faz mais sentido. Visão relativista da realidade A posição relativista/construcionista sobre a natureza da realidade é retratado na Figura 2. Ao contrário da interpretação do realismo científico sobre o relativismo, a visão relativista não possui problemas com a possibilidade de um mundo externo que é independente do cientista. Porém a diferença na perspectiva relativista é que nenhuma interpretação do mundo pode ser feita independentemente das sensações, percepções, processamento de informações, sentimentos, e ações humanas. Nenhuma interpretação significativa desse mundo pode ser feita para que não seja incluída alguma forma de processamento humano, tipicamente na forma de símbolos. Essessímbolos normalmente envolvem linguagem e matemática, dois exemplos de construções úteis da espécie humana. Uma filosofia adequada da ciência não deve apenas reconhecer que as sensações humanas e percepções são parte da ciência, mas também contar para o papel delas no desenvolvimento de conhecimento científico. A interpretação de Hunt do realismo científico falhou ao fazer isso. Contudo a visão relativista conta para aqueles fatores em vários níveis. Níveis: Um nível de análise envolve a visão global do cientista individualmente. Esse nível inclui todas as experiências prévias do cientista, treinamento, crenças a respeito do mundo, conhecimento de idiomas e significados, e habilidades. A consistência de uma teoria proposta com a visão diária do mundo de um cientista pode prover um tipo de “boa razão” para se acreditar nisso. Um próximo nível pode incluir um paradigma na pesquisa ou uma visão científica do mundo que uma pessoa traz ao enfrentar um problema de pesquisa específico. Esse nível pode ou não ser totalmente consistente com a visão global já que ele pode conter um idioma especial, análises matemáticas, e argumentos não comumente empregados em experiências diárias. Alguns pesquisadores são conhecedores de paradigmas múltiplos de pesquisas e podem aplica-los em tempos diferentes a problemas diferentes de maneiras produtivas. Porém, é mais provável que pesquisadores possuam um paradigma favorecido, possivelmente vindo de treinamentos em suas introduções formais de um campo específico, que domine a perspectiva adotada e ferramentas usadas na pesquisa. Por exemplo, muitos tipos de psicólogos, como cognitivistas, behavioristas e ambientalistas podem acreditar em teorias diferentes e usar diferentes métodos em suas pesquisas. De maneira semelhante, no marketing, modeladores matemáticos, experimentalistas, pesquisadores e interpretivistas normalmente usam diferentes abordagens para construir e investigar suas visões de realidade. O processo de construir uma teoria ou interpretação da realidade pode envolver várias situações. O cientista pode observar e interpretar fenômenos, ler e interpretar uma variedade de visões de outros cientistas, discutir as questões com outros, construir e examinar dados e inventar novas palavras ou símbolos para descrever suas ideias. Eventualmente, as conclusões podem ser tiradas a partir da forma que ele ou ela acredita que o fenômeno se dê. Como mostrado na Figura 2, a interpretação está encapsulada na visão global do cientista e no paradigma da pesquisa, que limita a interpretação de uma perspectiva específica. Neste ponto, é uma interpretação privada e mental da realidade. Interpretações mentais são publicadas na ciência por se transformarem em documentos escritos e apresentações orais. Para outros cientistas, incluindo editores e revisores, compartilhar uma interpretação da realidade é necessário ir por meio dos processos envolvidos em compreender as palavras e os significados dos argumentos, desenvolvendo uma interpretação compreensível da realidade, e decidindo quando eles acreditam nela ou não. Muitos problemas complicam esses processos. Por exemplo, cientistas podem inferir outros significados do que aqueles propostos pelo autor da teoria. Diferenças entre significados denotativos e conotativos para termos podem levar a uma má-interpretação. Podem existir diferenças nas crenças a respeito de quando a evidência