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texto de psicologia do desenvolvimento

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Geração ritalina 
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,geracao-
ritalina,1000603,0.htm 
Crianças agitadas e ‘impossíveis’ são mensageiras das agitações e 
impossibilidades dos pais nelas refletidas 
ROSELI FISCHMANN* 
O aumento do consumo de ritalina e congêneres sinaliza como a medicalização 
de crianças e adolescentes, em substituição a processos educacionais mais 
plenos, tem sido um caminho “confortável” para famílias, escolas e sociedade, 
apesar de ser apenas aparente solução para situações vividas. 
Agitação em que vivem os adultos reposiciona as crianças na vida familiar 
Em nada auxilia o trabalho educativo dos pais, o que se verifica nas estruturas 
domésticas, qual seja, a passagem dos sistemas tribais (em que todos são 
responsáveis por todas as crianças do clã, vivendo em amplos espaços 
compartilhados) para sistemas de unidades familiares (alojadas em imóveis 
urbanos exíguos). Mesmo se não pensarmos em clãs, há o fato de essas 
famílias nucleares serem cada vez menores, contrapondo-se ao tempo não tão 
remoto em que a família era maior, com ascendentes convivendo 
proximamente, assim como agregados diversos. 
O aumento da expectativa de vida e a ampliação das possibilidades de 
participação socioeconômica trazem situações novas. Avôs e avós estão no 
mercado de trabalho, sendo muitas vezes responsáveis pelo sustento familiar. 
Não há mais a figura da vovó velhinha contando histórias e fazendo bolinhos 
de chuva para os netos, sendo assim um apoio afetivo e emocional à formação. 
A criação e a educação dos filhos sobre os efeitos dos diversos tipos de 
pressão que vivem os pais, em ambientes cada vez mais competitivos, 
extrapolam o âmbito profissional. São pressões que se espraiam pela imagem 
propiciada por bens de consumo e usufruto de serviços, somadas ao ritmo 
acelerado pelo uso das tecnologias de informação, que também reformulam o 
conceito de tempo, agora composto com um espaço desdobrado em muitos (o 
presencial, o virtual instantâneo, o virtual latente, etc.). 
 
Toda essa agitação em que vivem os adultos reposiciona as crianças na vida 
familiar. Espera-se que a criança seja responsável por resultados e por compor 
parte da imagem de perfeição. É quando se insinua a tentação de lidar de 
modo mais “eficaz” com a “indisciplina” da criança. Se a preciosa 
espontaneidade infantil traz situações de “bagunça” doméstica, e suas 
habilidades motoras, em desenvolvimento, pedem amplidão para exercitar-se e 
acabam por precisar se acomodar ao espaço disponível, não é o caso de 
imediatamente rotulá-las como “problemáticas” e “hiperativas”, buscando o 
médico e a prescrição de drogas que as “ajustem”. 
Uma criança é uma vida em desenvolvimento, com necessidades diversas e 
ritmos próprios. Ela precisa da interação com adultos para conhecer limites e 
possibilidades - e não para receber a camisa de força de expectativas 
impróprias que apenas fazem transbordar as pressões vividas pelos pais. A 
individualidade de cada criança e adolescente não é indício de individualismo, 
mas de sinais que indicam direções necessárias para que possam se formar 
como seres íntegros, participativos na família e na sociedade, críticos e 
colaborativos, produtivos e felizes. 
Para trazer um paralelo com as pressões sobre os adultos, no livro Por que a 
Psicanálise? a francesa Elizabeth Roudinesco, psicanalista lacaniana e 
historiadora da cultura, afirma que nosso tempo colocou a depressão no lugar 
que foi antes ocupado por outras doenças - como a tuberculose no século 19. 
Isto é, como mal do século, voltando-se para desenvolver drogas que 
propiciem lidar com a dor sem enfrentar o que a provoca. 
Elizabeth Roudinesco aponta como essa eliminação medicamentosa da dor 
pode ser um modo de aumentar a alienação. Abrandar artificialmente a dor 
acomoda e conforma aqueles que, talvez exatamente pelo espírito crítico e 
inquieto, mais estejam propensos à depressão. E isso os anula. A autora 
ressalta: expressar-se, verbalizar a dor, debater até encontrar a fonte do 
incômodo, isso sim propiciaria o sentimento de “preciso fazer algo a respeito”, o 
que ajudaria a mudar as bases sociais que concorrem de modo tão intenso e 
extenso para a depressão. No caso das crianças que não se enquadram em 
casos clínicos, mas que vão de roldão, o uso de drogas é menos e pior que um 
paliativo. Porque caberia perguntar: paliativo para o quê? 
A educação de crianças e adolescentes tem na autonomia um de se us fins 
mais inquestionáveis e decisivos, amparada em capacidade crítica e reflexiva, 
bem como na responsabilidade pelas escolhas que se faz. Autonomia não 
significa isolamento ou egoísmo. Ao contrário, exige a plena assunção da 
alteridade, da vida com os outros, que são a outra face que se impõe 
eticamente e nos indica até onde podemos ir, com o que podemos contar, o 
que devemos respeitar, concordando ou não, apreciando ou não. 
 