empírica defende a teoria ou é resultado de outros fatores. A parte crítica da avaliação envolve quando a teoria é compatível com a visão global de outros cientistas, com paradigmas de pesquisas e com as interpretações pessoais deles a respeito do fenômeno. Além disso, outros cientistas podem ser influenciados por ideias putativas na teoria, pelo rigor aparente da pesquisa, pela perícia do design da pesquisa, ou pela claridade da escrita do documento. Eles podem ainda ser influenciados por fatores psicológicos e sociais ao formar suas crenças a respeito da teoria. Por exemplo, eles podem ser influenciados pelo status profissional e afiliação do autor da teoria, a qualidade do jornal em que ela foi publicada, comentários sobre a teoria vindos de colegas respeitados, e o grande número de outros pesquisadores que aceitam a teoria e começaram a estuda-la em suas pesquisas. A construção da realidade não é equivalente a sua interpretação. A razão para isso são os significados dados aos fenômenos, que são construídos pelos homens e limitados por fatores culturais, históricos e teóricos. Alguns significados são bem enraizados na sociedade e são facilmente compartilhados, como rótulos colocados em objetos (e.g., maçãs, cadeiras, etc.). Porém, existem diferenças claras entre a nomeação e no significado de um simples objeto através de idiomas e culturas. Os significados de termos mais complexos, como “atitude”, “fidelidade à marca”, ou “igualdade de marca”, se diferem por meio de teorias e paradigmas de pesquisa, até dentro de um mesmo idioma e cultura. Reconhecer que significados são determinados sócio e culturalmente não equipara o relativismo com o niilismo, solipsismo ou incoerência cobrado por Hunt. Um ponto importante nesta discussão é que mesmo para objetos simples, os rótulos colocados neles e seus significados são construções humanas na forma de linguagem, matemática ou outros símbolos; eles não são objetos propriamente ditos. Contudo, conceitos são confundidos facilmente com o fenômeno que eles deveriam representar. Por exemplo, Hunt (p.10) defende que a história mecânica Newtoniana nos dá uma razão para acreditar que algo como maçãs, árvores, planetas e estrelas de fato existem. Porém, as palavras são úteis para a comunicação em culturas que falam inglês, elas são conceitos cujos significados dependem da teoria. Por exemplo, os significados e diferenças entre os conceitos de “planeta” e “estrela” dependem de uma teoria; os significados e diferenças entre “estrela” e “vaca de dinheiro” dependem de outra. Em suma, não existe um caminho teórico único para se conhecer o que é um objeto ou, se ele de fato é um objeto. De maneira semelhante, dados empíricos não são equivalentes à realidade não interpretada. Dados empíricos são construídos por cientistas através de processos como mensuração e coleta de amostras; eles não são fenômenos de fato. Medidas não podem ser construídas significativamente a não ser que uma possua pelo menos uma teoria implícita do que se está medindo, ou seja, uma interpretação para guiar o desenvolvimento da medida. O significado deriva de medidas, que também depende completamente da interpretação a qual o cientista dão para eles acerca do que foi medido, como bem de qual perspectiva teórica eles vieram. Esse ponto é aquele que mostra quando filósofos afirmam que não existe um idioma observacional puro, que dados são carregados de teoria, e que “dados nunca falam de si mesmos” (Peter e Olson 1983, p.122). Consequentemente, dados empíricos não são critérios independentes para julgar o quão próximo da realidade está uma teoria porque eles dependem totalmente de teorias para seus significados e interpretações. Sem uma teoria que descreva, entre outras coisas, quais conceitos são putativamente medidos, dados empíricos são apenas números. Construções humanas na forma de idiomas, matemática, e outros símbolos são a “realidade” que cientistas analisam, avaliam, debatem, e comparam com suas crenças próprias. Como afirmado antes, essas construções da realidade não possuem sentido equivalente à realidade não interpretada tampouco existe um método para avaliar sua fidelidade à realidade não interpretada. Quando cientistascompartilham um entendimento e crenças a respeito de uma interpretação dada, surge o consenso. Porém, é comum na ciência existir mais de uma interpretação acerca de vários aspectos da realidade não interpretada. Cada uma das visões é uma construção, um conjunto de palavras e talvez números (dados) que cientistas criam. Para o reconhecimento que as teorias competem a crença de uma comunidade científica e a conta para fenômenos de maneiras diferentes, elas são construções alternativas da realidade. Esse ponto é aquele que corresponde a afirmação de que “a ciência cria diversas realidades” (Peter e Olson 1983, p.119). Mesmo em um nível filosófico, a razão pela qual existem tantas visões alternativas da ciência, incluindo vários tipos de realismo e relativismo, é que autores diferentes interpretam e descrevem de maneiras diferentes. Visões da natureza da verdade Existem vários significados diferentes para o termo verdade no realismo científico. Dois deles sugeridos por Hunt são descritos e avaliados aqui para determinar quando a “verdade” é o objetivo apropriado para as teorias e pesquisas em marketing. Uma visão relativista da verdade é então explicada. Visões realistas da verdade O primeiro significado é que a teoria é verdadeira se representar precisamente a realidade. Por exemplo, Hunt afirma (p.12) “Em conclusão, com respeito a verdade e o realismo científico, a perspectiva de Siegel (1983, p.82) parece uma afirmação jusa: “Demandar que uma proposição científica seja verdadeira não é o mesmo que demandar que ela é certa; ao contrário, é exigir que o mundo é da forma que a proposição diz que ele é.” Certamente, “exigir que o mundo seja da forma que a proposição diz que ele é” aparentemente sugere que o mundo é inequivocamente ou certamente como a proposição diz que ele é. A opinião citada parece, porém como se a segunda parte da afirmação não fosse uma refutação da primeira, e sim uma reafirmação. Em outras palavras, interpretando literalmente, essa é uma afirmação de conhecimento completo sobre o mundo ao invés de um conhecimento incerto sobre ele. Mesmo se alguém consentir que uma afirmação seja verdadeira é incerto, é difícil para relativistas aceitarem o significado da verdade. A razão para isso é baseada em se assumir que a ciência pode julgar a extensão para a qual as teorias correspondem ao mundo real sem saber independentemente o que ele é – isto é, essa visão da verdade sofre com a falácia do realismo. Uma segunda definição da verdade no realismo científico é diferente, porém relacionada com a primeira (Hunt 1990, p.9) “McMullin (1984, p.26) afirma sucintamente o quarto e último princípio: a demanda básica feita pelo realismo científico... é que o sucesso longevo de uma teoria científica dá razão para se acreditar que alguma coisa as entidades e estruturas postuladas pela teoria existam de fato”. Hunt reafirma em termo de marketing (p. 11): “Aplicando-se a ciência social e do marketing, o realismo científico mantém que, para a extensão, existem teorias que possuem sucesso longevo ao explicar e predizer fenômenos, ou auxiliando na solução de problemas pragmáticos na sociedade, de forma que nós temos garantia ao acreditar que algo como as entidades postuladas e suas estruturas de relacionamento existam, ou seja, que elas de fato representam ou correspondem à realidade externa ao teórico”. Aqui o argumento é que para a extensão de que uma teoria possua “sucesso longevo” ao explicar e predizer fenômenos e resolver problemas pragmáticos da sociedade, de forma que nós temos garantia ao acreditar que “algo como” as entidades postuladas de fato existam e que a teoria é verdadeira. Contudo, se uma teoria tiver sucesso ao predizer, explicar e resolver problemas práticos, a própria inferência parece ser que a teoria é útil, e não que seja verdadeira e que as entidades existentes nela existam de fato. O fato de uma teoria, como a física Newtoniana, funcione não a torna verdadeira, a torna útil. A visão relativista da ciência tem argumentado