Já a heteronomia, ou seja, a definição dos próprios atos e atitudes por outrem, 
está fora do horizonte educacional. Um dos maiores equívocos em relação à 
disciplina é supor que a determinação a partir de fora possa ser positiva para 
uma criança. Embora rotina e normas que se deve cumprir sejam parte 
indispensável da formação da criança, a autodisciplina tem valor insuperável. 
Por isso, educar é trabalhoso e exige disponibilidade, atenção e abertura para 
o ser da criança. Educar uma criança é também educar-se, porque gera 
oportunidades de desenvolvimento para o próprio adulto que não se 
apresentam em outras situações. O reconhecimento do ganho do processo 
educativo também para os pais, exatamente por todo o trabalho que exige, é o 
maior apoio que se pode ter. 
Finalmente, mesmo para um mundo imerso nas expectativas do que se espera 
que um filho ou uma filha possa atingir, vale lembrar o pensamento do prêmio 
Nobel de Medicina e um dos criadores da etologia, o estudo do comportamento 
animal (o ser humano aí incluído), Konrad Lorenz, no livro A Demolição do 
Homem. Ao indicar que ética e amor devem ser os pilares para a criação de 
crianças desde a mais tenra idade, Lorenz traz o tema da curiosidade. Afirma 
que muito frequentemente famílias e escolas podam radicalmente a 
curiosidade das crianças, como se fosse inadequada. Até pelo modo de os 
pequenos muitas vezes, involuntariamente, saírem-se com perguntas que 
causam constrangimento. Lorenz afirma que a curiosidade é a base do amor e 
do pensamento científico. Sabe-se que, para a ciência, propor questões é 
fundamental, e para isso, há que se olhar o mundo com olhos sempre novos. E 
como se liga a curiosidade ao amor? Lorenz lembra que um dos mais claros 
indícios de interesse afetivo por alguém é a imensa vontade de saber mais 
sobre aquela pessoa, dos aspectos mais simples (residência, idade, lugares 
que frequenta, etc.) aos mais complexos (opiniões, histórias e vivências). Esse 
interesse é, de fato, curiosidade. E, sem poder expandir e expressar essa 
curiosidade, o amor não se apresenta, nem se desenvolve. 
Assim, as crianças agitadas e tomadas como “impossíveis” podem ser 
exatamente as mensageiras das agitações e impossibilidades parentais, nela 
refletidas, que pedem atenção com os adultos. Como podem ser também 
mensageiras de toda curiosidade que têm e nelas se agita, enquanto traz 
consigo todas as possibilidades de amor e conhecimento que se concretizarão, 
bem encaminhadas a energia, a disposição e a curiosidade, em vez de 
sufocadas por um medicamento que as fará, sim, “obedientes”, mas ao custo 
de homogeneizar friamente o que apenas pede crescimento, luz e calor. 
*ROSELI FISCHMANN É COORDENADORA DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DAUNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO 
PAULO E DOCENTE DA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA USP

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