consistentemente que diferentes tipos de utilidade são objetivos mais apropriados para o marketing do que para a verdade (e.g., Olson 1982; Peter 1991; Peter e Olson 1983,1989). Os padrões para qual tipo de utilidade é julgado importante são definidos pela comunidade científica. Por exemplo, alguns pesquisadores acadêmicos acreditam que seus trabalhos deveriam ser úteis para ajudar gerentes de marketing a desenvolverem estratégias de sucesso, enquanto outros procuram conhecimentos acerca de fenômenos do marketing para seus próprios propósitos. Visão relativista da verdade A partir da perspectiva relativista, a verdade é uma construção, um conceito desenhado para se referir a um tipo particular de crença contido em um contexto específico. Afirmar que uma proposição seja verdadeira é afirmar que uma crença subjetiva que alguém acredita sobre ela seja verdadeira. A ideia de que a verdade pode ser determinada universalmente e independentemente de construções e crenças humanas acerca da realidade não-interpretada é visto como impossível. Em suma: “a verdade é uma avaliação científica que não pode ser inferida propriamente fora do contexto proveniente da teoria” (Peter e Olson 1983, p. 119). Acima de tudo, então, ao parecer existir nenhuma razão pela qual adotar uma visão relativista da realidade ou verdade fez o sucesso da ciência durante os últimos 400 anos “totalmente inexplicável” ou um “milagre” como defendido por cientistas realistas (Hunt 1990, p.3,9). Ao contrário, é a utilidade das teorias que promove o sucesso da ciência nos últimos 400 anos. Só porque uma teoria é útil, porém, não prova que ela seja verdadeira no sentido de que ela capta a realidade. A questão da incomensurabilidade Incomensurabilidade é a ideia de que as escolhas entre paradigmas que competem entre si não são criadas puramente na base de uma lógica formal e dados empíricos. Ao contrário, outros fatores como o treinamento e experiências de pesquisadores, suas crenças sobre o mundo, sua persuasão sobre aqueles que defendem várias teorias, o status e número de outros cientistas que acreditam em uma teoria, e uma variedade de outros fatores psicológicos e sociais são necessários para explicar porque comunidades de pesquisa aceitam paradigmas diferentes. O realismo científico rejeita a incomensurabilidade como “incoerente” e “relativista” (Hunt 1990, p.4,5). Vários motivos podem ser oferecidos para que relativistas valorizem o conceito de incomensurabilidade, três deles são evidências históricas, as falácias dos filósofos, e o valor prático. Evidências históricas para incomensurabilidade A história da ciência indica que existem ocasiões em que pesquisadores trocam crenças de uma visão para outra por motivos que vão além da lógica formal e dados empíricos (e.g. Kuhn 1962,1970). Porém muitos filósofos discordam das visões de Kuhn, outros, como vários historiadores, sociólogos e psicólogos da ciência, acham a ideia útil para descrever mudanças nas crenças científicas. Porem, essa visão relativista reconhece que paradigmas múltiplos podem coexistir em um campo porque um paradigma não necessariamente substitui o outro. A razão é que existem construções múltiplas da realidade não-interpretada que diferentes cientistas consideram útil para descrever e predizer eventos, e solucionar problemas. Anderson (1986) fornece vários exemplos de paradigmas incomensuráveis em pesquisas de marketing e consumidores. A Falácia dos Filósofos aplicada a incomensurabilidade Um segundo motivo para se acreditar no valor do conceito da incomensurabilidade vêm da falácia dos filósofos. ComoHunt (1990, p. 7) destaca, “basicamente a falácia dos filósofos é levar um termo e matéria a uma “alta redefinição” que ele não possa ser aplicado a mais nada”. Certamente, se algum conceito da filosofia da ciência for o sujeito de uma falácia dos filósofos ele é incomensurável. Por que alguns filósofos da ciência se sentiriam tão ameaçados por um conceito e sujeito tão ridículo que mesmo Kuhn o tratou uma vez como uma “visão neo-positivista” (Suppe, 1977, p.647)? Um motivo provável para tal preocupação acerca da incomensurabilidade é o impacto que sua aceitação geraria na filosofia da ciência. Percebe-se que a filosofia da ciência se encontrava em um “estado de crise” enquanto o trabalho de Kuhn era debatido. Dois processos de uma conferência que aconteceu em 1969 retratam o caos da filosofia da ciência sendo a maior contribuição de Suppe (1977). Naquela época, a “visão recebida” havia sido rejeitada e os filósofos procuravam e avaliavam outras alternativas. O principal problema para alguns filósofos da ciência aceitarem a ideia de incomensurabilidade, antes e agora, é que tal aceitação reduz drasticamente a importância da filosofia da ciência na sociedade assim como nas habilidades do campo de manter seus objetivos. A razão é que aceitar a incomensurabilidade requer que os filósofos aceitem outros fatores, tais quais processos sociológicos e psicológicos como necessários para se dar uma visão completa do desenvolvimento e significado das teorias científicas e do crescimento do conhecimento científico. Os métodos da filosofia da ciência não são completamente adequados para se analisar fatores como os processos sociológicos para os quais existe um consenso sobre o conhecimento e processos psicológicos que formam as crenças dos cientistas. Aceitar a incomensurabilidade seria para os filósofos deixar seus campos com, no máximo, teorias incompletas sobre a ciência, como o realismo científico. O jeito de eles escaparam desse dilema é afirmando que a incomensurabilidade é “incoerente” e que quaisquer razões para se aceitar uma teoria, fora da lógica formal e dados empíricos, são “irracionais”. Valor prático da incomensurabilidade Uma terceira razão para se aceitar a incomensurabilidade é prática – o conceito incentiva o desenvolvimento de visões múltiplas e proporciona aos pesquisadores a liberdade de usar informação vinda de uma variedade de paradigmas ao invés de julgar uma como verdadeira e o resto como falsas. Por exemplo, cognitivismo e behaviorismo representam paradigmas diferentes. No geral, teorias cognitivas veem o comportamento como sendo controlado por estados e processos cognitivos e afetivos. Teorias de comportamento veem o comportamento como controlado pelo ambiente. Embora ambas as perspectivas possam ser valiosas quando aplicadas a problemas específicos do marketing, elas são, em uma palavra só, incomensuráveis porque ambas tentam explicar o comportamento, porém de maneiras diferentes. De maneira semelhante, realismo e relativismo são incomensuráveis já que ambos tentam explicar a ciência, porém de maneiras diferentes. Conclusões e implicações A comparação entre as visões realista e relativistas da ciência mostram que ambas as perspectivas rejeitam o positivismo e empirismo lógico, e a falsificação como filosofias aceitáveis da ciência para o marketing. As duas perspectivas veem teorias concordam que nenhuma abordagem na ciência garante o progresso científico. Ambas as perspectivas veem teorias de sucesso longevo como critério importante para julgá-las. Porém, o realismo científico considera o sucesso longevo uma medida de verdade e contato com a realidade, enquanto a perspectiva relativista a vê como um tipo de utilidade. As maiores discordâncias entre as duas visões referem-se à natureza da realidade, e ao valor do conceito de incomensurabilidade. O realismo científico sugere que a extensão para a qual o conhecimento demanda de fato corresponde ao mundo real pode ser determinada, porém sem muita precisão. A visão relativista sugere que a ciência pode criar teorias úteis ou interpretações da realidade, porém não possuem nenhum método independente para avaliar o quão próximo da realidade a teoria está. O realismo científico defende que a verdade é um objetivo apropriado para a ciência do marketing, porém a verdade absoluta é inalcançável. Relativistas defendem que objetivos alcançáveis de utilidades variadas são determinados pela comunidade científica. O realismo científico rejeita a incomensurabilidade enquanto a visão relativista a aceita como um conceito útil. Acima de tudo, um progresso considerável tem sido feito no desenvolvimento e na atualização das visões do marketing sobre a ciência desde os princípios da crise literária. Ao invés de se debater visões abandonadas da ciência, os acadêmicos do marketing estão preocupados agora com visões mais atuais e criando novas visões da ciência. Além disso, ao desafiarem visões tradicionais da ciência, a crise literária ajudou a estabelecer uma tradição de pesquisa valiosa para o marketing e comportamento do consumidor. O debate acerca das visões da ciência tem sido saudável para o marketing já que vem forçando suas teorias a pensar cautelosamente sobre qual eles devem acreditar e por que. Dada a diferença nas hipóteses básicas sobre a natureza da realidade, o realismo científico e relativismo provavelmente nunca serão totalmente integrados um ao outro. Os que acreditam em ambas as visões possuem bons motivos para acreditar naquilo que acreditam, e defendem que aspectos de ambas as visões podem ser encontrados na literatura de estudos científicos. Existem diferenças honestas entre as crenças sobre a ciência e sobre qual abordagem oferece uma promessa melhor para o desenvolvimento do conhecimento do marketing. A integração de visões filosóficas não é tarefa mais crítica ao enfrentar teóricos do marketing. Ao contrário, teóricos do marketing com visões filosóficas necessitam de foco para saber quais ideias de suas visões contribuem para a construção e avaliação das teorias do marketing e quais implicações elas tem para se desenvolver uma ciência do marketing mais útil. Por exemplo, Hunt (1990, p. 13) defende que muitos pesquisadores do marketing já aceitam o realismo científico. Talvez isso explique porque pesquisadores do marketing coloquem tanta ênfase em teorias testadas empiricamente, teorias frequentemente emprestadas para outros campos. O realismo científico incentiva tal comportamento porque ele oferece nenhum guia para se criar teorias para os pesquisadores do marketing e os leva a acreditar que a pesquisa empírica pode de fato determinar a realidade. Porém, se for o caso, nós esperaríamos que a pesquisa do marketing teria produzido um grande número de generalizações empíricas, algo que não aconteceu. Já que os testes empíricos não conseguem determinar a verdade como correspondente a realidade, a visão relativista defende que os acadêmicos do marketing põe menos ênfase na pesquisa empírica tradicional. Ao contrário, acadêmicos do marketing deveriam investir mais de seu tempo e esforços na criação e desenvolvimento de teorias novas e úteis para o campo. O trabalho de Wicker (1982) fornece ideias úteis na criação de novas teorias e conceitos. A ênfase no realismo científico na procura da verdade pode ser motivo do porque tantos pesquisadores do marketing colocam tanta ênfase ao se fazer o teste da teoria que procura a verdade geral. Na verdade, o realismo científico pode ser atrativo para muitos pesquisadores porque ele apoia e reforça as práticas atuais de pesquisa e prejudica ao invés de encorajar uma mudança no campo. A visão relativistareconhece que a pesquisa básica pode ser útil em influenciar as crenças de uma comunidade de pesquisa. Porém, por essa visão não apoiar a ideia de que a pesquisa básica pode produzir a verdade universal (verdade correspondente a realidade), ela apoia a defesa dos pesquisadores do marketing em colocar grande ênfase em encontrar soluções úteis para problemas específicos. Mesmo uma solução parcial de problemas como a distribuição de comida para pessoas famintas do Terceiro Mundo, a entrega de suprimentos para os pobres e sem-teto, o mau uso de drogas e a epidemia da AIDS podem prevalecer sobre uma solução consensual sobre as questões das pesquisas básicas atualmente examinadas no campo que procura generalizações. As ideias relevantes são poucas naquilo que difere o que pode tornar determinada abordagem filosófica do marketing aceitável. Uma maior atenção dos realistas e relativistas científicos de suas visões para cientistas praticantes poderia aumentar consideravelmente o valor de seus trabalhos no campo do marketing.
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